CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Teoria

Algumas teses para retomar o marxismo: materialismo dialético

Introdução

Como no início do século, vivemos uma época de “dispersão teórica” (LENIN, 1955, p. 32) onde o “movimento” se debate entre o “oportunismo” (LENIN, 1955, p. 28) de um lado e “a paixão pelas formas mais estreitas de atividade prática” (LENIN, 1955, p. 32), por outro. Também, como naquela época, podemos repetir: o que fazer?

E, como Lenin, responder:

Inicialmente, … retomar o trabalho teórico … sem um trabalho desta índole não era possível um aumento eficaz do movimento. Em segundo lugar, … empreender uma luta ativa contra a crítica legal [o oportunismo]. Em terceiro lugar, … erguer-se vigorosamente contra a dispersão e as vacilações no movimento prático, denunciando e refutando qualquer tentativa de rebaixar, consciente ou inconscientemente, nosso programa e nossa tática (LENIN, 1955, p. 28).

Contudo, poderiam alegar que não estamos em 1902 e levantar objeções contra a importância de retomarmos a discussão do marxismo. Acreditamos que é importante respondê-las. Desde Marx e Engels, mas, principalmente, de Lenin, que compreendeu e defendeu incansavelmente a importância da teoria, tem-se firmado para os marxistas-leninistas a necessidade da teoria, não somente indispensável para o desenvolvimento da ciência marxista – como ignorar que Marx afirma ter criado uma ciência -, como também imprescindível para a análise concreta das situações concretas, forma de existência da ciência marxista e, desta maneira, indispensável para a prática política da luta de classes. E só isto já seria suficiente para justificar que retomássemos o marxismo-leninismo.

Porém, alguns podem objetar de que Marx, Engels, Lenin, Stalin ou Mao já disseram e escreveram o essencial sobre o marxismo-leninismo e é preciso responder-lhes.

Será que essa prodigiosa experiência da luta de classes após Marx e Engels, Lenin e até mesmo Mao não tem nada de novo para nos ensinar? Será que a prodigiosa experiência da Revolução Soviética, da Revolução Chinesa, das revoluções na Ásia, na África, na América Latina, dos diferentes caminhos da construção do socialismo, de todas as lutas operárias contra a burguesia, das lutas das massas, a luta contra o fascismo, a luta de libertação nos países dominados, nada têm a nos ensinar de novo?

Será que a experiência das grandes vitórias do movimento revolucionário e suas derrotas, suas crises nada tem a nos ensinar?

Sabemos que estamos vivendo uma grave crise no movimento revolucionário por todo o mundo, também sabemos que a crise que estamos vivendo não nos deve fazer desconhecer uma outra crise infinitamente mais grave e mais importante, a crise sem precedentes na qual se encontra o imperialismo: a barbárie.

Se Marx soube tirar as lições da Comuna de Paris, de sua vitória e de seu fracasso, se Lenin soube tirar lições da Revolução de 1905, desse ensaio geral da criação do poder popular pelas massas, dos Soviets, como nós – diante de toda essa monumental experiência, enormes vitórias, derrotas, fracassos na construção do socialismo na União Soviética, na China Popular, da crise do movimento revolucionário por todo o mundo, experiências estas que estão a nossa disposição – podemos dizer que não temos nada a aprender de tudo isso?

Será que já conseguimos tirar todas as lições do que nos deixou Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao? Se foi assim, como explicar nosso fracasso na construção do socialismo e a crise que vive hoje o movimento revolucionário internacional?

Não vivemos “numa época de dispersão teórica” muito mais grave do que aquela que fez Lenin afirmar que era necessário retomar ao trabalho teórico sem o qual o crescimento do movimento não seria possível? (LENIN, 1955, p. 28). E não afirmou Lenin que, naquelas circunstâncias, não seria demasiada a insistência sobre a importância da teoria, qualquer que fosse ela? É importante voltarmos ao Que Fazer? (1955) já que algumas das condições com que se batia o movimento naquele momento fazem sua aparição hoje de forma diferente e mais perigosa: “o oportunismo” (LENIN, 1955, p. 28) o reformismo, a “dispersão teórica”, “a paixão pelas formas mais estreitas de atividade prática” (LENIN, 1955, p. 32). E como Lenin vai se posicionar diante disso?

Referindo-se à crítica de Marx ao Programa de Gotha,

… mas não barganheis com os princípios, não façais «concessões» teóricas. Esse era o pensamento de Marx, e eis que existem entre nós pessoas que, em seu nome, procuram diminuir a importância da teoria! Sem teoria revolucionária, não existe movimento revolucionário. Nunca será demais insistir nessa idéia, numa época em que a propaganda em moda do oportunismo anda de par com a paixão das formas mais estreitas das atividades práticas (LENIN, 1955, p. 32).

É, portanto, necessário retomar o marxismo-leninismo, retomar o “trabalho teórico” e é necessário que se o faça agora.

Para isto, buscaremos delinear de forma bastante sumária e inicial os contornos do que entendemos por marxismo e seu desenvolvimento do que entendemos por materialismo histórico e materialismo dialético, como queria Lenin, “expondo tanto quanto possível nossas idéias de maneira positiva sem recorrer, ou quase sem recorrer, à polêmica” (LENIN, 1955, p. 10), no esforço de corresponder a exigência, sempre repetida de Marx a Mao Tsé-Tung, de construir a teoria de nossa prática concreta, estabelecendo assim a distinção entre os que fazem o esforço arriscado de pesquisar e os que se contentam em repetir o que leram mal e que menos aprenderam para se eximirem de pensar por si mesmo. Contudo, esta breve incursão sobre a teoria deve ser considerada provisória num duplo sentido: primeiro, porque como toda formulação teórica, está sujeita a um processo permanente de retificação e desenvolvimento; segundo, porque como toda formulação teórica ao ser posta para trabalhar produz efeitos que resultam em desenvolvimento e retificação tanto na teoria como em seu objeto [1].

Marxismo: teoria científica

Entendemos o marxismo – o materialismo dialético e o materialismo histórico – como sistema que comporta duas disciplinas (usamos aqui disciplina no sentido de ciência, ramo do conhecimento científico), correlatas e autônomas: a ciência da história ou o materialismo histórico e a filosofia marxista ou o materialismo dialético. Ciências relacionadas uma a outra por razões teóricas e históricas e diversas uma da outra em razão de que têm objetos distintos, diferentes – ciências que demandam, requerem, imperativamente, uma permanente tarefa de laboração/elaboração categorial e conceitual exigida pelo processo de permanente transformação da realidade objetiva, produção/elaboração que implica sua necessária articulação orgânica com os princípios fundamentais de seus corpos teóricos, elaboração de conceitos e categorias que fazem corpo com a teoria.

Ou, dizendo de outra forma, tomamos partido da teoria de Marx e Engels, o marxismo que, como toda teoria científica, traz inscrita no corpo teórico de seus fundamentos a condição de sua vigência e de seu desenvolvimento coerente e necessário e, assim, baliza o percurso de seu sentido e prescreve limites a partir dos quais progride, como exigência do corpo de supostos sobre o qual se assenta, de suas “piedras angulares” (LENIN, 1981, v. 4, p. 196), como quer Lenin, e como requerimento tanto de suas contradições internas enquanto teoria, como de suas contradições no permanente processo de mudança da realidade da qual é parte; mudanças expressas na prática social dos homens em suas diversas formas, entre elas, a prática científica, unidade ciência/real. O conceito do qual partimos é o de que todo e qualquer discurso, ideológico ou científico, possui uma lógica interna que implica necessariamente que qualquer termo ou noção, conceito ou categoria faça corpo com outros termos, noções, conceitos e categorias que não podem ser suprimidos do conjunto sem alterar o funcionamento do discurso.

Quando falamos do papel desempenhado por um termo ou noção do discurso ideológico entendemos que fazem corpo com uma formação ideológica ou, quando falamos da elaboração de conceitos ou categorias no discurso científico, entendemos que fazem corpo com uma formação teórico-ideológica-científica, unidade e contradição.

A expressão “fazer corpo” implica que esses termos, noções, conceitos e categorias, nos diversos lugares que podem ocupar num discurso teórico – fundantes, centrais, periféricos – não podem ser suprimidos do conjunto sem alterar o funcionamento do todo.

Se admitimos como premissa que a teoria que assumimos é o marxismo, na atual conjuntura histórica do estágio do desenvolvimento desta teoria, temos que começar respondendo a uma questão: em que consiste o marxismo? E qual o estágio de seu desenvolvimento? A tradição marxista à qual nos filiamos defende que o marxismo comporta duas disciplinas científicas, correlatas e autônomas: a ciência da história, ou o materialismo histórico e a filosofia marxista ou o materialismo dialético, o método dialético, portanto que o marxismo é ciência. Mas, vamos deixar falar o próprio Marx, para encontrar nele o fundamento, a comprovação, do que afirmamos.

Marx inicia o Prefácio à 1a edição de O Capital (1983) afirmando que “Todo começo é difícil; isso vale para qualquer ciência” (1983, v. 1, p. 11). Ora, acreditamos que não seja possível outra interpretação desta afirmação se não a de que, pelo menos do ponto de vista de Marx, com O Capital se iniciava uma ciência.

No mesmo sentido, observa Marx na Carta a Maurice La Châtre, responsável pela edição francesa de O Capital, referindo-se às dificuldades da leitura dos primeiros capítulos de sua obra: “Não há estrada já aberta para a ciência …” (1983, p. 23) [2].

Ora, mas qual o objeto dessa ciência que Marx afirmava começar? Ele mesmo nos responde quando diz que “… a finalidade última desta obra é descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna …” (1983, p. 13). E mais adiante, “… meu ponto de vista, … enfoca o desenvolvimento da formação econômica da sociedade como um processo histórico natural” (1983, p. 13).

E admitindo o “modo tão acertado” (1983, p. 20) da crítica à edição russa de O Capital, o transcreve no Posfácio à segunda edição:

O valor científico de tal pesquisa reside no esclarecimento das leis específicas que regulam o nascimento, existência, desenvolvimento e morte de dado organismo social e a sua substituição por outro, superior. E o livro de Marx tem, de fato, tal mérito (1983, p. 20).

