CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Comuna de Paris, Cultura, Destaque, Dossiês, Internacional, Movimento operário

Marx e Engels: cartas durante a Comuna de Paris.

Viva os 150 anos da imortal Comuna de Paris!

Barricada defendendo a Comuna de Paris em abril de 1871.

Cem Flores

05.03.2021

Neste mês de março, no dia 18, se completam os 150 anos da primeira tomada do poder pelo proletariado, com a criação da Comuna de Paris. O Cem Flores vem publicando uma seleção de alguns dos mais relevantes textos marxistas sobre a Comuna como forma de comemorar sua existência, avaliar criticamente suas lições e discutir seu legado para a luta operária e das massas dominadas de hoje.


Leia as publicações do Cem Flores sobre a Comuna de Paris!

– Engels em homenagem à Comuna de Paris, de 02.12.2019. https://cemflores.org/2019/12/02/engels-em-homenagem-a-comuna-de-paris/.

– Uma Carta de um Communard, de 04.01.2021. https://cemflores.org/2021/01/04/viva-os-150-anos-da-imortal-comuna-de-paris/.

– Marx e Engels: cartas anteriores à Comuna de Paris, de 05.02.2021. https://cemflores.org/2021/02/05/marx-e-engels-cartas-anteriores-a-comuna-de-paris/.


Dando sequência à publicação das cartas de Marx e Engels sobre a Comuna de Paris, publicamos cinco cartas escritas por Marx de 6 de abril a 13 de maio de 1871, portanto em plena existência da Comuna. Duas dessas cartas, inclusive, endereçadas a dirigentes do Comitê Central da Guarda Nacional parisiense e do Comitê Executivo da Comuna de Paris, os dois órgãos que lideraram aquele poder operário, ambos membros da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a primeira Internacional.

Essas cartas são do período em que Marx estava redigindo os rascunhos preparatórios de A Guerra Civil na França, de meados de abril a 23 de maio, como o atesta a própria carta de 26 de abril, que publicamos abaixo. A versão final dessa nova mensagem da AIT foi lida por Marx e aprovada pelo Conselho Geral da AIT em 30 de maio e publicada por volta de 13 de junho de 1871.

Marx e seus camaradas da AIT batalharam pela Comuna, seja em Paris, seja ao redor do mundo, em seus locais de atuação. A AIT divulgou a Comuna em suas seções internacionais, mediante cartas e documentos e organizando manifestações, buscando angariar a solidariedade ativa dos trabalhadores de todos os países à essa sua causa revolucionária comum. A AIT deslocou militantes para Paris para reforçar sua atuação na Comuna, como, entre outros, Sarraillier, descrito nas cartas e notas abaixo. A AIT era consultada e debatia com dirigentes da Comuna suas ações, tentava lhes prestar auxílio financeiro (o caso das vendas de títulos) e denunciava publicamente a situação de Paris – para isso, inclusive, pediu que lhes enviassem documentos secretos governamentais para denúncias e possível proteção aos communards. Não menos importante, a solidariedade e o auxílio de Marx e da AIT à Comuna se concretizavam também por meio de críticas fraternais entre camaradas sobre as ações e omissões da Comuna.

As cartas abaixo demonstram que Marx tinha a plena consciência de duas coisas. A primeira, de que a Comuna era um evento demarcador de campo na história da luta de classes da burguesia com o proletariado, que com ela passava a outro patamar:

A luta da classe trabalhadora contra a classe capitalista e seu estado entrou numa nova fase com a luta em Paris. Quaisquer que sejam os resultados imediatos, um novo ponto de partida de importância histórica mundial foi conquistado” (Marx, 17.04.1871)

A segunda, de que como decorrência da sua própria existência e de ter levado a luta de classes do proletariado a uma nova fase, a Comuna teria contra si toda a reação burguesa, como nunca antes vista até então. Contra o desespero e a consequente fúria violenta e assassina da burguesia e demais classes reacionárias da França, Marx aconselhava a Comuna a agir decididamente, de forma rápida e eficaz, sempre mantendo a ofensiva. Essa avaliação fundamenta uma das críticas de Marx:

Parece que os parisienses estão sucumbindo. É por culpa deles mesmos, mas uma culpa que, na verdade, é devida à sua enorme decência” (Marx, 06.04.1871).

