CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Lutas, Mulher, Teoria

A libertação da mulher é uma necessidade da revolução, garantia da sua continuidade, condição do seu triunfo

O coletivo Cem Flores apresenta um texto em homenagem ao Dia Internacional da Mulher. Trata-se de uma intervenção do Presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Camarada Samora Machel, na I Conferência Nacional da Mulher Moçambicana, realizada em 4 de Março de 1973. Nesse discurso, que virou um documento de orientação para o trabalho de base da FRELIMO, o Camarada Samora Machel destaca um aspecto crucial da luta pela emancipação da mulher: o de que a contradição principal não é entre homens e mulheres, mas sim entre explorados e exploradores e que a luta da mulher necessariamente é a luta pela construção da revolução.

SamoraM

Prefácio

A participação da mulher moçambicana na Luta de Libertação Nacional foi imprescindível para a nossa vitória. A mulher moçambicana na luta armada foi a combatente determinada na frente da guerra; a militante consciente na frente organizacional, da educação e da saúde; foi a camponesa engajada na frente da produção.

A libertação da iniciativa criadora e das capacidades da mulher e a força do seu exemplo na transmissão das ideias novas, foram fatores decisivos no triunfo sobre a mentalidade retrógrada e contra as ideias tradicionalistas e reacionárias.

Sob a direção da FRELIMO, a luta da mulher pela sua emancipação e o seu enquadramento no Destacamento Feminino e na Organização da Mulher Moçambicana, foram passos fundamentais para a transformação da Luta de libertação Nacional em Revolução e para a criação das bases do Poder Popular.

O texto do Camarada Presidente Samora Machel que o Departamento do Trabalho Ideológico do Partido FRELIMO agora reedita — A LIBERTAÇÃO DA MULHER É UMA NECESSIDADE DA REVOLUÇÃO. GARANTIA DA SUA CONTINUIDADE E CONDIÇÃO DO SEU TRIUNFO — sintetiza toda esta experiência de luta. Por isso ele foi o documento de base da I Conferência Nacional da Mulher Moçambicana, realizada em 4 de Março de 1973. Por isso ele continua a ser hoje um instrumento indispensável de estudo para a nova geração de mulheres moçambicanas que, não tendo vivido a Luta Armada de Libertação Nacional, se engajam através da Organização da Mulher Moçambicana e das outras organizações democráticas de massas, na reconstrução nacional e na edificação das bases da sociedade socialista.

Com efeito, para que a mulher da cidade e do campo se engaje nas tarefas desta nova fase da nossa Revolução, tal como foi definido na 2.ª Conferência Nacional da OMM, em Novembro de 1976, é necessário compreender o que foi a situação da mulher no passado, na sociedade tradicional feudal e colonial capitalista. É esta análise que permite assumir que a eliminação total da exploração e a edificação da sociedade socialista passam necessariamente pela libertação da mulher e pela sua integração na tarefa principal da sociedade. Estes são alguns dos principais ensinamentos do texto “A LIBERTAÇÃO DA MULHER ”, do Camarada Presidente Samora Machel.

O seu conhecimento é portanto imprescindível a todos os militantes, porque a questão da emancipação da mulher é uma das questões centrais da Revolução. Só compreendendo os mecanismos materiais e ideológicos da sociedade exploradora, particularmente os mecanismos da opressão e sujeição da mulher, estaremos armados para o combate às tradições negativas, contra as sequelas do colonialismo e pela sociedade nova.

Departamento do Trabalho Ideológico da FRELIMO Maputo, Julho de 1979

 

Introdução

Em 4 de Março de 1973, em implementação das recomendações do Comité Central da FRELIMO reunido em Dezembro de 1972, realizou-se a Primeira Conferência da Mulher Moçambicana. Mulheres de todas as Províncias de Moçambique, de todos os sectores da luta, originárias de diferentes estratos sociais, com diferentes níveis educacionais, jovens e idosas, reuniram-se pela primeira vez na nossa História, para discutirem a condição da mulher, a luta pela sua emancipação, os meios de engajar a mulher moçambicana no combate e processo libertador que vive a nossa Pátria.

O Camarada Samora Moisés Machel, Presidente da FRELIMO, ao proceder à abertura da Conferência, proferiu o presente discurso, que a Conferência adoptou unanimemente como documento de base para orientação dos seus trabalhos.

Ao publicar este texto, temos em vista aumentar a bagagem ideológica dos militantes da FRELIMO, levar-lhes a compreender melhor os mecanismos da sociedade exploradora, os fundamentos e natureza dos antagonismos que nos opõem a ela, a estratégia e táctica do nosso combate.

Departamento de Informação e Propaganda Janeiro de 1974

 

 

Camaradas Membros do Comité Central,

Camaradas Membros do Comité Executivo, Camaradas Delegadas,

Camaradas Observadoras e Observadores, Camaradas,

Este é um momento histórico, glorioso, na vida da nossa Organização.

Pela primeira vez, tem lugar uma Conferência das Mulheres Moçambicanas engajadas em todos os sectores de atividade, no quadro da nossa Revolução. Pela primeira vez, militantes da FRELIMO juntam-se para porem em comum os seus esforços e conjuntamente traçarem uma estratégia para a emancipação da mulher.

Neste momento queremos saudar calorosamente, em nome do Comité Central da FRELIMO, todas as delegações aqui presentes.

Permitam-nos dirigir uma saudação particular às delegadas das Províncias em luta, que deixaram sectores importantíssimos de trabalho para, com a sua presença e experiência, contribuírem para o sucesso desta Conferência. A presença delas aqui é prova da sua compreensão do valor desta Conferência e garantia do sucesso dos nossos trabalhos.

Saudamos as camaradas de Cabo Delgado que heroicamente lutam em todas as frentes, muitas delas desde o início da guerra, fazendo avançar e consolidando-a Revolução, desferindo golpes tremendos às forças colonialistas e reacionárias.

Saudamos as camaradas que vêm do Niassa, Província tão vasta mas com população tão reduzida. As dificuldades que estas camaradas enfrentam são grandes — mas elas sabem superá-las, demonstrando uma determinação e espírito revolucionário inquebrantáveis, defendendo dia a dia as ideias centrais da nossa Organização, transportando material, mobilizando as populações, produzindo e alimentando os guerrilheiros, criando condições para que no Ocidente, no Oriente, no Sul desta Província a presença da FRELIMO permaneça incontestada.

As camaradas de Tete têm uma responsabilidade especial. Esta é uma Província de grande importância estratégica, que representa como que a porta para a libertação de toda a África Austral, e é o centro do conflito direto entre as forças revolucionárias e as forças da reação. Saudamos com calor as camaradas vindas de Tete, e felicitamo-las por terem assumido tão completamente as palavras de ordem da nossa Organização, e em cerca de 4 anos apenas, ao lado dos homens seus companheiros de armas, terem sabido transportar o facho da liberdade através de toda a Província de Tete, fazendo-o entrar e iluminar já também Manica e Sofala.

