CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

A Revolução Comunista e a restauração capitalista na China, Cem Flores, Conjuntura, Imperialismo, Internacional, Teoria

O Debate Bettelheim-Sweezy Sobre a Transição Para o Socialismo – 2ª parte

70 Anos da Revolução Comunista na China e 41 Anos do Início da Restauração Capitalista

“Vida longa à Ditadura do Proletariado”, Zhejiang, China, 1971. Comemoração ao primeiro Centenário da Comuna de Paris.

Cem Flores

No dia 20 de dezembro, resgatamos um importante debate que os marxistas Charles Bettelheim e Paul Sweezy fizeram, na passagem dos anos 1960 e 1970, sobre a transição para o socialismo. Naquela primeira publicação (acesse aqui), resumimos e comentamos cinco artigos desse debate, que contempla um total de seis intervenções.

Nesta publicação, pretendemos comentar e divulgar na íntegra o sexto e último artigo da polêmica: Ditadura do proletariado, classes sociais e ideologia do proletariado, de Charles Bettelheim.

A nosso ver, tal resgate se justifica no âmbito da discussão sobre a restauração capitalista que ocorre há décadas na China. Discussão que temos tentado contribuir através de um conjunto de publicações, que, além da primeira parte do debate Bettelheim-Sweezy, inclui os seguintes artigos: 

* * *

Síntese do debate Bettelheim-Sweezy sobre a transição para o socialismo: Ditadura do Proletariado, Classes Sociais e Ideologia do Proletariado

Charles Bettelheim responde e aprofunda as questões levantadas por Paul Sweezy sobre quais devem ser os critérios para saber se o proletariado está ou não no poder, se a via socialista está ou não a ser reforçada. Em sua resposta, que reproduzimos integralmente mais abaixo, o francês aborda os seguintes oito tópicos dos quais destacamos apenas alguns trechos:

1) Acerca da Natureza de Classe de Um Poder Revolucionário de Estado. “(…) o que permite determinar a verdadeira natu­reza de classe de um poder que se estabeleceu de forma revolucionária (…) é a natureza dos interesses de classe que esse poder serve, o que remete para as relações concretas desse poder com as massas trabalhadoras, portanto, para asformas de existência do poder do proletariado.” (p. 81).

2) As Características de Um Poder Proletário de Estado. “O conteúdo fundamental da diferença entre um apa­relho de Estado proletário e um aparelho de Estado burguês é a não-separação do aparelho de Estado pro­letário em relação às massas, a sua subordinação a estas” (p. 83).

3) As Características do Partido Dirigente. “Em resumo, um partido dirigente só pode ser um partido proletário se não pretender comandar as massas e se, pelo contrário, for o instrumento das suas iniciati­vas. Isto só é possível se ele se submeter efectivamente à crítica por parte das massas, se não pretender impor-lhes o que elas “devem” fazer, se partir daquilo que as massas estão aptas a realizar e que auxilia o desenvol­vimento de relações socialistas.” (p. 88/89). 

“O papel de um partido proletário, portanto, é ajudar as massas a realizarem elas próprias aquilo que é con­forme aos seus interesses fundamentais.” (p. 89)

“Um partido proletário não pode pretender ‘agir em vez’ das massas. Estas, com efeito, devem transformar­-se elas próprias ao mesmo tempo que transformam o mundo objectivo, e só podem transformar-se através da sua própria experiência das vitórias e dos fracassos. Só assim podem as massas conquistar uma consciência, uma vontade, uma capacidade colectivas, ou seja, a sua liber­dade de classe.

Portanto, uma política proletária — única garantia da conservação do poder pelo proletariado — deve asse­gurar que as massas realizem elas próprias aquilo que objectivamente é do seu interesse fazerem, isto na medida em que estejam subjectivamente prontas para o fazer. Toda a violação da consciência e da vontade própria das massas constitui um passo atrás. São passos atrás deste tipo que podem levar à perda do poder pelo proletariado.

Por conseguinte, o papel do partido consiste não só em definir objectivos correctos mas também em discer­nir o que é que as massas estão aptas a fazer e levá-las para a frente sem jamais recorrer à coerção mas lan­çando palavras de ordem e directivas de que as massas possam apoderar-se, elaborando uma táctica e uma estra­tégia adequadas e ajudando as massas a organizarem-se.” (p. 88).

4) O Partido e o Aparelho de Estado. “O aparelho dominante do poder proletário, portanto, é o partido marxista-leninista, e não o aparelho de Estado. O partido marxista-leninista é o verdadeiro ins­trumento da ditadura do proletariado e a forma essencial de organização do proletariado em classe dominante.” (p. 90).

5) A Questão de Um “Método Independente”. “Com efeito, o poder do proletariado exerce-se antes de mais sobre uma base económica que a detenção do poder político, por si só, não basta para subverter drasticamente.

No dealbar de uma revolução proletária, a despeito de todas as ‘nacionalizações’ ou ‘estatizações’, a maior parte das antigas relações sociais subsistem, pois não podem ser directamente ‘abolidas’. A eliminação dessas relações não depende de ‘decisões’ que poderiam ser tomadas na ‘cúpula’ e imediatamente aplicadas. Essa eliminação só pode ser o resultado de um processo revo­lucionário que se desenvolve durante um período his­tórico, de um processo ao longo do qual o conjunto das relações sociais é ‘revolucionarizado’, ao mesmo tempo que são ‘revolucionarizados’ os que participam nesse processo. Em particular, o domínio dos produtores sobre as suas condições de produção e de existência exige uma transformação crescente da divisão social do trabalho, a fim de que seja suprimida progressivamente a separa­ção entre trabalho manual e trabalho intelectual, a dis­tinção entre as tarefas de execução e as tarefas de direc­ção, e, portanto, seja também reduzido, e depois elimi­nado, o papel dos técnicos colocados “acima” dos tra­balhadores.” (p. 92).

6) O Marxismo-Leninismo Como Teoria do Proletariado. “O marxismo-leninismo é a teoria do proletariado por­que é a expressão teórica da existência do proletariado no modo de produção capitalista: o marxismo desenvol­veu-se colocando-se do ponto de vista do proletariado, único ponto de vista a partir do qual é possível compre­ender o significado das lutas proletárias.” (p. 93).

7) A Teoria do Proletariado e as Forças da Revolução. “A partir do que precede, pode abordar-se o seguinte ponto decisivo: uma vez que o marxismo-leninismo existe como teoria proletária revolucionária e como partido revolucionário que está imbuído desta ideologia e que a põe em prática, o alcance desta teoria não está de modo algum limitado apenas ao proletariado.” (p. 96).

“Isto permite compreender porque é que uma revo­lução proletária pode muito bem triunfar mesmo em países em que a classe operária é numericamente fraca e porque é que esta revolução não deixa por isso de ser uma revolução proletária.

Com efeito, o carácter proletário de uma revolução tem muito mais a ver com o papel dominante desem­penhado pela ideologia proletária e pelo partido portador dessa ideologia que com a amplitude ‘numérica’ do proletariado.” (p. 96/97).