Por “decência”, Marx critica a hesitação dos communards na ofensiva ante seu inimigo de classe. Isso fica mais claro nos trechos abaixo, em que Marx complementa essa crítica com aspectos concretos: a demora da Comuna na ação ofensiva, dando tempo ao inimigo, e sua recusa a marchar contra Versalhes para derrubar o governo reacionário e completar sua ação revolucionária de Paris:

O Comitê Central e mais tarde a Comuna deram àquele pernicioso degenerado Thiers o tempo para consolidar as forças hostiseles perderam momentos preciosos (eles deveriam ter imediatamente avançado sobre Versalhes …) com a eleição da Comuna, a organização da qual, etc., custou ainda mais tempo” (Marx, 06.04.1871).

Se eles forem derrotados somente sua “decência” será a culpada. Eles deviam ter marchado de uma vez sobre VersalhesO momento certo foi perdido por causa de escrúpulos conscienciosos” (Marx, 12.04.1871).

Um exemplo dessa “decência” criticada por Marx está no relato dos debates dos órgãos dirigentes da Comuna de Paris feito por Prosper-Olivier Lissagaray, communard, comunista e historiador da Comuna, autor do clássico História da Comuna de 1871:

Às oito horas e meia [do dia 19 de março, dia seguinte à vitória da insurreição], o Comitê Central está reunido. Preside Edouard Moreau, praticamente um desconhecido, pequeno comissionista de mercadorias que tantas vezes será o pensamento e o verbo eloquente do comité. Diz ele: 

– Eu não era de opinião de reunirmos no Hotel-de-Ville [sede da prefeitura de Paris], mas já que cá estamos, mais vale regularizarmos depressa a situação, dizer a Paris o que queremos: fazer eleições no mais curto prazo, providenciar pelos serviços públicos, precaver a cidade contra uma surpresa.

Outros:

– Temos de marchar sobre Versalhes, dissolver a Assembleia [Nacional, o governo reacionário da França] e chamar a França inteira a pronunciar-se.

– Não – contesta o autor da proposta do Vauxhall – só estamos mandatados para assegurar os direitos de Paris. Se a província pensar como nós, que nos imite’.

Há quem queira liquidar a Revolução antes de recorrer aos eleitores. Outros combatem essa fórmula tão vaga. O Comitê decide proceder imediatamente às eleições e encarrega Moreau de redigir um apelo. Enquanto o assinam, chega Duval:

– Cidadãos, vêm dizer-nos que a maior parte dos membros do Governo ainda está em Paris; a resistência organiza-se no primeiro e segundo arrondissements [Distritos]; os soldados partem para Versalhes. Precisamos de tomar medidas imediatas, apoderarmo-nos dos ministros, dispersar os batalhões hostis, impedir o inimigo de sair’.

Com efeito, mal Jules Favre e Picard abandonaram Paris, Jules Simon, Jules Ferry, Dufaure, Leflô e Pothuau fugiram, durante a noite. Os ministérios transferiam-se às claras; pelas portas da margem esquerda ainda se escoavam longas filas de militares. O Comité continuou a assinar documentos e, desprezando a precaução clássica de proceder ao encerramento das portas, concentrou-se nas eleições. Não viu, muitos poucos viram, a morte entre Paris e Versalhes.” (História da Comuna de Paris, Prosper-Olivier Lissagaray, P. 41, Edições Dinossauro, tradução de Ana Barradas).

O próprio Lissagaray, conhecedor da posição de Marx, embora concorde com ela, com a crítica à “decência” da Comuna, pondera que Versalhes não era a única batalha da Comuna, não era, assim, a decisiva, e talvez não pudesse ter sido ganha.

Diz-se que deviam ter marchado sobre Versalhes no dia 19 ou 20. A Assembleia, ao primeiro alerta, teria chegado a Fontainebleau com o exército, a administração, a Esquerda [se refere à esquerda institucional, que apoiou o governo reacionário contra a Comuna], tudo o que era preciso para governar e enganar a província. A ocupação de Versalhes só teria obrigado o inimigo a deslocar-se, não poderia durar muito; os batalhões populares estavam demasiado mal preparados para manter ao mesmo tempo essa cidade aberta e Paris” (Idem, P. 70).

A razão dessa desesperada, furiosa, violenta e assassina reação burguesa é a luta de classes. A luta de classes inconciliável entre as classes antagônicas do capitalismo, burguesia e proletariado. A vitória de uma é, necessariamente, a derrota da outra. A revolução proletária é um prego no caixão da burguesia, evoluindo para a tomada do poder político e econômico, e para a construção do socialismo. A Comuna de Paris foi a primeira vez que a burguesia sentiu o gosto amargo da derrota nas mãos da classe operária, a perspectiva histórica de sua morte enquanto classe.

