CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Comuna de Paris, Cultura, Destaque, Dossiês, Internacional, Movimento operário

Marx e Engels: cartas anteriores à Comuna de Paris

Viva os 150 anos da imortal Comuna de Paris!

Barricada no dia 18 de março de 1871, dia da insurreição que iniciou a Comuna de Paris.

Cem Flores

05.02.2021

A França viveu, de 1789 a 1871, um pouco menos de um século de revoluções, aberto com a maior das revoluções burguesas e encerrado com a primeira experiência – ainda que efêmera – de poder proletário. Nesse período, República e Império se alternaram na medida em que a contrarrevolução demolia as conquistas da revolução anterior e, novamente, as forças revolucionárias (burguesas, com a magnifica exceção do último caso) triunfavam. As guerras consolidavam ou derrubavam o novo poder político. As massas trabalhadoras pareciam em constante ebulição, participando de manifestações, ocupações, barricadas e insurreições – e sendo violentamente reprimidas. Paris era o centro de todo esse processo revolucionário, não desprezando sua propagação nas demais cidades francesas. O século revolucionário francês termina com a burguesia já exercendo plenamente sua condição de classe dominante, reacionária e exploradora, e com o proletariado assumindo a direção das classes revolucionárias e do poder político na Comuna de Paris.

Como estava a situação em Paris no período anterior à Comuna? A Comuna de Paris foi um “raio em um céu azul”?

Junho de 1848 em Paris representara, até então, a última insurreição revolucionária vitoriosa e “a primeira grande batalha pela dominação entre o proletariado e a burguesia”, como afirma Engels no seu prefácio de 1895 ao livro de Marx As Lutas de Classe na França de 1848 a 1850.

Com a derrota da revolução, Luís Bonaparte – “um personagem medíocre e grotesco” – assume o comando da república francesa. Em dezembro de 1851, com um golpe de estado, Bonaparte derruba a república, restaura o império e se declara Napoleão 3º – o sobrinho pelo tio, a história se repetindo como farsa. Esse Segundo Império francês durará 20 anos.

Em julho de 1870, o governo francês declara guerra à Alemanha. A Guerra Franco-Prussiana do segundo semestre de 1870, a fragorosa derrota da França, a derrubada do Segundo Império e a proclamação da República, o prolongado cerco de Paris pelo exército alemão, as deterioradas condições de vida e a acirrada disposição de luta das massas trabalhadoras de Paris fazem parte das condições objetivas e subjetivas que possibilitaram a insurreição de 18 de março de 1871 e a Comuna de Paris.

As três cartas de Marx e Engels que traduzimos abaixo são exatamente desse período, de fins de julho – quando a guerra havia apenas começado e Marx acabara de escrever a Primeira Mensagem do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores sobre a Guerra Franco-Prussiana – e de começo de setembro de 1870 – quando a derrota francesa estava mais clara, Bonaparte era um prisioneiro alemão, o exército alemão invadira a França, a República havia sido proclamada e Marx já redigira a Segunda Mensagem da AIT.

Marx e Engels sempre foram atentos e argutos analistas da conjuntura internacional da luta de classes, à qual acompanhavam em detalhe: situação econômica, política, militar, relações internacionais etc. Um exemplo concreto referente à Guerra Franco-Prussiana são os quase 60 artigos que Engels escreveu na imprensa inglesa intitulados Notas sobre a Guerra. Além disso, e seguindo a 11º tese sobre Feuerbach, esses dois dirigentes comunistas também intervinham ativamente na conjuntura. As cartas abaixo permitem um pequeno vislumbre desses aspectos.

As cartas expressam, entre outros, a posição que Marx e Engels tinham, no segundo semestre de 1870, sobre as condições para os próximos passos do processo revolucionário do proletariado francês e parisiense.

O primeiro aspecto a destacar é a confiança de que o agravamento das contradições de classe e o nível atingido pelas “guerras de classe” traria desdobramentos positivos para a classe operária e o conjunto das classes trabalhadoras:

Eu acredito, pelo contrário, que a guerra atual vai produzir resultados completamente inesperados pelos “oficiais” dos dois lados” (Marx, 28.07.1870).