O que Marx quer dizer com isto, quando aceita a afirmação de que seu livro “tem … tal mérito”? Quer dizer que seu livro, sua teoria, tem o mérito de ter esclarecido as “leis específicas que regulam o nascimento, existência, desenvolvimento e morte de dado organismo social e a sua substituição por outro, superior” (1983, p. 20), isto é, a ciência da história que se inicia com O Capital, o que permite a Lenin, em uma nota em seus Cuadernos Filosóficos (LENIN, 1986, v. 29), comentando a obra de Hegel, Lições sobre a Filosofia da História, dizer que Marx deu o maior passo à frente na constituição da ciência da história:

En general, la filosofía de la historia da muy, muy poco; esto es comprensible, porque precisamente aquí, precisamente en este terreno, en esta ciencia [na ciência da história], dieron Marx e Engels el más grande paso adelante. Aquí, más que en ninguna otra parte, resulta Hegel envejecido y anticuado (LENIN, 1986, v. 29, p. 290).

Que “… el más grande paso adelante” (LENIN, 1986, v. 29, p. 290) seria este se não o início da ciência da história? Daí a oportunidade e a justeza da posição de Plekanov quando, na primeira página, de sua obra Questões Fundamentais do Marxismo (PLEKHÂNOV, 1956), afirma que o mérito da formulação da ciência da história pertence a Marx e Engels, cunhando, então, o conceito materialismo histórico para denominar a nova ciência.

O mérito principal na sistematização e formulação do materialismo moderno pertence, incontestavelmente, a Karl Marx e a seu amigo Friedrich Engels. Os aspectos históricos e econômicos dessa concepção do mundo, que se designam, ordinariamente, com o nome de materialismo histórico, … são quase exclusivamente obra de Marx e de Engels. A contribuição de seus predecessores, nesse domínio, não deve ser considerada senão um trabalho preparatório (PLEKHÂNOV, 1956, p. 7).

Conceito com que, daí por diante, se passa a denominar a ciência da história iniciada por Marx e Engels a partir da elaboração de O Capital.

Contudo, em O Capital, no mesmo e único processo teórico e histórico em que inicia a ciência da história, inicia também a produção/construção de um método, como diz Marx, “meu verdadeiro método” (MARX, 1983, p. 20), o método dialético.

Ora, se admitimos que Marx inicia em O Capital a ciência da história, para sermos coerentes temos que admitir também que Marx inicia, no mesmo movimento, a construção de seu método, científico, “la lógica de El Capital” (LENIN, 1986, v. 29, p. 300), o método da nova ciência. E Marx, em vários momentos, faz o anúncio de seu método dialético: esta dialética que “… é, em sua essência, crítica e revolucionária” (MARX, 1983, p. 21).

Nesta questão é importante nos determos na formulação de Lenin quando, no texto em que rascunha um plano da dialética de Hegel, reunido em seus Cuadernos Filosóficos, nos fala da lógica de Marx:

Si Marx no nos dejó una «Lógica» (con mayúscula), dejó en cambio la lógica de El Capital, y en este problema debería ser utilizada a fondo. En El Capital, Marx aplicó a una sola ciencia la lógica, la dialéctica y la teoría del conocimiento del materialismo [no hacen falta 3 palabras: es una y la misma cosa], que tomó todo lo que había de valioso en Hegel y lo desarrolló (1986, v. 29, p. 300).

É importante utilizar a fundo esta valiosa indicação de Lenin para que possamos estabelecer o estatuto desta lógica, deste método de Marx.

Porém, não se trata somente de expor o materialismo dialético e o materialismo histórico, de repor seu estatuto científico, de fazer ver e compreender a ambos como ciência, mas de colocá-los em ação, na “análise concreta da situação concreta” (LENIN, 1981, v. 3, p. 14).

Contudo, antes disso, temos ainda que responder outra questão. Por que retomar e expor o estatuto científico do marxismo? Não está suficientemente exposto na obra de Marx, Engels, Lenin e seus continuadores? O dogmatismo, o ecletismo e o revisionismo ainda ameaçam o marxismo? A ofensiva ideológica do pensamento dominante conseguiu fazer recuar o marxismo? A ideologia dominante, através do dogmatismo, do idealismo, do ecletismo e, principalmente, do revisionismo, conseguiu passar por marxismo o que só é dialética idealista; passar por marxismo um amálgama eclético e inócuo. Portanto, trabalhar para repor a teoria marxista passa a ser um requisito fundamental para nossa prática, para que não passem por marxismo uma compreensão empobrecida, mecanicista, vulgar, tirada dos manuais do revisionismo soviético ou uma compreensão também empobrecida, mecanicista, vulgar resultado da aplicação dogmática de textos mal lidos e menos compreendidos.

Engels se contrapõe ao dogmatismo e ao ecletismo elaborando as “piedras angulares” (LENIN, 1981, v. 4, p. 196) para o entendimento da progressão infinita do conhecimento, da ciência, refutando Dühring e, – se permitem repetir esta tópica que trouxe tantos problemas de interpretação – recolocando sob seus pés a dialética da verdade absoluta e da verdade relativa:

… a sabedoria do pensamento realiza-se numa série de homens cujo pensamento é extremamente pouco soberano, e o conhecimento, estribado num direito absoluto à verdade, numa série de erros relativos. Nem um nem outro podem, porém, realizar por completo a não ser através da duração infinita da vida humana… Neste sentido, o pensamento humano é tão soberano como não soberano e sua faculdade de conhecimento tão ilimitada como limitada. Soberano e ilimitado pela sua natureza, pela sua vocação, pelas suas possibilidades e pelo seu objetivo histórico final, não soberano e limitado pela sua execução individual e pela sua realidade singular (ENGELS, 1975, p. 168).

Lenin com clareza e concisão coloca a questão não só do desenvolvimento do marxismo como também do desenvolvimento de toda a ciência. Aqui, permitam-me repetir outra tópica: o edifício do desenvolvimento da ciência é construído a partir de suas “piedras angulares” que balizam o sentido no qual progride e determinam a necessidade de sua progressão.

No enfocamos, en absoluto, la teoría de Marx como algo acabado e intangible; estamos convencidos, por el contrario, de que colocó sólo las piedras angulares de la ciencia que los socialistas deben impulsar en todas las direcciones, si no quieren quedar rezagados en la vida (LENIN, 1981, v. 4, p. 196).

Não estamos dizendo com isso que são somente os elementos internos, “piedras angulares” que determinam a necessidade e o sentido do desenvolvimento de uma ciência, até porque a ciência é sempre a unidade contraditória, teoria e prática, e é como expressão dessa unidade que se estabelecem essas “piedras”. Sem essa compreensão converteremos a ciência num “dogma en el mal sentido de esta palabra, en una cosa muerta …” (LENIN, 1983, v. 18, p. 142), distinta e absolutamente separada da realidade.

Desde el punto de vista del materialismo moderno, es decir del marxismo, son históricamente condicionales los límites de la aproximación de nuestros conocimientos a la verdad objetiva, absoluta, pero la existencia de esta verdad, así como el hecho de que nos aproximamos a ella no obedece a condiciones … Dirán ustedes: esta distinción entre la verdad absoluta y la verdad relativa es imprecisa. Y yo les contestaré: justamente es lo bastante «imprecisa» para impedir que la ciencia se convierta en un dogma en el mal sentido de esta palabra, en una cosa muerta, estancada, anquilosada; pero, al mismo tiempo, es lo bastante «precisa» para deslindar los campos del modo más resuelto e irrevocable entre nosotros y el fideísmo, el agnosticismo, el idealismo filosófico y la sofistería de los adeptos de Hume y Kant. Hay aquí un límite que no han notado, y no habiéndolo notado, han caído en la charca de la filosofía reaccionaria. Es el límite entre el materialismo dialéctico y el relativismo (LENIN, 1983, v. 18, p. 142).

Neste momento são necessárias algumas precisões: Lenin, em suas anotações sobre a dialética (LENIN, 1986, v. 29), não nos vai dizer que as contradições existem em todos os fenômenos e processos da natureza incluídos os do espírito e da sociedade? Mao Tsé-Tung, repetindo Lenin, não diz “que as contradições existem no processo de desenvolvimento de todos os fenômenos … desde o princípio até o fim.”? (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 534) E a ciência não é um “fenômeno”, um fenômeno do “espiritu”? “La identidad de los contrarios … es el reconocimiento … de tendencias contradictorias, mutuamente excluyentes, opuestas en todos los fenómenos y procesos de la naturaleza (incluidos el espíritu y la sociedad) (LENIN, 1986, v. 29, p. 322).

Portanto, a ciência, como todo fenômeno, admite em seu seio um conjunto de contradições, a contradição ciência/ideologia e a contradição teoria e prática, sem o que converteríamos a ciência em uma coisa morta e estagnada. Um sistema de conhecimentos é tornado ciência pela dominação de elementos científicos sobre os elementos de representação ideológica; dominação determinada, poderíamos dizer, em última instância, pelo processo de desenvolvimento e retificação imposto pela prática, prática que revela/determina uma permanente defasagem entre a teoria e a realidade, defasagem que requer permanente superação, destruindo e superando os elementos de representação ideológica.

A teoria marxista, como toda ciência, não é dada de maneira definitiva, tem a necessidade intrínseca de se desenvolver, de se enriquecer e de se retificar na base de sua prática e de novas lutas que é chamada a travar.

Portanto, o marxismo, como toda ciência, tem contradições, característica intrínseca a toda ciência, conjunto de contradições que o conforma e dá razão a seu desenvolvimento; desenvolvimento e não revisionismo, não ecletismo, não dogmatismo.

E é sobre o marxismo e seu desenvolvimento que queremos falar para deixar claro a que marxismo nos referimos, que marxismo temos a pretensão de colocar para trabalhar.

Podemos dizer que o marxismo surge das mãos de Marx e Engels, em 1848, com o Manifesto do Partido Comunista – se queremos estabelecer uma data de nascimento – enquanto fusão da teoria com o movimento operário, como teoria científica da classe operária. A fusão da teoria marxista com o movimento operário é o mais importante acontecimento do desenrolar da luta de classes; portanto, o mais importante acontecimento da história, entendida enquanto história da luta de classes, apesar de que Marx tenha declarado no Prefácio, de 1859, à Contribuição à Critica da Economia Política, que na Ideologia Alemã, de 1845-1846, havia ajustado suas contas com sua “consciência filosófica anterior” (MARX, 1977, p. 25-26), e alcançado seu principal objetivo, “enxergar claramente as nossas idéias” (MARX, 1977, p. 25-26),

Friedrich Engels, com quem, desde a publicação do seu genial esboço de uma contribuição para a crítica das categorias econômicas nos Deutsch-Französische Jahrbücher, tenho mantido por escrito uma constante troca de idéias, chegou por outras vias (confrontar a sua Situação das Classes Operárias na Inglaterra [3]) ao mesmo resultado, e quando, na primavera de 1845, veio se estabelecer também em Bruxelas, resolvemos trabalhar em conjunto, a fim de esclarecer o antagonismo existente entre a nossa maneira de ver e a concepção ideológica da filosofia alemã; tratava-se, de fato, de um ajuste de contas com a nossa consciência filosófica anterior. Este projeto foi realizado sob a forma de uma crítica da filosofia pós-hegeliana. O manuscrito, dois grandes volumes in-octavo, estava há muito no editor na Vestefália, quando soubemos que novas circunstâncias já não permitiam a sua impressão. De bom grado abandonamos o manuscrito à crítica corrosiva dos ratos, tanto mais que tínhamos atingido o nosso fim principal, que era enxergar claramente as nossas idéias (MARX, 1977, p. 25-26).