Diante da Comuna, para o governo reacionário francês, os inimigos alemães da Guerra Franco-Prussiana, cujas tropas ainda ocupavam a França e cercavam Paris, voltaram a ser considerados como aliados burgueses. Marx denuncia para a Comuna os acordos secretos entre versalheses e Bismarck.

Essa é uma lição clara e atual da experiência histórica da Comuna de Paris, que não pode nunca ser esquecida pelos revolucionários comunistas. Na guerra de classes, a burguesia se alia à burguesia, não interessa se uma e outra, francesa e alemã, tenham acabado de guerrear entre si. Diante da revolução proletária, todas as outras contradições burguesas se apequenam.

Por fim, as cartas mostram a admiração pelo exemplo histórico, o orgulho revolucionário pela dedicação e pelo heroísmo dos communards:

Que resiliência, que iniciativa histórica, que capacidade de sacrifício nesses parisienses! … A história não tem exemplos de uma grandeza como essa” (Marx, 12.04.1871).

 

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As cartas a seguir foram traduzidas na íntegra do inglês conforme o volume 44 das Collected Works de Marx e Engels, que também é a fonte das notas.

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Marx para Wilhelm Liebknecht – em Leipzig

[Londres,] 6 de abril de 1871

 

Caro Liebknecht,

As notícias de que você e Bebel e o pessoal de Brunswick [Comitê de Brunswick do Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores] foram libertados[1] foram recebidas aqui no Conselho Central [Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, AIT] com grande alegria.

Parece que os parisienses estão sucumbindo. É por culpa deles mesmos, mas uma culpa que, na verdade, é devida à sua enorme decência. O Comitê Central [da Guarda Nacional dos communards] e mais tarde a Comuna deram àquele pernicioso degenerado Thiers [chefe do governo reacionário que combateu a Comuna de Paris] o tempo para consolidar as forças hostis em primeiro lugar pela sua loucura de não querer começar uma guerra civil – como se Thiers já não a tivesse iniciado com sua tentativa de desarmar Paris à força, como se a Assembleia Nacional, convocada meramente para decidir sobre a questão da guerra ou paz com os Prussianos, não tivesse imediatamente declarado guerra contra a República! Segundo, para que a aparência de haver usurpado o poder não pudesse ser atribuída a eles, eles perderam momentos preciosos (eles deveriam ter imediatamente avançado sobre Versalhes [sede do governo reacionário] depois da derrota (praça Vendôme) dos reacionários em Paris[2]) com a eleição da Comuna, a organização da qual, etc., custou ainda mais tempo.

Você não deve acreditar em uma palavra de todas as coisas que você ler nos jornais sobre os eventos internos de Paris. É tudo mentira e fraude. Nunca a vilania dos ataques dos répteis da imprensa burguesa se mostrou de forma mais esplêndida.

É altamente característico que o Imperador da união alemã [William I], o Império unido alemão e o parlamento unido em Berlim pareçam simplesmente não existir para o mundo exterior. Cada sopro de vento que se agita em Paris desperta mais interesse.

Você deve acompanhar os desenvolvimentos dos principados do Danúbio com algum cuidado. Se a revolução na França for derrotada por enquanto – o movimento lá só pode ser suprimido por um tempo curto – a Europa terá que enfrentar uma nova ameaça de guerra do Leste, e a Romênia será a primeira a apresentar ao Czar ortodoxo [Alexander II] um pretexto. Portanto, fica de olho nos eventos por lá.