Além disso, havia a perspectiva, desde o começo da guerra, que Bonaparte/Napoleão 3º dificilmente a venceria. A derrota na guerra poderia levar à revolução na França:

a derrota definitiva de Bonaparte deve provocar uma Revolução na França” (Marx, 28.07.1870).

E, de fato, a derrota francesa na batalha de Sedan, em 2 de setembro, e a prisão do imperador francês pelo exército alemão, provocaram um levante de trabalhadores em Paris exigindo a derrubada do império e a proclamação da República. E foi isso o que aconteceu. Mas os trabalhadores recuaram e a República renasceu sob um governo provisório burguês, conservador, e de maioria monarquista (!). Ou seja, a “república inteira, como sua origem pacífica, tem sido uma farsa completa até agora” (Engels, 07.09.1870).

Já antevendo “uma rendição futura” (Engels, 07.09.1870) e a possibilidade de o exército prussiano tomar Paris (Engels, 12.09.1870), Marx e Engels agem por meio da Internacional, tanto se engajando no reconhecimento da república francesa pelos demais países – “Eu já coloquei tudo aqui [em Londres] em movimento para os trabalhadores forçarem o seu governo a reconhecer a República Francesa” (Marx, 10.09.1870) – quanto enviando dirigentes da Internacional para Paris – Serraillier, que reuniu-se com Marx em 06.09.1870 antes de viajar para Paris.

Além disso, Marx e Engels analisam as perspectivas do movimento revolucionário naquela conjuntura concreta. Com a França ocupada pelo exército alemão, avaliam que os trabalhadores de Paris “antes da paz […] não podem agir em nenhuma circunstância, e depois dela eles precisarão de tempo para se organizar primeiro (Engels, 07.09.1870).

Engels é enfático sobre a necessidade de organização do proletariado, antes de qualquer novo movimento revolucionário naquela conjuntura de setembro de 1870 em Paris:

usar as liberdades que serão inevitavelmente garantidas pela república para organizar o partido na França; após a organização estar completa, agir quando a ocasião se apresentar; manter a Internacional sob coleira na França até a paz ter sido concluída” (Engels, 07.09.1870)

E, no entanto, a história mostrou que a ocasião se apresentou, de forma inescapável, em 18 de março de 1871. Os heroicos communards a agarraram e fizeram a história. E essa possibilidade não fora descartada por Engels:

A situação se apresentará com chances mais favoráveis aos trabalhadores depois da paz do que em qualquer momento anterior. Mas eles não se deixarão levar sob a pressão do ataque de fora e proclamar a República Social às vésperas da tempestade em Paris?” (Engels, 12.09.1870)

As cartas a seguir foram traduzidas na íntegra do inglês conforme o volume 44 das Collected Works de Marx e Engels, que também é a fonte das notas.

*          *          *

Marx para Paul e Laura Lafargue[i] – em Paris

[Londres,] 28 de julho de 1870

Minhas queridas crianças,

Vocês devem desculpar a longa demora na minha resposta. Vocês sabem que eu não posso suportar o calor. Ele reduz as minhas energias. Por outro lado, eu estava sobrecarregado de trabalho, os “amigos” alemães me metralhando com cartas que, nas presentes circunstâncias, eu não pude declinar de responder de imediato.

Vocês querem, é claro, ouvir algo sobre a guerra[ii]. É certo que L. Bonaparte já perdeu sua primeira oportunidade. Vocês sabem que seu plano inicial era pegar os prussianos desprevenidos e avançar o máximo contra eles de surpresa. De fato, é muito mais fácil preparar o exército francês – até agora um mero exército de soldados – do que o prussiano, que consiste largamente de elementos civis formando o Landwehr[iii]. Portanto, se Bonaparte, como ele intencionava inicialmente, tivesse corrido mesmo com forças ainda incompletas, ele poderia ter conseguido surpreender a fortaleza de Mayence, ter avançado simultaneamente na direção de Würzburg, e então separado a Alemanha do Norte da do Sul, e assim ter lançado em consternação seus adversários. No entanto, ele deixou essa oportunidade escapar. Ele viu sinais inconfundíveis do caráter nacional da guerra na Alemanha e ficou atordoado pela unânime, rápida e imediata adesão da Alemanha do Sul à Prússia. Seu hábito de hesitação, muito bem adaptados a seus antigos negócios de conspirador planejando golpes de estados e plebiscitos, levou a melhor, mas esse método não vai funcionar para a guerra, que demanda resolução rápida e inabalável. Ele deixou seu plano inicial escapar e resolveu reunir sua força total. Então ele perdeu sua vantagem do primeiro movimento, da surpresa, enquanto os prussianos ganharam todo o tempo necessário para mobilizar suas forças. Portanto, vocês podem dizer que Bonaparte já perdeu sua primeira campanha.

