O Fechamento da Ford no Brasil e a Luta da Classe Operária
15.01.2021
Cem Flores
Em 11 de janeiro a Ford anunciou o fechamento de todas as suas fábricas no Brasil, após pouco mais de um século de atuação no país. Em todo esse tempo, esse que foi um dos primeiros monopólios imperialistas a abrir fábricas no Brasil se beneficiou de todo o tipo de incentivos e privilégios estatais e governamentais, juntamente com seus “rivais”. Nas duas primeiras décadas deste século, o conjunto das montadoras recebeu, apenas do governo federal e apenas de forma direta, incentivos de R$ 69 bilhões. Só nos últimos seis anos essas mesmas empresas já remeteram ao exterior US$ 36,9 bilhões como remessas de lucros e pagamento de dívidas com suas matrizes.
Foi anunciado o fechamento imediato da principal planta da marca no país, em Camaçari (BA), e também da de Taubaté (SP). A planta de Horizonte (CE) continuará operando até o final do ano. Como consequência, haverá a demissão de 5.000 operários/as da Ford, além de outros milhares ao longo da cadeia produtiva.
As razões estão no comunicado da empresa:
“… descontinuidade de produtos não lucrativos e a saída do segmento de caminhões … Além de reduzir custos em todos os aspectos do negócio … Esses esforços melhoraram os resultados nos últimos quatro trimestres, entretanto a continuidade do ambiente econômico desfavorável e a pressão adicional causada pela pandemia deixaram claro que era necessário muito mais para criar um futuro sustentável e lucrativo”.
“A Ford está constantemente avaliando seus negócios em todo o mundo, incluindo a América do Sul, fazendo escolhas e alocando capital de forma a avançar em seu plano de atingir uma margem corporativa EBIT de 8% e gerando um forte e sustentável fluxo de caixa”.
Ou seja, lucros, mais lucros, sempre os lucros! Mas também poderíamos dizer: exploração, mais exploração, sempre a exploração! No capitalismo uma coisa não vive sem a outra. A diferença é o ponto de vista das duas classes antagônicas e inconciliáveis: a burguesia e o proletariado.
Patrões não têm “sensibilidade social”! A única coisa que importa são os seus lucros!
A reação dos pelegos da Força Sindical ao anúncio foi sintomática da sua subserviência aos patrões. Primeiro, criticaram a falta de “sensibilidade social” dos patrões. Depois, sentiram-se traídos por não terem sido informados em primeira mão do anúncio. Então eles, que são os maiores aliados dos patrões, reclamaram que “a Ford age sem diálogo”. Por fim, depositam todas suas esperanças não na categoria metalúrgica e na classe operária, mas no “governo Federal e [n]os governos estaduais de São Paulo, da Bahia e do Ceará” que, segundo esses pelegões, devem cobrar da Ford um tal de “compromisso produtivo com o País”. Fora pelegos traidores da classe!
Para a burguesia, crise econômica significa redução dos lucros, uma ameaça à própria existência do seu capital. Para os patrões, portanto, uma das soluções para contornar essa ameaça é transferir seu capital para outro local – outra cidade, outro estado, país, continente. Tudo para continuar a exploração da força de trabalho, extraindo seus lucros dessa exploração, porém sob melhores condições. No caso dos grandes monopólios imperialistas, cuja esfera de atuação engloba todo o planeta, essas decisões são parte de seu cotidiano.
Essa classe burguesa é a proprietária dos meios de produção e conta com o apoio do seu Estado (qualquer que seja o governo da vez, encarregado de administrar os negócios da burguesia), que existe para servir aos seus interesses, manter o sistema de exploração capitalista, além de reprimir as classes despossuídas em sua organização e luta. Na crise, o Estado capitalista mobiliza todas as suas armas para implementar desde programas emergenciais de salvamento ao capital até “reformas” estruturais para recolocar suas condições de acumulação, produtividade e exploração.