Já neste momento – e à medida que de forma cada vez mais radical Marx e Engels vão tomando partido da classe operária, assumindo o ponto de vista da classe operária, lhes foi possível estabelecer um corte, mudar de terreno e constituir uma ciência – tem o marxismo a necessidade histórica, teórica e prática, qualidade intrínseca decorrente de sua situação de teoria de classe, de se firmar criticando radicalmente as “teorias” que se lhe opõem, de maneira geral as “ciências sociais”, as “ciências humanas”, “ciências da história” ou “teorias” que tentam submetê-lo à revisão ou atualização.

A luta no campo da teoria

A necessidade de se firmar como ciência pela busca da exatidão, da clareza, do rigor científico, este requisito de precisão, de apuramento teórico, ideológico e político, de travar a luta teórica, a batalha no terreno ideológico, demarcar campo, esta obrigação de combater, criticar e derrotar seus adversários ideológicos, característica de toda a ciência – que com o marxismo se dá de forma mais intensa – resulta da exigência da luta de classes na prática e na teoria.

É isto que vai explicar a diferença entre a disputa que travam entre si as “ciências sociais” e “ciências humanas”, e a luta que todas travam contra o marxismo. É que, enquanto as “ciências sociais” e “ciências humanas” travam sua disputa num mesmo campo ideológico – enquanto “teorias” das classes dominantes – para verificar qual delas alcança maior correspondência com os interesses de classe que representam, numa ou noutra conjuntura, o marxismo se coloca em outro campo, no campo antagônico, enquanto teoria da classe dominada; em campo diverso, diferente, enquanto teoria científica que as supera.

Daí porque Marx e Engels diferem fundamentalmente de todos os teóricos de sua época; pela exigência que se impunham de se demarcar, rigorosamente, de todas as outras “teorias”, pelo rigor, precisão, apuramento teórico que dedicaram à elaboração de sua ciência. Marx, no Posfácio à segunda edição de O Capital, nos fala das condições que a luta de classes assumiu, na prática e na teoria, como decorrência do ascenso da burguesia ao poder, mostrando que daí em diante deixava de haver possibilidade de uma ciência social burguesa e de uma disputa científica imparcial. Agora, importa à burguesia saber se tal e qual verdade serve ao capital, se é possível colocar tal e qual verdade a serviço dele e, principalmente, fabricar as “verdades” que servem aos interesses de sua reprodução:

A burguesia tinha conquistado o poder político na França e na Inglaterra. A partir de então, a luta de classes assumiu, na teoria e na prática formas cada vez mas explícitas e ameaçadoras. Ela faz soar o sino fúnebre da economia científica burguesa. Já não se tratava de saber se este ou aquele teorema era ou não verdadeiro, mas se para o capital ele era útil ou prejudicial, cômodo ou incômodo, subversivo ou não. No lugar da pesquisa desinteressada entrou a espadacharia mercenária, no lugar da pesquisa científica imparcial entrou a má consciência e a má intenção da apologética (MARX, 1983, v. 1, p. 17).

Marx e Engels atendem, portanto, a uma exigência incontornável da disputa teórica ao dedicarem um esforço excepcional para elaborar sua teoria científica e em delimitar, separar, traçar, com rigor e precisão, a linha de demarcação que separa o marxismo do conjunto de “teorias” que ocupam o espaço da ideologia dominante.

E é referindo-se à tradição marxista que Lenin, em Qué Hacer? (LENIN, 1982, v. 6), vai sustentar a importância central de se continuar a travar a luta na teoria, condição indissociável da tarefa de continuar desenvolvendo o marxismo:

Aduciremos las observaciones hechas por Engels en 1874 relativas a la significación de la teoría en el movimiento socialdemócrata. Engels reconoce tres formas de la gran lucha de la socialdemocracia, y no dos (la política y la económica) – como es usual entre nosotros –, colocando también a su lado la lucha teórica (LENIN, 1981, v. 6, p. 27).

E chama a atenção para o fato de que um erro, um desvio, pode levar a que, da construção de uma ciência – que torna possível o conhecimento da história e das leis que as rege, que comprovado pela experiência, pela prática, tem valor de verdade objetiva – se acabe na elaboração de mais uma “interpretação do mundo” e de uma nova/velha proposta para reformá-lo:

En estas condiciones, un error «sin importancia» a primera vista puede tener las más tristes consecuencias, y sólo gente miope pude considerar inoportunas o superfluas las discusiones fraccionales y la delimitación rigurosa de los matices. De la consolidación de tal o cual «matiz» puede depender el porvenir de la socialdemocracia rusa durante muchísimos años (LENIN, 1981, v. 6, p. 26).

O que não quer dizer que o marxismo não se desenvolveu depois de Marx e Engels, de que é um dogma. Muito pelo contrário, como toda a ciência, o marxismo não pode parar de se desenvolver, sob pena de desaparecer.

Entendendo o marxismo deste ponto de vista, entendendo-o como o início da ciência da história, começo inseparavelmente comprometido com a construção de um método científico, o materialismo dialético, só ele capaz de possibilitar a ciência da história, ciência que não tem nada a perder com o avanço do conhecimento, pelo contrário, é que – e só assim – podemos entender a impossibilidade intrínseca, inerente ao marxismo, de coabitar com as teorias não científicas.

Analisando o desenvolvimento do marxismo em seu artigo Marxismo y Revisionismo (1983, v. 17, p. 15), Lenin mostra que depois de Marx e Engels a luta teórica passa a se fazer em outro patamar. De fato, até a década de 1890, o marxismo teve que lutar para se afirmar enquanto teoria científica, combatendo “teorias” que lhe eram contrárias e que disputavam com ele a consciência do proletariado; como as conceituava Lenin, “las doctrinas vinculadas a la lucha de la clase obrera” (1983, v. 17, p. 18). Primeiro, posições utópicas, sindicalistas, espontaneístas, depois anarquistas, proudhonistas e outras. Diante do fracasso das tentativas de negar o caráter científico do marxismo, a luta no campo da teoria passou a se dar de uma forma muito mais sutil. Sob a palavra de ordem de defender o marxismo passa-se a defender “atualizar” o marxismo, busca-se “revê-lo” ou “completá-lo”.

Pero cuando el marxismo hubo desplazado a todas las doctrinas más o menos coherentes que les eran hostiles las tendencias albergadas en ellas buscaron otros caminos. Cambiaron las formas y los motivos de la lucha, pero ésta continuó. Y el segundo medio siglo de existencia del marxismo (década del 90 del siglo pasado) comenzó por la lucha de una corriente antimarxista en el seno del propio marxismo (LENIN, 1983, v. 17, p. 18).

Buscava-se, como ainda hoje, anular o conteúdo científico do marxismo, apresentando “la charca del envilecimiento filosófico de la ciencia” (LENIN, 1983, v. 17, p. 19) sob a capa do marxismo, introduzindo conceitos idealistas e metafísicos, utilizando a aparência e a linguagem marxista.

En el campo de la filosofía, el dialéctica idealista iba a remolque de la «ciencia» académica burguesa… los catedráticos repetían, por milésima vez, las vulgaridades de los curas contra el materialismo filosófico, y los revisionistas, sonriendo con indulgencia, balbuceaban (repitiendo ce por be el último manual) que el materialismo había sido «refutado» hacía mucho tiempo. Los catedráticos trataban a Hegel de «perro muerto» y, predicando ellos mismos el idealismo, sólo que mil veces más mezquino y trivial que el hegeliano, se encogían de hombros con desdén ante la dialéctica, y los revisionistas se metían tras ellos en la charca del envilecimiento filosófico de la ciencia, sustituyendo la «sutil» (y revolucionaria) dialéctica con la «simple» (y tranquila) «evolución» (LENIN, 1983, v. 17, p. 19).

Como afirma Lenin em Marxismo y Revisionismo (1983, v. 17), tenta-se rever o princípio fundamental do marxismo, a dialética, e esta não é uma questão superada, um debate ultrapassado – da mesma forma ainda hoje, e com maior sucesso, tenta-se substituir a dialética marxista por uma dialética da simples e inofensiva evolução.

Os marxistas não negam a necessidade de desenvolver o marxismo. Muito pelo contrário, sabem da necessidade de desenvolvê-lo e que só desenvolvendo-o darão conta dos novos problemas que a história vai colocando. Porém, também sabem que o marxismo, enquanto ciência, só pode se desenvolver mantendo seu método.

Isto nos leva a perguntar: pode-se manter e desenvolver uma ciência se esta não se enriquece com as novas experiências advindas do desenvolvimento de sua prática na realidade que é seu objeto? Com o marxismo, com o método marxista, não é diferente. O marxismo requer seu enriquecimento, seu aperfeiçoamento advindo do desenvolvimento de sua prática, mantendo seu método. Lenin, com clareza, profundidade e acuidade, já aponta esta característica de fundo no marxismo, acentuada na conjuntura atual: a questão central do marxismo, seu cerne, é seu método. “Todos ellos se dicen marxistas, pero entienden el marxismo de una manera pedante hasta el imposible. No han comprendido en absoluto lo decisivo del marxismo, a saber: su dialéctica revolucionaria” (1987, v. 45, p. 394).

