A Reforma da Previdência faz parte do programa de classe da burguesia, de opressão e exploração dos trabalhadores
Cem Flores
Na quarta-feira, dia 20 de fevereiro, o circo (de horrores!) foi montado em Brasília. Sob o aplauso unânime e entusiástico da grande imprensa, da grande indústria, dos grandes bancose do capital internacional, o governo entregou ao Congresso Nacional sua proposta de “reforma” (sic!) da previdência. O documento celebrado pelos funcionários do capital (foto abaixo) visa baratear o valor da força de trabalho no país, tornando-a mais lucrativa para os patrões; permitir a redução da carga tributária das empresas, também ampliando seus lucros; ao mesmo tempo em que prolonga o suplício do trabalho assalariado, piora as condições de vida dos trabalhadores da cidade e do campo e agrava a desigualdade, a exploração e a miséria na sociedade brasileira.
Em primeiro lugar, vale lembrar que a “reforma da previdência”– sob o pretexto explícito de reduzir o déficit público via diminuição dos gastos do governo; e com os objetivos encobertos de ampliar o tempo útil da força de trabalho para o capital, aumentar a quantidade de trabalhadores disponíveis e, com isso, reduzir seu valor e ampliar a lucratividade – tem sido uma bandeira da burguesia, dos seus governos e dos seus economistas no mundo inteiro, especialmente após a grande crise do capital iniciada em 2007/08. Ilustramos este artigo com fotos da resistência dos trabalhadores, da ativa e aposentados, na França, Rússia, Espanha e Argentina.
Em todos esses casos, como agora no Brasil, a capacidade dos operários, dos camponeses e dos demais trabalhadores assalariados para organizar protestos, manifestações e greves, em todo o país, foi (e continua sendo) decisiva para sua vitória contra mais essa ofensiva burguesa.
No Brasil, o mantra da “reforma da previdência” ameaça os trabalhadores já faz mais de vinte anos. Pelo menos desde FHC, todos os governos burgueses (FHC, Lula, Dilma, Temer e, agora, Bolsonaro) manobraram mundos e fundos para cumprir essa meta do programa acordado com seus patrões. Tal qual Bolsonaro nesta semana, Lula também foi pessoalmente ao Congresso em 2003 entregar a sua “reforma”, vista, na época, como um desdobramento necessário dos compromissos assumidos com a burguesia na sua “Carta aos Brasileiros”. Dilma buscou ir além: não apenas “reformou” a previdência em 2015 criando a regra de aposentadoria variando conforme a expectativa de vida– o famoso trabalhar até morrer – como insistiu até o final do seu mandato em fazer mais uma “reforma”, dessa vez, com foco na idade mínima, o mesmo da proposta atual. Esse mesmo item, por sinal, era um dos focos da proposta de “reforma da previdência” do PT na última campanha eleitoral, com Haddad.
A “reforma da previdência” é tema comum do programa da burguesia brasileira há décadas, quer seja de sua ala direita (FHC, Temer), quer seja de sua ala “esquerda” (Lula, Dilma), e também, agora, de sua vertente de extrema-direita (Bolsonaro). Diante dessa constatação e do conteúdo das seguidas “reformas” propostas (aprovadas ou não), podemos concluir que as mesmas objetivam, em geral, a retomada das condições de acumulação do capital, via aumento da exploração da força de trabalho, redução dos salários e piora nas condições de vida e reprodução dos trabalhadores.
Os objetivos da “reforma da previdência” para o capital
Especificamente em relação à proposta de “reforma da previdência” apresentada por Bolsonaro-Guedes, afirmamos que seus objetivos principais são:
- Ampliar a disponibilidade de força de trabalho para o capital
Para alcançar esse objetivo, a “reforma” propõe as seguintes regras gerais:
- eliminar a possibilidade de aposentadoria por tempo de contribuição – e não devemos esquecer que, antes das “reformas” das duas últimas décadas, o conceito era aposentadoria por tempo de trabalho! –,
- aumentar a idade mínimapara 65 anos para homens e 62 anos para mulheres,
- revisar para cima essa idade mínima a cada quatro anos,
- ampliar a contribuição mínima de 15 para 20 anos, e
- elevar para 40 anos o tempo de contribuição mínimo para aposentadoria integral (servidores públicos) ou no teto do INSS (setor privado).
Com isso, a proposta busca explicitamente incorporar na força de trabalho ativa, disponível à exploração do capital, um contingente de trabalhadores que poderia estar aposentado pelas regras atuais.
Esse dispositivo da proposta tende a afetar diretamente a parcela dos operários e demais trabalhadores dos setores formalizados e/ou de maior tradição de representatividade sindical, como servidores públicos, metalúrgicos, bancários, petroleiros, etc. dentre os quais era mais comum a aposentadoria por tempo de contribuição. Também são atingidas diretamente categorias que tinham tempo menor para aposentadoria, como professores, com a fixação de idade mínima de 60 anos – independente de gênero –, com contribuição mínima de 30 anos.