Quaisquer que sejam agora os primeiros incidentes da guerra, eles se tornarão extremamente sérios. Mesmo uma primeira grande vitória francesa não decidirá nada, pois o exército francês agora vai encontrar no seu caminho três grandes fortalezas, Mayence, Coblenz e Colônia, preparadas para uma defesa prolongada. No longo prazo, a Prússia tem forças militares mais fortes à sua disposição do que Bonaparte. Pode até ser que, por um lado ou por outro, ela seja capaz de cruzar a fronteira francesa e ocupar “le sol sacré de la patrie” [o solo sagrado da pátria] – de acordo com os chovinistas do Corps Législatif [Parlamento] esse sol sacré [solo sagrado] situa-se apenas no lado francês do Reno – o teatro da guerra!

As duas nações me lembram da piada dos dois nobres russos acompanhados por dois judeus, seus servos. O nobre A ataca o judeu do nobre B e o B responde: “Schlägst Du meinen Jud, schlag ich deinen Jud” [se você atacar o meu judeu, eu atacarei o seu]. Então ambas as nações parecem reconciliadas com seus déspotas tendo permissão, cada um deles, de atacar o déspota da outra nação.

Na Alemanha a guerra é considerada uma guerra nacional, por ser uma guerra de defesa. As camadas médias (para não falar do Krautjunkertum [escudeiros rurais]) se superam nas manifestações de lealdade. Acreditam ter sido levadas de volta a 1812 e os anos seguintes “für Got, König und Vaterland” [por Deus, pelo Rei e pela Pátria] com o velho asno Arndt dizendo: “Was ist des Teutschen Vaterland” [Isto é a Pátria Alemã]!

O canto da Marselhesa na voz do homem de dezembro [Bonaparte/Napoleão 3º] é, claro, uma paródia, como toda a história do Segundo Império. No entanto, ela mostra que ele sente que “Partant pour la Syrie” [partindo para a Síria][iv] não era apropriada para a ocasião. Por outro lado, aquele maldito velho idiota, Wilhelm “Anexander” [anexação + Alexander], canta “Jesus meine Zuversicht” [Jesus, em vós toda minha confiança][v]; flanqueado, por um lado, pelo “larão” [barão + ladrão] Bismarck e, por outro, pelo “policial” Stieber!

Em ambos os lados, uma exibição repugnante.

Mas ainda há um consolo, o dos protestos dos trabalhadores na Alemanha e na França. Na verdade, a guerra de classes nos dois países está muito desenvolvida para permitir que qualquer guerra política faça andar para trás a roda da história. Eu acredito, pelo contrário, que a guerra atual vai produzir resultados completamente inesperados pelos “oficiais” dos dois lados.

Eu anexo dois recortes de Liebknecht no Volkstaat. Vocês verão que ele e Bebel se comportaram extremamente bem no Reichstag [parlamento][vi].

Da minha própria parte, eu gostaria que ambos, prussianos e franceses, batessem um no outro alternadamente, e que – como eu acredito que seja o caso – os alemães, no final das contas, levem a melhor. Eu desejo isso pois a derrota definitiva de Bonaparte deve provocar uma Revolução na França, enquanto a derrota definitiva dos alemães somente prolongaria o presente estado de coisas por 20 anos.