Da mesma forma, Mao Tsé-Tung, em 1957, determinou a questão que o idealismo combate e procura contornar, em verdade quer destruir: a “quinta-essência do marxismo”, seu método, o materialismo dialético: “Pero lo que atacan es precisamente la quintaesencia del marxismo. Combaten o tergiversan el materialismo y la dialéctica;” (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 448). A questão é que o “método” de Marx não se achava escrito em lugar nenhum. Ou melhor, estava aplicado em suas obras; se encontrava em estado prático em sua obras, como diz Lenin, “Si Marx no nos dejó una «Lógica» (con mayúscula), dejó en cambio la lógica de El Capital” (1986, v. 29, p. 300). E não poderia ser de outra forma. O objetivo de Marx era o de esclarecer as “leis específicas que regulam o nascimento, existência, desenvolvimento e morte de dado organismo social e a sua substituição por outro, superior” (MARX, 1983, v. 1, p. 20). Neste mesmo e único processo lógico em que Marx trabalha para esclarecer as “leis específicas que regulam … a existência … de dado organismo social”, o processo que vai produzir a ciência da história produz seu método, o método que vai tornar possível a ciência da história, inseparável dela, parte dela. Marx não podia sistematizar o método que estava criando, que não estava criado antes dele, sistematizá-lo a priori, ter dele conhecimento no momento em que surgia na prática de criar a ciência da história, seu objetivo.

Porém, Marx sentia a importância de sistematizá-lo. Daí porque vai reclamar várias vezes da necessidade de escrever sobre o seu método, sobre a dialética materialista, sobre o materialismo dialético. Contudo, objetivamente não lhe era possível redigir seu pequeno texto em dois ou três “pliegos”.

(Londres), 14 de janeiro de 1858
Si alguna vez llegara a haber tiempo para un trabajo tal, me gustaría muchísimo hacer accesible a la inteligencia común, en dos o tres pliegos de imprenta [un pliego = 16 páginas], lo que es racional en el método que descubrió Hegel, pero que al mismo tiempo está envuelto en misticismo… (MARX e ENGELS, 1947, p. 119).

Mesmo sem conseguir escrever sua “pequena” brochura, Marx tem claro que não pode deixar de demarcar campo com o idealismo, com a dialética idealista, sente a necessidade permanente de delimitar campo com a dialética hegeliana. Sabia que daí vinha a possibilidade de esterilizar seu método e, para não deixar espaço a tergiversação, afirma que sua dialética “é, em sua essência crítica e revolucionária” (MARX, 1983, p. 21), daí as reiteradas referências a ela em O Capital com o objetivo de caracterizá-la:

Por sua fundamentação, meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua antítese direta … Em sua forma mistificada a dialética foi à moda alemã porque ela parecia tornar sublime o existente. Em sua configuração racional, é um incômodo e um horror para a burguesia e para os seus porta-vozes doutrinários, porque, no entendimento positivo do existente, ela inclui ao mesmo tempo o entendimento da sua negação, da sua desaparição inevitável (MARX, 1983, p. 20-21).

É importante e significativo notar que após estas linhas escritas em 1873, nas quais Marx faz sua demarcação com Hegel, – sua diferença com Hegel, a “antítese direta” entre seu método e o hegeliano, que inúmeras vezes qualifica de mistificação, diferença que tenta expressar como inversão, método que tenta explicar como resultante de um processo de extração do cerne racional do método hegeliano, operação para a qual não encontra palavras, “… até andei namorando aqui e acolá os seus modos peculiares de expressão” (MARX, 1983, p. 20), dificuldade em encontrar a forma de como conceituar o processo de produção de seu método, processo de elaboração de novos conceitos e categorias de toda nova ciência e que é referido por Engels no Prefácio à Edição Inglesa de O Capital:

Uma dificuldade persiste, no entanto, e dela não podemos poupar o leitor: o emprego de certas expressões em sentido diferente não só do uso na linguagem cotidiana mas também na Economia Política usual. Isso era, porém, inevitável. Cada concepção nova de uma ciência implica uma revolução nos termos técnicos dessa ciência (1983, p. 32).

Somente após vinte anos se volta a afirmar a diferença radical entre a dialética de Marx e a dialética de Hegel. Lenin, em um texto brilhante, escrito quando tinha apenas 24 anos, vai recolocar esta questão quando, em 1894, em Quienes son los «amigos del pueblo» (1981, v. 1), dedica uma dúzia de páginas para afirmar a diferença entre a dialética materialista de Marx e a dialética idealista de Hegel, resumidas em uma nota de pé de página onde protesta “… cuán absurdo es acusar al marxismo de dialéctica hegeliana” (1981, v. 1, p. 181). E, mais adiante, categoricamente:

Ahora nos limitaremos a señalar que todo el que haya leído la definición y la descripción del método dialéctico que ofrece Engels (en la polémica contra Dühring: Del socialismo utópico al socialismo científico) o Marx (en varias notas de el Capital y las palabras finales a la segunda edición, así como en la Miseria de la Filosofía) habrá visto que para nada se habla allí de las tríades de Hegel … (LENIN, 1981, v. 1, p. 172).

Que mais poderia dizer Lenin, totalmente submerso na tarefa de transformar a Rússia? Que mais nos poderia deixar se não as precisas e preciosas notas de seus Cadernos Filosóficos?

Algumas teses sobre o materialismo dialético

Anos depois, Lenin, em um pequeno texto, um comentário de leitura escrito como uma síntese do estudo que vinha fazendo sobre filosofia, entre 1914-1915 – quando lê Heráclito, Aristóteles, Feuerbach e Hegel, nos dois primeiros anos da Primeira Grande Guerra, no período que medeia a derrota da Revolução de 1905 e a vitória da Revolução de Outubro de 1917 e no momento da grave cisão representada pela social-democracia na Segunda Internacional – significativamente, volta ao problema da dialética marxista, expondo uma teoria que, partindo de Hegel, “La dicotomía de un todo único y el conocimiento de sus partes contradictorias … es la esencia .. de la dialéctica. Precisamente así plantea también Hegel” (LENIN, 1986, v. 29, p. 321), se desloca para um outro/novo terreno inteiramente diverso.

É interessante notar como este notável texto de Lenin, estas notas de leitura, permaneceram como um ponto morto ao olhar dos que tentaram falar sobre a dialética. Como este esboço que resultava de uma enorme capacidade de concisão e apontava o caminho de seu desenvolvimento necessário restou ignorado até ser retomado por Mao Tsé-Tung em seu trabalho Sobre a Contradição.

A leitura deste texto é indispensável quando se pretende discutir a dialética materialista. Como podemos ver aqui, como dizia Lenin, não se fala para nada das tríades hegelianas.

SOBRE EL PROBLEMA DE LA DIALECTICA [4]

La dicotomía de un todo único y el conocimiento de sus partes contradictorias (véase la cita de Filón sobre Heráclito, en el comienzo de sección [I] (Sobre el conocimiento), en el libro de Lassalle acerca de Heráclito) es la esencia (una de las «esencias», una de las principales, si no la principal característica o rasgo) de la dialéctica. Precisamente así plantea también Hegel el problema (Aristóteles en su Metafísica pelea en torno de él combate a Heráclito y las ideas heraclitanas).

La justeza de este aspecto del contenido de la dialéctica debe ser verificada por la historia de la ciencia. A este aspecto de la dialéctica (por ejemplo, en Plejánov) se suele prestar poca atención: la identidad de los contrarios se toma como una suma de ejemplos [«por ejemplo, una simiente», por ejemplo, el comunismo primitivo. Lo mismo en Engels. Pero es «para efectos de divulgación»…,] y no como ley del conocimiento (y como ley del mundo objetivo).

En matemáticas: + y −. Diferencial y integral.

En mecánica: acción y reacción.

En física: electricidad positiva y negativa.

En química: combinación y disociación de los átomos.

En la ciencia social: la lucha de clases.

La identidad de los contrarios (sería más correcto, quizá, decir su «unidad», aunque la diferencia entre los términos identidad y unidad no tiene aquí mucha importancia. En cierto sentido ambos son correctos) es el reconocimiento (descubrimiento) de tendencias contradictorias, mutuamente excluyentes, opuestas, en todos los fenómenos y procesos de la naturaleza (incluidos el espíritu y la sociedad). La condición para el conocimiento de todos los procesos del mundo en su «automovimiento», en su desarrollo espontáneo, en su vida real es el conocimiento de los mismos como unidad de los contrarios. El desarrollo es la «lucha» de los contrarios. Las dos concepciones fundamentales (o dos posibles?, o las dos que se observan en la historia?) del desarrollo (evolución) son: el desarrollo como disminución y aumento, como repetición, y el desarrollo como unidad de los contrarios (la dicotomía de un todo único en contrarios que se excluyen mutuamente y su relación recíproca).

En la primera concepción del movimiento queda en la sombra el automovimiento, su fuerza impulsora, su fuente, su motivo (o se convierte dicha fuente en externa: Dios, sujeto, etc.). En la segunda concepción, la atención principal se centra precisamente en el conocimiento de la fuente del «auto»movimiento.

La primera concepción es inerte, pálida y seca. La segunda es viva. Sólo la segunda proporciona la clave para el «automovimiento» de todo lo existente; sólo ella proporciona la clave para los «saltos», para la «ruptura de la gradualidad», para la «transformación en el contrario», para la destrucción de lo viejo y el surgimiento de lo nuevo.

La unidad (coincidencia, identidad, acción igual) de los contrarios es condicional, temporal, transitoria, relativa. La lucha de los contrarios que se excluyen mutuamente es absoluta, como son absolutos el desarrollo y el movimiento.

NB: La distinción entre subjetivismo (escepticismo, sofistica, etc.) y dialéctica, de paso, consiste en que en la dialéctica (objetiva) es relativa también la diferencia entre lo relativo y lo absoluto. Para la dialéctica objetiva hay un absoluto en lo relativo. Para el subjetivismo y la sofistica lo relativo es sólo relativo y excluye lo absoluto.

En El Capital Marx analiza primero la relación más simple, más ordinaria y fundamental, más común y cotidiana de la sociedad burguesa (mercantil), una relación que se encuentra miles de miliones de veces, a saber, el cambio de mercancías. En ese fenómeno simple (en esta «célula» de la sociedad burguesa) el análisis revela todas las contradicciones (respective los gérmenes de todas las contradicciones) de la sociedad moderna. La exposición nos muestra el desarrollo (a la vez crecimiento y movimiento) de esas contradicciones y de esa sociedad en la suma de sus partes individuales, de su comienzo a su fin.

Igual debe ser también el método de exposición (respective estudio) de la dialéctica en general (porque, para Marx, la dialéctica de la sociedad burguesa es sólo un caso particular de la dialéctica). Comenzar con lo más sencillo, con lo más ordinario, común, etc.; con cualquier proposición: las hojas de un árbol son verdes; Juan es un hombre; Chucho es un perro, etc. Aquí tenemos ya dialéctica (como lo reconoció el genio de Hegel): lo individual es lo universal (cf. Aristóteles, Metaphysik, traducción de Schwegler, Bd. II, S. 40, 3. Kapitel 8-9: «denn natürlich kann man nicht der Meinung sein, dass es ein Haus (una casa en general) gebe ausser den sichtbaren Häusern», [«Porque, por supuesto, no se puede sostener la opinión de que pueda haber una casa (en general) a la par que casas visibles.»]