“Em resumo, o termo ‘poder proletário’ designa o papel político e ideológico dominante desempenhado pelo proletariado no seio de uma formação social determi­nada. Este papel, evidentemente, é o do proletariado de cada país, mas é também o do proletariado mundial, cujas lutas produziram o marxismo-leninismo e a ideolo­gia revolucionária proletária. São as lições teóricas e práticas tiradas das lutas do proletariado mundial que constituem o conteúdo do marxismo-leninismo de hoje. Este conteúdo torna-se um agente dominante de trans­formação social quando penetra nas massas e quando é possuído e desenvolvido por um partido proletário.” (p. 100).

8) A Luta de Classes Sob a Ditadura do Proletariado. “A única ‘garantia’ do progresso na via socialista é a capacidade real do partido dirigente de não se separar das massas. Esta capacidade deve ser permanentemente renovada, o que implica também a renovação do partido — um esforço contínuo para evitar a repetição estéril de fórmulas feitas, para analisar con­cretamente cada situação nova, sempre diferente de todas as outras. Esta capacidade, por sua vez, exige que o partido do proletariado seja realmente o servidor das massas trabalhadoras, que saiba tirar a lição de todas as suas iniciativas revolucionárias, protegendo estas iniciativas e ajudando a desenvolvê-las.” (p. 101). 

“O que torna objectivamente possível e necessário o prosseguimento da luta de classes nas condições da dita­dura do proletariado não é só a existência daquilo a que muitas vezes se chamou ‘os restos das antigas classes exploradoras’, é também, e mesmo principalmente, a existência, e portanto a reprodução, das antigas rela­ções económicas, ideológicas e políticas, aquelas rela­ções que não puderam ser ‘abolidas’ de um dia para o outro e que só podem ser destruídas e substituídas por outras ao fim de longas lutas. São essas relações antigas ligadas à divisão social burguesa do trabalho, à separação entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre tarefas de direcção e tarefas de execução, às for­mas de separação, específicas da ciência burguesa, entre conhecimentos teóricos e saber prático, às formas de representação produzidas por estas separações (e a forma valor é uma delas), às formas ideológicas que nesta base se reproduzem, etc. São essas relações anti­gas que constituem a base objectiva que permite a uma minoria de não-produtores explorar uma maioria de pro­dutores e que tornam possível a derrota do proletariado. Estas relações reproduzem-se durante um período his­tórico que dura muito tempo após a tomada do poder; este período, aliás, não pode terminar antes de o socia­lismo ter sido estabelecido à escala mundial.

A perda do poder pelo proletariado não é necessaria­mente o resultado de uma luta física violenta. Se a ideo­logia revolucionária do proletariado é um elemento essen­cial do poder proletário, também a luta ideológica de classe é um elemento essencial da luta pelo poder e pela sua conservação; isto explica que o enfraquecimento do papel da ideologia proletária e os erros que este enfra­quecimento provoca possam criar condições que permi­tam às forças sociais burguesas desenvolver-se, consoli­dar-se, ganhar influência, e, finalmente, apoderar-se da direcção do partido e do Estado, portanto, retomar o poder.

Perante este risco, nem as armas da repressão nem a simples ‘fidelidade’ verbal e dogmática a fórmulas feitas são realmente adequadas. Perante este risco, é preciso desenvolver permanentemente de forma viva a ideologia do proletariado, ajudar, por uma prática social adequada, a penetração cada vez mais profunda desta ideologia no conjunto das massas trabalhadoras e auxi­liar permanentemente as massas a revoltarem-se contra as antigas relações sociais e contra os ‘valores’ pelos quais elas ‘aceitam’ a exploração e a opressão. Só assim pode ser progressivamente destruído o primado dos interesses individuais e particulares nas sociedades de classes, de modo que o primeiro lugar seja ocupado pela solidariedade e pela vontade de pôr as suas forças e o seu trabalho ao serviço da edificação de uma socie­dade inteiramente nova. Nada disto se pode obter pela coerção e pela repressão. O que é necessário é uma prá­tica revolucionária, são exemplos dados concretamente, é uma discussão livre, que não se limite a alguns diri­gentes mas que, pelo contrário, se estenda ao conjunto do partido e das massas trabalhadoras, levando estas, pela persuasão e pelo exemplo activo, para posições ideo­lógicas proletárias cada vez mais conscientes.” (p. 101 a 103).

Como se vê, a China atual se encontra bem distante de uma ditadura do proletariado, da construção do socialismo. Em todos os pontos destacados, ela se afasta: 

  • o partido-Estado chinês está, ha décadas, a fomentar uma política que eleva e ainda justifica a desigualdade econômica, hierarquias sociais, e ainda procria novos capitalistas milionários e bilionários; 
  • não há exercício do poder dos produtores diretos, submetidos cada vez mais à produção do setor privado, a uma profunda divisão social do trabalho, e a um Estado que os subordina com seus planos para consolidar o país enquanto potência imperialista; 
  • as iniciativas das massas não se mostram livres e estimuladas, pelo contrário, a preocupação do partido-Estado é evitar distúrbios sociais, reprimi-los e criminalizá-los, em prol da continuidade da modernização capitalista. 
  • o partido-Estado já utiliza abertamente um linguajar imperialista (governança, Estado de Direito, finanças modernas, livre comércio…), como se vê no discurso de Xi Jinping na abertura do 19º Congresso do Partido Comunista da China (2017), e abandona quaisquer resquícios de teoria marxista, de internacionalismo proletário e da causa comunista que o fundou.

A seguir o artigo na íntegra.

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DITADURA DO PROLETARIADO, CLASSES SOCIAIS E IDEOLOGIA DO PROLETARIADO

Charles Bettelheim

O texto precedente de Paul Sweezy indica que chega­mos a acordo quanto ao essencial das respostas a dar aos principais problemas explicitamente abordados na nossa correspondência anterior. Isto confirma que é possível superar divergências iniciais, mesmo sobre pro­blemas complexos, desde que se parta dessa base comum que é a concepção marxista da história, da economia e da política e se proceda a uma discussão suficientemente ampla.

Bem entendido, a discussão travada entre Paul Sweezy e eu próprio desde Outubro de 1968 levou-nos a levantar “novos problemas”: os problemas que, na rea­lidade, estavam implícitos nas divergências iniciais de pontos de vista.

A propósito de algumas questões

Partindo de uma premissa que aceitamos em comum — a marcha para o socialismo pressupõe que o proleta­riado esteja no poder —, P. Sweezy pergunta:

  1. se, a meu ver, o problema da natureza de classe do poder depende exclusivamente da política prosseguida pelo governo e pelo Partido;
  2. se, para que a teoria do poder proletário tenha um valor explicativo, não seria necessário dispor de um “método independente” para estabelecer a identidade da classe no poder.

A estas perguntas, Paul Sweezy acrescenta outras duas:

  1. Quais são as modalidades e as etapas do desen­volvimento de uma nova burguesia de Estado?
  2. Em que condições se pode esperar uma vitória do proletariado e em que condições se pode esperar uma vitória da nova burguesia de Estado?