As classes altas inglesas estão cheias de indignação moral contra Bonaparte a quem bajularam por 18 anos. Então eles o querem como salvador de seus privilégios, das rendas e dos lucros. Ao mesmo tempo, eles sabem que o homem está sentado em um vulcão, cuja desagradável posição o obriga a perturbar a paz periodicamente, e faz com que ele – além de sua idiotice – seja um companheiro desagradável. Agora eles esperam que a sólida Prússia, a Prússia protestante, a Prússia apoiada pela Rússia, cumpra o papel de reprimir a revolução na Europa. Para eles, seriam policiais mais seguros e respeitáveis.

Em relação aos trabalhadores ingleses, eles odeiam Bonaparte mais que Bismarck, principalmente porque ele é o agressor. Ao mesmo tempo, eles dizem: “que a peste caia em vossas casas”, e se a oligarquia inglesa, como ela parece bastante inclinada, vier a participar da guerra contra a França, haverá uma ”dobra” em Londres. Da minha própria parte, eu farei tudo em meu poder, por meio da Internacional, para estimular esse espírito de “neutralidade” e para desconcertar os líderes “pagos” (pagos pelos “respeitáveis”) da classe trabalhadora inglesa que tencionam cada nervo para enganá-la.

Eu espero que as medidas em relação às casas dentro do rayon [raio] fortificado não afetem vocês[vii].

Milhares de beijos para o meu queridinho Schnaps [Charles Étienne Lafargue, neto de Marx].

Seu devotado,

Velho Nick [apelido familiar de Marx]

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Engels para Marx – em Londres

Manchester, 7 de setembro de 1870

Caro Mouro,

(Continuação [da carta de 4 de setembro].) Devido às inesperadas vitórias o chovinismo subiu terrivelmente às cabeças dos filisteus alemães que não fizeram nada para conquistá-las, e já é tempo de fazer alguma coisa a respeito. Se o Volksstaat não fosse tão desprezível! Mas nada pode ser feito sobre isso. Quando o meu prefácio à Guerra Camponesa [prefácio à segunda edição de A Guerra Camponesa na Alemanha] na forma de panfleto for publicado, ele já terá sido há tempos ultrapassado pelos fatos. Ainda mais urgente, portanto, é a nova proclamação da Internacional [Segunda Mensagem do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores sobre a Guerra Franco-Prussiana, de 9 de setembro] (para a qual você tem que fazer a tradução para o alemão também desta vez).

Se a versão telegrafada da proclamação da Internacional em Paris[viii] é algo próximo de acurada, ela sem dúvida mostra que essas pessoas ainda estão inteiramente dominadas pela retórica. Tendo suportado Badinguet[ix] [Napoleão 3º] por 20 anos, tendo sido incapazes de impedi-lo de ganhar 6 milhões de votos contra 1,5 apenas seis meses atrás[x] e de agitá-los contra a Alemanha sem qualquer rima ou razão, agora que as vitórias alemãs deram de presente a eles a república – et laquelle! [e que república!] – essas pessoas demandam que os alemães devem deixar o solo sagrado da França sem demora, caso contrário haverá guerre à outrance! [guerra total!] É a mesma velha ideia de superioridade da França, de uma terra consagrada por 1793 que nenhuma das indecências francesas subsequentes pode profanar, da santidade da palavra: a República. Tal comportamento realmente me lembra os dinamarqueses em 1864 que permitiram que os prussianos se aproximassem até 30 passos, dispararam uma salva em direção a eles e depois baixaram suas armas na esperança de não levar o troco pela formalidade.

Eu espero que eles todos reflitam sobre o assunto uma vez mais quando a primeira intoxicação passar, pois se não o fizerem será incrivelmente difícil ter alguma negociação com eles ao nível da Internacional.

A república inteira, como sua origem pacífica, tem sido uma farsa completa até agora. Como eu esperava nas últimas duas semanas e mesmo há mais tempo, os orleanistas querem uma república interina para concluir a paz vergonhosa, para que o ônus não caia sobre os Orléans que, assim, seriam restaurados na sequência. Os orleanistas têm o poder real: Trochu o comando militar e Kératry a polícia; os cavalheiros da gauche [esquerda] têm as cadeiras de ar quente. Agora que os Orléans são a única dinastia possível, eles podem esperar calmamente pelo momento certo para o real avènement au pouvoir [aquisição do poder].