Queremos saudar as camaradas que nas zonas ocupadas ainda pelos colonialistas portugueses realizam o trabalho clandestino. Atuando no seio do inimigo, sujeitas a riscos incalculáveis, submetidas às tentações de corrupção em que o inimigo é especialista — estas camaradas, pondo os interesses do povo acima de tudo, enfrentam os riscos e recusam a corrupção, criando condições para o desencadeamento da luta armada, fornecendo-nos informações valorosíssima e dando uma contribuição importantíssima para o progresso da nossa luta de libertação. Queremos por último envolver numa saudação especial as camaradas que trabalham nos campos da FRELIMO no exterior, nos vários sectores de atividade. Na representação, onde desempenham um papel de relevo para o abastecimento das novas frentes. Na Escola Secundária onde se preparam os quadros que vão assumir a nossa orientação, descobrindo os segredos da ciência e destruindo os mitos, para mobilizar a sociedade e a natureza em favor da revolução.

Saudamos também as camaradas do Hospital Américo Boavida, que realizam o nosso princípio de pôr os serviços de saúde ao serviço das massas, tratando os feridos de guerra e os doentes, para os habilitarem a regressar à luta, e formando quadros que nas linhas da frente defenderão a saúde do nosso Povo.

As camaradas do CPPM merecem uma saudação especial. Elas realizam uma missão delicada e difícil — transformando homens e mulheres dominados por ideias velhas e preconceitos, em combatentes conscientes e prontos a destruir as forças físicas e morais de exploração e opressão do inimigo.

Três tarefas decisivas recaem sobre as camaradas do nosso viveiro. Formar a nova geração, criar nas crianças a mentalidade nova que lhes permitirá serem autênticos continuadores da revolução. Ensinar os alunos, para que, assumindo a nossa linha, dominem a ciência e se tornem agentes transformadores da sociedade. Transformar as esposas dos militantes em militantes ativas elas próprias, em autênticas mães da revolução.

A estas nossas camaradas, que hoje aqui nos acolhem para realizarmos a nossa Conferência, endereçamos as nossas calorosas saudações, conscientes como estamos do seu importante papel de educadoras.

Podemos com orgulho dizer que esta Conferência é uma grande vitória. Vitória contra o obscurantismo e tradições que condenam a mulher à passividade, vitória contra a sociedade exploradora que escraviza a mulher. Vitória da revolução, que liberta os explorados e oprimidos, liberta a iniciativa das massas.

Mas as vitórias também se constroem e se alimentam do sangue e sacrifício. Muitas mulheres, muitos homens, aqui deveriam estar hoje conosco. Elas e eles, que pelo combate contra o inimigo, pelo combate interno realizado, criaram as condições políticas, morais e mesmo físicas, para que nos reuníssemos aqui.

Eles não estão fisicamente conosco. Os seus corpos são as pontes que nos permitem avançar. Uns, consumiram a vida num ato heroico final; outros, cada dia da sua vida foi um ato heroico, um exemplo de servir as massas, de defesa da linha.

Somos o que somos pelos sacrifícios e sangue que fertilizam e regam a revolução. É justo pois, que, ao iniciarmos a nossa Conferência, observemos um minuto de silêncio em memória das mulheres e homens que caíram servindo o povo, servindo a revolução.

Aqui se reúnem mulheres vindas de todas as Províncias, de todas as Regiões e grupos étnicos do nosso País, com vários níveis de educação e cultura. Aqui se encontram mães e mesmo algumas avós, lado a lado com jovens solteiras. Temos presentes professoras, instrutoras, soldados, enfermeiras, alunas, como presentes estão camponesas. Convosco participarão nos trabalhos, homens, vossos camaradas de combate, não só na libertação da Pátria, como ainda na própria luta pela emancipação da mulher.

A revolução e a emancipação da mulher

a) O contexto histórico da Conferência

Esta Conferência realiza-se num momento histórico particular da vida da nossa Organização. É este contexto histórico que situa a importância da Conferência, o seu significado profundo no processo da Revolução. Acabámos de celebrar o décimo aniversário da criação da FRELIMO. A criação da unidade do Povo Moçambicano do Rovuma ao Maputo forneceu-nos o instrumento indispensável para o desencadeamento do processo de libertação. É a unidade que constitui a força motriz da nossa ação. A transformação da nossa unidade em força operativa, por outras palavras, o desencadeamento da luta armada em 25 de Setembro de 1964, criou as condições para o início de um processo radical de transformações no nosso País.

A celebração recente do oitavo aniversário do começo da luta armada de libertação nacional reveste-se numa grande importância, porque a luta já se transformou em Revolução e esta estende-se, progressivamente, a todas as regiões da nossa Pátria, como o testemunha a recente abertura da frente de Manica e Sofala.

O oitavo aniversário que celebrámos corresponde a uma fase avançada do processo de desagregação do esforço militar e político do inimigo. Entramos agora, como definiu a recente reunião do Comité Central, numa etapa de ofensivas generalizadas das nossas forças no domínio político-militar, uma etapa que conduzirá ao estabelecimento duma correlação de forças com o inimigo a nosso favor.

A clarificação constante e o aprofundamento da nossa linha, que têm vindo a realizar-se nestes 4 anos e meio que se seguiram ao II Congresso, tornaram possível os sucessos obtidos, forneceram-nos a orientação necessária que nos permitiu chegar ao momento presente. É este o contexto em que amadureceram as condições que nos levaram à convocação desta Conferência.

O início desta Conferência quase coincide com o dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, dia em que toda a humanidade progressista reafirma solenemente o seu apoio à luta da mulher pela sua libertação. Esta coincidência feliz deve ser um estímulo para nós, pois nos chama a atenção para o facto de a nossa luta não estar isolada, nos mostra que o combate da mulher é um combate da humanidade e nos faz sentir os progressos já realizados.

O objetivo central da Conferência é o de estudar as questões referentes à emancipação da mulher, encontrar as linhas de ação que a levarão à sua emancipação. Mas uma pergunta surge: Porquê preocuparmo-nos com a emancipação da mulher? Põe-se ainda outra questão: qual a razão para convocarmos agora esta Conferência?

Existem pessoas no nosso seio, a organização está consciente disso, que acham que devemos consagrar todos os nossos esforços à luta contra o colonialismo, que a tarefa da emancipação da mulher neste quadro é secundária, pois leva-nos a um desperdício das nossas forças. Acrescentam ainda que a situação em que vivemos, com escassez de escolas, com poucas mulheres instruídas, com as mulheres apegadas à tradição, não nos fornece as bases de partida para uma acção consequente; por isso importa aguardar a independência, a construção duma base económica, social e educacional sólida para desencadear a batalha.