Parece a Paul Sweezy que as dificuldades levantadas por estas perguntas estão por sua vez ligadas à dificul­dade de precisar o que se entende por “proletariado” no “tipo de países subdesenvolvidos em que se verificou a maior parte das revoluções anticapitalistas do século XX”. Com efeito, Paul Sweezy sustenta que a teo­ria “clássica” de Marx e Engels tinha sido elaborada em função do papel histórico que, aos olhos dos fundado­res do socialismo científico, o proletariado dos países industriais desempenharia no processo revolucionário. Ora, acrescenta ele, com excepção da União Soviética, tal proletariado não existia nos países que conheceram uma revolução socialista. Mais ainda: mesmo na Rússia, o proletariado, fortemente destruído e disperso em con­sequência das condições da guerra civil e da invasão estrangeira, não teve a possibilidade de levar a bom termo as suas tarefas de direcção económica e política.

Não me proponho discutir neste momento o peso real da classe operária nos diferentes países que conheceram uma revolução socialista nem os efeitos da guerra civil na U.R.S.S. sobre o poder proletário: em contrapartida, julgo que é muito importante fornecer elementos de res­posta às outras perguntas acima enumeradas.

Evidentemente, a importância e a amplitude das per­guntas não permitem uma resposta tão pormenorizada como o mereciam, pelo menos num artigo de revista: seria preciso um livro. No entanto, é possível e útil enun­ciar resumidamente certas respostas. As teses desenvol­vidas por Paul Sweezy na segunda parte do seu último texto ajudam, aliás, a enunciar essas respostas.

ACERCA DA NATUREZA DE CLASSE DE UM PODER REVOLUCIONÁRIO DE ESTADO

Penso que o que permite determinar a verdadeira natu­reza de classe de um poder que se estabeleceu de forma revolucionária graças à luta das massas trabalhadoras, de um poder que expropriou as antigas classes possiden­tes e que reivindica fidelidade à classe operária, é a natureza dos interesses de classe que esse poder serve, o que remete para as relações concretas desse poder com as massas trabalhadoras, portanto, para as formas de existência do poder do proletariado.

  1. A natureza dos interesses de classe que o poder serve. A análise deve responder, em termos de classe, à pergunta: “A quem serve o poder?” Serve os interesses presentes e futuros dos produtores directos e, em pri­meiro lugar, da classe operária; ajuda os trabalhadores a transformar as relações sociais de forma revolucioná­ria, para que eles dominem cada vez mais as suas pró­prias condições de existência? Ou servirá os interesses de uma minoria de não-produtores, proclame-se ou não essa minoria “dedicada à causa do socialismo?”
  2. As relações concretas que os órgãos do poder mantêm com as massas trabalhadoras. Actualmente, à luz da experiência histórica e da análise teórica refe­rente a essa experiência, é evidente que só se pode falar de um poder proletário se o poder, do ponto de vista das suas práticas reais, comportar características específicas e se o partido dirigente seguir uma linha proletária.

AS CARACTERÍSTICAS DE UM PODER PROLETÁRIO DE ESTADO

Face às confusões que durante muito tempo existi­ram, e que ainda não desapareceram, é preciso lembrar que a ditadura do proletariado tem essencialmente como efeito permitir o estabelecimento de determinadas con­dições políticas requeridas para que os produtores direc­tos possam dominar colectivamente, quer dizer, à escala social, os seus meios de produção e as suas condições de existência. É preciso lembrar também que este domínio não é de modo algum assegurado apenas pela estatiza­ção dos meios de produção e pela “planificação econó­mica”. O que comanda este domínio, que só se adquire através de uma longa luta de classes, é antes de mais, mas não unicamente, a detenção do poder pelos produ­tores. Pode recordar-se aqui o que Lenine escrevia em 1917:

“A questão do poder é certamente a questão mais importante de qualquer revolução. A classe que detém o poder decide tudo… este é o fundo do problema… a questão do poder não pode ser iludida nem relegada para último plano… é a questão fundamental, aquela que determina todo o desenvolvimento da revolução, a sua política externa e interna.”[i]

O domínio dos trabalhadores sobre as suas condições de existência exige, antes de mais nada, que o antigo aparelho de Estado seja destruído e substituído por um aparelho radicalmente diferente. Se o novo aparelho de Estado é semelhante, no essencial, ao antigo, só poderá assegurar a reprodução das mesmas relações sociais.

O conteúdo fundamental da diferença entre um apa­relho de Estado proletário e um aparelho de Estado burguês é a não-separação do aparelho de Estado pro­letário em relação às massas, a sua subordinação a estas, portanto, o desaparecimento daquilo a que Lenine chamava “um Estado no sentido próprio”[ii] e a sua substi­tuição pelo “proletariado organizado em classe domi­nante”[iii].

Para que os produtores directos possam dominar as suas condições de existência é necessário que tenha desa­parecido o antigo tipo de aparelho de Estado, que con­centra em si mesmo o essencial das decisões políticas e dos meios de execução e dispõe de forças repressivas autónomas que não hesita em utilizar contra as massas trabalhadoras.

Sem cair no formalismo dos “critérios abstractos” estabelecidos à margem de qualquer consideração de tempo e de espaço, pode dizer-se que uma característica extremamente importante do poder não proletário, ou de que o poder já perdeu largamente o seu carácter proletá­rio, é a existência de um aparelho de Estado colocado acima das massas e que age de forma autoritária em relação a elas.

Esta característica do poder não proletário torna-se ainda mais importante se as relações de subordinação das massas em relação ao aparelho de Estado são acom­panhadas de relações análogas entre as massas e o par­tido dirigente (mais adiante volto a este ponto).

Quando o aparelho de Estado está separado das massas e colocado acima delas e o partido dirigente, em vez de lutar contra esta situação, contribui para a refor­çar, estão reunidas as condições objectivas para que se reproduzam relações políticas de opressão, no interior das quais se podem também reproduzir relações de explo­ração. Quando um sobretrabalho é imposto aos produto­res directos pelos não-produtores e quando a utilização do produto desse sobretrabalho não é controlada pelos produtores mas decidida à margem deles, mesmo que seja através de um “plano económico”, tais relações de exploração existem. Também é sabido que pode haver exploração mesmo que o produto do sobretrabalho não seja consumido individualmente pelos que controlam o seu emprego. Aliás, o aspecto principal da exploração capitalista é o de ser uma exploração efectuada com vista à acumulação, e não ao consumo.

Em resumo, se é um aparelho de Estado separado das massas que detém os meios de produção (devido à estatização destes) e se, além disso, este aparelho não está submetido ao controlo dum partido ligado às mas­sas e que ajude estas a lutar pelo controle do emprego dos meios de produção, estamos em presença de uma estrutura de relações que reproduz a separação dos pro­dutores directos dos seus meios de produção. Nestas condições, se a combinação das forças de trabalho e dos meios de produção se realiza através de uma relação salarial, isto significa que as relações de produção são relações capitalistas e que os que ocupam postos de direcção no aparelho de Estado central e nos aparelhos a ele ligados constituem colectivamente uma burguesia — um estado — capitalista.