A mulher trabalhadora também é duramente atingida por essa proposta. Não apenas no caso das professoras, mas também no das trabalhadoras rurais, a idade para aposentadoria feminina foi, não apenas elevada (60 anos nos dois casos), mas igualada à masculina, ignorando as diferenças concretas nas condições de vida e de trabalho entre homens e mulheres na nossa sociedade, capitalista e machista.
Embora existam diferenças específicas e relevantes entre as diversas categorias de trabalhadores, o objetivo da “reforma” Bolsonaro-Guedes em relação aos trabalhadores assalariados é um só: ampliar a disponibilidade de força de trabalho para o capital. Dessa forma, a resposta da classe operária e do conjunto dos trabalhadores também deve ser única: derrotar nas ruas, nas lutas, nas manifestações e nas greves mais essa ofensiva da luta de classes burguesa.
- Baratear o valor da força de trabalho para o capital
A própria ampliação do tempo em que os trabalhadores assalariados deverão ficar à disposição do capital antes de poderem se aposentar, ao contribuir para o aumento do contingente de trabalhadores trabalhando ou em busca de emprego, contribui para o rebaixamento dos salários.
Não contentes com esse mecanismo geral, a dupla Bolsonaro-Guedes ainda inclui requintes de crueldade na proposta, para demonstrar que a sede de lucro não tem limites e que, se o trabalhador não consegue contribuir para a geração desses lucros, então é inteiramente descartável. A “reforma” reduz as aposentadorias por invalidez (de 100% da base de cálculo do benefício para 60% até 20 anos de contribuição e mais 2% por ano adicional); permite pensão por morte abaixo de um salário mínimo; reduz o PIS/Pasep de 2 para 1 salário mínimo; e também reduz o benefício de prestação continuada, pago aos mais miseráveis dentre nós. De um salário mínimo, o idoso de 65 anos passa a receber R$400 até completar 70 anos. Morra!, diz o gerente do capital ao trabalhador inválido, deficiente ou idoso…
Esse mecanismo de contenção salarial permite, de maneira direta, a ampliação dos lucros(que também é um dos objetivos/efeitos da reforma trabalhista de Temer, que Bolsonaro-Guedes querem ampliar, cada vez mais em direção à “formalidade informal”) e uma maior competitividade ao capital que acumula no país.
- Permitir a redução dos impostos sobre o capital
Essa “reforma da previdência” também é o primeiro passo da “reforma tributária” tão desejada por Guedes e pelo conjunto da burguesia. De acordo com a propaganda do Ministério da Economia, o governo poderá chegar a economizar mais de R$1 trilhão em dez anos com a “reforma”. O que significa essa quantia astronômica? Tão somente que, ao impedir os trabalhadores assalariados de se aposentar pelas já duras regras atuais: i) o governo vai coletar impostos (contribuição previdenciária) desses trabalhadores durante muito mais tempo, logo aumentando a sua arrecadação, e ii) vai pagar aposentadorias e pensões, para quem conseguir chegar lá, de valor menor e por menos tempo, portanto reduzindo seus gastos.
Dessa forma, ao longo do tempo a “reforma” tende a criar tendência crescente nas receitas previdenciárias e tendência decrescente nas despesas. O gasto público líquido se reduz fortemente (os citados R$1 trilhão). O próximo passo é reduzir a carga tributária para as empresas. Com isso, Bolsonaro-Guedes terão feito a “mágica” da “reforma tributária” do capital: reduzir os impostos sobre o capital, aumentando os impostos sobre o trabalho assalariado.
- Aumento da massa de dinheiro à disposição do capital
O aumento da receita previdenciária e a redução da despesa previdenciária permitem ampliar a massa de dinheiro arrecadado dos trabalhadores assalariados que o Estado burguês pode dirigir para a acumulação e o lucro dos capitalistas. Se isso parece esquisito, pensemos nos recursos do FGTS, arrecadados de cada trabalhador, reunidos no FAT e que são graciosamente colocados à disposição do BNDES para emprestar a juros baixos para os capitalistas… Embora por diferentes caminhos, via orçamento público e outros, o processo é o mesmo aqui.
Mas a “reforma” Bolsonaro-Guedes quer ir ainda mais longe que esse caminho, digamos, tradicional. Ao propor para as futuras gerações de trabalhadores o regime de capitalização para aposentadoria, o mecanismo se torna mais simples e direto. Sem a intermediação do Estado, o “imposto” cobrado dos trabalhadores já vai direto para as mãos dos fundos de pensão e similares. Esses fazem uma parte do papel dos bancos: reúnem uma massa gigantesca de dinheiro e o transformam em capital ao emprestar para os capitalistas ampliarem sua acumulação e seus lucros, dos quais recebem uma generosa porção.