Outros dizem ainda, interpretando tendenciosamente os Estatutos, que é necessário respeitar certas particularidades tradicionais locais, que não as podemos combater nesta fase, pois arriscamo-nos a perder o apoio das massas. Esses perguntam então: qual a necessidade, neste momento, de emancipar a mulher, quando a maioria esmagadora das mulheres é indiferente ao assunto? No fim de contas, concluem, a emancipação é artificial, é imposta pela FRELIMO às mulheres.

Esta é uma questão muito séria. Exige estudo e ideias claras.

b) A necessidade da emancipação

A emancipação da mulher não é um ato de caridade, não resulta duma posição humanitária ou de compaixão. A libertação da mulher é uma necessidade fundamental da Revolução, uma garantia da sua continuidade, uma condição do seu triunfo. A Revolução tem por objetivo essencial a destruição do sistema de exploração, a construção duma nova sociedade libertadora das potencialidades do ser humano e que o reconcilia com o trabalho, com a natureza. É dentro deste contexto que surge a questão da emancipação da mulher.

Duma maneira geral, no seio da sociedade, ela aparece como o ser mais oprimido, mais humilhado, mais explorado. Ela é explorada até pelo explorado, batida pelo homem rasgado pela palmatória, humilhada pelo homem esmagado pela bota do patrão e do colono.

Como fazer triunfar a Revolução sem libertar a mulher? Será possível liquidar-se o sistema de exploração, mantendo uma parte da sociedade explorada? Não se pode liquidar só uma parte da exploração e da opressão, não se pode arrancar metade das raízes da erva ruim sem que esta renasça mais forte ainda a partir da outra metade que sobreviveu.

Como fazer então a Revolução sem mobilizar a mulher? Se mais de metade do povo explorado e oprimido é constituído por mulheres, como deixá-las à margem da luta? A Revolução para ser feita necessita de mobilizar todos os explorados e oprimidos, por consequência as mulheres também. A Revolução para triunfar tem que liquidar a totalidade do sistema de exploração e opressão, libertar todos os explorados e oprimidos, por isso tem que liquidar a exploração e opressão da mulher, é obrigada a libertar a mulher.

Considerando ainda a necessidade fundamental de a Revolução ser prosseguida pelas novas gerações, como poderemos assegurar a formação revolucionária das gerações de continuadores, se a mãe, primeira educadora, se encontra à margem do processo revolucionário? Como fazer do lar do explorado, do oprimido, uma célula do combate revolucionário, um centro difusor da nossa linha, um estímulo para o engajamento da família, quando a mulher permanece apática a este processo, indiferente à sociedade que está sendo criada e surda ao apelo do Povo?

Dizer-se que a mulher não sente a necessidade de se libertar, ou que muitas vezes é a FRELIMO, e não as mulheres, quem defende a emancipação da mulher — é um argumento sem peso, que não resiste à análise. As mulheres sentem essa dominação, sentem a necessidade de modificar a sua situação. O que existe é que a dominação exercida pela sociedade, asfixiando lhes a iniciativa, impede-as frequentemente de exprimirem as suas aspirações, impede-as de conceberem os métodos da sua luta. É a este nível que intervém a FRELIMO, vanguarda consciente das mulheres e homens de Moçambique, do Povo oprimido; ela formula a linha, indica os métodos de combate.

Devemos compreender o fenómeno para evitar os falsos debates, os debates inúteis.

c) O momento de desencadear a batalha

Surge ainda a questão de saber qual é o momento oportuno para desencadear a luta pela emancipação da mulher.

Não podemos limitar o processo revolucionário a certos aspectos, negligenciando outros, porque a Revolução seria bloqueada, seria destruída. As raízes do mal que desprezamos para arrancar mais tarde transformar-se-iam em raízes de cancro que nos destruiriam, invadindo o corpo inteiro, antes de chegarmos a esse “mais tarde”.

A FRELIMO nas condições atuais já não pode fazer a luta armada sem fazer a Revolução. A condição para o desenvolvimento da luta armada é atingir as raízes da exploração. A ideia de esperarmos para, mais tarde, emancipar a mulher, é errónea, significa deixarmos as ideias reacionárias ganharem terreno para as combatermos quando estão fortes. É não combater o jacaré nas margens do rio, para o combatermos quando se encontra no meio da água.

A luta armada, agindo como cápsula incubadora, criou já as condições para que as massas estejam receptivas às ideias de progresso e revolução. Não desencadearmos a batalha quando as condições estão maduras é uma falta de visão política, um erro estratégico.

É esta ligação íntima e indissolúvel entre revolução e libertação dá mulher que nos permite compreender também porque é que só agora surge esta Conferência, e não há 5 anos atrás, por exemplo. Recuemos a uma outra experiência que vivemos: a LIFEMO. A LIFEMO criou-se em Mbeya, em Junho de 1966. Nessa reunião, onde só participaram praticamente elementos marginais na luta, elas elegeram uma direção ignorante da luta e do País, e fixaram-se algumas tarefas, fora das perspectivas reais da luta. Poucos meses depois da Conferência da LIFEMO, da sua Direção só restavam os nomes. Como um fruto podre, a LIFEMO decompôs-se por si própria. Porquê?

Quando a LIFEMO se constituiu, em que fase se encontrava a FRELIMO, a revolução moçambicana e a mulher? A FRELIMO ainda não tinha estruturas sólidas, a sua linha não estava suficientemente compreendida e assumida, porque ainda não fora posta à prova pela luta. Os seus quadros e direção não estavam suficientemente temperados pela luta, não possuíam experiência.

Esta situação em que a linha, embora clara, não está assumida, em que as estruturas não são sólidas, a direção não é experiente e os quadros não estão temperados, bloqueava o aprofundamento da linha na prática. Não podíamos distinguir o fundamental do secundário, definir corretamente as nossas tarefas, dando prioridade ao principal. Assim, encontrava-se ainda muito embrionário o processo de desenvolvimento da popularização da guerra, ponto de partida, nas nossas condições, para a transformação da luta em Revolução.

Podemos, pois dizer que, no momento da criação da LIFEMO, o processo revolucionário ainda se encontrava na sua fase inicial. Neste quadro compreende-se a dificuldade de se travar a batalha pela emancipação da mulher. Ela é inseparável do desenvolvimento da Revolução.

Por consequência, para a LIFEMO, falar de emancipação da mulher era apenas um exercício verbal, vazio, uma imitação do que se fazia no mundo, uma moda superficial.

Assim era porque nesse momento a mulher em geral não aparecia engajada na luta. E o que é mais importante ainda, as que estavam engajadas foram discriminadas, não foram convidadas a participar na Conferência. Sem engajamento, sem tarefa, a LIFEMO estava condenada a definhar, a tornar-se anêmica e morrer. E foi isto, precisamente, o que aconteceu.

Hoje existem realmente as condições para o desencadeamento vitorioso da batalha. A linha da FRELIMO foi assumida e aprofundou-se na prática, os nossos quadros ganham experiência, temperam-se na luta e assim o processo de purificação das nossas fileiras desencadeou-se. O processo revolucionário afirmou-se, a luta transformou-se já em Revolução, a unidade nacional torna-se unidade ideológica.