Dupont acabou de sair. Ele passou a tarde aqui e estava furioso com essa linda proclamação de Paris. Ele se tranquilizou ao saber que Serraillier irá para lá [Paris] já tendo discutido previamente com você. A visão dele sobre o caso está perfeitamente clara e é acurada: usar as liberdades que serão inevitavelmente garantidas pela república para organizar o partido na França; após a organização estar completa, agir quando a ocasião se apresentar; manter a Internacional sob coleira na França até a paz ter sido concluída.

Os cavalheiros do Governo Provisório e os burgueses de Paris parecem saber muito bem (a julgar pelos relatos no The Daily News) que quaisquer ideias de continuar a guerra são apenas conversa fiada. A chuva não irá segurar os alemães de jeito nenhum; os homens no campo de batalha estão acostumados com isso agora e estão mais saudáveis com a chuva do que estariam com o calor. Claro que pode haver epidemias, especialmente com a capitulação de Metz, por onde eles já devem ter passado, ainda que isso não seja certo. Uma guerra de guerrilha que forçasse os prussianos a ordenar execuções em massa também não parece muito provável, mas poderia estourar aqui e ali sob o impacto inicial da revolução. Assim que soubermos qual efeito a capitulação de Metz terá sobre Paris (e isso deve acontecer na próxima semana no mais tardar) estaremos em melhores condições para predizer o futuro desenvolvimento da guerra. Até agora, as medidas, isto é, as frases, dos novos governantes parecem prometer nada mais do que uma rendição futura.

Rochefort provavelmente não vai permanecer com essa máfia por muito tempo. Quando a Marselhesa reaparecer as coisas rapidamente irão estourar entre ele e eles.

Schorlemmer saiu hoje com Wehner para trazer um monte de bebidas, vinho, cobertores de lã, camisas de flanela etc. (mais de mil libras ao todo) do Comitê de Ajuda[xi] local diretamente via Bélgica para Sedan para os feridos. Se ele tiver tempo, vai tentar falar com você, mas eles ainda têm um monte de coisas para resolver para lá; eles não começaram a comprar as coisas e distribuí-las até ontem pela manhã. De lá, eles pretendem ir para Metz, se possível, onde cada um deles têm um irmão no exército.

É típico do governo nojento em Paris não se arriscar a contar ao público os verdadeiros fatos da situação atual. Eu temo que, a menos que haja um milagre, deverá haver uma fase de governo burguês direto sob os Orléans para permitir que a luta continue na sua forma pura. Sacrificar os trabalhadores agora, seria uma estratégia a la Bonaparte e MacMahon; antes da paz eles não podem agir em nenhuma circunstância, e depois dela eles precisarão de tempo para se organizar primeiro.

A ameaça da aliança [anglo-russa-austríaca] sem dúvida vai pressionar os prussianos. Mas eles sabem que os russos não são bons para nada, que os ingleses não têm exército e que os austríacos são muito fracos. Na Itália, Bismarck com o Papa (desde que o governo florentino oficialmente anunciou que iria para Roma em setembro) e com o consentimento de Nice e Savoy, aparentemente tornou impossível qualquer resistência dos círculos governantes; foi um golpe brilhante. Aliás, Bismarck parece apenas estar esperando alguma pressão para declarar-se satisfeito com dinheiro e a cidade de Estrasburgo e redondezas. Ele ainda pode usar os franceses e pode muito bem imaginar que eles possam ver isso como magnânimo.

Adjüs, melhores saudações,

Seu

F.E.

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Engels para Marx – em Londres

Manchester, 12 de setembro de 1870

Caro Mouro,

Nossos amigos lá fora – tanto na França quanto na Alemanha – de fato se superam uns aos outros em habilidade política. Aqueles idiotas em Brunswick! Eles estavam receosos de você ficar ressentido se eles adulterassem as diretrizes que você deu a eles, então eles as imprimiram como elas estavam[xii]. A única coisa estranha na realidade é a passagem sobre a mudança do centro de gravidade. O fato deles terem imprimido isso foi uma falta de tato sem precedentes. No entanto, devemos esperar que os parisienses tenham preocupações mais urgentes agora do que se dedicar ao estudo desse manifesto, particularmente considerando que eles não compreendem alemão. O alemão na proclamação deles estava bonito. E no seu jornal [Volksstaat] Wilhelm [Liebknecht] está cheio de elogios a essa confusão chovinista. Longuet é outro desses bons. Só porque William 1º os presenteou com a república, uma revolução deve eclodir sem demora na Alemanha. Então por que eles não fizeram uma revolução após a da Espanha?