Um dos fenômenos mais cômicos em Londres é, sem dúvida, o do ex-estudante Karl Blind. O presunçoso sujeito ansiosamente se agarrou à recente guerra para mostrar sua fidelidade pangermânica. Ele foi o primeiro a começar a gritar pela Alsácia-Lorena [territórios franceses anexados pela Alemanha após a vitória na Guerra]. Ele ainda teve a impertinência de negar as grandes atividades revolucionárias do povo francês no passado. O canalha ainda arriscou alertar os trabalhadores locais a não incorrer na hostilidade dos trabalhadores na Alemanha por sua simpatia à França contra a Alemanha! A cada semana esse cavalheiro redige um relatório descrevendo as atividades de Karl Blind e o envia a todos os jornais de Londres, dois ou três dos quais são na verdade tão insensatos a ponto de imprimir esses boletins de, sobre e para Karl Blind. Se esse sistema for aplicado de forma consistente, será necessário vir a público no final. Dessa forma, esse pesado personagem está conseguindo iludir uma parte da opinião pública local a acreditar que ele desempenha o mesmo tipo de papel na Alemanha que Mazzini [revolucionário e um dos líderes do movimento de libertação nacional italiano] na Itália. Nos seus boletins ele descreve o que Karl Blind teria anunciado na Freie Presse de Viena e como toda a Alemanha aguardava ansiosa pelo seu oráculo com respiração suspensa, e ansiosamente aguardavam Karl Blind apresentar ele mesmo as palavras de ordem da semana. Seria extremamente desejável agora – já que esse indivíduo, esse sapo inchado, nos faz, os alemães por aqui, de ridículos – se vocês pudessem publicar no Volksstaat [jornal do partido na Alemanha] algumas poucas verdades locais sobre o indivíduo e sua “completa desimportância” [matéria a esse respeito foi publicada em 4 de outubro de 1871]. Nós garantiríamos que uma tradução fosse publicada no Eastern Post (um jornal operário de Londres). É muito simples. Karl Blind não existe aos olhos da classe trabalhadora alemã, e uma classe média republicana alemã, de quem ele pretende ser porta-voz, não existe em lugar nenhum e, portanto, não pode existir para Karl Blind também. Ele não está em lugar nenhum[3]. Embora tais figuras não devam ser consideradas seriamente, não é menos verdade que não se deve deixar que eles iludam o público sob pretextos falsos.

Laura [filha de Marx] já havia chegado em Bordeaux alguns dias antes do começo do cerco de Paris.

Nossas crianças – Tussy [Eleanor Marx] e Jennychen [Jenny Marx Longuet] (essa última sofrendo de pleurite) – também estarão indo para Bordeaux em breve.

Bebel me ajudaria muito se pudesse arranjar para que me fossem enviados regularmente os relatórios estenográficos do parlamento unificado em Berlim.

Uma visita sua aqui seria muito bem-vinda.

O Volksstaat deve ser protegido a todo o custo agora. Eu tenho algumas perspectivas de ser capaz de levantar algum dinheiro para ele.

Minhas calorosas saudações para a sua querida esposa [Natalie],

 

Seu

K.M.

 

Você não poderia me ajudar a ter um endereço confiável em Leipizig?

A propósito. Eu anexo uma notícia encantadora do Petit-Journal (que circula em Paris), na sua edição de 5 de abril, sobre Stieber[4].

 

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Marx para Ludwig Kugelmann – em Hanover

Londres, 12 de abril de 1871

 

Caro Kugelmann,

Suas “ordens médicas” foram efetivas na medida em que eu consultei o meu Dr. Maddison e me coloquei, no momento, sob seu tratamento. Ele diz, no entanto, que os meus pulmões estão em excelentes condições e que a tosse está ligada à bronquite etc. Idem, ela pode afetar o fígado.

Ontem nós recebemos a notícia, nada tranquilizadora, de que Lafargue (não a Laura) está em Paris no momento.

Se você ler o último capítulo do meu 18 de Brumário você verá que eu digo que a próxima tentativa da revolução francesa não será mais, como antes, de transferir a máquina burocrática militar de uma mão para outra, mas quebrá-la e que isso é essencial para todas as reais revoluções populares no continente. E é isso que os nossos heroicos camaradas de Partido estão tentando. Que resiliência, que iniciativa histórica, que capacidade de sacrifício nesses parisienses! Depois de seis meses de fome e ruína, causada antes pela traição interna que pelo inimigo externo, eles se levantaram, debaixo das baionetas prussianas, como nunca tivesse havido uma guerra entre França e Alemanha e o inimigo não estivesse ainda às portas de Paris! A história não tem exemplos de uma grandeza como essa.

Se eles forem derrotados somente sua “decência” será a culpada. Eles deviam ter marchado de uma vez sobre Versalhes, depois que, primeiro Vinoy e então a seção reacionária da Guarda Nacional de Paris se retiraram do campo de batalha. O momento certo foi perdido por causa de escrúpulos conscienciosos. Eles não queriam iniciar a guerra civil, como se aquele pernicioso degenerado Thiers já não tivesse começado a guerra civil com sua tentativa de desarmar Paris! Segundo erro: o Comitê Central entregou seus poderes muito cedo, para dar lugar à Comuna[5]. Novamente, por escrúpulos muito “honoráveis”! Seja como for, o presente levante em Paris – mesmo se ele for esmagado pelos lobos, porcos e pelos vis covardes da velha sociedade – é o mais glorioso ato do nosso Partido desde a Insurreição de Junho [de 1848] em Paris. Compare esses parisienses, atacando os céus, com os escravos dos céus do Sacro Império Romano Alemão-Prussiano, com suas mascaradas póstumas fedendo a quartel, a Igreja, o repolho da nobreza rural e, acima de tudo, os filisteus.