A participação da mulher na luta armada, tarefa principal na nossa etapa histórica, permite-lhe materializar a nossa unidade e cria as condições para a transformação da sua consciência: sentir-se responsável, aceder ao engajamento consciente, assumir a análise crítica, compreender que a sociedade é criada por nós. Sopra pois o vento da Revolução, e com ele obrigatoriamente sopra o vento da emancipação da mulher. O Comitê Central da FRELIMO fez-nos içar as velas, o momento é favorável para navegarmos.

Os fundamentos da alienação da mulher

a) O sistema de exploração como ponto de partida

É evidente que se falamos de emancipação da mulher isso significa implicitamente que ela é oprimida, explorada. Importa compreendermos as bases dessa opressão, dessa exploração.

Comecemos por dizer que a opressão da mulher é uma consequência da sua exploração, a opressão na sociedade é sempre o resultado da exploração imposta. O colonialismo não nos veio ocupar com o objetivo de nos prender, de nos chicotear ou dar palmatoadas. Ele invadiu-nos, ele ocupou-nos com o objetivo de explorar, as nossas riquezas, explorar o nosso trabalho. Para nos explorar, para suprimir a nossa resistência à exploração e impedir uma revolta contra ela, introduziu então o sistema de opressão. A opressão física, com os tribunais, a polícia, as forças armadas, as prisões, as torturas, os massacres. A opressão moral, com o obscurantismo, a superstição, a ignorância, destinados a destruir o espírito de iniciativa criadora, liquidar o sentido de justiça e crítica, reduzir a pessoa à passividade, à aceitação do estado de explorado e oprimido como coisa normal. Dentro do processo surge então a humilhação e o desprezo, porque aquele que explora e oprime tem tendência a humilhar e desprezar a vítima, considerá-la como naturalmente inferior. Aparece o racismo, forma suprema da humilhação e do desprezo mecanismo da alienação da mulher é idêntico ao mecanismo da alienação do homem colonizado na sociedade colonial, ou do trabalhador na sociedade capitalista.

A partir do momento em que a humanidade primitiva começou a produzir mais do que consumia, foram criadas as bases materiais para que no seio da sociedade surgisse uma camada que se iria apropriar dos frutos do trabalho da maioria. É esta apropriação do resultado do trabalho das massas por um punhado de elementos na sociedade que constitui a essência do sistema de exploração do homem pelo homem e o coração da contradição antagónica que há séculos divide a sociedade.

Logo que se desencadeou o processo de exploração, a mulher na sua generalidade, como o homem, foi submetida à dominação das camadas privilegiadas. A mulher é também um produtor, um trabalhador, mas com qualidades particulares. Possuir mulheres é possuir trabalhadores, trabalhadores gratuitos, trabalhadores cuja totalidade do esforço de trabalho pode ser apropriada sem resistência pelo esposo, que é amo e senhor. Casar-se com muitas mulheres na sociedade de economia agrária torna-se um meio certo para acumular muitas riquezas. O marido assegura-se de uma mão-de-obra gratuita, que não reclama nem se revolta contra a exploração.

Daí a importância da poligamia nas zonas rurais de economia agrária primitiva. A sociedade, compreendendo que a mulher é uma fonte de riqueza, exige que um preço seja pago. Os pais requerem do futuro genro o pagamento dum preço, o “lobolo”, para cederem a filha. A mulher é comprada, herdada, como se fosse um bem material, uma fonte de riquezas.

Mas mais importante ainda: comparada com o escravo, por exemplo, que também é uma fonte de riqueza, que também é um trabalhador gratuito, a mulher oferece duas outras vantagens ao seu proprietário: é uma fonte de prazer, e sobretudo, é uma produtora de outros trabalhadores, uma produtora de novas fontes de riqueza.

Este último aspecto é particularmente significativo. Assim, um marido terá na sociedade o direito de repudiar a mulher e de exigir a devolução do lobolo quando a mulher for estéril, ou o marido pensar que ela assim o é. Nota-se ainda que em muitas sociedades, conscientes do valor da força de trabalho dos filhos gerados pela mulher, se estabelece o princípio de que estes pertencem ao clã maternal, à família da mãe. Na nossa sociedade é também corrente a prática de os filhos continuarem a pertencer à família da mãe, sobretudo enquanto o marido não tiver satisfeito a totalidade do lobolo, isto é, o preço da compra dessas riquezas. É este contexto que produz a sobrevalorização da fertilidade da mulher, a transformação da relação homem-mulher em mero ato de procriação.

Mas uma situação particular surgiu. O explorador, graças à sua dominação sobre as massas, adquiria vastas riquezas, enormes propriedades, manadas de gado, ouro, jóias, etc. Apesar das riquezas, como todo o homem, continuava mortal. Punha-se então o problema do destino dessas riquezas; por outras palavras, a questão da herança torna-se fundamental. A mulher é a produtora dos herdeiros.

Compreendemos assim, que o ponto de partida da exploração da mulher e sua consequente opressão se encontra no sistema de propriedade privada dos meios de produção, no sistema de exploração do homem pelo homem.

b) Os mecanismos ideológicos e culturais da dominação

A sociedade da propriedade privada dos meios de produção, sociedade de exploração do homem, cria e impõe a ideologia e cultura que defenderão os seus valores, assegurarão a sua sobrevivência. A exploração económica da mulher, a sua transformação em produtor sem direitos, ao serviço do proprietário — esposo ou do proprietário — pai, exigem a elaboração da ideologia e cultura adequadas, a organização dum sistema de educação que as transmitam. É evidente que não se trata dum ato único e total, mas dum processo que se elabora e refina durante os milénios em que a sociedade existe.

O obscurantismo é o ponto de partida do processo. Manter a mulher na ignorância, ou só educá-la o mínimo necessário, é o princípio geral. Em toda a parte vemos que o analfabetismo é sempre superior nas mulheres que, embora constituam a maioria da população, aparecem sempre como minoria nas escolas, nos liceus, nas universidades.

As civilizações mais desenvolvidas do passado, como hoje ainda na sociedade capitalista, sempre mantiveram a ciência como monopólio do homem, seu domínio exclusivo. Manter a mulher separada da ciência é impedi-la de descobrir que a sociedade é criada em função de certos interesses precisos, e que por consequência é possível modificar a sociedade.

O obscurantismo, a ignorância, são irmãos gémeos da superstição e os pais da passividade.

Todas as superstições, as religiões, sempre encontraram o terreno mais fértil no seio da mulher, porque esta se encontrava mergulhada na maior ignorância e obscurantismo. Na nossa sociedade, os ritos e cerimónias aparecem como o veículo principal de transmissão dos conceitos da sociedade sobre a inferioridade da mulher, sobre a sua subserviência em relação ao homem. É a este nível ainda que se propagam numerosos mitos e superstições que se destinam objetivamente a destruir o espírito de iniciativa da mulher; e reduzi-la à passividade.