Como incidentalmente atrás observámos, seria dog­mático e formalista tentar propor um critério abstracto isolado do carácter proletário do Estado sem tomar em consideração as condições históricas concretas e, particularmente, a natureza das relações entre o Estado o partido dirigente, as características deste partido e sentido em que se dirige a sua acção. Por isso que não existe um “modelo único” da não-separação, quer dizer, da unidade entre o aparelho de Estado e as massas, mas apenas formas concretas correspondentes às condições históricas da luta de classes.

Os exemplos históricos de surgimento de tais formas de unidade são constituídos pela Comuna de Paris, pelos Sovietes de 1917 na Rússia e pelas diversas formas de poder popular na China (tanto as formas “civis” como as formas “militares”: o Exército Popular de Libertação é, sem dúvida, o primeiro exército não separado do povo mas, pelo contrário, nele integrado e ao seu serviço).

A experiência histórica mostra que, devido às rela­ções ideológicas dominantes, produto de séculos de opres­são e de exploração e que se reproduzem com base numa divisão social do trabalho que não pode ser imediata­mente revolucionarizada, as formas políticas que permi­tem aos produtores directos organizarem-se eles pró­prios como classe dominante tendem espontaneamente, se não se travar uma luta sistemática contra essa ten­dência, a transformar-se no sentido de uma “autonomi­zação” dos órgãos do poder, isto é, no sentido de uma nova separação entre as massas e o aparelho de Estado, e, portanto, da reconstituição de relações políticas de opressão e de relações económicas de exploração. Por isso, durante todo o período de transição há uma luta entre as duas vias: a via socialista e a via capitalista.

Dizer que uma formação social em transição segue a via socialista é dizer que ela está empenhada num pro­cesso de transformação revolucionária que permite às massas trabalhadoras dominarem cada vez mais as suas condições de existência, ou seja, libertarem-se cada vez mais. Dizer que determinada formação segue uma via capitalista é dizer que ela está empenhada num processo que submete cada vez mais as massas trabalhadoras às exigências de um processo de reprodução que elas não controlam e que, em última análise, só pode portanto servir os interesses de uma minoria, a minoria que uti­liza o aparelho de Estado para estabelecer e consolidar as condições da sua própria dominação.

A via seguida por uma formação social é sempre um produto da luta de classes. Esta opõe os que lutam pelo triunfo da via socialista aos que lutam pelo triunfo da via capitalista. Os primeiros são constituídos pelo pro­letariado e pelo conjunto das classes populares a ele associadas; os segundos são constituídos pelo conjunto das forças sociais burguesas, tenham elas ou não perten­cido à antiga burguesia ou estejam elas ou não “cons­cientes” do facto de que a linha política que defendem conduz à derrota do proletariado. Nas condições de esta­tização dos meios de produção, o local privilegiado de constituição ou de reconstituição das forças sociais bur­guesas é o próprio aparelho de Estado, as cúpulas do partido dirigente e as dos aparelhos ideológicos e econó­micos. Para que o proletariado não deixe de ter o papel dirigente é necessário que, na prática, conserve sempre a iniciativa nas frentes ideológica e política. Para isso, precisa de continuar unido e estreitamente associado ao conjunto das classes populares igualmente interessadas no socialismo. Estas condições só podem ser preenchidas se o proletariado dispuser de um aparelho ideológico e político próprio: um partido marxista-leninista. E aqui surge uma segunda categoria de problemas.

AS CARACTERÍSTICAS DO PARTIDO DIRIGENTE

O núcleo destes problemas é o seguinte: para ajudar o proletariado e as classes populares a ele associadas a avançarem na via socialista não basta que o partido mar­xista-leninista, que guiou o proletariado na conquista do poder, se conserve aparentemente “o mesmo”: é neces­sário que ele não mude realmente de carácter de classe, portanto, é necessário que continue a ser um partido proletário; com efeito, não pode existir ditadura do pro­letariado se o partido dirigente não é o da classe ope­rária.

O carácter proletário do partido não depende eviden­temente da “autoproclamação”, da afirmação pelo pró­prio partido da sua vontade de “construir o socialismo” ou da sua “determinação de ser fiel ao marxismo-leni­nismo” ou a um “ideal revolucionário”. Este carácter só pode ser determinado por uma análise concreta que revelará se as práticas políticas e ideológicas do partido dirigente são ou não práticas proletárias.

A experiência histórica permite, a partir de agora, caracterizar melhor a natureza de classe das práticas políticas e ideológicas que uni partido dirigente desen­volve. Esta experiência, iluminada pela teoria marxista, leva-nos a concluir que o carácter de classe da prática ideológica e política de um partido se manifesta na estru­tura das suas relações com as massas, nas relações inter­nas do partido e nas relações deste com o aparelho de Estado.

Se as relações concretas entre o partido dirigente e as massas não são as que correspondem a uma prática proletária e se, no próprio partido, as relações autoritá­rias prevalecem sobre a discussão e a luta ideológica, é inevitável que as concepções teóricas efectivas do par­tido se afastem cada vez mais do conteúdo revolucioná­rio do marxismo. Não pode haver concepções teóricas correctas na ausência de uma prática política correcta. Por conseguinte, para que os princípios marxistas-leni­nistas a que se refere um partido dirigente continuem vivos e não “funcionem” como um dogma morto, desli­gados da vida, é necessário que o partido e os seus mem­bros não desenvolvam práticas autoritárias, que subme­tam à crítica os que se comprometem em tais práticas e que façam constantemente apelo à crítica por parte das massas.

Em resumo, um partido dirigente só pode ser um partido proletário se não pretender comandar as massas e se, pelo contrário, for o instrumento das suas iniciati­vas. Isto só é possível se ele se submeter efectivamente à crítica por parte das massas, se não pretender impor-lhes o que elas “devem” fazer, se partir daquilo que as massas estão aptas a realizar e que auxilia o desenvol­vimento de relações socialistas. Para auxiliar este desen­volvimento, o partido deve saber reconhecer o que é que vai no sentido deste; é muito particularmente para isto que a teoria marxista-leninista deve servir.

O papel de um partido proletário, portanto, é ajudar as massas a realizarem elas próprias aquilo que é con­forme aos seus interesses fundamentais. Em cada etapa de uma luta ininterrupta pela transformação das rela­ções sociais, o partido deve guiar as massas a avançarem o mais longe possível na via das iniciativas que permi­tem consolidar e desenvolver relações sociais proletá­rias, tendo em conta os limites objectivos e subjectivos do momento e do lugar.

Um partido proletário não pode pretender “agir em vez” das massas. Estas, com efeito, devem transformar­-se elas próprias ao mesmo tempo que transformam o mundo objectivo, e só podem transformar-se através da sua própria experiênciadas vitórias e dos fracassos. Só assim podem as massas conquistar uma consciência, uma vontade, uma capacidade colectivas, ou seja, a sua liber­dade de classe.

Portanto, uma política proletária — única garantia da conservação do poder pelo proletariado — deve asse­gurar que as massas realizem elas próprias aquilo que objectivamente é do seu interesse fazerem, isto na medida em que estejam subjectivamente prontas para o fazer. Toda a violação da consciência e da vontade própria das massas constitui um passo atrás. São passos atrás deste tipo que podem levar á perda do poder pelo proletariado.

