57 Anos do Golpe Militar de 1964. O Permanente Autoritarismo da Burguesia
Assembleia de grevistas na região industrial de Contagem, em Minas Gerais, na primeira greve operária durante a ditadura militar, em abril de 1968.
Cem Flores
1º.04.2021
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O capitalismo é um modo de produção dividido em classes antagônicas, inconciliáveis, e em constante luta entre si: a burguesia e o proletariado, representando as classes exploradoras e as exploradas. Essa relação de exploração se baseia na própria produção, na qual a classe capitalista (os patrões) expropria a mais-valia (e arranca os seus lucros) dos/as trabalhadores/as. Com isso, a burguesia fica cada vez mais rica (sem trabalhar), enquanto a classe operária e as demais classes dominadas têm que se matar de trabalhar em jornadas cada vez maiores para receber cada vez menos. A pobreza e a fome estão sempre batendo à porta daqueles que produzem toda a riqueza do mundo.
O capitalismo também é um regime de dominação, tanto ideológica quanto repressiva, violenta. Essa repressão é necessária, do ponto de vista das classes dominantes, para o capitalismo continuar a se reproduzir com sua história de exploração e desigualdades que atinge a grande maioria, as massas trabalhadoras. A repressão capitalista – das forças armadas, das polícias, dos guardas, das milícias, dos jagunços e da pistolagem a serviço do capital – é que garante, em última instância, a própria reprodução do capitalismo, a perpetuação desse sistema de exploração.
Dessa forma, a democracia burguesa – um dos regimes políticos do capitalismo – necessariamente convive com a exploração e a dominação capitalistas. Sempre que a burguesia considera possível e seguro para si própria, enquanto classe dominante, a democracia burguesa torna-se seu regime “preferido”, ao encobrir ideologicamente a exploração e a repressão capitalistas sob o manto da igualdade jurídica, da “liberdade” e das eleições periódicas.
Só que a democracia burguesa significa uma coisa para o patrão e outra coisa para o/a operário/a e os/as demais trabalhadores/as. Para os capitalistas, seus representantes políticos e a pequena burguesia, é o regime da maior liberdade possível e de todos os direitos – que inclui o de explorar o trabalho alheio e reprimi-lo. Para a classe operária e a massa trabalhadora, a democracia burguesa não altera sua exploração, suas difíceis condições de vida, a pobreza, a fome – além de manter a repressão que lhes é imposta. Basta lembrar as inúmeras chacinas, os assassinatos e desaparecimentos, o encarceramento em massa, as torturas, as violências e ameaças que massacram cotidianamente a população trabalhadora, pobre, periférica e, no Brasil, majoritariamente negra. A democracia burguesa não muda a realidade da sua ditadura de classe!
A diferença principal – e este é um aspecto fundamental – é que a democracia burguesa possibilita, potencialmente, uma maior (mas ainda assim limitada) condição de organização, de mobilização e de luta para as massas trabalhadoras. A revolta operária contra suas condições de vida, exploração e opressão pode, em tese, ter melhores condições para se expressar e se ampliar.
Exatamente por essa razão a repressão às massas está presente também, como característica necessária do ponto de vista da burguesia, na sua democracia burguesa. Por isso também, a democracia burguesa oscila entre maior “abertura” e maior “fechamento”, mais ou menos repressão e autoritarismo, ou a ditadura aberta quando necessário (para a classe dominante, para a pequena burguesia, seus representantes políticos e o aparelho repressivo de estado capitalista) dependendo das condições concretas da conjuntura econômica e política e da luta de classes.
Nestes últimos mais de dez anos, desde a grande crise do imperialismo iniciada em 2008 e ainda não superada (pelo contrário, agravada com a crise da pandemia), o que temos visto é exatamente o aumento do autoritarismo capitalista ao redor do mundo, assumindo diferentes formas concretas a depender da realidade de cada país. Muitos lembram como exemplos os governos de Viktor Orbán, na Hungria (desde 2010), ou do partido lei e justiça, na Polônia (desde 2015). Ou ainda, o governo Trump, nos EUA. Mas o crescimento do autoritarismo e da repressão, seja pelo Estado ou pelas hordas fascistas, também ocorre nas periferias de Paris, nos subúrbios de Londres, contra os imigrantes na Itália ou contra os negros nos EUA, apenas para citar os países imperialistas “democráticos”.
A lógica geral desse processo de crise econômica combinada com aumento do autoritarismo capitalista é que a crise do capital reduz os lucros da burguesia e exige uma exploração ainda maior do proletariado e das massas. Ou seja, o aumento da exploração é acompanhado do aumento da repressão, dado que a maior exploração, a piora das condições de vida das massas trabalhadoras tende a gerar mais insatisfação, protestos e revoltas.
Ou seja, a mesma lógica capitalista que comanda as “reformas” econômicas (trabalhista, previdenciária, administrativa, privatizações) – aumentar os lucros às custas do aumento da exploração da força de trabalho – também comanda o aumento da repressão. Crise e aumento da repressão tendem a andar juntos.