A própria educação familiar acentua e reforça estes diversos aspectos. Desde criança a rapariga é educada duma maneira diferente do rapaz, é-lhe inculcado um sentimento de inferioridade.

Nada disso é surpreendente: como dissemos, a sociedade exploradora fomenta a ideologia, a cultura, a educação que servem os seus interesses. Ela faz isso com a mulher, como o faz com o colonizado ou o trabalhador nos países capitalistas. Todos eles são mantidos deliberadamente na ignorância, obscurantismo e superstição, com vista a convencê-los a resignarem-se à sua situação, a inculcar-lhes o espírito de passividade e servilismo.

O racismo surge aqui: o colonizado é definido como ser humano de segunda categoria, em função da sua cor. A mulher é definida como ser humano inferior por causa do seu sexo. Nos países capitalistas da Europa dirão que a mulher é uma criatura com cabelos compridos e ideias curtas.

O processo de alienação mental atinge o ponto culminante quando o elemento explorado, reduzido à passividade total, já não consegue imaginar que possa existir uma possibilidade de libertação, e ele próprio se torna em agente difusor da teoria da resignação e passividade. Devemos reconhecer que a dominação multissecular da mulher a reduziu em grande parte a este estado de passividade, que a impede mesmo de compreender a sua condição.

c) A definição do antagonismo

Importa compreender corretamente a natureza da contradição ou das contradições que se encontram em jogo, pois só depois de as compreendermos estaremos em condições de definir os alvos do nosso ataque, conceber a estratégia e a táctica adequadas ao nosso combate.

Vimos que o fundamento da dominação da mulher se encontrava no sistema de organização da vida econômica da sociedade: a propriedade privada dos meios de produção, que necessariamente conduz à exploração do homem pelo homem.

Quer isto dizer que, na sua essência, a contradição entre a mulher e a ordem social, para além das condições específicas da sua situação, é a contradição entre ela e a exploração do homem pelo homem, entre ela e a propriedade privada dos meios de produção. Por outras palavras, essa contradição é a mesma que existe entre as massas populares trabalhadoras e a ordem social exploradora.

Sejamos claros neste ponto: a contradição antagónica não é entre a mulher e o homem, mas, sim entre a mulher e a ordem social, entre todos os explorados, mulheres e homens, e a ordem social. É esta situação de explorada que explica a sua ausência de todas as tarefas de concepção e decisão no seio da sociedade, que a exclui da elaboração das concepções que organizam a vida económica, social, cultural e política, mesmo quando os seus interesses estão diretamente afetados.

É este o aspecto principal da contradição: a sua exclusão da esfera de decisão da sociedade. Esta contradição só pode ser resolvida pela Revolução porque só a Revolução destrói os alicerces da sociedade exploradora e reconstrói a sociedade em bases novas, que libertam a iniciativa da mulher, a integram como ser responsável na sociedade e a associam à elaboração das decisões.

Por consequência, da mesma maneira que não pode haver Revolução sem libertação da mulher, a luta pela emancipação da mulher não pode triunfar sem a vitória da Revolução.

Devemos ainda dizer que os fundamentos ideológicos e culturais da sociedade exploradora, que mantém dominada a mulher, são destruídos pelo progresso da Revolução ideológica e cultural, que impõe à sociedade novos valores, novos métodos, novo conteúdo da educação e cultura. Mas, além desta contradição antagónica entre a mulher e a ordem social, surgem ainda, como reflexo, outras contradições que, com carácter secundário, opõem a mulher ao homem.

O sistema de casamento, a autoridade marital fundada exclusivamente no sexo, a frequente brutalidade do marido, a sua recusa sistemática em tratar a mulher como seu igual, constituem fontes de atritos e contradições. Por vezes mesmo, em certos casos limites, estas contradições secundárias, porque não resolvidas corretamente, agudizam-se e resultam em consequências graves, como o divórcio.

Mas não são estes factos, por graves que possam ser, que alteram a natureza da contradição.

Importa sublinhar este aspecto porque na nossa época presenciamos, sobretudo no inundo capitalista uma ofensiva ideológica que, sob a camuflagem de luta de libertação da mulher, pretende transformar em antagónica a contradição com o homem, dividindo assim homens e mulheres-—explorados, para impedir que combatam a sociedade exploradora. Na realidade, para além da demagogia que encobre a sua natureza real, esta ofensiva ideológica é uma ofensiva da sociedade capitalista para confundir as mulheres, desviar a sua atenção do alvo verdadeiro.

No nosso seio aparecem pequenas manifestações desta ofensiva ideológica. Ouvimos aqui e acolá, mulheres murmurarem contra os homens, como se fosse a diferença dos sexos a causa da sua exploração, como se os homens fossem uns monstros sádicos que tiram o seu prazer da opressão da mulher.

Homens e mulheres são produtos e vitimas da sociedade exploradora que os criou e educou. É contra ela essencialmente que mulheres c homens unidos devem combater.

A nossa experiência prática tem provado que os progressos obtidos na libertação da mulher resultam dos sucessos obtidos no nosso combate comum contra o colonialismo e imperialismo, contra a exploração do homem pelo homem, pela construção da nova sociedade.

Questões estratégicas e tácticas

a) As linhas de força da nossa ação

O combate pela emancipação da mulher exige uma clarificação das nossas ideias, como ponto de partida. Esta clarificação impõe-se tanto mais quanto pululam concepções erradas acerca da emancipação da mulher.

Há quem conceba a emancipação como uma igualdade mecânica entre o homem e a mulher. Esta concepção vulgar manifesta-se muitas vezes no nosso seio. A emancipação seria então a mulher e o homem fazerem exatamente as mesmas coisas, dividirem mecanicamente as tarefas no lar. “Se hoje lavei os pratos, amanhã lavarás tu, quer estejas ou não ocupado, quer tenhas ou não tempo”. Se na FRELIMO ainda não há mulheres tratoristas ou motoristas é necessário imediatamente que haja, sem ter em conta as condições objetivas e subjetivas. A emancipação concebida mecanicamente leva, como vemos por exemplo nos países capitalistas, a reclamações e atitudes que deturpam inteiramente o sentido da emancipação da mulher. A mulher emancipada é a que bebe, é a que fuma, é a que usa calças e mini saias, a que se dedica à promiscuidade sexual, a que recusa ter filhos, etc.

Outros, identificam a emancipação com a acumulação de diplomas, o diploma universitário em particular aparecendo como um certificado de emancipação.

Há ainda quem considere que a emancipação consiste em ter acesso a um certo nível económico, social, cultural.

Todas estas concepções são erradas e superficiais. Nenhuma delas atinge o coração da contradição nem propõe uma linha que verdadeiramente emancipe a mulher.

A emancipação exige uma ação a vários níveis essenciais.

Importa primeiro traçar a linha política de ação. A mulher, para se emancipar, necessita de um engajamento político consciente. O que significa isto em termos práticos para o ponto que abordamos?