A passagem sobre Alsácia-Lorena do manifesto [Segunda Mensagem do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores sobre a Guerra Franco-Prussiana, de 9 de setembro] foi impressa no Zukunft de hoje, mas como algo oriundo dos “brunswickanos”. Me mande 2 ou mais cópias da nova Mensagem assim que estiverem prontas.

Se ao menos alguma coisa puder ser feita em Paris, os trabalhadores devem ser impedidos de deixá-la escapar antes da paz ser concluída. Bismarck em breve estará na posição de fazer a paz, seja tomando Paris ou porque a situação europeia o obrigará a pôr um fim à guerra. Qualquer que seja a paz que ocorra, ela deve ser concluída antes que os trabalhadores possam fazer qualquer coisa que seja. Se eles fossem vitoriosos agora – ao serviço da defesa nacional – eles teriam que assumir o legado deixado por Bonaparte e pela presente república nojenta. Eles seriam esmagados desnecessariamente pelos exércitos alemães e jogados para trás outros vinte anos. Eles próprios não perdem nada esperando. As possíveis mudanças de limites são de qualquer modo apenas provisórias e serão revertidas novamente. Lutar pela burguesia contra os prussianos seria loucura. Qualquer que seja o governo que conclua a paz, só por isso ele se tornará brevemente impossível, e nos conflitos internos não haverá muito a temer do exército de prisioneiros de guerra que voltará para casa. A situação se apresentará com chances mais favoráveis aos trabalhadores depois da paz do que em qualquer momento anterior. Mas eles não se deixarão levar sob a pressão do ataque de fora e proclamar a República Social às vésperas da tempestade em Paris? Seria terrível se, como seu último ato de guerra, os exércitos alemães tiverem que lutar uma batalha com os trabalhadores parisienses nas barricadas. Isso nos jogaria 50 anos para trás e jogaria tudo numa tal desordem que todos e tudo ficariam numa falsa posição – para não falar do ódio nacional e do reino da retórica que então se apossaria dos trabalhadores franceses!

É um maldito incômodo que haja tão poucos em Paris que tenham a coragem de ver as coisas como elas realmente são na presente situação. Alguém em Paris ousa admitir para si mesmo que a ativa resistência da França foi quebrada no que diz respeito a essa guerra e que, consequentemente, não há perspectivas de repelir com sucesso a invasão por meio de uma revolução! Precisamente porque as pessoas não querem ouvir a verdade, estou receoso que vamos chegar a isso. A apatia dos trabalhadores antes da queda do Império irá, sem dúvida, mudar agora.

Você poderia me dizer o título do livro de Schäffle? Ele de fato é um digno oponente para você! O indivíduo estava no parlamento da União Aduaneira e é um economista vulgar muito indistinguível, bastante alinhado a Faucher, mas um Swabiano. Você vai simplesmente amar o livro dele.

Já que parece que alguma coisa terá que ser anexada de qualquer maneira, está na hora de nós pensarmos uma maneira de os trabalhadores franceses e alemães concordarem em considerar isso tudo como nul et non avenu [nulo e sem efeito] e reverter isso quando a oportunidade se apresentar. Minha visão era que isso teria sido prudente na eclosão da guerra; agora, contudo, que toda a cessão de território coube aos franceses, isso é essencial, pois de outra forma eles todos vão causar um terrível alvoroço.

Diga a Tussy [Eleanor, filha de Marx] que a minha esposa está muito agradecida a ela pela sua carta, e que ela receberá uma resposta em breve. Com os melhores cumprimentos a todos vocês,

Seu

F.E.


[i] Filha e genro de Marx.