Por conseguinte, o papel do partido consiste não só em definir objectivos correctos mas também em discer­nir o que é que as massas estão aptas a fazer e levá-las para a frente sem jamais recorrer à coerção mas lan­çando palavras de ordem e directivas de que as massas possam apoderar-se, elaborando uma táctica e uma estra­tégia adequadas e ajudando as massas a organizarem-se.

É em função da exigência de tais relações entre o partido e as massas, é em função de tais práticas, que é essencial, como escreve Mao Tsé-Tung, que “a ditadura não se exerça no seio do povo” e que as massas popula­res “gozem da liberdade de expressão, de imprensa, de reunião, de associação, de desfile, de manifestação, de crença, religiosa e de outras liberdades”[iv].

Dizer que a ditadura não se exerce no seio do povo é dizer também que ela não se exerce sobre a pequena burguesia e, paticularmente, sobre as camadas menos ricas do campesinato médio. O proletariado e o seu par­tido devem conduzir a pequena burguesia para a via do socialismo, que é a própria via do seu interesse real, mas não devem exercer uma coerção sobre ela. Trata-se é de conduzir uma luta ideológica que permita, segundo uma outra fórmula de Mao Tsé-Tung, “arrastar as ideias pequeno-burguesas na esteira das ideias proletárias”.

Estas são algumas das características das práticas políticas e ideológicas que manifestam que um partido é, ao mesmo tempo, um partido dirigente e um partido proletário, quer dizer, um partido que dirige as massas mas que não comanda, um partido que centraliza as ini­ciativas das massas para as ajudar a travar batalhas políticas unificadas. Para o exercício da ditadura do proletariado é necessário um partido que proceda deste modo, pois é graças á sua ajuda que o proletariado e as classes populares podem tornar-se cada vez mais senho­res das suas condições de existência, avançando no cami­nho da sua liberdade colectiva, o que só é possível na base da sua unidade, mas de uma unidade livremente designada e não imposta.

O PARTIDO E O APARELHO DE ESTADO

É necessário insistir aqui nos problemas levantados pelas relações entre o partido e o aparelho de Estado, pois a natureza destas relações constitui uma das carac­terísticas essenciais da ditadura do proletariado. Com efeito, a ditadura do proletariado exige que o aparelho de Estado esteja subordinado ao partido proletário. Só esta subordinação, permite lutar contra a tendência para a autonomização do aparelho de Estado, evitar a via capitalista e assegurar o desaparecimento do Estado, na condição de que as relações entre o partido e as massas sejam correctamente articuladas.

aparelho dominante do poder proletário, portanto, é o partido marxista-leninista, e não o aparelho de Estado. O partido marxista-leninista é o verdadeiro ins­trumento da ditadura do proletariado e a forma essencial de organização do proletariado em classe dominante.

O papel decisivo que cabe ao partido está relacionado com o lugar dominante ocupado pela ideologia proletá­ria de que o partido está imbuído; por isso, este papel não se exerce apenas em relação ao conjunto dos outros aparelhos sociais mas também em relação às massas tra­balhadoras que ele ajuda a transformarem-se, isto é, a apropriarem-se da concepção proletária do mundo, con­cepção de que, no início, as massas estão parcialmente separadas pela ideologia burguesa. O partido proletário assume o seu papel adequado fazendo penetrar a ideolo­gia proletária nas massas graças à ajuda que lhes dá nas lutas por elas travadas e tirando ele próprio lições dessas lutas, aprendendo, portanto, junto das próprias massas.

O partido proletário é assim o instrumento de uma unificação das massas, não só da sua acção mas também da sua ideologia.

O papel efectivamente dominante dos trabalhadores cresce à medida que eles fazem inteiramente sua a ideo­logia proletária e que a desenvolvem. É assim que se criam, no seio das próprias massas, as condições do desaparecimento do conjunto das relações sociais bur­guesas. O papel que um partido dirigente marxista-leni­nista deve cumprir exige que ele dê sempre o primado à luta de classes e que faça da ideologia proletária o fac­tor dominante dessa luta. Na ausência de um partido que proceda deste modo, a revolucionarização das rela­ções objectivas e subjectivas é impossível e torna-se ine­vitável o regresso à dominação da burguesia. 

O papel dominante do partido e a natureza ideoló­gica e política deste papel determinam o lugar essencial que a luta ideológica de classe ocupa no seio do partido e a necessidade de um certo “estilo de direcção”, de um estilo de direcção que precisamente se pôde qualificar de “proletário”. Só este estilo de direcção permite progredir na via do socialismo, não pela coerção (que jamais faz progredir nesta via) mas pela ajuda ideológica e política prestada ao conjunto dos trabalhadores. Nestas condi­ções, são efectivamente estes últimos que progridem na via socialista, e esta é a única forma de avançar nesta via. É um dos aspectos daquilo a que no Partido Comu­nista Chinês se chamaria “linha de massas”.

A este respeito, não será inútil acrescentar que, se o conceito de “linha de massas” está intimamente ligado à prática do Partido Comunista Chinês, os fundamentos teóricos que permitem construir este conceito encontram-se já em Marx e Lenine. Não obstante, é graças à experiência da revolução chinesa e às concepções de Mao Tsé-Tung que se pode hoje pensar teoricamente o conceito de “linha de massas” e que se pode compreen­der que é através da aplicação de urna linha de massas que um partido dirigente se torna o instrumento da ditadura e da democracia proletárias, pois a existência do poder proletário joga-se, em última análise, ao nível das relações do partido com as massas.

A QUESTÃO DE UM “MÉTODO INDEPENDENTE”

Não me parece possível apoiarmo-nos num método “independente” daquele que acabamos de apresentar com vista à determinação da natureza proletária ou não proletária do poder político captado na esteira de uma revolução. Com efeito, o poder do proletariado exerce-se antes de mais sobre uma base económica que a detenção do poder político, por si só, não basta para subverter drasticamente.

No dealbar de uma revolução proletária, a despeito de todas as “nacionalizações» ou “estatizações”, a maior parte das antigas relações sociais subsistem, pois não podem ser directamente “abolidas”. A eliminação dessas relações não depende de “decisões” que poderiam ser tomadas na “cúpula” e imediatamente aplicadas. Essa eliminação só pode ser o resultado de um processo revo­lucionário que se desenvolve durante um período his­tórico, de um processo ao longo do qual o conjunto das relações sociais é “revolucionarizado”, ao mesmo tempo que são “revolucionarizados” os que participam nesse processo. Em particular, o domínio dos produtores sobre as suas condições de produção e de existência exige uma transformação crescente da divisão social do trabalho, a fim de que seja suprimida progressivamente a separa­ção entre trabalho manual e trabalho intelectual, a dis­tinção entre as tarefas de execução e as tarefas de direc­ção, e, portanto, seja também reduzido, e depois elimi­nado, o papel dos técnicos colocados “acima” dos tra­balhadores.

Enquanto se processam estas transformações, aque­les que desempenham tarefas de direcção e tarefas “téc­nicas”, os quadros políticos e os técnicos, devem viver no seio das massas, partilhar da sua vida, sujeitar-se ao seu controlo e participar no trabalho manual.