Significa primeiramente que a linha deve ser traçada por uma organização política revolucionária que, assumindo a totalidade dos interesses das massas populares exploradas, as conduza na batalha contra a sociedade velha. Só esta organização está em condições de formular a estratégia global do combate libertador. Isto quer dizer concretamente, no nosso caso, que a mulher, para se libertar, deve assumir e viver criadoramente a linha política da FRELIMO. Fora disto ela lançar-se-á em combates estéreis, secundários, que a esgotarão inutilmente e sem sucesso.

Assumir e viver a linha exige o engajamento nas tarefas traçadas pela Organização. Como a planta para se desenvolver necessita de se enraizar na terra, a linha enraíza-se na prática revolucionária. É a prática revolucionária que destrói a sociedade exploradora, é ela que desencadeia o combate interno, faz desmoronar as concepções erradas que trazemos, é ela que liberta o nosso sentido crítico e iniciativa criadora.

Exige-se neste contexto, que a mulher se mobilize para o combate interno e para o combate das massas, e que ela se organize. Assim poderá assumir a linha política para desencadear a ofensiva. Ela deve engajar-se na batalha da educação política das novas gerações, na batalha da mobilização e organização das massas em grande escala. Assim o seu engajamento na luta de libertação tornar-se-á um ato concreto, levá-la-á a participar nas decisões que afetam o destino da Nação.

Surge ainda a necessidade do engajamento nas tarefas da produção.

A libertação das forças produtivas, o desencadeamento do processo de desenvolvimento econômico, conduzirão ao aprofundamento ideológico, tornarão mais sólido o conhecimento da realidade: a sociedade e a natureza.

Um terceiro aspecto é o da educação científica e cultural. A base científica e cultural permite à mulher assumir uma concepção correta das suas relações com a natureza e a sociedade, destruindo assim os mitos gerados pelo obscurantismo que a oprimem mentalmente e a privam de iniciativa.

Assim, progressivamente a mulher terá acesso a todos os níveis de concepção, decisão e execução, na organização da vida das crianças e hospitais, das escolas e fábricas, do exército e da diplomacia, da arte, ciência e cultura, etc.

Aqui devemos ainda salientar que o conjunto destas necessidades não são exclusivos da mulher, porque o homem também, como ela, aparece alienado, ainda que sob formas diferentes.

Resta um aspecto final: o das relações entre o homem e a mulher, nomeadamente a concepção nova sobre o casal e o lar. Vemos já claramente o que não podem ser essas relações. Até hoje elas foram fundadas na pretensa superioridade do homem sobre a mulher, com o objetivo de satisfazer o egoísmo do homem.

Devemos dizer — o que é novo na sociedade — que a relação familiar, a relação homem-mulher, deve ser fundada exclusivamente no amor. Não falamos aqui das concepções românticas e banais do amor, que pouco mais são que excitação emocional e idealizações sobre a vida real. Para nós o amor só pode existir entre seres livres e iguais, que possuem um ideal e engajamento comum, ao serviço das massas e da Revolução. É sobre esta base que se edifica a identidade moral e afetiva que constitui o amor. Precisamos pois de descobrir esta nova dimensão, até hoje desconhecida no nosso País.

b) A organização da mulher

Dentro do princípio de mobilizar, organizar e unir todas as forças para o combate, o Comité Central, satisfazendo as aspirações da consciência crescente da mulher moçambicana, decidiu constituir a Organização da Mulher Moçambicana.

A Organização da Mulher Moçambicana é uma estrutura de enquadramento e orientação da mulher moçambicana em geral, na batalha pela emancipação da mulher e pela Revolução.

A sua tarefa central, além da anterior, é a de mobilizar a opinião internacional a favor da nossa luta, e exprimir a solidariedade da mulher e do Povo moçambicanos para com a luta libertadora e revolucionária das mulheres e dos Povos do mundo inteiro. Um combate, particularmente, impõe-se à Organização: manter sempre agudo o sentido real da emancipação, reforçar a luta ideológica contra as tentativas de desvirtuar a luta da mulher e de isolá-la da Revolução. É a adesão firme à linha, compreendida, assumida e vivida no detalhe do quotidiano, que fornecerá à Organização e à mulher o sentido necessário de vigilância, para detectar no embrião a mais pequena ofensiva ideológica reacionária.

Estejamos seguros de que os inimigos colonialistas, como outras forças reacionárias e conservadoras, reagirão contra esta Conferência e seus resultados e esforçar-se-ão em transformar as decisões em letra morta. Companheiros nossos, ainda presos a concepções erradas, terão dificuldade em compreender o sentido profundo do combate da mulher e criarão diversos obstáculos. Mas os obstáculos maiores serão criados pela própria mulher, pelo seu hábito de dependência, pela sua passividade, pelo peso que traz da velha sociedade.

Impõe-se unir as mulheres. A unidade é a arma fundamental do combate, a força motriz. A linha política da FRELIMO é a vossa plataforma de unidade, mas contra ela se erguem o tribalismo, o regionalismo, o racismo.

O tribalismo e o regionalismo impedem-vos de assumir a grandeza do nosso País e da luta, não permitem compreender a complexidade da nossa Pátria, e sobretudo, dispersam as vossas forças.

O racismo é uma atitude reacionária. O inimigo não tem cor. O racismo tem como função, no nosso caso e em qualquer combate, dificultar a definição do verdadeiro alvo, criar confusão para dividir as forças revolucionárias e progressistas nacionais, enfraquecê-las e levá-las ao aniquilamento pelo inimigo comum explorador. O nosso combate fica isolado do combate mundial das forças progressistas contra a exploração do homem pelo homem.

Estes germes inimigos no nosso seio não são destruídos por palavras ou fórmulas mágicas. É necessário desencadear no seio da mulher o combate ideológico que lhe faça conhecer claramente os males dessas concepções reacionárias. Paralelamente, um outro esforço de explicação deve ser feito para levar a mulher a compreender que a sua experiência de sofrimento, de exploração e de opressão, em Cabo Delgado e Gaza, em Niassa e Inhambane, em Tete e no Maputo, na Zambézia e Manica e Sofala e em Nampula, é a mesma. Todas trazem os mesmos calos, todas conheceram a mesma fome, a mesma miséria, o mesmo sofrimento, a mesma algema, a mesma viuvez, a mesma orfandade, as mesmas lágrimas provocadas pelo colonialismo, pela exploração.

Descobrirmos as feridas e cicatrizes mútuas une-nos, mas a unidade concretiza-se sobretudo no esforço comum, nos laços criados pelo trabalho coletivo, pelo estudo coletivo, pelo combate interno coletivo, pela crítica e autocrítica, pela ação contra o colonialismo.