Para o proletariado, crise econômica significa ainda mais arrocho, redução ou até mesmo fim de seu parco salário, quando, por exemplo, a empresa na qual trabalha fecha as portas ou é transferida. A crise se torna, no capitalismo, uma ameaça à sua própria sobrevivência física e a de sua família. Essa classe não possui nenhuma alternativa a não ser por sempre à venda sua força de trabalho para os proprietários dos meios de produção.
No capitalismo, o proletariado está acorrentado ao capital para poder sobreviver. Por isso, o capital encontra, em qualquer lugar, à sua disposição, uma massa de novos/as trabalhadores/as (exército industrial de reserva) para substituir os/as antigos/as. O/A trabalhador/a que produz todas as riquezas e é expropriado pelo patrão para obter seus lucros nada possui a não ser sua força de trabalho. E não importa o quanto de sangue e suor tenha sido arrancado de si no seu trabalho: para o capital, a força de trabalho é apenas uma mercadoria, os/as trabalhadores/as, inteiramente substituíveis.
Foi assim que os/as operários/as da Ford se sentiram, mais uma vez, nesta semana: explorados/as e substituíveis. Se viram, nesse duro momento de crise, como a classe que depende do capital para ganhar seu sustento; que tem sua vida e saúde sugadas pela exploração do trabalho. Mesmo assim, de uma hora para outra, são jogados/as na rua, com uma mão na frente e outra atrás, por conta da busca inescapável do capital por mais lucro.
Ações das empresas automobilísticas em busca de mais lucros
A indústria automobilística no mundo todo, além do efeito da crise global de 2020, passa por importantes reestruturações, como novas medidas de automação e produção de veículos elétricos, gerando violenta concorrência entre os maiores monopólios do setor. Regiões como a América do Sul têm sido fortemente afetadas, apesar do enorme esforço dos estados capitalistas para manter seus países atrativos ao capital, da gigantesca exploração a que o proletariado é submetido pelos patrões (com o auxílio do sindicalismo pelego), piorando continuamente a situação das classes trabalhadoras.
No caso brasileiro, esse cenário resultou em redução dos lucros e/ou prejuízos. Imediatamente entraram em ação a trinca patrões-pelegos-estado. Dentre as medidas adotadas houve o famigerado “Programa de Proteção ao Emprego”, acordo da trinca governo do PT, patrões da indústria e sindicatos da CUT prevendo layoffs e cortes de salários, e posteriores demissões. Além disso, diversas rodadas de demissões em todo o setor, novos layoffs e PDVs. Mais recentemente, anúncios de fechamentos de fábricas: GM (que provocou uma importante resistência metalúrgica), Audi, Mercedes, e da Ford em São Bernardo, em 2019, neste último caso com demissões de 3.000 trabalhadores/as diretos/as e mais outros 1.500 indiretos/as. Agora, a Ford anunciou sua medida definitiva pois, simplesmente, os lucros obtidos no Brasil não foram suficientes. A disputa do mercado brasileiro se fará a partir da importação.
Governos, entidades patronais, “esquerda” reformista e direções sindicais pelegas em defesa dos patrões
Aproveitando o anúncio da Ford e criticando a perda de competitividade do mercado automobilístico brasileiro, as associações patronais passaram imediatamente a cobrar do seu estado ainda mais medidas em seu benefício.
Essas entidades patronais – Anfavea, Fiesp e CNI – saíram a público para culpar o “Custo Brasil” e defender a continuidade de “reformas” que melhorem o “ambiente de negócios” e a competitividade dos produtos brasileiros. Ou seja, exigindo, de um lado, ainda mais mamatas e subsídios do estado, que tem buscado de diversas formas manter montadoras no país (veja, por exemplo, as declarações do governador do PT da Bahia e sua ação juntamente com a federação de empresários daquele estado); e, de outro, total liberdade para explorar, ainda mais, os/as operários/as.
Às entidades patronais se somam o governo federal e os governadores do PT, na Bahia, e do PSDB, em São Paulo, que passaram a sondar o capital chinês para assumir fábricas no país. Para a equipe de Guedes, além do já mencionado “Custo Brasil”, há o “problema” do/a trabalhador/a brasileiro/a, “que seria pouco capacitado e exige qualificações pagas pelas empresas”! Em suma, para o governo Bolsonaro que já disse que “é muito difícil ser patrão”, é “muito mais caro fazer carro no Brasil” e por isso “o governo atual tem como meta a redução dos custos das empresas”. Ou seja, a crise econômica e as medidas patronais são a “justificativa” para seus representantes no estado capitalista avançarem nas “reformas” contra os/as trabalhadores/as.