Por consiguiente, los contrarios (lo individual se opone a lo universal) son idénticos: lo individual existe sólo en la conexión que conduce a lo universal. Lo universal existe sólo en lo individual y a través de lo individual. Todo individual es (de uno u otro modo) universal. Todo universal es (un fragmento, o un aspecto, o la esencia de) lo individual. Todo universal sólo abarca aproximadamente a todos los objetos individuales. Todo individual entra en forma incompleta en lo universal, etc., etc. Todo individual está vinculado por miles de transiciones con otros tipos de individuales (cosas, fenómenos, procesos), etc. Aquí ya tenemos elementos, gérmenes de los conceptos de necesidad, de conexión objetiva en la naturaleza, etc. Aquí tenemos ya lo contingente y lo necesario, el fenómeno y la esencia; porque cuando decimos: Juan es un hombre, Chucho es un perro, esta es una hoja de un árbol, etc., desechamos una cantidad de caracteres como contingentes; separamos la esencia de la apariencia, y oponemos la una a la otra.

Así, en cualquier proposición podemos (y debemos) descubrir como en una «célula» los gérmenes de todos los elementos de la dialéctica, y con ello mostrar que la dialéctica es una propiedad de todo conocimiento humano en general. Y las ciencias naturales nos muestran (y aquí, una vez más, es preciso demostrarlo en cualquier ejemplo simple) la naturaleza objetiva con las mismas cualidades, la transformación de lo individual en lo universal, de lo contingente en lo necesario, transiciones, modulaciones y la vinculación recíproca de los contrarios. La dialéctica es precisamente la teoría del conocimiento (de Hegel y) del marxismo. Este es el «aspecto» del asunto (no es un «aspecto», sino la esencia del asunto) al que Plejánov, por no hablar de otros marxistas, no prestó atención.

El conocimiento es representado en forma de una serie de círculos tanto por Hegel (véase la Lógica) como por el moderno «gnoseólogo» de las ciencias naturales, el ecléctico y enemigo del hegelianismo (ique no entendió!) Paul Volkmann (véase su Erkenntnistheoretische Grundzüge, S.).

«Círculos» en filosofía: [es obligatoria una cronología de las personas? No!]

Antigua: de Demócrito a Platón y a la dialéctica de Heráclito.

Renacimiento: Descartes versus Gassendi (Espinosa?).

Moderna: Holbach – Hegel (a través de Berkeley, Hume, Kant). Hegel – Feuerbach – Marx.

La dialéctica como conocimiento vivo, multilateral (con una cantidad de aspectos que aumenta eternamente), con un sinnúmero de matices de cada enfoque y aproximación a la realidad (con un sistema filosófico que se convierte en un todo a partir de cada matiz): he aquí un contenido inconmensurablemente rico en comparación con el materialismo «metafísico» cuya desdicha fundamental es su incapacidad para aplicar la dialéctica a la Bildertheorie [Teoría de la reflexión], al proceso y desarrollo del conocimiento.

El idealismo filosófico es sólo una tontería desde el punto de vista del materialismo tosco, simple, metafísico. En cambio, desde el punto de vista del materialismo dialéctico, el idealismo filosófico es un desarrollo unilateral, exagerado, überschwengeliches (Dietzgen) (inflación, abultamiento) de uno de los rasgos, aspectos, facetas del conocimiento hasta convertirlo en un absoluto, divorciado de la materia, de la naturaleza, deificado. El idealismo es obscurantismo clerical. Es cierto.

NB este aforismo. Pero el idealismo filosófico es («mejor dicho» y «además») un camino hacia el obscurantismo clerical a través de uno de los matices del conocimiento infinitamente complejo (dialéctico) del hombre.

El conocimiento no es (respective no sigue) una línea recta, sino una curva, que se aproxima infinitamente a una serie de círculos, a una espiral. Todo fragmento, segmento, sección de esta curva pude ser transformado (transformado unilateralmente) en una recta independiente, completa que, entonces (si los árboles impiden ver el bosque), conduce al lodazal, al obscurantismo clerical (donde la refrendan los intereses de clase de las clases dominantes). El carácter rectilíneo y unilateral, la rigidez y el anquilosamiento, el subjetivismo y la ceguera subjetiva: voilá las raíces gnoscológicas del idealismo. Y el obscurantismo clerical (= idealismo filosófico), por supuesto, tiene raíces gnoseológicas, no carece de fundamento; es sin duda una flor estéril, pero una flor estéril que crece en el árbol vivo del conocimiento humano, vivo, fértil, auténtico, poderoso, omnipotente, objetivo, absoluto.

[Escrito en 1915, publicado por primera vez en 1925, en la revista Bolshevik, núm. 5-6]

Como vemos, depois de anunciar com precisão “la esencia” da dialética, Lenin traça a linha intransponível que separa as duas concepções possíveis “de todos los procesos del mundo” (LENIN, t. 29, p. 322). A linha intransponível que separa a concepção científica e revolucionária da concepção idealista. Como diz Lenin, a linha que separa, portanto, as duas concepções historicamente possíveis “das leis específicas que regulam o nascimento, existência, desenvolvimento e morte de dado organismo social e a sua substituição por outro, superior” (MARX, 1983, p. 20), do desenvolvimento da história:

Las dos concepciones fundamentales (o dos posibles?, o las dos que se observan en la historia?) del desarrollo (evolución) son: el desarrollo como diminución y aumento, como repetición, y el desarrollo como unidad de los contrarios … .
La primera concepción es inerte, pálida y seca. La segunda es viva. Sólo la segunda proporciona la clave para el «automovimiento» de todo lo existente; sólo ella proporciona la clave para los «saltos», para la «ruptura de la gradualidad», para la «transformación en el contrario», para la destrucción de lo viejo y el surgimiento de lo nuevo (LENIN, 1986, t. 29, p. 322).

Depois desta intervenção de Lenin, o silêncio sobre a dialética só é quebrado em 1937 com o aparecimento dos textos de Mao Tsé-Tung, Da Prática e Da Contradição (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1), Sobre o tratamento correto das contradições no seio do povo (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5) nos quais, continuando a teorização de Lenin nos Cuadernos Filosóficos, desenvolve uma concepção da dialética totalmente diversa da concepção hegeliana.

Nada de semelhante aos conceitos essenciais desses textos pode ser encontrado em Hegel: “desenvolvimento como unidade dos contrários”; “contradição fundamental”, “contradição antagônica e não antagônica”; “contradição principal e contradição secundária”; “aspecto principal e aspecto secundário da contradição”; “lei da desigualdade do desenvolvimento das contradições” (TSÉ-TUNG, 1975, 1978, v. 1 e 5).

É uma concepção completamente distinta da concepção hegeliana que vê a história movida por uma “dialética” idealista na qual não há jamais verdadeira ruptura.

Solo la segunda, [a concepção da dialética marxista] proporciona la clave para el «automovimiento» de todo lo existente; solo ella proporciona la clave para los «saltos», para la «ruptura de la gradualidad», para la «transformación en el contrario», para la destrucción de lo viejo y el surgimiento de lo nuevo (LENIN, 1986, v. 29, p. 322).

São conceitos novos e fecundos que vão permitir o desenvolvimento da dialética materialista e do materialismo histórico, permitindo a compreensão científica, pelos marxistas, da história. É Lenin quem primeiro vai nos dizer, em seus Cuadernos Filosóficos, que Marx nos deixara seu método em o O Capital, isto é, que nos tinha dado a dialética em estado prático em O Capital e sabia também que era questão crucial enunciar tão rigorosamente quanto possível esta dialética aplicada por Marx. Por isso a importância da contribuição teórica de Lenin e de Mao Tsé-Tung explicitando com rigor a dialética materialista, base teórica do marxismo – encontrada em estado prático na obra de Marx e Engels e dos marxistas e da qual Lenin nos dá um brilhante esboço no texto de seus Cuadernos Filosóficos.

A dialética materialista nada tem a ver com a tergiversação que passa uma versão empobrecida da dialética de Hegel como marxismo. A dialética materialista não fala da “negação da negação”, que reduz o método marxista a uma dialética que conserva o negado. Não só se distingue radicalmente de sua versão hegeliana, como traz conceitos de um campo total e radicalmente diverso. Essa “confusão”, como dissemos, faz passar “Uma visão parcial e simplista” (SILVA, 1985, p. 112) da dialética; faz passar a dialética hegeliana por marxismo e trouxe e traz muitos problemas para uma análise científica da história brasileira.

É, como mostra Sérgio Silva:

Uma visão parcial e simplista reduz a contradição à existência de pólos opostos que se excluem mutuamente, numa concepção puramente estática, que inclui apenas dois momentos perdidos no tempo e no espaço: a dominação e a negação dessa dominação. Elimina-se desse modo o essencial da contradição: a luta constante entre os dois pólos, que configura a unidade e determina o movimento (1985, p. 112).

O que Sérgio Silva critica é exatamente essa visão da dialética que nada tem a ver com a dialética materialista; compreensão que vê a contradição como contradição entre duas totalidades distintas, que se negam uma a outra, porém que não dependem uma da outra, não estabelecem relação, a não ser a da negação, que, efetivada deixa existente o outro pólo.

Como afirmam categoricamente Lenin e Mao, a unidade dos contrários é um dos pontos mais importantes, fundamental, indispensável, que dá constituição à dialética materialista.

A filosofia marxista dá um passo à frente ao desenvolver a dialética materialista, explicitando seu método; descobrindo, desenvolvendo, expondo um conjunto de conceitos “novos” que já se encontravam em Marx e Engels, mas que sem o trabalho teórico de Lenin, Mao e dos marxistas, não seria possível encontrá-los. Trabalho teórico que “extrai o cerne” da teoria, a dialética materialista, até então “invisível”, a formula e a expõe.

Lenin e Mao Tsé-Tung retomam e desenvolvem, a partir do patamar construído por Marx e Engels, a questão fulcral para a dialética marxista, questão em torno da qual se constrói a dialética materialista, “La dicotomía de un todo único y el conocimiento de sus partes contradictorias … es la esencia … de la dialéctica.” (LENIN, 1986, v. 29, p. 321-322) e “La identidad de los contrarios”, “La justeza de este aspecto del contenido de la dialéctica …” ao qual muitos, como já alertava Lenin, “… se suele prestar poca atención” (1986, v. 29, p. 321) , “aspecto” sem a compreensão do qual, no entendimento de Lenin, não era possível compreender, conhecer a realidade, já que todos os processos do universo têm seu “desarrollo como unidad de los contrarios” (1986, v. 29, p. 322).