Mas a transformação radical das relações dos traba­lhadores entre si e com os seus meios de produção, o desaparecimento total das relações de produção burgue­sas e da divisão social do trabalho burguesa, não pode ser produto “espontâneo” do “desenvolvimento das for­ças produtivas”. Essa transformação só pode ser o resul­tado de uma longa luta de classes conduzida sob a dita­dura do proletariado, de uma luta de classe que se desen­volva numa via correcta; o que exige que ela seja guiada pelas concepções marxistas-leninistas nas suas formas mais desenvolvidas, quer dizer, tal como hoje se apre­senta tendo em conta os ensinamentos da revolução chi­nesa. Ainda aqui é o marxismo-leninismo como teoria e prática que desempenha um papel decisivo, e por isso é importante fazer ressaltar claramente em que é que con­siste o carácter proletário do marxismo-leninismo.

O MARXISMO-LENINISMO COMO TEORIA DO PROLETARIADO

O marxismo-leninismo é a teoria do proletariado por­que é a expressão teórica da existência do proletariado no modo de produção capitalista: o marxismo desenvol­veu-se colocando-se do ponto de vista do proletariado, único ponto de vista a partir do qual é possível compre­ender o significado das lutas proletárias. Devem recor­dar-se aqui as palavras de Marx, que, ao analisar o alcance histórico da Comuna de Paris, declarava que, para a burguesia e para os que se colocam na posição desta, o sentido das lutas proletárias de classe é uma “esfinge”, ou seja, um “enigma”.

O marxismo e o leninismo partem não só das lutas proletárias de classe mas também de uma análise das contradições objectivas do modo de produção capitalista, da elucidação da especificidade da posição do proleta­riado neste modo de produção. Esta posição é a de uma classe produtora inteiramente desprovida de meios de produção, totalmente separada das suas condições de existência pelo processo de reprodução capitalista, de uma classe que só se pode libertar da exploração capi­talista se suprimir não só o capitalismo mas todas as formas de exploração do homem pelo homem, destruindo totalmente as relações sociais existentes e substituindo­-as por relações radicalmente novas.

A especificidade da posição do proletariado no modo de produção capitalista obriga-o, para se libertar, a desenvolver uma ideologia revolucionária radical. Com efeito, a libertação do proletariado da exploração e da opressão exige a sua radicalização ideológica, a sua adesão crescente a uma ideologia completamente revolu­cionária que é fundamentalmente a sua, diferente daquela a que a enorme pressão dos aparelhos ideológicos da burguesia tende permanentemente a submetê-lo.[v]

A ideologia proletária é a que corresponde à posição do proletariado no modo de produção capitalista; esta ideologia é o marxismo-leninismo, que, precisamente, se desenvolveu e se desenvolve a partir de uma análise da posição objectiva do proletariado, a partir de uma tomada em consideração das contradições no seio das quais se desenvolve espontaneamente a luta proletária de classe e das posições que espontaneamente toma o proletariado todas as vezes que as suas próprias lutas atingem uma certa intensidade.

É neste sentido muito preciso que o marxismo-leni­nismo é a teoria revolucionária do proletariado. É por esta razão que ele tem a capacidade de penetrar com uma velocidade avassaladora na classe operária todas as vezes que as contradições objectivas em que o proleta­riado é envolvido atingem uma certa acuidade. É tam­bém por esta razão que, todas as vezes que as lutas pro­letárias de classe atingem uma certa intensidade, o pro letariado encontra por si mesmo formas de organização de massas que Marx e Lenine mostraram corresponde­rem ao papel revolucionário do proletariado: estas formas de organização são as da Comuna de Paris, dos Sovietes de 1905 e de 1917, dos Comités Revolucionários num grande número de países, e nomeadamente na China durante a revolução cultural.

Ao mesmo tempo, a natureza das contradições em que o proletariado é envolvido explica que estas formas de organização, que podem designar-se pelo termo de “personificações espontâneas da ideologia proletária”, sejam por si sós instáveis e frágeis, donde a necessi­dade da construção de um aparelho ideológico e político especificamente proletário, de um partido marxista-leni­nista imbuído da ideologia proletária. Só um tal apare­lho permite, ao mesmo tempo, concentrar as iniciativas das massas que correspondem às exigências da liberta­ção das classes dominadas de todas as formas de explo­ração e de opressão e permite que estas classes, através das lutas que travam, se apropriem da ideologia prole­tária de que a acção da burguesia tende permanente­mente a separá-las. Como o sublinha Marx, é através das lutas revolucionárias e só através destas lutas que o proletariado consegue transformar-se a si próprio ideo­logicamente. Tal como ele escreve na Ideologia Alemã: “Esta revolução é necessária não só porque não há outros meios de derrubar a classe dominante, mas ainda porque a classe que derruba a outra só por uma revolu­ção pode conseguir desembaraçar-se de um atoleiro de séculos e torna-se assim capaz de fundar uma nova socie­dade.”[vi]

O marxismo-leninismo é a teoria revolucionária do proletariado porque tira até ao fim as conclusões que a análise das lutas do proletariado e da posição deste no modo de produção capitalista impõe, quando nos colocarros no ponto de vista dos explorados e não no ponto de vista dos exploradores. O marxismo-leninismo pôde assim mostrar, ao mesmo tempo, o papel radicalmente revolucionário do proletariado e o carácter histórico global da revolução proletária, carácter este ligado ao desenvolvimento do modo de produção capitalista como um sistema global de exploração e de opressão de que os povos só à escala mundial podem definitivamente liber­tar-se.

A TEORIA DO PROLETARIADO E AS FORÇAS DA REVOLUÇÃO

A partir do que precede, pode abordar-se o seguinte ponto decisivo: uma vez que o marxismo-leninismo existe como teoria proletária revolucionária e como partido revolucionário que está imbuído desta ideologia e que a põe em prática, o alcance desta teoria não está de modo algum limitado apenas ao proletariado.

E é assim porque a revolução proletária não é uma revolução destinada a elevar ao poder uma nova classe exploradora mas, pelo contrário, destinada a fazer desa­parecer todas as formas de exploração e de opressão. Como o lembra Engels no prefácio de 26 de Junho de 1883 ao Manifesto Comunista, a revolução proletária, no seu desenvolvimento, não leva apenas à libertação do proletariado da exploração, ela liberta “toda a socie­dade da exploração, da opressão e das lutas de classes”. Este carácter específico da revolução proletária signi­fica que, se esta revolução é tornada possível pela exis­tência mundial do modo de produção capitalista e pela existência do proletariado, ela não diz respeito apenas ao proletariado, diz respeito a todos os explorados, todos os oprimidos e todos os que tomam posição pelo fim da exploração e da opressão.

Isto permite compreender porque é que uma revo­lução proletária pode muito bem triunfar mesmo em países em que a classe operária é numericamente fraca e porque é que esta revolução não deixa por isso de ser uma revolução proletária.

Com efeito, o carácter proletário de uma revolução tem muito mais a ver com o papel dominante desem­penhado pela ideologia proletária e pelo partido portador dessa ideologia que com a amplitude “numérica” do proletariado. Por conseguinte, o papel dominante do proletariado na revolução é, antes de mais, um papel ideológico e político. O proletariado pode, portanto, ser a força ideológica e política condutora da revolução, mesmo quando não é a força numericamente determi­nante, quer dizer, quando são outras classes sociais, por exemplo os camponeses pobres e médios, que constituem essas forças determinadas.