O discurso ideológico de justificação da “reforma”
Mas, obviamente, esses objetivos da “reforma da previdência” não são apresentados dessa maneira aos operários e à toda a população. Existe todo um discurso ideológico da “reforma da previdência” que vem se desenvolvendo nas últimas décadas e que culminou na patética afirmação de que o primeiro princípio dessa “reforma” é criar um “sistema justo e igualitário (rico se aposentará na idade do pobre)”.
Não era de outra forma que Lula justificava sua “reforma” em 2003: “Nas justificativas que enviou com as propostas de mudanças constitucionais, o presidente Lula assinala que elas são fundamentais para tornar a Previdência mais justa”.
Da semelhança entre as duas frases, podemos ver que está em curso operação ideológica semelhante à que caracterizou o lulismo: o discurso de redução das desigualdades. No caso do PT, a operação era limitar a evidência empírica de redução das desigualdades à desigualdade de renda do trabalho. Com isso, o PT passou todo o governo Lula mostrando o Índice de Gini como prova de seu “esquerdismo” (sic!). E no governo Dilma, nem isso… O que estava por trás desse desempenho era a dinâmica do mercado de trabalho de gerar fundamentalmente novas vagas de trabalho simples, eliminando postos de trabalho mais qualificados, em função da maior especialização do Brasil na produção de commoditiese a redução do peso da indústria na economia. Com isso, houve um achatamento da renda das camadas médias que se traduziu estatisticamente em redução das diferenças salariais. No entanto, quando incluídos nas medidas de desigualdade os lucros e dividendos do capital, a história mudou. Não houve nenhuma redução de desigualdade no período lulista. Afinal, como ele próprio se gabava: “Se tem uma coisa que nenhum empresário brasileiro pode se queixar nos meus seis anos de mandato é que nunca se ganhou tanto dinheiro como no meu governo”.
Da mesma forma, a proposta Bolsonaro-Guedes só discute “justiça”, “igualdade” e “fim de privilégios” no âmbito das diferenças salariais entre trabalhadores assalariados. Dessa forma, e de maneira conveniente para os capitalistas e suas rendas sem trabalho, a discussão ideológica do governo tenta opor servidores públicos (aposentadoria “integral”) x setor privado (teto do INSS); categorias com regras especiais (menos tempo de contribuição) x demais trabalhadores; trabalhadores urbanos x rurais; trabalhadores x trabalhadoras; etc.
Reafirmamos que é preciso denunciar essa “reforma” burguesa e unir os trabalhadores contra ela. É apenas a capacidade dos operários, dos camponeses e dos demais trabalhadores assalariados para organizar protestos, manifestações e greves, em todo o país, que é decisiva para sua vitória contra mais essa ofensiva burguesa.
A outra operação ideológica do “bolsonarismo liberal” (sic!) é mostrar essa proposta de “reforma da previdência” como elemento chave para a consolidação fiscal, a redução do déficit público e o fim do crescimento da dívida pública. A aposentadoria do INSS passou a ser a culpada do desastre nacional provocado pelas políticas econômicas governamentais, tanto que representaria R$715 bilhões do R$1 trilhão de “economia”! A aposentadoria dos trabalhadores assalariados passou, por meio dessa manobra ideológica, a ser o centro da gestão dos recursos estatais, a desculpa preferida para a precariedade dos serviços públicos, da moradia, da infraestrutura, etc. O governo quer fazer crer que o problema da nossa sociedade capitalista é o excesso de renda que ela destina aos trabalhadores!Um único exemplo basta para desnudar a hipocrisia desse discurso: quanto foi o “déficit público” causado pelos desastres ambientais da Vale, uma das maiores empresas do Brasil, em Mariana e Brumadinho? A empresa nunca pagou por isso, ou pagou quase nada, enquanto todo o trabalho de resgate de vítimas, contenção dos danos, limpeza da área atingida, despoluição, etc. por décadas a fio caberá ao Estado, financiado pelos impostos…
O presente é de luta. O futuro será nosso!
A classe operária das cidades, o proletariado rural, os camponeses, os trabalhadores assalariados em todo o Brasil (e no mundo!) são os únicos e verdadeiros criadores de valor e de toda a riqueza existente. O que essa massa trabalhadora precisa não é da exploração capitalista, da insegurança de não saber se no dia de amanhã terá ou não pão em sua mesa para si e seus filhos.
As classes dominadas no capitalismo precisam de trabalho digno, de condições de vida dignas, durante sua idade produtiva e de aposentadorias adequadas na velhice. Mais do que isso, precisam redescobrir que esses desejos mínimos de garantia de emprego, felicidade, lazer, boas condições de vida não são alcançáveis no capitalismo.
No capitalismo, os donos do poder e a corja que os defende só reservam a quem vive de seu trabalho precariedade, insegurança, jornadas infindas, tristeza, pobreza, violência e exploração. Isso porque é dessa exploração do trabalho e do suor alheio que eles tiram sua vida boa, sem trabalho, usufruindo seus lucros roubados. A construção desse futuro socialista da classe operária e de todos os trabalhadores começa nessa luta cotidiana contra os causadores de sua miséria, começa pela sua maior organização e solidariedade de classe.