Ana Barradas
A tendência actual da comemoração do Dia Internacional da Mulher é ocupar-se o menos possível dos protestos contra as formas concretas do trabalho feminino. Em todo o mundo as mulheres ganham menos que os homens para a mesma função, são vítimas de empregos precários, não possuem direitos laborais, estão desempregadas ou, no caso das imigrantes, são trabalhadoras sem documentos. O seu trabalho no mercado formal é apenas uma parte do trabalho que realizam porque elas também são as principais fornecedoras das tarefas necessárias à reprodução social e ao trabalho reprodutivo, ambos gratuitos e invisíveis. A imensa maioria delas é trabalhadora formal e informal. E, no entanto, em várias manifestações do 8 de Março, isso não é considerado pelas organizações.
Essa consideração devia ser central em qualquer comemoração reivindicativa. Enfatizar a unidade entre o local de trabalho e a casa é fundamental e devia ser um princípio central de organização da “greve” de 8 de Março. Porém, a chamada “greve feminista”, decretada por instâncias internacionais como o modelo para a comemoração, centra-se na luta pelos direitos humanos das mulheres (não à violência e assédio sexual, ao feminicídio, liberdades LGBT, legalização do aborto, fim à discriminação contra as mulheres no espaço público, etc.). De greve não tem nada, porque as mulheres, depois de uma jornada de trabalho para o patrão, saem desses actos públicos para as suas casas, servir o jantar, dar banho ao bebé, acalmar o marido…
Tal como nos movimentos baseados em raça, etnia e sexualidade, que pressupõem uma ampla plataforma e abrangência interclassista, foi excluída das bandeiras de luta aquela que devia ser principal: a luta contra o capitalismo, como se faz no passado. Um exemplo apenas: em 1910, o Congresso Internacional Socialista ratificou a proposta apresentada pela comunista Clara Zetkin na II Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em Copenhaga em Agosto de mesmo ano, no sentido de assinalar anualmente um dia internacional das mulheres. O primeiro Dia Internacional da Mulher foi comemorado em 19 de Março de 1911 na Alemanha, Áustria, Dinamarca e Suíça. O milhão de mulheres e homens que participaram desses comícios exigiu para as mulheres o direito de votar e exercer cargos públicos, o direito ao trabalho, à formação profissional e o fim da discriminação no local de trabalho.
Um dos problemas que a organização radical das trabalhadoras revolucionárias enfrenta hoje é o seu isolamento e invisibilidade política e social. Falta ao movimento feminista dominante a politização e radicalização necessárias para que as mulheres exploradas possam travar uma luta que aborde a totalidade das relações de poder, instituições e formas de exploração em vigor. Não basta clamar contra o Estado, as disposições da lei ou a violência e o machismo. Tudo isso é muito importante, mas não é suficiente.
Hoje todos os poderes políticos se pronunciam formalmente a favor da mudança e, graças às campanhas de valorização feminina, é reconhecido à mulher o direito a um estatuto mais igualitário. Mas esta atitude é paradoxal e hipócrita, pois esse estatuto não existe, nem na lei nem na vida, visto que a opressão patriarcal e a sobreexploração persistem, a desigualdade e a violência agravam-se e nada de novo está no horizonte.
Há até um retrocesso, de ano para ano mais visível. A própria ONU reconhece “um declínio nos avanços feministas”. Basta ver a recuperação comercial, mediática, política e imbecil desse dia, que muitas vezes veicula a mensagem subliminar ou explícita de que não se justifica celebrar o 8 de Março porque as mulheres já têm tudo o que podem desejar.
Não se pode dizer que a actual vaga feminista tenha averbado grandes vitórias. Está mais claro para as mentalidades em geral que as mulheres sofrem de discriminação e deviam usufruir de maior igualdade. Mas socialmente não há nenhuma predisposição para alterar este estado de coisas, a não ser no superficial, o menos possível e de forma muito gradual. Entre as mulheres, há um conformismo tácito, induzido pelos programas feministas liberais que nada fazem para a defesa das mais exploradas. Só as camadas mais privilegiadas da pequena burguesia beneficiam de algumas melhorias: quotas positivas, acesso ao ensino superior e alguma visibilidade na agenda política e social da classe dominante, desde que não se excedam e se limitem a um papel subsidiário. Hoje em dia são estas mulheres que estão empoderadas para determinar a agenda feminista e dirigirem as campanhas globais, sempre inócuas, toleráveis e funcionando como tubo de escape para as frustrações do dia-a-dia.
Uma direcção baseada nos interesses das camadas femininas mais oprimidas teria de reclamar a relegitimação do direito de atacar a degradação do capitalismo e das suas formas mais decadentes, sentidas em todas as esferas da vida por todas as pessoas e particularmente penosas para as mulheres.
Para isso seria preciso que o movimento comunista se reafirmasse como força motriz da luta pela revolução socialista, actuando na classe e para a classe, em vez de pactuar com o reformismo e outros oportunismos que vêm sufocando toda a energia da luta das massas pela sua emancipação.