Devemos ainda aprender das experiências das nossas irmãs do mundo inteiro, dos povos do mundo inteiro. Isso ajudar-nos-á a compreender que não existem raças ou povos que sejam exploradores, opressores. Não há povos racistas, não há povos colonialistas. Abrindo-nos ao estudo das experiências dos outros, não só beneficiaremos de lições úteis, como ainda compreenderemos que todos os países, todos os povos, todas as raças, travam o mesmo combate que nós: o combate contra os colonialistas e imperialistas, que não têm Pátria, o combate contra os exploradores, que não têm raça. Agindo assim, saberemos ver como a luta da Mulher Moçambicana e do nosso Povo é a luta de toda a humanidade, e compreenderemos o calor da solidariedade que nos une.

Para reforçarmos a nossa unidade, para desenvolvermos a nossa unidade, convém ainda cultivar entre nós um espírito de relações humanas harmoniosas, relações fraternais. Precisamos de abandonar o hábito pernicioso de só encontrarmos identidade com aquelas que vêm da mesma povoação que nós, ou falam a nossa língua, ou têm a mesma cultura e tradições, o mesmo nível educacional. Encontremos identidade, encontremos irmãs, saibamos dar a nossa amizade e carinho, a nossa ajuda e fraternidade a todas aquelas que, como nós, são exploradas e oprimidas, conosco estão no grande combate da libertação da mulher, da Pátria e do Povo trabalhador.

Este conjunto de tarefas é sagrado para a Organização da Mulher Moçambicana, porque pesa sobre a mulher a responsabilidade de formar novas gerações, livres do tribalismo, do regionalismo e do racismo, livres da mentalidade arcaica de oprimir a mulher ou aceitar passivamente a opressão, livres da superstição, imbuídas do nosso espírito de classe e de sentimento internacionalista.

Importa ainda considerar a necessidade de lutar contra certas atitudes subjectivas, muito negativas. Muitas camaradas consideram o seu engajamento como transitório, enquanto forem solteiras, e têm a tendência de se desligarem das tarefas revolucionárias desde que se casam. O regresso à povoação é considerado normal, e ser esposa torna-se a tarefa da mulher. Esta atitude é em numerosos casos encorajada pelos próprios maridos, que continuam a conceber a mulher como propriedade privada, como dependente de si, existente em função de si e ligada a si quase como uma bagagem, de que ele dispõe a seu prazer e que deve acompanhá-lo em cada deslocação. Isto está em conflito com as exigências da luta de libertação e do combate da mulher pela sua emancipação.

Devemos mobilizar todas as mulheres para sentirem a necessidade de participar numa tarefa concreta, sentirem-se responsáveis e agentes ativos da transformação da sociedade. Nesse quadro, as mulheres casadas, em especial, devem preocupar-se em dar um exemplo positivo às mais jovens e solteiras, e mostrar-lhes, na prática, que o casamento é um estímulo para o prosseguimento das tarefas revolucionárias.

c) As estruturas da Organização da Mulher Moçambicana

Para poder funcionar, levar a cabo a sua tarefa de enquadrar e conduzir a mulher na luta pela sua emancipação e engajá-la cada vez mais nas tarefas da Revolução, a Organização da Mulher Moçambicana necessita de estruturas adequadas. Estamos seguros de que a participação de muitas camaradas engajadas nos diferentes sectores da luta, a experiência que elas acumularam e que aqui sintetizarão, o conhecimento que têm das dificuldades e necessidades existentes, permitirão a esta Conferência definir as bases das estruturas a serem criadas e o seu funcionamento.

Algumas questões surgem no entanto: quem deve ser membro da Organização da Mulher Moçambicana? Como deve funcionar e quais as suas relações com o Destacamento Feminino? Qual o seu lugar dentro da FRELIMO em geral?

Dissemos que a tarefa da Organização da Mulher Moçambicana é engajar toda a mulher moçambicana no combate pela emancipação e pela Revolução. Assim, ela deve realizar a frente mais larga possível, mobilizar e organizar e unir todas as mulheres que, até este momento, se mantiveram à margem do processo de transformação da nova sociedade, jovens e velhas, solteiras e casadas, instruídas e não instruídas, militantes e não militantes. A Organização da Mulher Moçambicana deve organizar a mulher moçambicana lá onde ela se encontra, nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos destacamentos, nas cooperativas, nos infantários, deve organizar a mulher na base em cada círculo, em cada povoação.

A Organização da Mulher Moçambicana aparece como um novo braço da FRELIMO para atingir e engajar os sectores femininos que até hoje não atingimos e não engajámos devidamente.

Mas para conduzir este processo requer-se uma direção experiente que tenha compreendido e assumido a linha, que a tenha vivido no processo do engajamento nas tarefas quotidianas da Revolução. Requer-se para isso que os membros da direção tenham uma preparação e experiência político-militares, base indispensável para poderem compreender a complexidade da situação e poderem continuamente ver com clareza a via a seguir.

O Destacamento Feminino, porque engaja a mulher na tarefa principal da fase presente — o combate direto contra o inimigo colonialista e imperialista, é a estrutura de vanguarda da participação da mulher na luta, a estrutura que desempenha neste momento um papel extremamente ativo na transformação da sociedade. Por isso, ele constitui o núcleo motor da Organização da Mulher Moçambicana, a sua principal fonte de quadros.

No entanto, o Destacamento Feminino não é a Organização da Mulher Moçambicana e esta não é o Destacamento Feminino. O Destacamento Feminino é uma parte integrante do nosso exército, das Forças Populares de Libertação de Moçambique, é um corpo político armado. A Organização da Mulher Moçambicana, em contrapartida, engaja todas as mulheres, das que até hoje se encontram à margem da luta até àquelas que são combatentes na frente da Saúde, da Educação, da Produção, do Exército, etc.

Entre os dois sectores as relações são de complementaridade e ajuda mútua, o Destacamento Feminino aparecendo como uma força motriz, uma fonte de quadros, a Organização da Mulher Moçambicana como uma força mobilizadora que faz crescer a nossa base, que fornecerá novas forças ao Destacamento Feminino.

Para que a Organização da Mulher Moçambicana esteja em condições de assumir e realizar as importantes tarefas que lhe são confiadas pela FRELIMO, o Comité Central da FRELIMO decidiu organizar um curso de preparação de quadros femininos, a realizar sob a direção do Comité Executivo.

Integrada na FRELIMO, alimentando-se da linha política revolucionária da FRELIMO, agindo como um membro do corpo harmonioso da nossa família revolucionária, no quadro das estruturas da FRELIMO, a Organização da Mulher Moçambicana levará a cabo a difícil tarefa que o povo, a mulher e a Revolução lhe incumbem.

Camaradas,

Iniciam-se os trabalhos da Primeira Conferência da Mulher Moçambicana. Milhões de mulheres moçambicanas, que durante séculos viveram oprimidas, aguardam com ansiedade e esperança a aurora da Liberdade que aqui vai nascer. O Povo moçambicano, a Revolução moçambicana, necessitam do vosso engajamento, do vosso combate.