La dicotomía de un todo único y el conocimiento de sus partes contradictorias … es la esencia … de la dialéctica… La identidad de los contrarios … es el reconocimiento … de tendencias contradictorias, mutuamente excluyentes, opuestas, en todos los fenómenos y procesos de la naturaleza … La condición para el conocimiento de todos los procesos del mundo en su «automovimiento», en su desarrollo espontáneo, en su vida real, es el conocimiento de los mismos como unidad de los contrarios (LENIN, 1986, v. 29, p. 322).

Unidade dos contrários, lei universal e geral, que implica a existência de dois tipos de contradição, compreensão que é condição essencial para o conhecimento “de todos los procesos del mundo” (LENIN, 1986, v. 29, p. 322).

La filosofía marxista sostiene que la ley de la unidad de los contrarios es la ley fundamental del universo. Esta ley tiene validez universal, tanto para la naturaleza y la sociedad humana como para el pensamiento del hombre. Los lados opuestos de una contradicción forman una unidad y a la vez luchan entre sí, lo cual produce el movimiento y el cambio de las cosas. En todas las partes existen contradicciones, pero éstas tienen diverso carácter según sea la naturaleza de las cosas. En cualquier cosa concreta, la unidad de los contrarios es condicional, temporal, transitoria y, por eso, relativa, mientras que la lucha entre los contrarios es absoluta. Esta ley la expuso Lenin con gran claridad (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 428).

Como expõe Lenin,

La condición para el conocimiento de todos los procesos del mundo en su «automovimiento», en su desarrollo espontáneo, en su vida real, es el conocimiento de los mismos como unidad de los contrarios… La unidad … de los contrarios es condicional, temporal, transitoria, relativa. La lucha de los contrarios que se excluyen mutuamente es absoluta, como son absolutos el desarrollo y el movimiento (LENIN, 1986, v. 29, p. 322).

Não só a contradição é universal, no sentido de que ela existe na generalidade dos fenômenos, em “todos los procesos del mundo”, mas também na generalidade do tempo, isto é, do princípio até o fim do desenvolvimento do fenômeno. Portanto, a transformação, o movimento, também e necessariamente, são universais, absolutos e a unidade dos contrários é “condicional, temporal, transitória, … relativa” (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 428).

A universalidade ou caráter absoluto da contradição tem um duplo significado: primeiro, que as contradições existem no processo de desenvolvimento de todos os fenômenos; segundo, que no processo de desenvolvimento de cada fenômeno, o movimento contraditório existe desde o princípio até o fim (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 534).

Mas, o que principalmente o idealismo não pode aceitar, quer negar, é a existência da “contradição antagônica”, a contradição que implica em sua superação radical enquanto contradição. E é avançando pela primeira vez este conceito que Mao extrai do discurso de Marx, Engels e Lenin onde se encontrava em estado prático, que era praticado mas nunca enunciado, que a dialética materialista não deixa pairar dúvidas quanto a seu caráter radicalmente distinto da dialética idealista, traçando a linha divisória, na teoria e na prática, entre a dialética marxista e todas as versões da dialética idealista, mostrando que nos fenômenos também estão presentes contradições antagônicas, antagônicas, inevitavelmente, pela própria “natureza” do fenômeno.

Contrapondo-se aos que negam e não querem ver a realidade como um processo – absoluto e universalmente – contraditório, o trabalho teórico dos marxistas vai demonstrar de forma categórica que necessariamente existem “dos tipos de contradicciones sociales” (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 420): “Estos dos tipos de contradicciones son de naturaleza completamente distinta” (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 420), já que existem, na natureza, fenômenos completamente distintos;

La idea de que no hay contradicciones es una ingenuidad, que no corresponde a la realidad objetiva. Existen ante nosotros dos tipos de contradicciones sociales: contradicciones entre nosotros y el enemigo y contradicciones en el seno del pueblo. Estos dos tipos de contradicciones son de naturaleza completamente distinta (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 420).

Antes, já em 1937, em Sobre a contradição, criticando Deborine que também negava a universalidade da contradição, Mao afirma a existência de dois tipos de contradições, “diferentes espécies de contradição” (1975, v. 1, p. 538), contradições de natureza diferente, expressão de fenômenos de distinta natureza, mesmo que não tenha, na oportunidade, tratado mais detalhadamente esta característica da contradição, como o vai fazer mais tarde em “Sobre el tratamiento correcto de las contradicciones en el seno del pueblo” (1978, v. 5). “Trata-se aí de diferentes espécies de contradições, mas não da presença ou ausência de contradições. A contradição é universal, absoluta;…” (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 538).

E, em seguida, reafirmando com Lenin, a condição absoluta da luta dos contrários, a condição universal da contradição e seu distinto caráter de acordo com “la naturaleza de las cosas” (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 428):

En todas partes existen contradicciones, pero éstas tienen carácter diverso según sea la naturaleza de las cosas. En cualquier cosa concreta, la unidad de los contrarios es condicional, temporal, transitoria y, por eso, relativa mientras la lucha entre los contrarios es absoluta (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 428).

E Lenin, “La lucha de los contrarios que se excluyen mutuamente es absoluta, como son absolutos el desarrollo y el movimiento” (1986, v. 29, p. 322).

A primeira contradição – porque não se fala mais em “negação” – a contradição não antagônica é a que opera no processo de reprodução do fenômeno, a contradição que reproduz, transformando, da qual Marx nos dá o exemplo na análise da reprodução simples do capital. Porém, a dialética materialista conhece um outro tipo de contradição, contradição que fundamenta todo o processo de superação, constituindo-se no aspecto dominante da dialética materialista e do materialismo dialético, a contradição antagônica, que se resolve pela superação da antiga contradição e o início de nova contradição.

E, como já dissemos, é fundamental colocar esta distinção que se encontra em estado prático nos textos de Marx e Engels porque só a contradição antagônica, a contradição que leva à ruptura do desenvolvimento gradual, à destruição do “velho” e ao aparecimento de uma nova contradição que evidentemente nada pode ficar a dever à contradição “destruída”, e aqui se fala em destruição e não de conservação, como tenta passar o revisionismo, por exemplo em Afanasiev: “A compreensão dialética da negação parte de que o novo não destrói totalmente o velho, mas conserva tudo que de melhor estava contido neste” (AFANASIEV, 1968, p. 139).

Só a contradição antagônica,

… proporciona la clave para el «automovimiento» de todo lo existente; sólo ella proporciona la clave para los «saltos», para la «ruptura de la gradualidad», para la «transformación en el contrario», para la destrucción de lo viejo y el surgimiento de lo nuevo (LENIN, 1986, v. 29, p. 322),

para a história.

Porém, o materialismo dialético não afirma somente a existência de dois tipos de contradição, mas sustenta também que a luta é universal, absoluta, que a “resolução” das contradições se dá pela luta, “formas de luta” diversas, conforme seu “caráter”, conforme o caráter da contradição. Como se constata mais adiante, no texto de Mao quando, referindo-se à existência de dois “tipos” de contradição, afirma que há diferentes formas de resolvê-las – ou como as conceitua: diferentes “formas de luta” – colocando que esses “métodos” variam segundo o caráter da contradição, seja ela antagônica ou não antagônica;

As contradições e a luta são universais, absolutas, mas os métodos para resolver as contradições, quer dizer as formas de luta, variam segundo o carácter dessas contradições. Certas contradições revestem o carácter dum antagonismo aberto outras não (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 581).

A dialética materialista compreende que todos os fenômenos se constituem em contradições, portanto, a existência de contradições inerentes a todos os fenômenos e de que essas contradições têm caráter distinto decorrente da natureza do fenômeno que constituem; contradições antagônicas e não antagônicas. E de que é extremamente importante ter claro esta “característica” da “natureza dos fenômenos”: em toda a formação social existem/coexistem contradições antagônicas e não antagônicas e estas contradições se relacionam umas com as outras, determinam-se umas às outras, sob a determinação da contradição principal.

Aqui é necessário trabalhar mais aprofundadamente os textos do materialismo dialético, para que se perceba porque, ao se explicitar a dialética materialista, esta torna-se irredutível, tanto ao idealismo quanto ao dogmatismo, estabelecendo-se um incontornável antagonismo com toda e qualquer forma de idealismo, de dialética idealista, de mecanicismo e de dogmatismo. Não é mais possível falsificar a dialética marxista.

Que significa a aparição de um novo processo? Significa que a antiga unidade e os contrários que a constituíam cederam o lugar a uma nova unidade, aos seus novos contrários, começando então o novo processo, que substituiu o antigo. O processo velho conclui-se, o novo surge. E como o novo processo contém novas contradições, ele começa a sua própria história de desenvolvimento das contradições (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 538).

O materialismo dialético ao esclarecer como esta dialética da contradição antagônica se “resolve” através do deslocamento ou superação da contradição principal por uma nova contradição mostra que a dialética do movimento real não produz nenhum tipo de síntese, produz a superação/uma nova unidade/deslocamento da contradição que foi superada. A velha contradição “cede lugar” à nova contradição, “o processo velho “conclui-se”, acabou, findou, terminou. As novas contradições começam “a sua própria história”, a história de um “novo processo”.

O que quer dizer que sem a superação do “velho”, da contradição superada, não é possível começar a “história do novo”, da nova contradição, do novo sistema de contradições.

No conjunto de contradições que compõe uma formação social há sempre uma contradição que lhe é fundamental, contradição que é sempre antagônica, e é a luta de classes o motor que dirige os deslocamentos que fazem suceder, “ceder lugar”, uma contradição fundamental à outra. A contradição senhores/servos “cede lugar” a “uma nova unidade, aos seus novos contrários”, à contradição burguesia/proletariado; da mesma forma que a contradição senhores/servos sucedeu à contradição senhores/escravos sem que, em nenhum momento, ao se “resolver” a contradição pela nova unidade e seus novos contrários, a nova contradição que a substituiu conserve e desenvolva os “aspectos positivos” da contradição superada, sem que nada “extraia do velho”, sem que represente a síntese da contradição superada como quer a dialética idealista com a negação da negação. Ao se resolver a contradição, uma nova contradição com uma nova unidade de contrários que a constitui e a caracteriza, substitui a antiga contradição e a antiga unidade de seus contrários, que também lhe é específica, que também a caracteriza; uma nova unidade e seus contrários que não têm como trazer, conservar, desenvolver, mesmo que sejam “aspectos” da “velha” contradição. Como explicita a dialética materialista, com o deslocamento/destruição da velha contradição, a nova “começa a sua própria história”, história do desenvolvimento de contradições que necessariamente – como são outras contradições e, portanto, constituem uma nova unidade – começam uma nova história.

