O 8 de Março Ainda é o Dia da Mulher? de Ana Barradas
Nos últimos anos é explícito o ascenso da luta das mulheres. No Brasil e no mundo assumem um papel de vanguarda nas grandes manifestações populares, no combate ao fascismo e na defesa das bandeiras do nosso povo. Crescem assim as posições feministas revolucionárias e, no mesmo processo, as reformistas, oportunistas e pequeno-burguesas. Debater hoje o conteúdo e o sentido do crescimento da luta das mulheres é central para a retomada da luta de classes do ponto de vista do proletariado. Pode ser a centelha que vai incendiar a pradaria.
O 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, data que tem como origem a luta das mulheres operárias em vários países, também sofre a influência dessas posições em disputa. Com o objetivo de intervir nesse debate, reproduziremos dois artigos de Ana Barradas, militante comunista portuguesa, cujo tema é essa data: O 8 de Março Ainda é o Dia da Mulher? e Ainda o 8 de Março. Os dois textos, publicados em abril e maio de 2017 no site Bandeira Vermelha, apontam a luta da mulher de uma perspectiva revolucionária e crítica ao feminismo pequeno-burguês. Publicamos hoje o primeiro desses dois artigos.
Como a autora afirma na conclusão desse primeiro texto que apresentamos:“O feminismo coloca assim toda a sociedade numa encruzilhada em que só se podem seguir duas direcções: a da revolução social que permita socializar esse trabalho feminino gratuito – reprodução da espécie e reposição quotidiana da força de trabalho – que sustenta a existência da humanidade; ou o caminho da perpetuação da discriminação das mulheres, em que a violência e a pobreza coexistem com gastos desmedidos em armamento, a ostentação e enriquecimento imoral dos poderosos, a miséria imparável dos oprimidos e a depredação do planeta.”
O original pode ser acessado aqui. Em alguns dias publicaremos o segundo texto.
O 8 de Março ainda é Dia da Mulher?
A emancipação das mulheres é obra das próprias mulheres.
Nas últimas décadas, impôs-se em toda a parte um feminismo pequeno-burguês em que surge em primeiro plano a defesa quase exclusiva dos interesses de uma minoria de mulheres de estratos médios ou médio-altos (paridade, quotas e igualdade nos cargos políticos e económicos), a defesa assistencial e institucional das mulheres em geral pelo direito ao aborto, contra o assédio sexual, a violência e a pobreza, o abandono da denúncia dos actos machistas públicos e privados em toda a vida quotidiana e o silenciamento das causas estruturais mais fracturantes, a pretexto de não exacerbar as vacilações d@s aliad@s.
Assim se abandonam ou se defendem mal as causas que não são comuns a todas as classes. Uma das tarefas mais prementes de um movimento feminista revolucionário que surja será libertar-se da tutela ideológica dessas camadas privilegiadas e separar águas segundo critérios de classe. Nada de útil será feito se esse movimento não for tornado popular, no sentido em que deverá orientar-se em primeiro lugar para mobilizar as energias das mulheres mais oprimidas e ocupar-se das causas que directamente lhes interessam. Para enumerar apenas alguns dos pontos de um programa radical:
– a trabalho igual, salário igual;
– acção afirmativa para participação com um programa feminista em todas as instâncias sindicais, laborais, cívicas e políticas;
– luta pelo fim de toda a discriminação nos locais de trabalho;
– socialização de todas tarefas domésticas e dos cuidados infantis e de saúde;
– direito incondicional ao aborto e à maternidade assistidos.
E a lista poderia continuar indefinidamente. Assim haja vontade por parte dos comunistas de deitar mão à obra.
AS MULHERES E A ECONOMIA
Marx e Engels salientavam que o desenvolvimento do capitalismo, baseado no sistema fabril, traria profundas mudanças à vida das pessoas, especialmente à vida das mulheres. Trabalhando em fábricas e inseridas na produção social, organizadas colectivamente, teriam mais independência e capacidade de lutar pelos seus direitos. Concluíram que a base material para a existência da família e, portanto da opressão feminina, já não existia. O que impedia as mulheres se beneficiarem desta situação era o fato de a propriedade permanecer nas mãos de uns poucos. No socialismo, pelo contrário, a sociedade tomaria conta das muitas funções que hoje pesam sobre as mulheres. Hoje sabemos que na própria Rússia nascida em 1917 a marcha para a igualdade foi interrompida e deu-se um retrocesso que repôs todos os valores patriarcais, em nome da classe operária e da “pátria socialista”.
Hoje em dia, as mulheres têm um papel importantíssimo na economia porque, além de participarem em massa no trabalho assalariado, realizam em suas casas a maior parte do trabalho dos cuidados e da reprodução humana. Este trabalho silenciado nas estatísticas económicas representa no mundo industrializado, segundo cálculos de reconhecidas autoras feministas, entre 15 e 20% do produto interno bruto. Um trabalho de reposição da energia da mão-de-obra que é a base indispensável do resto da produção laboral e que reforça, por ser gratuito, a acumulação e o lucro capitalista.
Além disso, a exclusividade das mulheres nas responsabilidades domésticas serviu de desculpa, ao longo dos tempos, para ver a sua inclusão no mundo laboral como algo temporal ou complementar do seu trabalho natural no lar. Isto provocou e continua a manter as diferenças salariais, a maior presença feminina em sectores laborais que são extensões da produção em casa (indústrias alimentares, têxteis e confecções, calçado, cuidados de saúde, estética, restauração e hotelaria, funções auxiliares nas escolas, trabalho doméstico por conta de outrem, etc.) postos de trabalho precarizados e funções na economia subterrânea.
Se calcularmos a quantidade de bens e serviços que uma sociedade teria de gerar para cobrir o trabalho doméstico gratuito que as mulheres executam para a reprodução e o cuidado humano, veremos que se trata dum trabalho impagável. A única opção para que ele deixe de ser discriminatório para as mulheres é fazê-lo sair da esfera privada e remunerá-lo na esfera pública. Nenhum capitalista aceitará tal ideia. Mais uma boa razão para as mulheres participarem na revolução socialista, a única que as poderá emancipar.
Hoje, sem nenhuma perspectiva de revolução a curto prazo, a libertação feminina continua a ser uma utopia. Nem mesmo nos países capitalistas mais avançados, em que as mulheres participam plenamente no mercado de trabalho, os seus direitos à igualdade estão acautelados.
O feminismo coloca assim toda a sociedade numa encruzilhada em que só se podem seguir duas direcções: a da revolução social que permita socializar esse trabalho feminino gratuito – reprodução da espécie e reposição quotidiana da força de trabalho – que sustenta a existência da humanidade; ou o caminho da perpetuação da discriminação das mulheres, em que a violência e a pobreza coexistem com gastos desmedidos em armamento, a ostentação e enriquecimento imoral dos poderosos, a miséria imparável dos oprimidos e a depredação do planeta.