Avaliação da Conjuntura Política Atual do Brasil
Cem Flores
02.10.2021
A crise política tem se agravado no Brasil nos últimos meses. Por um lado, Bolsonaro e sua corja de extrema-direita, fascista, realizam desfiles militares em frente ao congresso, manifestações explicitamente golpistas e chantagens. Por outro lado, algumas instituições do aparelho de estado capitalista respondem com notas e manifestos, investigações da corrupção e da política genocida de Bolsonaro durante a pandemia, indiciamento do presidente e seus filhos, prisões de alguns líderes bolsonaristas e corte de uma pequena parte de seu milionário financiamento.
O pano de fundo dessa crise política é a crise econômica, crise do capital. Desde a histórica crise de 2014-16, da estagnação que se seguiu, agravada com a crise da pandemia, as taxas de crescimento do capitalismo brasileiro nunca se recuperaram. Isso estimulou as classes dominantes e sua representação política, pelo menos desde 2015, a buscarem reforçar sua ofensiva burguesa contra a classe operária e as demais classes trabalhadoras em busca de retomar suas taxas de lucro e, o que é sua necessária contrapartida, aumentar a exploração e a repressão às classes dominadas.
Passando pela crise econômica, pela lava-jato e pelo impeachment, essa ofensiva burguesa se manteve e se aprofundou, desembocando na eleição de Bolsonaro, em 2018. A prolongada crise da pandemia, ainda não encerrada, elevou a crise política a um novo patamar. A combinação de agudas crises econômica e sanitária, com 21 milhões de contaminados e 600 mil mortes, até agora, desnudaram uma política genocida e corrupta de Bolsonaro e seus asseclas no governo e fora dele e reduziram sua popularidade e suas chances eleitorais para 2022. A resposta foi redobrar a ofensiva autoritária, buscar apoio militar para ela e ameaçar o golpe de estado. Uma crise institucional se seguiu, com idas e vindas dos demais poderes alternando conciliação e apelos por moderação de Bolsonaro à imposição de derrotas legislativas e judiciárias.
Bolsonaro mantém amplo apoio nas classes dominantes e nas camadas médias – comprovando o caráter de classe, burguês, de seu governo e de seu programa e o visceral anticomunismo e conservadorismo dessas classes. Isso não obstante, fissuras parecem crescer e esse apoio há muito deixou de ser unânime. Com as eleições do ano que vem cada vez mais próximas, esses setores buscam, até aqui sem sucesso, uma nova candidatura burguesa para continuar a aplicar seu programa, mas de maneira mais eficiente, redundando em lucros ainda maiores, sem nada aliviar para os “de baixo”.
Por seu lado, o reformismo e o oportunismo petista e de seus aliados em partidos políticos, centrais sindicais, movimentos sociais e sindicatos vê na crise política a oportunidade de voltar ao posto de gestor governamental do capital no Brasil e de sua ofensiva de classe. Concretamente, ao mesmo tempo em que busca construir sua candidatura com o apoio do centrão (em especial o MDB) e retomar a aliança com os patrões e mesmo os militares, tudo fazem para conter as manifestações populares e restringi-las ao mero jogo institucional, aguardando outubro de 2022.
A partir dessa complexa realidade econômica e política do Brasil atual – e da virtual ausência da classe operária como protagonista política independente, com sua posição própria na luta de classes, devido ao longo período de hegemonia do reformismo e do oportunismo e de ausência de um partido comunista, revolucionário, com força de massas – apresentamos ao nossos camaradas, amigos e leitores nosso documento intitulado “Avaliação da Conjuntura Política Atual do Brasil” para a discussão, o debate e a crítica de todos.
A seguir, reproduzimos o trecho final do documento, resumindo nossa posição na conjuntura atual e o que entendemos serem as nossas tarefas principais.
A versão integral do documento pode ser baixada em pdf aqui.
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A classe operária vendo a história se desenrolar por cima de suas cabeças
Na conjuntura política atual, a classe operária se vê desarmada de sua posição própria e independente de classe (o Comunismo, a posição revolucionária), de sua organização política e de seu instrumento de luta (o Partido Comunista) e de sua teoria (o Marxismo-Leninismo) com influência relevante na massa proletária. Em termos estruturais, isso é influenciado, por um lado, pela diminuição do peso relativo da classe operária nas massas trabalhadoras no Brasil, pelas mudanças no mercado de trabalho e nas relações de trabalho e pela redução da organização sindical e popular. Por outro, é efeito da ausência da posição revolucionária, comunista, combativa e independente, no seio da classe operária, derrotada internamente, em sua crise, e pelo reformismo e oportunismo dos pelegos que, há décadas, são hegemônicos nas centrais, nos sindicatos e movimentos populares – além, é claro, da forte e permanente repressão da burguesia e do seu aparelho repressivo de estado capitalista. A esse cenário devem ser acrescidos os efeitos da crise do capital desde a década passada, traduzidos no elevado desemprego, na redução dos rendimentos, no aumento da informalidade, no crescimento das desigualdades, da fome e da miséria, e das “reformas” trabalhista e sindical e da repressão às greves e protestos.
E, no entanto, a classe operária se move. O proletariado continua a se mobilizar, resistir e lutar. As greves continuam, como as da Renault, dos Correios, dos trabalhadores de aplicativos, embora tenham decrescido. Novos tipos de movimentos e de organismos de trabalhadores surgem, ainda que embrionários. O mutualismo foi impulsionado pela crise da pandemia, reforçando a solidariedade e a ideologia de classe, mas ainda tem uma postura basicamente defensiva – também assolado pela ação das ONGs socialdemocratas e das igrejas que visam eliminar seu conteúdo de classe, trocando-o pelo assistencialismo.
