Cinquenta e cinco anos do golpe militar: resistimos e resistiremos.
Na luta é que a gente se encontra!
Não pretendo nada,
nem flores, louvores,
triunfos.
Nada de nada.
Somente um protesto,
uma brecha no muro,
e fazer ecoar,
com voz surda que seja
e sem outro valor,
o que se esconde no peito,
no fundo da alma
de milhões de sufocados.
Algo por onde possa filtrar o pensamento,
a ideia que puseram no cárcere.
Carlos Marighella, O país de uma nota só
Nesse dia 31 de março completam-se cinquenta e cinco anos do golpe militar que ocorreu em nosso país no ano de 1964. Golpe de Estado que, como dissemos em outra publicação, foi “promovido e financiado pelo fundamental da burguesia brasileira, com amplos estímulo da sua imprensa, apoio da classe média conservadora e suporte do imperialismo dos EUA”.
Cabe a nós, comunistas e trabalhadores em geral, relembrar essa data no sentido contrário daqueles que foram recentemente às ruas pedir a volta da ditadura militar e hoje se animam diante do retorno de alguns de seus membros e seus filhotes às cadeiras centrais do Estado Capitalista brasileiro. Ou seja, relembrar a heroica luta popular que se desenvolveu durante os 21 anos que se sucederam ao golpe.Os governos militares da metade do século passado, em todo o Cone Sul, incluindo o Brasil, foram regimes despóticos e sanguinários das classes dominantes locais, em associação com as potências imperialistas. A exploração se elevou. O arrocho salarial e a violenta repressão a qualquer contestação, manifestação ou greve se tornou o normal. A censura e a guerra ideológica, cotidianas. Lideranças operárias, camponesas e das demais classes dominadas foram presas, torturadas, exiladas, eliminadas. Suas organizações, desmanteladas e postas na ilegalidade. Como continua e resume bem o poema que se encontra na epígrafe, do líder comunista Carlos Marighella:
A passagem subiu,
o leite acabou,
a criança morreu,
a carne sumiu,
o IPM[i]prendeu,
o DOPS[ii]torturou,
o deputado cedeu,
a linha dura vetou,
a censura proibiu,
o governo entregou,
o desemprego cresceu,
a carestia aumentou,
o Nordeste encolheu,
o país resvalou.
Tudo dó,
tudo dó,
tudo dó…
E em todo o país
repercute o tom
de uma nota só…
de uma nota só…
Porém, foi nessa “página infeliz da nossa história”, como diz a canção, que as classes dominadas, mesmo em condições tão adversas, resistiram. Em inúmeros momentos e situações, por todo o país e durante o longo período sombrio, vários dos membros dessas classes e suas organizações se portaram de forma honrosa e exemplar.
Nos anos 60, 70 e 80, uma geração inteira de comunistas não fugiu de seu dever supremo: servir ao povo, à sua causa, independentemente dos riscos e consequências de tal decisão. O já citado Marighella, incansável comunista que enfrentou o Estado Novo e, com suas camaradas, tombou do lado certo da trincheira: o lado dos “milhões de sufocados”. A heroína Inês Etienne Romeu. E tantos outros guerreiros e mártires do povo, no campo e na cidade[iii].
Nesse sentido, o período da ditadura não deve significar para nós apenas perdas e derrotas. Há que se destacar tal período como de ousadia e grandeza; como de ações de grande envergadura na luta de classe dos dominados. E que ainda hoje e por muito tempo nos servirão de exemplo e inspiração.
Até porque essa página não está no passado. Ela se repete. Assim como a ditadura militar foi mais uma investida de guerra das classes dominantes durante nossa história: dos senhores de escravo, dos latifundiários e enfim da burguesia.
Como dissemos, novamente os militares e as camadas mais reacionárias da burguesia habitam os cargos de maior poder, planejando e executando uma nova onda de arrocho e brutalidade, sob o cínico pendão verde-amarelo. Eis que nossa tarefa não pode ser outra que não, novamente, resistir e enfrentar, sob qualquer regime político, a exploração e a dominação. Ou seja, lutar pelo socialismo.
Ao menos os fascistas, que hoje não se envergonham em se mostrar, tem razão em um ponto: os comunistas que lutaram na ditadura não defendiam a democracia burguesa. Certamente, lutaram por mais liberdade de organização da classe operária, melhores condições para esta desenvolver sua luta, pela supressão do regime de exceção em vigor, etc. Mas lutaram e não hesitaram em se sacrificar contra a ditatura da classe burguesa, seja ela sob vestes “democráticas” ou abertamente ditatoriais; pela derrota da classe inimiga, que só se efetivará com a construção de uma nova sociedade, a comunista.
A luta foi e continua a ser o nosso lugar. “Na luta é que a gente se encontra”, diz o samba-enredo da Mangueira desse ano. Por isso, ergamos nossos punhos e digamos: resistimos e resistiremos!
[i]Inquérito Policial Militar.
[ii]Departamento de Ordem Política e Social.
[iii]Nesse texto, pretendemos destacar sobretudo a memória e o sentido geral da resistência à ditadura. Para uma breve avaliação do golpe e autocrítica da atuação dos comunistas no período, ver o texto Cinquenta Anos Depois: os Comunistas e o Golpe de 1964, publicado pelo Cem Flores em 23 de abril de 2014.