Continuar a mobilização nas ruas!
A continuidade das manifestações de rua nas principais cidades brasileiras, contra o aumento das tarifas de transporte público, contra sua péssima qualidade, contra as obras da Copa e seus gastos faraônicos, contra o desalojamento de famílias e comunidades inteiras e contra a repressão policial, tem provocado redobrado esforço das classes dominantes na tentativa de “manter a ordem”. Contra a população nas ruas são usadas desde a campanha coordenada da imprensa até a repressão crescente do aparelho repressor do estado capitalista.
Este último aspecto, o reforço do aparelho repressor, merece destaque diante das novas medidas tomadas recentemente e do anúncio de medidas adicionais, policiais, judiciais e legais. Não é de hoje a prática de criminalizar protestos populares no Brasil. O estado brasileiro e seus aparelhos sempre fizeram de tudo para buscar impedir a organização das classes dominadas, usando dos mais variados métodos de repressão para manter os explorados “em seu lugar”.
A história das lutas do povo brasileiro é rica em exemplos de revoltas e de repressão estatal, desde os Quilombos ainda na colônia, passando pela Cabanagem no império, a Guerra de Canudos e os levantes que originaram a Coluna Prestes, na república velha, a Aliança Nacional Libertadora na era Vargas, os levantes de 1968… para citar só alguns, pois a lista é extensa.
Em comum, todos esses levantes e manifestações foram, em seu tempo, tratados como “casos de polícia” (“A questão social é um caso de polícia”, teria chegado a dizer o presidente Washington Luís), e brutalmente reprimidos, para “dar o exemplo”.
Desde o início das manifestações, em junho de 2013, alguns incautos, assim como os “muito espertos”, vêm justificando a violência policial utilizando a desculpa de um pseudo “despreparo da polícia”. Como se a violência policial não fosse exatamente a forma desse aparelho de estado cumprir seu papel. A polícia é preparada para exercer o papel que vem exercendo, o de reprimir com a violência que entender necessária. Ignorar este fato é cair (ou permanecer) no campo das ilusões democráticas burguesas.
Esta é uma ilusão que precisa ser combatida: governos, polícias, judiciário e a “grande mídia” são todos aparelhos sem os quais o estado capitalista não pode funcionar, sem os quais o estado capitalista não teria condições de garantir a reprodução permanente da exploração capitalista, a divisão da sociedade em classe dominante e classe dominada, e a permanência da ideologia burguesa (liberal, democrática, jurídica) como ideologia dominante.
A morte acidental de um trabalhador, o cinegrafista Santiago Andrade, durante um novo protesto contra o aumento das passagens de ônibus no Rio de Janeiro foi tudo o que o estado capitalista, dirigido pelo PT de Dilma, precisava para aumentar ainda mais a repressão, buscando uma “desculpa” ou justificativa para o recrudescimento institucional da violência, mostrando o ódio de classe contra os explorados que ousam tentar se levantar.
Não que a violência da repressão aos protestos já não tivesse causado vários casos de graves lesões corporais antes. Só para citar dois casos anteriores, ambos com jornalistas, lembremos o fotógrafo Sérgio Silva, que “perdeu a visão do olho esquerdo após ser atingido por um tiro de bala de borracha disparado pela Polícia Militar” em 13 de junho de 2013. Já a jornalista Giuliana Vallone, cuja conhecida foto com o “olho roxo” também naquela 13 de junho provocou diversas demonstrações de solidariedade, quase perdeu o olho. “Vi o policial mirar em mim e no querido colega Leandro Machado e atirar. Tomei um tiro na cara.”.
Outro caso, e também com a perda da visão – o que mostra o treinamento policial de atirar na cabeça –, é o do estudante Vitor Araújo, 19 anos, que perdeu a visão do olho direito no dia 7 de setembro de 2013: “Araújo relatou que estava diante da Câmara dos Vereadores quando foi atingido no rosto por uma bomba de efeito moral da Polícia Militar”. E a publicitária Renata Ataíde, que perdeu a visão do olho esquerdo na manifestação de 20 de julho, cuja ação de reparação comprovou a culpabilidade da Polícia Militar.
Lamentamos a morte de Santiago Andrade, nos solidarizamos com a dor de sua família e amigos. Uma coisa totalmente diferente disso, no entanto, é o uso oportunista desse caso como justificativa para o crescer da repressão e o fortalecimento do aparelho repressivo do estado capitalista. Não podemos assistir passivamente à criminalização crescente do conjunto de manifestações populares, que luta pela melhoria de suas condições concretas de vida. Que protesta contra as péssimas condições dos trens urbanos, contra os elevados preços das passagens de ônibus, por melhorias na qualidade da educação e da saúde, e outras reivindicações concretas, justas e legítimas.
Não podemos esquecer que a manifestação na qual acabou ocorrendo a fatídica morte de Santiago Andrade tinha como reivindicação principal a redução do preço das passagens de ônibus, elevadas para R$ 3,00 pelo Prefeito Eduardo Paes. Elevação essa que ocorreu a despeito de indicação do Relatório Técnico do Tribunal de Contas do Município que, ao verificar uma lucratividade maior do que a prevista pelo contrato assinado pelas empresas ao praticar a passagem a R$ 2,75, sugeriu que as mesmas deveriam baixar para R$ 2,50. O que é um mero Tribunal de Contas e seus pareceres técnicos, contra o lobby das empresas de transporte coletivo urbano, principais financiadoras do caixa oficial e do caixa 2 dos políticos burgueses nas suas milionárias eleições?