No seu funcionamento a contradição fundamental é sempre antagônica e constitui o aspecto dominante do movimento histórico já que é ela que com sua resolução dá lugar ao novo, “a uma nova unidade, aos seus novos contrários” …”novas contradições” (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 538) que começam “a sua própria história de desenvolvimento das contradições” (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 538). Enquanto reprodução/conservação, a contradição não antagônica, representa a reprodução, o desenvolvimento, com a conservação da contradição.

As teorias idealistas ou mecanicistas da história, de todo o tipo, procuram não admitir, procuram contestar a inevitabilidade da contradição antagônica, da superação, tratando de tornar absoluta a dialética da reprodução/conservação, reproduzindo a dialética hegeliana da tese-antítese-síntese, sob a forma da negação da negação, a síntese entre o que nega e o que é negado.

Ou, dito de outro modo, o marxismo – o materialismo dialético e o materialismo histórico – reconhece a realidade das duas contradições e vai mostrar que somente sua articulação subordinada à contradição fundamental, opera o processo de superação que permite explicar o conjunto do movimento histórico.

Nem a contradição fundamental, no processo de desenvolvimento dum fenômeno, nem a essência desse processo, determinada por essa contradição, desaparecem antes da conclusão do processo. Contudo, as condições diferem geralmente uma das outras, em cada etapa do longo processo de desenvolvimento dum fenômeno. Eis a razão: se bem que a natureza da contradição fundamental num processo de desenvolvimento dum fenômeno, bem como a essência do processo, permaneçam sem modificação, a contradição fundamental agudiza-se progressivamente em cada etapa desse longo processo. Por outro lado, entre tantas contradições, grandes e pequenas, que são determinadas pela contradição fundamental ou se encontram sob sua influência, algumas agudizam-se, outras resolvem-se ou atenuam-se temporária ou parcialmente, enquanto que outras vão nascendo (TSÉ-TUNG, v. 1, p. 549).

Toda a transição é produto desses dois processos, reprodução e superação. Porém, esta não é uma síntese, é uma articulação dos dois tipos de contradição sob a hegemonia da contradição fundamental, contradição antagônica, sem o que teríamos de admitir um fenômeno de desenvolvimento infinito, ou o fim do desenvolvimento, o fim da história ou a história sem fim, porque sem história, já que a história é movimento. A dialética do movimento real não produz nenhum tipo de síntese, produz a destruição/superação/deslocamento da contradição que foi superada. E uma nova história.

A dialética materialista nos permite compreender as formações sociais como uma “totalidade orgânica” (MARX, 1977, p. 217), estruturada por uma contradição fundamental, implicando uma pluralidade de contradições que se desenvolvem de forma desigual, desenvolvimento desigual de contradições que vai designar a uma delas o lugar de contradição principal, lugar que pode ser ocupado ou não pela contradição fundamental, e de contradições secundárias, de um aspecto principal e um aspecto secundário nas contradições e seus deslocamentos, onde uma contradição secundária por seu agravamento pode assumir o papel de contradição principal ou o aspecto secundário da contradição pode passar a aspecto principal.

Uma das questões centrais da dialética materialista é exatamente a de compreender a desigualdade do desenvolvimento das contradições e os deslocamentos que produzem, o que nos permite compreender como, no interior de uma formação social existe sempre uma contradição fundamental e antagônica que é a contradição principal cuja resolução determina a conclusão do processo de desenvolvimento do fenômeno, e contradições secundárias, contradições fundamental e secundárias que, em seus deslocamentos, podem ocupar o lugar de contradição principal, contradição principal determinando e sendo determinada pelas contradições fundamental e secundárias e seus deslocamentos, resultado da realidade material, histórica, que leva a que em determinadas circunstâncias uma contradição secundária ocupe o lugar da contradição principal ou que o aspecto secundário passe a aspecto principal na contradição.

No processo, complexo, de desenvolvimento dum fenómeno existe toda uma série de contradições; uma delas é necessariamente a contradição principal, cuja existência e desenvolvimento determinam a existência e o desenvolvimento das demais contradições ou agem sobre elas (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 559).

Outro aspecto central negado pela dialética idealista é o da situação subordinada do conjunto de contradições que constituem o processo – a totalidade orgânica, a formação social – à contradição fundamental, contradição antagônica que se agudiza progressivamente, cuja articulação específica com o conjunto de contradições específicas que constituem a formação social, seu desenvolvimento/agudização, dirigindo, dando o sentido do desenvolvimento da totalidade da formação social, a caracteriza.

O privilégio dado à conservação, à insistência em acentuar a permanência do “velho” no “novo”, a “compreensão” de uma “dialética da negação” na qual o “novo” não destrói totalmente o “velho”, mas conserva tudo o que de melhor estava contido neste, permite negar a necessidade da superação, a necessidade de levar radicalmente até ao fim o processo do desenvolvimento de uma contradição e sua substituição por outra.

Quando se diz que a dialética materialista tem seu centro na contradição antagônica é porque a contradição fundamental é sempre antagônica e é esta contradição que dirige o processo de transformação, subordinando as demais contradições, dirige porque somente a superação da contradição fundamental e da essência desse processo, determinada por essa contradição pode trazer a nova contradição, a nova unidade e seus contrários. Daí que seja ao longo do processo a contradição fundamental, antagônica, a contradição principal do processo, contradição principal porque na história o processo de superação não remete a nenhuma síntese.

Esta é a tese central do materialismo dialético que rejeita absolutamente a dialética da continuidade, da conservação, que é o centro da dialética idealista e da ideologia burguesa expressa nas ciências humanas e sociais.

Quando se fala em superação da contradição fundamental refere-se ao ápice de um processo de agudização com a substituição desta contradição pela nova contradição. Contudo, o processo de resolução da contradição fundamental, contradição antagônica, contempla um momento onde pode se produzir uma ruptura nas relações de determinação dentro da unidade que constitui a contradição fundamental, o aspecto secundário passa a aspecto principal, o que determina um outro tipo de ruptura onde se produz uma transformação nas relações de determinação e articulação do conjunto de contradições que constituem o processo. O que não significa que essa ruptura faça desaparecer imediatamente os elementos que se relacionavam na contradição fundamental. O que se destrói imediatamente não são os elementos da contradição, mas o modo destes se relacionarem. A “velha” relação se substitui por um novo tipo de relação, onde estes elementos se encontram inseridos. É isto que permite compreender porque uma revolução não destrói imediatamente a possibilidade de uma contra-revolução, apesar de haver destruído a relação existente anteriormente entre as classes no interior da contradição fundamental. A classe dominada passa a ser dominante, porém não destrói de vez a antiga classe dominante.

Ao colocar o materialismo histórico para trabalhar, é importante reconhecer que a cada momento do processo existe apenas uma contradição principal que dá a direção desse processo.

Seja em que caso for, não cabe qualquer dúvida que, em cada uma das etapas do desenvolvimento do processo, apenas existe uma contradição principal que desempenhe o papel diretor. Assim pois, se um processo comporta várias contradições, existe necessariamente uma delas que é a principal e desempenhe o papel diretor, determinante, enquanto que as outra ocupam apenas uma posição secundária, subordinada (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 561).

Marx nos dá, na famosa Introdução à Contribuição Crítica da Economia Política, de 1857, um exemplo de aplicação de sua dialética analisando um processo social em sua unidade, suas contradições, suas relações, interações e determinações recíprocas e sua determinação pela contradição principal, o exemplo perfeito do desenvolvimento de um processo onde a contradição principal desempenha “o papel diretor, determinante”, subordinando a si as outras “várias contradições”;

Não chegamos à conclusão de que a produção, a distribuição, a troca e o consumo são idênticos, mas que são antes elementos de uma totalidade, diferenciações no interior de uma unidade… Uma produção determinada determina [aspecto principal] portanto um consumo, uma distribuição, uma troca determinados, regulando igualmente as relações recíprocas determinadas desses diferentes momentos. A bem dizer a produção, na sua forma exclusiva, é também, por seu lado, determinada pelos outros fatores. (MARX, 1977, p. 217).

Compreender como opera a dialética materialista nos permite realizar “a análise concreta de uma situação concreta” (LENIN, 1981, v. 3, p. 14), compreender as formações sociais como uma unidade, “uma totalidade” complexa estruturada por uma contradição fundamental determinante, “regulando igualmente as relações recíprocas” de uma pluralidade de contradições, pluralidade de contradições que se relacionam e se desenvolvem de forma desigual. “Totalidade” que se constitui na existência de uma contradição fundamental, que em última instância, ao longo do processo, é também a contradição principal e de contradições secundárias em suas determinações recíprocas. Esta é, portanto, como já afirmamos, uma das questões centrais da dialética materialista: a compreensão da desigualdade do desenvolvimento das contradições e os deslocamentos que produzem, o que nos permite compreender como no interior da unidade de uma formação social existe sempre uma contradição dominante, a contradição fundamental que ao longo do processo e, em última instância, ocupa o lugar de contradição principal, determinando e sendo determinada pelas contradições secundárias e seus deslocamentos, resultado da realidade material, histórica, que leva a que em determinadas circunstâncias uma contradição secundária ocupe o lugar da contradição principal ou que o aspecto secundário passe a aspecto principal na contradição. E não é possível compreender esta questão se não compreendemos a lei da unidade dos contrários, lei fundamental da dialética que enuncia, nos permite entender, que em tudo os contrários estão em luta e ao mesmo tempo conformam uma unidade, unidade inevitável sem a qual não pode existir, nem se pode pensar a contradição, contrários que estão em luta, que se excluem e ao mesmo tempo estão inevitavelmente vinculados e em condições determinadas de agudização da contradição, como já dissemos, se transformam um nos outros.

Se a burguesia e o proletariado não pudessem se transformar um no outro, como se explicaria que o proletariado se transforme por meio da revolução em classe dominante e a burguesia passe a ser classe dominada? (TSÉ-TUNG, 1978, v. 5, p. 402).

Porém, não esqueçamos a observação de Lenin,

La unidad … de los contrarios es condicional, temporal, transitoria, relativa. La lucha de los contrarios que se excluyen mutuamente es absoluta, como son absolutos el desarrollo y el movimiento (1986, v. 29, p. 322).