É preciso abordar aqui um problema importante, o da determinação do proletariado como classe durante a transição para o socialismo. Este problema está ligado ao papel dominante da ideologia proletária durante essa transição.

A constituição do proletariado em classe dominante é o resultado de um processo histórico: o processo de apropriação pelo proletariado da sua própria ideologia. Este processo histórico exige a intervenção de um apa­relho ideológico específico, o partido proletário, e é ele próprio efeito de um processo de lutas sociais, um pro­cesso de lutas pela transformação da sociedade e do mundo. Como se sabe, é através dessa luta que o proleta­riado se transforma a si mesmo unificando-se graças à sua própria ideologia, rejeitando cada vez mais a ideolo­gia estranha que sobre ele pesa e dominando cada vez mais as forças materiais e sociais, transformando a natu­reza das forças produtivas graças à verdade da sua ideo­logia verdade que se transforma em poder proletário a partir do momento em que se apodera das massas. O proletariado, através das transformações que assim rea­liza, torna-se uma classe dominante que não domina nenhuma outra classe mas que se domina a si mesma.

A determinação do proletariado como classe domi­nante graças à apropriação da ideologia proletária é um processo que, antes de mais nada, diz respeito à classe operária, porque a ideologia proletária é precisa­mente a que corresponde à posição objectiva do proleta­riado no modo de produção capitalista. No entanto, desde que se esboça a ruptura com este modo de produção, a apropriação da ideologia proletária é um processo que diz respeito não só ao conjunto dos produtores directos mas também precisamente devido ao carácter liber­tador da revolução proletária para toda a sociedade —aos agentes das outras classes sociais, na condição de que eles renunciem completa e totalmente aos interesses estreitos da sua classe de origem, lutem concreta e efecti­vamente pela vitória da revolução proletária e sejam permanentemente guiados pelas exigências da luta pelo socialismo e pelas concepções proletárias, que visam a supressão de tudo o que entrava o domínio pelos produ­tores directos das suas condições de existência, de tudo o que os separa dos seus meias de produção, de tudo o que os divide.

A determinação ideológica do proletariado como classe dominante significa que se podem incorporar no proletariado todos os que estão em posições proletárias de classe, na medida em que estejam inteira e completa­mente nessas posições. É assim que, numa formação social em transição para o socialismo, os que ocupam postos de direcção são proletários ou burgueses conforme estejam ou não inteiramente empenhados em posições proletárias. É pelo facto de esta posição de classe, não enraizada numa situação de classe inscrita no processo de produção, poder ser transformada pela luta ideoló­gica de classe que esta luta se reveste de uma importân­cia primordial e pode determinar a via em que a forma­ção social evolua. É também pelo facto de a situação social efectiva, presente ou passada, a experiência da exploração, da opressão e da miséria facilitarem a ade­são a uma posição proletária de classe que os campone ses pobres e os camponeses médios mais pobres consti­tuem, a par do proletariado, a base social fundamental da ditadura do proletariado.

Com efeito, nas formações sociais em transição, além do proletariado e da burguesia, continuam a estar pre­sentes, durante todo o período, outras classes e forças sociais, em particular as diversas classes populares, como os pequenos e médios camponeses. A solidez do poder do proletariado exige que esse poder assente em relações democráticas com estas classes populares. Em consequên­cia, a própria unidade do proletariado e das outras cama­das populares (unidade sem a qual a ditadura do prole­tariado é impossível) exige que o proletariado respeite a especificidade dessas camadas a fim de as guiar na via do socialismo, que, como se sabe, é também a via da sua própria libertação. Nada se pode obter neste sentido pela coerção: o recurso à coerção só serve para dividir as for­ças populares, isolar o proletariado e, portanto, conduzir à sua derrota. Isto é tão verdade nos países industriali­zados como nos países subdesenvolvidos, nos quais o proletariado é pouco numeroso.

A expressão, justa de um ponto de vista científico, “ditadura do proletariado” chegou a fazer perder de vista que nenhuma ditadura deve ser exercida sobre as diver­sas classes populares. O termo “ditadura do proleta­riado” designa, com efeito, a relação de dominação polí­tica que deve ser exclusivamente exercida contra a pequena minoria constituída pela burguesia; esta expres­são não poderá em caso algum caracterizar as relações que devem existir entre o proletariado e as classes popu­lares. Se, em certos momentos, estas se enganam, é pre­ciso ajudá-las a rectificar os seus erros, e não reprimi­-las. Na realidade, estas classes também são oprimidas pela burguesia e, eventualmente, por ela exploradas; portanto, são levadas a revoltar-se contra as relações sociais burguesas; o proletariado deve guiá-las nessa revolta porque, no mundo de hoje, essa revolta leva necessariamente as camadas populares, se forem ajudadas política e ideologicamente, a colocar-se nas posições do proletariado. É muito precisamente o que se passa com o campesinato pobre e médio; a certa altura, se o proletariado tem com ele relações políticas, ideológicas e económicas, justas, o campesinato é levado a lutar pelo socialismo; nesta luta, estas camadas do campesinato intervêm como forças ideológica e politicamente pro­letarizadas. Foi assim que as massas do campesinato chinês entraram na via do socialismo.

Em resumo, o termo “poder proletário” designa o papel político e ideológico dominante desempenhado pelo proletariado no seio de uma formação social determi­nada. Este papel, evidentemente, é o do proletariado de cada país, mas é também o do proletariado mundial, cujas lutas produziram o marxismo-leninismo e a ideolo­gia revolucionária proletária. São as lições teóricas e práticas tiradas das lutas do proletariado mundial que constituem o conteúdo do marxismo-leninismo de hoje. Este conteúdo torna-se um agente dominante de trans­formação social quando penetra nas massas e quando é possuído e desenvolvido por um partido proletário.

Só o papel dirigente de um tal partido, cuja acção e formas de organização tenham incorporado o conjunto dos conhecimentos adquiridos pelo proletariado através das suas lutas revolucionárias, pode assegurar não só o derrube da burguesia mas também a conservação do poder pelo proletariado.

A LUTA DE CLASSES SOB A DITADURA DO PROLETARIADO

A existência, num determinado momento, de um partido cuja acção e formas de organização tenham incor­porado o conjunto dos conhecimentos adquiridos pelo proletariado através das suas lutas revolucionárias não garante de “forma definitiva” que a via socialista não será abandonada. A única “garantia” do progresso na via socialista é a capacidade real do partido dirigente de não se separar das massas. Esta capacidade deve ser permanentemente renovada, o que implica também a renovação do partido — um esforço contínuo para evitar a repetição estéril de fórmulas feitas, para analisar con­cretamente cada, situação nova, sempre diferente de todas as outras. Esta capacidade, por sua vez, exige que o partido do proletariado seja realmente o servidor das massas trabalhadoras, que saiba tirar a lição de todas as suas iniciativas revolucionárias, protegendo estas iniciativas e ajudando a desenvolvê-las. 