[ii] Trata-se da Guerra Franco-Prussiana, declarada por L. Bonaparte/Napoleão 3º em 19 de julho de 1870. Depois de seguidas derrotas do exército francês no mês de agosto, as forças prussianas invadem a França e obtém uma vitória fundamental na batalha de Sedan, em 1º de setembro de 1870, na qual fazem prisioneiro o próprio imperador. Em 4 de setembro, uma manifestação de trabalhadores força o parlamento a declarar a República. É formado um governo provisório conservador que demanda um acordo de paz e a retirada imediata do exército alemão da França. O exército alemão, que já ocupava a Alsácia-Lorena, inicia um cerco a Paris em 19 de setembro. A guerra continua com novas derrotas francesas em outubro. Em 31 de outubro os blanquistas tentam uma insurreição, que é derrotada no dia seguinte. Blanqui e outros são presos. Uma manifestação dos trabalhadores de Paris é derrotada à bala pelo governo provisório em 22 de janeiro de 1871. O governo provisório formaliza a rendição de Paris depois de quatro meses de cerco. Uma eleição é realizada em 8 de fevereiro, elegendo uma assembleia nacional conservadora que nomeia Thiers como executivo. Em 26 de fevereiro, França e Alemanha assinam um acordo preliminar de paz, ratificando a conquista da Alsácia-Lorena pelos alemães e o pagamento de pesada indenização de guerra pelos franceses, com tropas alemães permanecendo na França. O acordo final de paz seria assinado em 10 de maio, já com Paris governada pela Comuna.

[iii] O Landwehr era uma segunda linha de reserva do exército na Prússia durante as guerras napoleônicas. Na década de 1870, ele consistia em homens abaixo de 40 anos que já haviam participado do serviço ativo e da primeira linha de reserva. Durante a Guerra Franco-Prussiana de 1870-71, foi usado nas ações militares em conjunto com as tropas regulares.

[iv] Referência a uma música do século 19 que se tornou uma espécie de hino bonapartista, cantando em festividades organizadas por Napoleão 3º.

[v] Referência a uma música alemã dedicada a Louise Henriette von Brandenburg, a esposa de Frederick William, o eleitor de Brandenburgo, do século 17.

[vi] Em 21 de julho de 1870, durante a votação sobre créditos de guerra no parlamento da Alemanha do Norte, Bebel e Liebknecht se abstiveram, declarando que votar pelos créditos de guerra significaria dar um voto de confiança ao governo prussiano, que estava fazendo uma guerra dinástica; votar contra esses créditos, por outro lado, poderia ser visto como uma aprovação da política traiçoeira de Bonaparte. Em 26 de julho, Marx leu a declaração deles no Conselho Geral da Internacional, que as aprovou sem reservas.

[vii] Paul e Laura moravam num subúrbio de Paris, Levallois-Perret, na praça da Reine-Hortense, na vizinhança próxima de fortificações militares.

[viii] Em 5 de setembro de 1870, dia seguinte à proclamação da república, o Conselho Federal de Paris enviou uma carta a Marx e Eccarius, assinada por Henrik Bachruch (mais tarde um communard), com o pedido de que eles publicassem a proclamação do Conselho ao povo alemão, enviada junto com a carta, assim que possível.

[ix] Apelido zombeteiro de L. Bonaparte/Napoleão 3º que, em 1846, fugiu da prisão usando as roupas de um pedreiro chamado Badinguet.

[x] No plebiscito de maio de 1870, no qual L. Bonaparte/Napoleão 3º tentava fortalecer o Segundo Império.

[xi] No começo da Guerra Franco-Prussiana, membros da colônia alemã em Manchester (Schorlemmer, Beer, Wehner e outros) organizaram um comitê para dar assistência às vítimas da guerra. Engels se juntou ao comitê, mas em setembro de 1870, quando a guerra deixou de ser defensiva pelo lado alemão, ele se desligou.

[xii] Em carta a Engels de 10 de setembro, Marx parece furioso com o Comitê de Brunswick do Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores por ter imprimido trechos de sua carta a eles em seus documentos, trechos que eram confidenciais. No trecho que Engels reputa como principal, Marx escreve que o centro de gravidade da luta dos trabalhadores na Europa poderia passar da França para a Alemanha. Marx escreve a Engels que esse trecho objetivava estimular os companheiros, e que não deveria ter sido publicado naquele momento em nenhuma circunstância.

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- 05/02/2021