À propósito. Na publicação oficial da lista daqueles que receberam subsídios diretos do tesouro de Luís Bonaparte há uma nota que Vogt recebeu 40.000 francos em agosto de 1859! Eu informei Liebknecht do fato, para uso futuro.

Você pode me mandar o Haxthausen, já que recentemente eu recebi vários panfletos etc., intactos, não apenas de alemães, mas mesmo de Petersburgo.

Obrigado pelos vários jornais que você tem enviado (eu pediria mais, pois eu quero escrever algo sobre a Alemanha, o parlamento etc.).

Melhores saudações para a Condessa e a Käuzchen [Gertrud e Franziska Kugelmann].

 

Seu

K.M.

 

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Marx para Ludwig Kugelmann – em Hanover

[Londres,] 17 de abril de 1871

 

Caro Kugelmann,

Sua carta chegou bem. No momento, eu estou com as minhas mãos ocupadas. Então apenas algumas palavras. Como você pode comparar manifestações pequeno-burguesas à la 13 de junho de 1849[6], etc., com a atual luta em Paris é realmente incompreensível para mim.

Seria realmente muito fácil fazer a história mundial se as lutas fossem realizadas apenas em condições em que as chances favoráveis fossem infalíveis. Ela seria, por outro lado, de uma natureza muito mística, se os “acidentes” não desempenhassem nenhum papel. Esses próprios acidentes caem naturalmente no curso geral do desenvolvimento e são compensados novamente por outros acidentes. Mas aceleração e atraso são muito dependentes de tais “acidentes”, que incluem o “acidente” de caráter daqueles que ocupam a primeira posição à cabeça do movimento.

O “acidente” decisivo e desfavorável desta vez não deve, de maneira nenhuma, ser encontrado nas condições gerais da sociedade francesa, mas na presença dos prussianos na França e na sua posição defronte de Paris. Disso os parisienses estão bem conscientes. Mas em relação a isso, a burguesia canalha de Versalhes também está bem consciente. Precisamente por essa razão eles apresentam ao parisienses as alternativas de assumir a luta ou de sucumbir sem lutar. No último caso, a desmoralização da classe trabalhadora teria sido um infortúnio muito maior do que a queda de qualquer número de “líderes”. A luta da classe trabalhadora contra a classe capitalista e seu estado entrou numa nova fase com a luta em Paris. Quaisquer que sejam os resultados imediatos, um novo ponto de partida de importância histórica mundial foi conquistado.

 

Adio

K.M.

 

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Marx para Léo Frankel – em Paris

[Londres, por volta de 26 de abril de 1871]

[Rascunho[7]]

Caro Cidadão! [Frankel era membro da Executiva da Comuna de Paris e do Conselho Geral da AIT]

Eu fui autorizado pelo Conselho Geral a emitir em seu nome o mais enfático desmentido sobre a suja calúnia espalhada pelo Cidadão F. Pyat contra Serraillier [riscado no original: “representante do Conselho”]. A fúria de Pyat tem uma única origem: seu ódio pela Internacional. Por meio da assim chamada Seção Francesa em Londres[8], que foi expulsa pelo Conselho Geral [da Associação Internacional de Trabalhadores, AIT], e que foi infiltrada por espiões da polícia, e ao mesmo tempo guardas imperiais, Pyat tem tentado aparecer para o mundo como o líder secreto da nossa Associação, à qual ele não pertence, e fazer-nos responsáveis por suas absurdas manifestações em Londres e suas indiscrições comprometedoras em Paris, as quais, a propósito, o Cidadão Tridon já criticou severamente durante sua estadia em Bruxelas[9]. Eis a razão pela qual o Conselho Geral foi forçado a repudiar esse conspirador sujo publicamente. Daí sua fúria contra Dupont e Serraillier. Quando Serraillier ameaçou convocar os bajuladores vis de Pyat na assim chamada Seção Francesa a uma corte inglesa para responder pelas calúnias que Pyat continua espalhando em Paris, a própria Seção Francesa renegou-as e as classificou como caluniadoras.