E, mais adiante,

En resumen, se puede definir la dialéctica como la doctrina de la unidad de los contrarios. Esto encarna la esencia de la dialéctica, pero requiere explicaciones y desarrollo (LENIN, 1986, v. 29, p. 201).

Outra característica central da dialética marxista, como apontam Lenin e Mao Tsé-Tung tirando a lição de Marx, é de que é a contradição interna que preside o desenvolvimento dos fenômenos, como podemos ver quando Marx faz em O Capital algumas “Considerações históricas sobre o capital comercial” (MARX, 1984, v. 3, p. 249).

O desenvolvimento do comércio e do capital comercial leva por toda a parte a orientação da produção para o valor da troca [5], aumenta seu volume, a diversifica e a cosmopolitiza, desenvolve o dinheiro tornando-o dinheiro mundial. O comércio age por isso em todas as partes mais ou menos como solvente sobre as organizações préexistentes da produção, que em todas as suas diferentes formas, se encontram principalmente voltadas para o valor de uso. Até que medida, porém, ele provoca a dissolução do antigo modo de produção depende inicialmente, de sua solidez e articulação interna. E para onde esse processo de dissolução conduz, ou seja, que novo modo de produção entra no lugar do antigo, não depende do comércio, mas do caráter do próprio modo antigo de produção (MARX, 1984, v. 3, p. 249).

Como podemos ver, Marx nos dá neste pequeno trecho onde analisa o mercantilismo, a expansão do capital mercantil, um belo exemplo da ciência materialista-dialética da história. O desenvolvimento do comércio, do capital comercial entra em contradição com as “organizações preexistentes da produção”. Porém, à medida e a direção “para onde esse processo de dissolução conduz” vai depender não da contradição externa, “do comércio”, mas das contradições internas, o “caráter do próprio modo antigo de produção”, “de sua solidez e articulação interna”. Como se vê a contradição externa determina, “provoca a dissolução” do antigo modo de produção, determina nos limites e formas determinados pelas contradições internas. E esta é uma questão importante de retomarmos ao se discutir o caráter de nossa formação social.

Mao vai assinalar esse aspecto da dialética materialista encontrado em Marx.

A causa fundamental do desenvolvimento dos fenômenos não é externa, mas interna; ela reside no contraditório do interior dos próprios fenômenos. No interior de todo fenômeno há contradições, daí o seu movimento e seu desenvolvimento. O contraditório no seio de cada fenômeno é a causa fundamental do respectivo desenvolvimento, enquanto que a ligação mútua e a ação recíproca entre os fenômenos não constitui mais do que causas secundárias (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 529).

Prosseguindo em seu raciocínio, Mao nos alerta:

Na sociedade, as mudanças são devidas principalmente ao desenvolvimento das contradições que existem no seu seio, isto é, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, a contradição entre as classes e a contradição entre o novo e o velho; é o desenvolvimento dessas contradições que faz avançar a sociedade e determina a substituição da velha sociedade por uma nova. Mas será que a dialética materialista exclui as causas externas? De maneira nenhuma. Ela considera que as causas externas constituem a condição das modificações, que as causas internas são a base dessas modificações e que as causas externas operam por intermédio das causas internas (TSÉ-TUNG, 1975, v. 1, p. 530-531).

É a incompreensão desta questão que vai levar a muitos estudiosos da formação social brasileira a, dando prevalência às determinações externas, cometerem equívocos na determinação da relação contradições externas e internas. Assim, resultam análises que superdimensionam as contradições externas, dissimulando ou nela diluindo as contradições internas. Essas interpretações logram deslocar o eixo da análise para a crítica da dominação externa, dispensando o estudo da formação social concreta engendrada nessa relação de dominação.

A dialética marxista mostra a necessidade de caracterizar a articulação específica a cada formação social entre contradições internas e externas nas quais umas, as contradições internas, determinam a forma e o limite da subordinação de uma formação social às contradições externas geradas pelo desenvolvimento do sistema capitalista mundial e suas relações de dominação, contradições inerentes ao modo de produção vigente, numa formação social que se articula de forma subordinada às contradições geradas numa primeira fase pelo avanço das relações de dominação a partir da formação de um mercado mundial e, mais tarde, com a formação de um sistema capitalista mundial, o imperialismo.

É importante para nosso estudo assinalar, como Sérgio Silva aplica a dialética materialista ao teorizar as relações contraditórias no conjunto de contradições que conformam a economia capitalista mundial e sua relação específica com cada formação social ao analisar a formação social brasileira.

… quando se trata de explicar o desenvolvimento do capitalismo em um país determinado, é necessário pôr em evidência e examinar as suas contradições particulares, sem perder de vista, é claro, que esse desenvolvimento faz parte do capitalismo internacional (o que determina inclusive as especificidades desse desenvolvimento) (SILVA, 1985, p. 38-39).

Mas, é importante reproduzir o conjunto da análise:

O desenvolvimento das relações capitalistas em escala mundial é muito desigual… A existência dessas desigualdades decorre das características fundamentais do próprio modo de produção capitalista; a profundidade dessas desigualdades entre as nações é uma das características fundamentais do modo de produção capitalista dominante em escala mundial. Entretanto, como a economia capitalista mundial não existe em abstrato, as suas desigualdades explicam-se fundamentalmente pelas características das diferentes economias nacionais que a compõem. Em particular, quando se trata de explicar o desenvolvimento do capitalismo em um país determinado, é necessário pôr em evidência e examinar as suas contradições particulares, sem perder de vista, é claro, que esse desenvolvimento faz parte do capitalismo internacional (o que determina inclusive as especificidades desse desenvolvimento) (SILVA, 1985, p. 38-39).

O que queremos por em evidência é que o materialismo dialético e o materialismo histórico são disciplinas ligadas necessariamente por razões teóricas e históricas. Daí porque defendemos a necessidade teórica da presença do materialismo dialético para a construção da ciência da história para a “análise concreta da situação concreta” (LENIN, 1981, v. 3, p. 14). Assim é que apesar de que materialismo dialético e o materialismo histórico funcionem juntos, numa relação/interação necessária, escolhemos tratar inicialmente o materialismo dialético numa ordem que atendesse as razões teóricas indispensáveis e também facilitasse a nossa exposição e a compreensão de um tema por si só complexo. É a partir deste debate sobre materialismo dialético que nos achamos em condições de discutir o materialismo histórico.

Bibliografia

AFANASIEV, V. Fundamentos de filosofia. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968.

ENGELS, F. Cartas sobre el materialismo histórico. 1890-1894. Moscú: Editorial Progreso, 1980.

ENGELS, F. Anti-Dühring. Lisboa: Editorial Minerva, 1975.

LENIN, V. I. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 57, 1981-1990.

________. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 1, 1981. (Quienes son los «amigos del pueblo» y como luchan contra los socialdemócratas, escrito en 1894, p. 131 a 363)

LENIN, V. I.. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 3, 1981. (“Prefacio a la segunda edición”, escrito en 1907, p. 13 a 17, de “El Desarrollo del Capitalismo en Rusia”, escrito de 1896 a 1899)

________. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 4, 1981. (“Nuestro programa”, escrito no antes de octubre de 1899, p. 194 a 198)

________. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 6, 1981. (“Qué hacer”, escrito en 1902, p. 1 a 203)

________. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 17, 1983. (“Marxismo y revisionismo”, escrito en 1908, p. 17 a 26)

________. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 18, 1983. (“Materialismo y empirocriticismo”, escrito entre febrero y octubre de 1908, p. 7 a 402)

________. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 29, 1986. (“Resumen del libro de Hegel ‘Ciencia de la Lógica’”, escrito en septiembre-diciembre de 1914, p. 75 a 216) (“Resumen del libro de Hegel ‘Lecciones sobre la filosofía de la Historia’”, escrito en 1915, p. 281 a 291); (“Plan de la dialéctica (lógica) de Hegel”, escrito en 1915, p. 298 a 303); (“Sobre el problema de la dialéctica”, escrito en 1915, p. 321 a 328)

________. Obras completas. Moscú: Progreso, v. 45, 1987. (“Nuestra revolución”, escrito en 17 de enero de 1923, p. 394 a 398)

________. Que fazer. Obras Escolhidas, Rio de Janeiro: Editorial Vitória, v. 2, 1955.

MAO, TSÉ-TUNG. Obras escolhidas de Mao Tsetung. Pequim: Edições do Povo, 1975, v. 1 (“Sobre a contradição”, 1937)

________. Obras escogidas. Madrid: Fundamentos, v. 5, 1978. (“Discursos en una conferencia de secretarios de comités provinciales, municipales y de región autónoma del partido”, enero de 1957, p. 381 a 418) (“Sobre el tratamiento correcto de las contradicciones en el seno del pueblo”, 27 de febrero de 1957, p. 419 a 458)

MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. S. Paulo: Martins Fontes, 1977.

________. Le Capital. Critique de l’ economie politique. Paris: Editions Sociales, 1977.

________. Lettres sur le Capital. Paris: Editions Sociales, 1964.

MARX, Karl. Manifesto do partido comunista. Obras Escolhidas, v. 1, Editora Vitória, 1961.

________. O Capital. Crítica da economia política. S. Paulo: Abril Cultural, 1983.

MARX, Karl y ENGELS, Federico. Correspondencia. Buenos Aires: Editorial Problemas, 1947.

PLEKHÂNOV, G. Questões fundamentais do marxismo. Rio de Janeiro: Vitória, 1956.

SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. S. Paulo: Alfa Ômega, 1985.

1 Usamos “teoria” e “objeto” no sentido de facilitar a compreensão do texto, sem esquecer a identidade entre teoria e seu objeto.

2 Na edição de O Capital com a qual trabalhamos, da Abril Cultural (Marx,1983), há um erro na frase citada: ao invés de “estrada” imprimiu-se “entrada”, como se pode constatar na edição francesa: Il n’y a pas de route royale pour la cience … (MARX, Karl. Le Capital. Critique de l’Economie Politique. Livre premier, Editions Sociales, Paris. 1977).

3 Acreditamos que aqui há um erro de impressão. O título da obra de Engels é A situação da classe trabalhadora na Inglaterra e não “classes operárias”, no plural.

4 Optamos pela edição em espanhol das Obras completas. Moscú: Progresso, v. 29, 1986.

5 Mantivemos “o valor da troca” como se encontra na edição com que estamos trabalhando. O correto seria valor de troca.

Compartilhe
- 08/04/2000