Se não preencher estas condições, nenhum partido dirigente pode duravelmente levar a vitórias na via para o socialismo; com efeito, se não preencher estas condi­ções, não poderá evitar que a sua linha política deixe de ser uma linha proletária e que a burguesia acabe por se apoderar da sua direcção e por transformá-lo, de instru­mento da ditadura do proletariado, em instrumento da ditadura da burguesia. Esta pode, aliás, apresentar-se, mais ou menos provisoriamente, com os traços de uma “burguesia de Estado”. É pois uma grave ilusão acredi­tar que a luta, de classes “termina” com a tomada do poder pêlo proletariado e a estatização ou a colectivi­zação dos meios de produção. Esta luta não termina assim; toma, simplesmente novas formas.

O que torna objectivamente possível e necessário o prosseguimento da luta de classes nas condições da dita­dura do proletariado não é só a existência daquilo a que muitas vezes se chamou “os restos das antigas classes exploradoras”, é também, e mesmo principalmente, a existência, e portanto a reprodução, das antigas rela­ções económicas, ideológicas e políticas, aquelas rela­ções que não puderam ser “abolidas” de um dia para o outro e que só podem ser destruídas e substituídas por outras ao fim de longas lutas. São essas relações antigas ligadas à divisão social burguesa do trabalho, à separação entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre tarefas de direcção e tarefas de execução, às for­mas de separação, específicas da ciência burguesa, entre conhecimentos teóricos e saber prático, às formas de representação produzidas por estas separações (e a forma valor é uma delas), às formas ideológicas que nesta base se reproduzem, etc. São essas relações anti­gas que constituem a base objectivaque permite a uma minoria de não-produtores explorar uma maioria de pro­dutores e que tornam possível a derrota do proletariado. Estas relações reproduzem-se durante um período his­tórico que dura muito tempo após a tomada do poder; este período, aliás, não pode terminar antes de o socia­lismo ter sido estabelecido à escala mundial.

A perda do poder pelo proletariado não é necessaria­mente o resultado de uma luta física violenta. Se a ideo­logia revolucionária do proletariado é um elemento essen­cial do poder proletário, também a luta ideológica de classe é um elemento essencial da luta pelo poder e pela Fgua conservação; isto explica que o enfraquecimento do papel da ideologia proletária e os erros que este enfra­quecimento provoca possam criar condições que permi­tam às forças sociais burguesas desenvolver-se, consoli­dar-se, ganhar influência, e, finalmente, apoderar-se da direcção do partido e do Estado, portanto, retomar o poder.

Perante este risco, nem as armas da repressão nem a simples “fidelidade” verbal e dogmática a fórmulas feitas são realmente adequadas. Perante este risco, é preciso desenvolver permanentemente de forma viva a ideologia do proletariado, ajudar, por uma prática social adequada, a penetração cada vez mais profunda desta ideologia no conjunto das massas trabalhadoras e auxi­liar permanentemente as massas a revoltarem-se contra as antigas relações sociais e contra os “valores” pelos quais elas “aceitam” a exploração e a opressão. Só assim pode ser progressivamente destruído o primado dos interesses individuais e particulares nas sociedades de classes, de modo que o primeiro lugar seja ocupado pela solidariedade e pela vontade de pôr as suas forças e o seu trabalho ao serviço da edificação de uma socie­dade inteiramente nova. Nada disto se pode obter pela coerção e pela repressão. O que é necessário é uma prá­tica revolucionária, são exemplos dados concretamente, é uma discussão livre, que não se limite a alguns diri­gentes mas que, pelo contrário, se estenda ao conjunto do partido e das massas trabalhadoras, levando estas, pela persuasão e pelo exemplo activo, para posições ideo­lógicas proletárias cada vez mais conscientes.

Este é o sentido concreto da luta ideológica prole­tária de classe; que não tem nada a ver com a repetição de fórmulas estereotipadas e com as “excomunhões” pro­nunciadas em nome de alguns princípios divorciados da realidade e da prática.

É preciso insistir no facto de que esta luta ideológica de classe não pode ser puramente “espontânea”, exacta­mente devido à relação que ela deve manter permanente­mente com a prática e a teoria revolucionárias mundiais que se apresentam historicamente sob a forma do mar­xismo-leninismo. Esta luta e a edificação do socialismo são impossíveis na base das simples “concepções espon­tâneas» das classes exploradas e oprimidas. Estas con­cepções, como se sabe, foram em larga medidas impostas a estas classes pelas antigas classes exploradoras e domi­nantes. A simples revolta contra estas concepções, por mais necessária que ela seja, não basta para as substi­tuir pelas concepções revolucionárias do proletariado. É isto que torna indispensável uma organização que esteja imbuída destas concepções e que assegure, ao mesmo tempo, a sua difusão no seio das massas e o seu desen­volvimento criador, através das lutas de classe e de uma análise crítica contínua do conjunto das práticas sociais.

O papel de um partido revolucionário não pode ser o de um pretenso “guia infalível” ou, por assim dizer, o de uma “elite”. Ele não é, e não pode ser, um “represen­tante” da classe operária e das massas populares a ela aliadas. Também não pode ser um “substitute” da classe perária e das massas populares: só pode ser o instru­mento do poder dos trabalhadores. O seu papel é o de uma organização que “personifica” a ideologia revolu­cionária e que desenvolve práticas conformes a esta ideologia, uma organização ao serviço das massas e permanentemente pronta a aprender junto delas. Só uma tal organização pode assegurar que a teoria revolucio­nária do proletariado não se transforme num dogma mas que, pelo contrário, seja uma parte que permita fazer face às tentativas de novas camadas privilegiadas para retomarem o poder. Parece-me que esta é uma das gran­des lições do estilo de direcção do Partido Comunista Chinês e um dos significados profundos, da revolução cultural na China.

***

Comentário de Paul Sweezy:

Assim chegou ao fim a nossa correspondência sobre o tema da transição para o socialismo. Estou de acordo com Charles Bettelheim em que obtivemos grandes pro­gressos na superação das nossas divergências originais. E estou também certo de que concordará comigo em que subsistem ainda por explorar muitas questões de vital importância, a exigirem um estudo mais aprofundado e uma compreensão mais perfeita das experiências revo­lucionárias concretas que ora se nas oferecem. O que implica que voltemos ao debate sobre muitas outras questões.


[i] Lenine, “Uma das Questões Fundamentais da Revolução”.

[ii] Cf. as notas de Lenine sobre a Crítica do Programa de Gotha, notas tomadas em Janeiro-Fevereiro de 1917.

[iii] Cf. Lenine, “O Estado e a Revolução”.

[iv] Mao Tsé-Tung, “Da Justa Abordagem das Contradições no Seio do Povo”, citado de acordo com Four Essays on Philo­sophy.

[v] A ideologia a que o proletariado está deste modo submetido não é evidentemente a ideologia do proletariado mas sim a que sobre ele pesa ou, como Rivenc num texto não publicado sobre “A filosofia de Mao Tsé-Tung”, “a ideologia entre o proletariado”.

[vi] Cf. K. Marx, “A ideologia Alemã”.

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- 27/12/2019