Nesses dias, o Conselho Geral deve aprovar uma Mensagem sobre a Comuna [A Guerra Civil na França]. Ele tem adiado esse manifesto até agora, pois estava esperando dia após dia que a Seção de Paris o abastecesse com informações precisas. Em vão! Nem uma palavra! O Conselho não pode se permitir esperar mais pois os trabalhadores ingleses têm estado avidamente esperando essa explicação.

Enquanto isso, o tempo não tem sido desperdiçado. O verdadeiro caráter dessa grande revolução em Paris tem sido explicado aos trabalhadores em todos os cantos em cartas dos vários secretários das seções no continente e nos Estados Unidos.

Já que a vida política de Serraillier não dá oportunidade a calúnias [riscado no original: “mesmo para Pyat, esse ‘honesto’ indivíduo cuja coragem é proverbial”], é a sua vida privada que tem sido atacada[10]. Se a vida privada de Pyat fosse tão limpa quanto a de Serraillier, ele não teria tido que se submeter, aqui em Londres, a afrontas contra as quais seria preciso sangue para lavá-las… [riscado no original: “afrontas públicas às quais ele foi submetido em Londres por vários”, “por um trabalhador francês”, “Resumo: o crime de Serraillier consiste nos seus persistentes esforços para desconcertar a”. Seguido de uma lacuna no original].

Eu recebi uma carta e uma visita de um certo cidadão sobre o despacho de você sabe o que. O erro que eles cometeram em Paris foi o de não entregar os documentos requeridos [riscado no original: “para negociação”] para facilitar as operações. Você deve ter agora títulos por volta de 3% que circulam livremente e que podem ser vendidos à taxa atual. O cidadão lhe dará quaisquer outras explicações necessárias[11].

A ele pode ser confiado, com bastante segurança, o documento.

 

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Marx para Léo Frankel e Louis Eugène Varlin[12] – em Paris

[Londres,] 13 de maio de 1871

 

[Rascunho]

Caros Cidadãos Frankel e Varlin [Varlin era proudhonista de esquerda, membro do Comitê Central da Guarda Nacional e da Executiva da Comuna de Paris e da AIT. Assassinado pelos versalheses em 28 de maio de 1871],

Eu já tive vários encontros com o portador [presumivelmente N. Eilau].

Não seria útil se todos os documentos que podem comprometer a gentalha de Versalhes fossem mantidos num lugar seguro? Uma precaução desse tipo não poderia jamais fazer mal algum.

Eles têm escrito para mim de Bordeaux para dizer que quatro membros da Internacional foram eleitos na última eleição municipal[13]. As províncias estão começando a fermentar. Infelizmente, sua ação é localizada e “pacífica”.

Eu tenho escrito centenas de cartas em defesa da sua causa para todos os cantos da terra onde temos filiais. A classe trabalhadora, aliás, está a favor da Comuna desde o seu começo.

Mesmo os jornais burgueses neste país têm mudado de sua ferocidade anterior. De tempos em tempos, eu consigo inserir um parágrafo favorável neles.

Eu acredito que a Comuna gasta muito tempo com ninharias e disputas pessoais. Pode-se ver que existem outras influências que não as dos trabalhadores. Nada disso importaria se vocês tivessem tempo suficiente para compensar o tempo perdido.

É muito necessário que vocês façam rapidamente o que vocês pretendem fazer fora de Paris, na Inglaterra ou em outro lugar. Os prussianos não vão entregar os fortes para o pessoal de Versalhes, mas depois da conclusão definitiva da paz (26 de maio)[14] [no original, em seguida vinha a frase “eles deixarão tudo para Thiers fazer”, que foi riscada] eles permitirão que o governo ataque Paris com os seus soldados. Já que Thiers e companhia, como vocês sabem, estipularam um belo suborno no seu tratado concluído por Pouyer-Quertier[15], eles se recusaram a aceitar a oferta de Bismarck de assistência dos bancos alemães. Se eles tivessem aceitado, eles teriam perdido seu suborno. Já que a condição prévia para o cumprimento do seu tratado era a conquista de Paris, eles pediram a Bismarck para atrasar o pagamento da primeira parcela até a ocupação de Paris. Bismarck aceitou essa condição. A Prússia, estando ela própria necessitando urgentemente desse dinheiro, vai, portanto, providenciar para o pessoal de Versalhes todas as facilidades possíveis para acelerar a ocupação de Paris. Então fiquem alertas!