Repetimos que a morte de Santiago deve ser lamentada, mas é impossível não fazer um paralelo com a morte – sob tortura pelos agentes repressores do estado, nas instalações de uma UPP – do pedreiro Amarildo, símbolo dos milhares (o correto seria milhões…) de proletários, vítimas da violência do estado capitalista.
Ou então, para ficarmos restritos ao protesto na Central do Brasil, podemos nos perguntar como faz o Movimento Passe Livre do Rio de Janeiro, porque outra morte, a do trabalhador Taslan Aciolly, não teve destaque? Vejamos um trecho da nota do MPL:
“Na última manifestação, após a tranquila passeata pela Avenida Pres. Vargas, chegando a Central do Brasil, a PMERJ resolveu que não seria mais um mero coadjuvante no ato e colocou toda sua carga policial sobre os manifestantes, desencadeando uma onda de revolta popular contra as arbitrariedades policiais.
Após a ação covarde dentro da Central do Brasil (usando bombas de efeito moral e de gás lacrimogênio em ambiente fechado) a PMERJ saiu caçando pessoas a esmo pelas ruas, trabalhadores, manifestantes e quem mais estivesse por ali, novamente jogando bombas à esmo. Nesta situação o senhor Taslan Aciolly, trabalhador nas ruas centrais da cidade, iniciou uma corrida desesperada pelo meio da avenida para tentar fugir da polícia, algo que muitas outras pessoas faziam no mesmo momento. O pânico causado e a fumaça das bombas tomou conta da via pública e neste momento é que o senhor Taslan Aciolly foi atropelado por um ônibus e teve as duas pernas esmagadas, atingindo artérias importantes do corpo e perdendo muito sangue. Foi socorrido e levado ao hospital Souza Aguiar, mas acabou por falecer no dia seguinte (07).” (Reproduzido aqui).
Já desde meados de 2013, sob o efeito do “susto” [1] que as manifestações deram nas classes dominantes e seus feitores de plantão nos aparelhos de estado, vinham sendo gestados projetos de lei de cunho abertamente antipopular, repressores. O principal exemplo é o projeto de lei 499/2013 que usa o termo “terrorismo” para qualificar atos (manifestações) que provoquem ou estimulem “terror ou pânico generalizado”, entre outras definições. Sua “justificação” chega ao cúmulo de lamentar, chamando de “constrangedor”, que a única definição legal que se tenha de “terrorismo” seja precisamente a da execrável Lei de Segurança Nacional da ditadura! Não deveria ser surpresa que o referido projeto de lei leve a assinatura do deputado Cândido Vaccarezza, do PT de São Paulo, líder do governo petista na Câmara dos Deputados…
Uma reflexão necessária: pelo projeto, até os rolezinhos, tidos como causadores de “pânico generalizado” por empresários e pela “grande mídia”, seriam enquadrados como terrorismo. As penalidades do PL são draconianas: preveem prisão em regime fechado de 15 a 30 anos, quando o crime for considerado contra uma pessoa, e de 8 a 20 anos, quando se referir a uma “coisa”.
E o que seria uma “coisa”? Recomendamos a leitura do PL para maiores esclarecimentos…
De fato, a tipificação do crime de terrorismo e as punições previstas no PL 499 já estão sendo aplicadas contra os manifestantes Fábio Raposo e Caio de Souza, acusados de terem praticado um atentado terrorista… com um rojão!
Enquanto isso, as causas concretas das manifestações, que já estão prestes a completar um ano, permanecem tão graves e urgentes quanto em junho de 2013. No Rio de Janeiro, escolas públicas são fechadas; pessoas morrem nas filas dos hospitais; e o transporte coletivo é uma máquina de moer gente.
Esse projeto de lei, com a justificativa de garantir a segurança jurídica dos “mega-eventos” que ocorrerão neste ano e em 2016 (não é a toa que “estádios esportivos” são definidos como uma das “coisas” contra as quais uma manifestação poderia virar “terrorista”), escancara o caráter antagônico dos interesses das classes dominantes e dos aparelhos de estado capitalista contra as classes dominadas.
A prática cotidiana na luta de classes em nosso país e ao redor do mundo confirma que as classes dominantes jamais entregarão sequer uma ínfima parcela da riqueza (que, aliás, é integralmente produzida pelos trabalhadores…), sem uma luta violenta, sem quartel, por parte dos explorados.
A tarefa que cabe ao proletariado e às demais classes dominadas, na atual conjuntura da luta de classes no Brasil, é permanecer nas ruas, continuar com as manifestações por melhorias concretas nas suas condições de vida, e nessa experiência concreta de luta, nos organizarmos e reconstruirmos o partido do proletariado, o partido comunista, armado com a teoria científica do proletariado, o marxismo-leninismo.
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[1] Houve susto, perplexia, incompreensão e “quase um sentimento de ingratidão” contra “essa gente”, diz ministro sobre protestos no País.