Às entidades patronais e ao governo federal se soma também a “esquerda” institucional e reformista. O ex-ministro da fazenda de Dilma, se apressou em defender os subsídios para as montadoras, defender as políticas de FHC e ressuscitar ACM! Enquanto isso, Bolsonaro finge desconhecer as ações do seu ministério e faz de conta que “lava as mãos”, soltando mais um “lamento” sobre as demissões, na linha do “e daí?” sobre os mortos na pandemia.
Por fim, compondo a verdadeira “frente ampla” em favor do capital, estão as direções sindicais pelegas. O peleguismo sindical prefere os “acordos” com os patrões às lutas operárias. As direções sindicais pelegas já assumiram inteiramente o discurso burguês de ganhos de produtividade, melhoras de competitividade e redução do “Custo Brasil” (em linguagem clara e direta, aumentar a exploração capitalista dos/as operários/as). Os pelegos se sentem sócios do capital na gestão das empresas. Com isso, cedem continuamente as conquistas da classe operária às ameaças da burguesia e vendem ilusões aos/às operários/as. E tome reajustes abaixo da inflação, congelamentos de salários, reduções de jornada e salários, rebaixamento de piso salarial, terceirização generalizada, layoffs e inúmeros etc. Sem falar no desemprego crescente.
O impacto do fechamento das fábricas para a classe operária e sua resistência
Para a classe operária no Brasil, o fechamento da Ford é, na prática, mais um duro golpe em suas condições de vida, significando milhares de empregos diretos e indiretos (de empresas que fornecem para a produção, por exemplo) perdidos. Isso em plena pandemia, volta da carestia nos alimentos e desemprego a bater recordes seguidos.
Sabendo disso, no mesmo dia, os/as trabalhadores/as iniciaram suas mobilizações em defesa de seus empregos, como em Taubaté. Mais assembleias e manifestações estão marcadas em todas as plantas.
Essa mobilização e essa luta, como todas as lutas e mobilizações de trabalhadores/as, se darão em condições extremamente difíceis, dada a deterioração contínua da vida operária nos últimos anos. A crise e a estagnação econômica têm sido constantes e têm se reforçado. O desemprego é elevado e crescente. Os salários se reduzem diante da falta de reajustes e da carestia, com enormes aumentos dos alimentos e dos aluguéis.
A classe operária se vê obrigada a uma luta contínua por empregos, mínimas condições de vida e contra a verdadeira ofensiva dos patrões. Nessa luta, ainda tem que combater as direções sindicais tomadas pelos oportunistas e carece de uma firme posição proletária atuante na massa operária.
Além disso, não deve haver “surpresa” pois se trata da mais elementar contradição do capitalismo: o antagonismo entre burguesia e proletariado, entre capital e trabalho. Nesse antagonismo, não há acordos definitivos com o capital – apenas na lábia do pelego. Ora, não tinha sido aprovada no ano passado a estabilidade de emprego por 2 anos para os que sobraram do PDV em Taubaté? E logo no início do ano, é anunciado o fim da produção. Pouco importa, o negociado, o legislado, ou qualquer outra coisa na guerra pelo lucro, dos patrões contra os/as operários/as.
Apesar do duro ataque, do contexto difícil e prolongado, é através deles que a classe operária pode arrancar as ilusões em sua luta; definir quem são nossos amigos de fato e quem são nossos inimigos; reconstruir sua união, força e coragem. Luta que é o único caminho para sair dessa vida de exploração e criar um novo mundo.
Mais uma vez se comprovou a máxima do Manifesto do Partido Comunista: “Os proletários nada têm a perder a não ser os seus grilhões”.
Toda solidariedade e apoio à justa luta dos/as operários/as da Ford!
Resistir à ofensiva patronal!