No Brasil atual estamos vendo a concretização desse quadro geral exposto acima. Podemos tomar como marcos iniciais desse processo: 1) os protestos e greves de 2013, diante da crescente insatisfação popular; 2) a histórica crise do capital de 2014-16, tal qual a crise do imperialismo ainda não superada; 3) a radicalização da ofensiva burguesa a partir de 2015 na política econômica; 4) a operação lava-jato como agravante e potencializadora da crise política; e 5) a concomitante centralização das forças federal e estaduais do aparelho repressivo de estado capitalista e o avanço nas legislações e medidas de estado de exceção, no campo do autoritarismo e da repressão.
Esquematicamente, podemos afirmar que a incapacidade de superação da crise nos governos Dilma e Temer, não obstante o aumento da ofensiva burguesa, levou as classes dominantes – em conjunto, como um bloco unido de todas as suas frações – a optar, em 2018, por Bolsonaro e Guedes (e também Moro, à época) , com o apoio sempre presente das Forças Armadas, como a “solução” de extrema-direita, fascista, para implementar seu programa hegemônico mediante o necessário (para a burguesia) e significativo aumento da repressão.
Em primeiro lugar, portanto, o governo Bolsonaro é um governo burguês, um governo que representa o conjunto das classes dominantes brasileiras. Governo que todos os patrões acharam necessário ao contexto de graves crises econômica e política que se reforçam. Crises que demandavam, do ponto de vista dos exploradores, um governo mais repressivo para avançar na sua ofensiva na luta de classes contra o proletariado e as massas. Ofensiva econômica, ideológica e repressiva.
Até agora, o conjunto da burguesia e parte significativa da pequena burguesia permanecem apoiando em peso o seu governo – sob a condição de que ele avance no seu programa hegemônico de reformas (neste ano já foram aprovadas a PEC Emergencial com mais arrocho sobre os servidores, a autonomia do banco central, as reformas dos setores de gás e saneamento e iniciados os trâmites para as privatizações da Eletrobrás e dos Correios) para aumentar as possibilidades de acumulação de capital e seus lucros. Foi nesse sentido, e na busca de proteção contra um pedido de impeachment, que Bolsonaro se aproximou do centrão e ajudou a eleger os presidentes da câmara e do senado. Com isso, Bolsonaro está “liberado” pela burguesia para aplicar a repressão necessária para alcançar tais objetivos.
A conjuntura concreta se alterou, no entanto, com a pandemia de coronavírus, iniciada no Brasil em março de 2020, e que agravou de forma significativa a crise do capital, provocando a maior recessão anual e originando o maior programa fiscal de auxílio ao capital da história – levando a burguesia a demandar com ainda mais força a implementação do seu programa.
Desde o começo da pandemia, ficou claro que Bolsonaro a viu como uma ameaça à sua condição de gestor do capital, como uma possibilidade para a sua queda. Sua reação, a partir de então, foi dupla. Por um lado, tentar forçar ao máximo uma pseudo “normalidade”, se opondo às medidas de isolamento social e até mesmo ao uso de máscaras. Isso o leva a combater agressivamente qualquer posição oposta em temas como vacinação, por exemplo, venham de governadores, do STF, de seu próprio ministério, de quem quer que seja. Nesse mesmo processo, por contraditório que seja, busca avançar nas “reformas” burguesas.
Por outro, Bolsonaro se refugia e mobiliza cada vez mais sua base de extrema-direita, fascista, radicalizando-a em torno da concentração cada vez maior de poderes em si mesmo, de uma intervenção militar comandada pelo próprio e de uma nova ditadura militar. Faz parte dessa reação a busca de cada vez maior proximidade com os membros do aparelho repressivo, seja nas forças armadas ou nas polícias estaduais – em relação às quais quer transferir o comando diretamente para si.
No entanto, o agravamento da pandemia neste ano, levando o Brasil ao centro mundial do coronavírus, com recordes de novas contaminações e mortes e novas variantes, fez crescer a oposição à sabotagem intencional e ao caos fomentados pelo governo Bolsonaro. Isso se expressa na queda dos índices de popularidade de Bolsonaro e nas crescentes críticas dos seus próprios aliados institucionais e de classe. O presidente da câmara o ameaçou com “remédios amargos, alguns fatais”, em clara menção ao impeachment. O senado provocou a demissão do ministro das relações exteriores. A pressão contra Bolsonaro já havia demitido o ministro da saúde na semana anterior.
Diante disso, o cada vez mais isolado Bolsonaro buscou reagir acionando sua base. Por um lado, parlamentares bolsonaristas tentaram estimular motins das polícias militares. Por outro, o próprio Bolsonaro exigiu um posicionamento mais explícito do “seu” exército. Na ausência do posicionamento esperado, novas debandadas do governo. Agora do ministro da defesa e dos três comandantes militares.
A crise política se acirra, diante de um colapso sanitário sem precedentes e um cenário econômico gravíssimo. O governo eleva suas ameaças e aposta em saídas autoritárias. A “oposição” institucional busca limpar o caminho para manter a atividade econômica e os lucros fluindo e as “reformas” avançando. Não há uma oposição burguesa ao avanço do autoritarismo e do fascismo.
A única oposição verdadeira à burguesia, à extrema-direita, ao fascismo, é feita pela classe operária e pelas massas trabalhadoras, que precisam levantar sua voz e seus protestos contra o crescente autoritarismo burguês, contra a maior exploração e massacre que isso significa!
Cem Flores