 

[1] Em 26 de novembro de 1870, quando o parlamento do norte alemão discutia a concessão de crédito para a continuação da guerra Franco-Prussiana, August Bebel e Wilhelm Liebknecht discursaram contra esses créditos de guerra e em defesa de um rápido tratado de paz com a República Francesa, sem anexações. Em 17 de dezembro de 1870, após o final da sessão no parlamento, Bebel, Liebknecht e Adolf Hepner foram presos, acusados de alta traição. Os três foram libertados da prisão em 28 de março de 1871.

O julgamento desses líderes do Partido Socialdemocrata dos Trabalhadores (comunista) ocorreu de 11 a 26 de março de 1872, em Leipizig, com acusação de alta traição sustentada pelo governo de Bismarck. Embora as acusações contra eles não tenham sido provadas, Bebel e Liebknecht foram condenados a dois anos de prisão numa fortaleza. Hepner foi absolvido. Na sequência do julgamento de Leipizig, no começo de julho de 1872, Bebel foi novamente julgado por “insultos ao rei”, o que ele teria feito em discurso a trabalhadores em Leipizig. Bebel foi condenado a 9 meses adicionais de prisão e teve seu mandato de deputado cassado.

[2] Em 22 de março de 1871, os monarquistas tentaram um golpe contrarrevolucionário em Paris sob o pretexto de uma manifestação pacífica. Seu objetivo era a restauração do regime burguês derrubado pela revolução proletária de 18 de março de 1871. Um dos principais organizadores do golpe foi Henri de Pène, editor do Paris-Journal. Esse jornal, em sua campanha reacionária contra a Comuna, publicou cartas falsas, forjadas, de Marx tentando comprometer a Internacional e a união dos trabalhadores alemães e franceses.

[3] A avaliação de Marx sobre Blind pode ser complementada pela sua resposta a um convide de participar de uma reunião pública. Marx respondeu ao organizador da reunião o seguinte:

Eu não posso ficar no mesmo aposento que esse personagem, e eu devo dizer que se ele vier eu sairei da sua casa imediatamente” (Marx em carta a Engels de 1º de agosto de 1870).

[4] Em 15 de abril de 1871, o Volksstaat publicou uma nota, a partir do Petit-Journal de 5 de abril, que Marx enviara a Liebknecht. Era a seguinte: “Gostaríamos de perguntar ao senhor Stieber, chefe da polícia alemã, em que tipo de vagões ele mandou para a Prússia os relógios, vasos e estátuas do apartamento que ele ocupava no Königs-Boulevard?”.

[5] Depois do vitorioso levante do proletariado de Paris, em 18 de março de 1871, o poder estava nas mãos do Comitê Central da Guarda Nacional que o entregou para a Comuna em 28 de março, após as eleições de 26 de março de 1871.

[6] Em 13 de junho de 1849, o partido pequeno-burguês da Montanha organizou uma manifestação pacífica em Paris para protestar contra infrações à constituição da República Francesa pelo presidente e pela maioria da assembleia legislativa. A manifestação foi facilmente dispersada pelas tropas do governo. A manifestação confirmou a falência da democracia pequeno-burguesa na França.

[7] Marx rascunhou essa carta depois de o Conselho Geral, na reunião de 25 de abril de 1871, ter confiado a ele responder as caluniosas invenções do democrata pequeno-burguês francês Félix Pyat, que atacou o membro do Conselho Geral Auguste Serraillier em relação às eleições da Comuna de Paris.

[8] Referência à Filial Francesa em Londres, fundada no outono de 1865. Além de membros proletários (Eugène Dupont, Hermann Jung, Paul Lafargue e outros), a Filial também incluía refugiados pequeno-burgueses (Victor Le Lubez e depois Félix Pyat). Em 1868, após a adoção pelo Conselho Geral de uma resolução proposta por Marx (7 de julho de 1868) condenando as intervenções provocativas de Pyat por atos terroristas contra Napoleão III, uma divisão ocorreu na Filial e seus membros proletários renunciaram. Mas o grupo de Pyat, tendo perdido virtualmente todas as ligações com a Internacional, continuou a se chamar de Filial Francesa em Londres. Eles também continuaram repetidamente a apoiar elementos anti-proletários que se opunham à linha de Marx no Conselho Geral. Em 10 de maio de 1870, o Conselho Geral se dissociou oficialmente desse grupo.