Para a luta, vocês dispõem da arma decisiva que é a linha política da FRELIMO, a linha sobre a emancipação da mulher.

Queremos de novo salientar os aspectos mais importantes das nossas concepções.

A exploração da mulher é um aspecto do sistema geral de exploração do homem pelo homem. É esta exploração que cria as condições de alienação da mulher, a reduz à passividade e a exclui da esfera da tomada de decisões da sociedade. Assim, as contradições antagónicas que existem são entre a mulher e a ordem social exploradora. Estas contradições são as mesmas que opõem a totalidade das massas exploradas do nosso país e do mundo às classes exploradoras.

Só a Revolução é capaz de resolver definitivamente esta contradição, porque só ela encarna os interesses das massas exploradas, as mobiliza, organiza e une para o combate, só ela é capaz de destruir a ordem social antiga. É a Revolução que instala no poder as massas exploradas, as massas que viviam oprimidas e eram forçadas à passividade.

A luta armada do nosso Povo contra o colonialismo e o imperialismo é o ponto fundamental da partida da Revolução moçambicana, o momento em que se desencadeia o processo libertador da terra, das mulheres e dos homens.

A luta armada que se populariza na nossa Pátria age como uma estufa, que amadurece as condições para se iniciar e se enraizar o processo revolucionário na nossa Pátria.

A experiência multissecular de exploração e sofrimento das mulheres e homens de Moçambique, a descoberta da liberdade criada pelo poder popular nas zonas sob o nosso controlo, tornaram o nosso Povo receptivo às ideias de progresso e Revolução.

As condições são propícias para a ofensiva na frente da libertação da mulher, momento importante do combate revolucionário.

Sabemos já qual deve ser a nossa estratégia e táctica neste combate, em que não só teremos que lutar contra o inimigo colonialista mas também teremos de enfrentar a oposição suscitada pelas concepções erradas, que se enraizaram na consciência das mulheres e homens.

É fundamental que a mulher se encontre engajada na FRELIMO, pois só a FRELIMO está em condições de assumir a totalidade dos interesses das massas exploradas da nossa Pátria e assim formular a linha correta de combate.

A Organização da Mulher Moçambicana que se constitui surge na estrutura da FRELIMO como um novo braço da nossa Revolução que deve atingir as largas massas das mulheres que até agora se conservaram à margem do processo de transformação que tem lugar na nossa Pátria. É a Organização da Mulher Moçambicana que deve trazer para a luta pela emancipação da mulher e para a luta revolucionária nacional os milhões de mulheres do nosso país.

A nossa luta não é uma luta isolada. O combate da Mulher Moçambicana, o combate do Povo moçambicano, é uma parte integrante da frente mundial da luta contra o colonialismo e imperialismo, contra a exploração do homem pelo homem, pela construção duma ordem social popular.

Por isso mesmo sentimos como nossa a luta das nossas irmãs e irmãos de Angola, que sob a direção do MPLA, há já 12 anos combatem o colonialismo português e o imperialismo.

Como nossa sentimos também a luta das nossas irmãs e irmãos da Guiné-Bissau e Cabo Verde, que, dirigidos pelo PAIGC, desde 1963 combatem o colonialismo português e o imperialismo.

Por isso mesmo nos sentimos igualmente enlutados pelo recente assassinato do nosso Camarada Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC. Este crime bárbaro, tal como o assassinato do nosso primeiro Presidente, o Camarada Eduardo Chivambo Mondlane, é uma tentativa de bloquear a marcha revolucionária dos nossos povos. Essa tentativa fracassou em Moçambique, e fracassará na Guiné-Bissau.

O combate pela consolidação da independência e pelo desenvolvimento revolucionário da Tanzânia, da Zâmbia, da Somália, do Congo, da Guiné, de toda a África, é o nosso combate, é o combate pela consolidação da nossa retaguarda estratégica.

A recente vitória dos Povos heroicos do Vietnam e da Indochina é um grande estímulo para o nosso combate. As Mulheres e os Homens do Vietnam, dum pequeno país, dum país economicamente atrasado, conseguiram derrotar a maior e mais cruel potência imperialista do mundo, os Estados Unidos da América do Norte.

Sentimo-nos encorajados pelos sucessos alcançados pelas nossas irmãs e irmãos dos países socialistas, que constroem a nova sociedade, a sociedade da liberdade e do progresso da mulher e do homem.

A luta difícil das nossas companheiras e companheiros da África do Sul, do Zimbabwe, da Namíbia, é uma contribuição para a nossa luta, um combate na mesma trincheira em que nos encontramos.

As mulheres e os homens de Moçambique felicitam o Povo português pela intensificação da luta em Portugal contra a guerra colonial e o fascismo. A abertura da quarta frente de combate contra o colonialismo português em Portugal mesmo consolida a amizade e a solidariedade dos nossos Povos.

Saudamos todos os povos, saudamos as mulheres e os homens de todos os Continentes que, anonimamente, como nós, combatem para construir a nova sociedade. A todos dizemos que a luta do nosso Povo se intensificará, a nossa revolução consolidar-se-á e triunfará, contribuindo assim para a vitória comum.

Viva a 1a Conferência da Mulher Moçambicana!

Viva a luta pela emancipação da mulher!

Viva a Revolução Moçambicana!

Viva o combate do Povo moçambicano unido do Rovuma ao Maputo!

Viva a Organização da Mulher Moçambicana!

Viva a FRELIMO!

A Luta Continua!

Independência ou Morte, Venceremos!

Samora M. Machel

 

A Revolução, para ser feita, necessita de mobilizar todos os explorados e oprimidos, por consequência as mulheres também. A Revolução, para triunfar, tem de liquidar a totalidade do sistema de exploração e opressão, libertar todos os explorados e oprimidos, por isso tem que liquidar a exploração e opressão da mulher, é obrigada a libertar a mulher.

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Sejamos claros neste ponto. A contradição antagónica não é entre a mulher e o homem, mas sim entre a mulher e a ordem social, entre todos os explorados, mulheres e homens, e a ordem social. Esta contradição só pode ser resolvida pela Revolução, porque só a Revolução destrói os alicerces da sociedade exploradora e reconstrói a sociedade em bases novas, que libertam a iniciativa da mulher, a integram como ser responsável na sociedade e a associam à elaboração das decisões.

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A mulher para se emancipar necessita de um engajamento político consciente. Isto quer dizer, concretamente, no nosso caso, que a mulher para se libertar deve assumir e viver criadoramente a linha política da FRELIMO.

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A Organização da Mulher Moçambicana que se constitui, surge na estrutura da FRELIMO como um novo braço da nossa Revolução que deve atingir as largas massas de mulheres que até agora se conservaram à margem do processo de transformação que tem lugar na nossa Pátria. É a Organização da Mulher Moçambicana que deve trazer para a luta pela emancipação da Mulher e para a luta revolucionária nacional, os milhões de mulheres do nosso país.

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- 19/03/2014