[9] Referência à carta de Tridon aos editores do La Cigale, que a publicaram em 19 de julho de 1868 sob o título “A comuna revolucionária de Paris”. Tridon, que era um blanquista, condenou o discurso provocador de Pyat numa reunião no Cleveland Hall em Londres em 29 de junho de 1868, para celebrar o aniversário do levante de Junho de 1848. Naquela reunião, Pyat leu um apelo, que ele supostamente teria recebido da “Comuna Revolucionária de Paris”, uma sociedade secreta, e propôs uma resolução proclamando que o assassinato de Napoleão III seria um dever sagrado de todo o francês. A mesma edição do La Cigale trazia uma resolução do Conselho Geral repudiando o comportamento de Pyat.

[10] Sobre a vida privada exemplar desse comunista e sua integral dedicação à luta de classes do proletariado, achamos ilustrativo esse trecho de uma carta de Marx a Edward Spencer Beesly, de 12 de setembro de 1870:

Na última quarta-feira [três dias após a declaração da República Francesa], A. Serraillier, um membro do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, viajou para Paris como plenipotenciário do Conselho. Ele achou que era sua obrigação permanecer lá, não apenas para participar da defesa, mas para levar sua influência em apoio do nosso Conselho Federal em Paris, e ele é, de fato, um homem de qualidades intelectuais superiores. Sua esposa foi informada hoje da decisão dele. Infelizmente, ela não apenas está sem nenhum tostão, ela e seu filho, mas os credores de Serraillier tendo créditos de por volta de 12 libras, ameaçaram vender os móveis dela e jogá-la na rua. Nessas circunstâncias, eu e meus amigos resolvemos ir ao resgate dela, e é por isso que eu tomo a liberdade em pedir, por essa carta, também a você e seus amigos”.

[11] Uma carta de Marx a Edward Spencer Beesly, de 12 de junho de 1871, ajuda a esclarecer esses pontos: “Minhas relações com a Comuna foram mantidas por meio de um comerciante alemão [provavelmente N. Eilau] que viaja a negócios entre Paris e Londres o ano todo. Tudo foi acordado verbalmente, com exceção de dois assuntos”:

Sobre os títulos: “Primeiro, pelo mesmo intermediário eu enviei aos membros da Comuna uma carta em resposta a uma pergunta deles sobre como eles poderiam vender certos títulos na Bolsa de Londres. Segundo, em 11 de maio, dez dias antes da catástrofe, eu enviei para eles pelo mesmo canal todos os detalhes dos acordos secretos entre Bismarck e Favre em Frankfurt”.

Sobre os documentos: “Eu pedi a eles que mandassem logo a Londres todos os documentos comprometedores dos membros da Defesa Nacional, para que, dessa maneira, a selvageria dos inimigos da Comuna pudesse, em alguma medida, ser mantida sob controle – portanto, os planos das pessoas de Versalhes poderiam, ao menos parcialmente, ser frustrados”.

[12] Marx rascunhou essa carta em resposta à carta de Léo Frankel escrita por volta de 25 de abril de 1871, na qual ele informou a Marx sobre sua eleição para a Executiva da Comuna e pediu conselhos a respeito do seu trabalho.

[13] Refere-se às eleições municipais realizadas pelo governo de Thiers em abril de 1871 quando a guerra civil estava no auge. Em Bordeaux, as forças democráticas ganharam. Quatro delegados da seção da Internacional foram eleitos. Provavelmente, Marx soube disso pela carta de sua filha Jenny para Engels enviada de Bordeaux em 9 de maio de 1871.

[14] O acordo final de paz entre a França e o Império Alemão foi assinado em Frankfurt no dia 10 de maio de 1871 (Marx se confundiu ao mencionar a data). De acordo com os termos do tratado de paz preliminar assinado em 26 de fevereiro de 1871, a França cedeu a Alsácia e a Lorena do Leste para a Alemanha e pagou 5 bilhões de francos de indenização; até que a indenização fosse paga, parte do território francês continuaria a ser ocupado pelas tropas alemães. Nos termos do tratado de 10 de maio, a França deveria pagar indenizações em termos ainda mais onerosos e a ocupação do território francês pelas tropas alemãs se prolongou em troca da ajuda oferecida por Bismarck para o governo de Versalhes para suprimir a Comuna.

[15] De acordo com o relato dos jornais, do empréstimo doméstico que o governo da Terceira República decidiu conceder, Thiers e seus ministros, entre eles o das finanças Pouyer-Quertier, deveriam receber mais de 300 milhões de francos na forma de “comissões”. A lei sobre o empréstimo foi aprovada em 20 de junho de 1871, após a supressão da Comuna.

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- 05/03/2021