Assim, tanto a classe operária quanto a massa trabalhadora se veem, no momento, em termos políticos, sem posição própria e independente na luta de classes e, portanto, limitadas ao jogo democrático burguês – de a cada dois ou quatro anos apenas terem que escolher entre as candidaturas postas pelas classes dominantes (diretamente ou ao seu serviço). No limite de uma atuação passiva, as classes dominadas terminam por alternar prefeitos, governadores, presidente e parlamentares entre PSDB e PT, PSB e PSD, MDB, PDT, PCdoB, Bolsonaro e os partidos do centrão que o acolhem. As classes dominadas têm plena consciência de que esse jogo político burguês em nada resolve seus problemas cotidianos, que essas disputas eleitoreiras e meramente institucionais não lhe dizem respeito em praticamente nada, e que são chamadas a participar apenas para formalizar os novos representantes políticos dos seus dominadores. Daí a frequente resistência passiva ao governo de plantão, refletida tanto nas pesquisas de popularidade quanto no desinteresse por essa política institucional, eleitoreira e corrupta, que lhe é alheia.
Para deixar de ser mero espectador das disputas e crises políticas da burguesia, para abandonar essa postura puramente passiva, é preciso que o proletariado assuma sua posição própria e independente na luta de classes, como o principal antagonista das classes dominantes e vanguarda da luta das demais classes dominadas por sua libertação da exploração capitalista, pelo socialismo. Do ponto de vista da grande massa produtiva da população não há outro caminho a não ser o da luta constante, diária, pela sobrevivência e pelas condições de vida e de trabalho. É a partir dessas lutas concretas, por objetivos e conquistas palpáveis, reais, que se constrói e se fortalece sua organização e sua resistência. Do aprendizado das derrotas e dos erros dessas lutas, assim como das conquistas e das vitórias (sempre parciais e temporárias), é que o proletariado pode ligar seus interesses mais imediatos aos mais gerais, identificar que o patrão que o explora faz parte de uma classe que explora todos os seus irmãos e suas irmãs, que os políticos que o enganam defendem esses mesmos patrões, que a polícia que o oprime também está a serviço desses patrões – e que só a derrubada dos patrões, de seus aliados e do seu estado lhes garantirá um futuro melhor para si mesmos, seus irmãos e irmãs de classe, suas filhas e seus filhos.
Aos comunistas cabe mergulhar de cabeça e se incorporar integralmente, de corpo e alma, nesses processos de lutas e organização operária e de massas na medida de nossas forças. Nessas lutas junto com as massas, estimular sua compreensão (e também a nossa) da ligação entre as lutas concretas e as lutas mais gerais contra os patrões, seus governos, seu estado, e os reformistas que os defendem. Em suma, contra o capitalismo. Esse é o caminho da reconstrução da posição de classe, de sua ideologia, de seu instrumento e de sua teoria. Neste momento, mais concretamente:
- Contra Bolsonaro: denunciar Bolsonaro e seu governo como os atuais representantes políticos da burguesia e de sua ofensiva de classe e denunciar todas as suas medidas contra as classes trabalhadoras. Denunciar Bolsonaro, seu governo e seus apoiadores como pró-fascistas, que defendem um autoritarismo ainda maior do capitalismo brasileiro, com maior repressão e violência contra os/as trabalhadores/as e militantes. Construir essa oposição a Bolsonaro na prática em todos os locais de nossa atuação, vinculando à realidade concreta e específica de cada local.
- Participar e construir as lutas concretas junto com as massas trabalhadoras: viver a vida dessas massas, suas dificuldades e suas lutas. Nessas lutas, criticar as ilusões reformistas dos oportunistas e pelegos a serviço dos patrões, seja em relação ao estado burguês, seja sobre as eleições. Fazer com as nossas próprias mãos tudo que a nós nos diz respeito, reforçando os coletivos e as ações espontâneas que avancem sua consciência e organização e unificando as resistências e lutas concretas, nos locais de trabalho, de moradia e de estudo.
- Construir a organização dos comunistas a partir dessas lutas.
Para melhor podermos avançar nessas tarefas, dado o cenário de crise política em que o capitalismo brasileiro se encontra faz vários anos, é importante explicitar, de maneira direta e concisa, nossa posição política comunista, marxista-leninista e revolucionária, que desenvolvemos ao longo deste documento em relação aos seguintes aspectos principais na conjuntura atual:
- Em relação às classes dominantes: a burguesia (os patrões e seus representantes) é o inimigo de classe do proletariado e de toda a massa trabalhadora. Entre a nossa classe e a deles há uma luta constante, sem tréguas, inconciliável. Não se pode confiar na burguesia, mas nem mesmo um pouquinho que seja, nada! Não há acordos nem conciliação possível com a burguesia, apenas a luta de classes, na qual o proletariado, no momento, é a parte mais fraca. Em prol dos seus lucros e do aumento deles, a burguesia e o seu estado reduzem salários, aumentam horas trabalhadas, aumentam a intensidade do trabalho, reduzem benefícios, demitem trabalhadores/as – deixando na miséria esses/as desempregados/as e suas famílias. A burguesia, seu estado e os pelegos dificultam a organização independente dos trabalhadores, atacam as conquistas trabalhistas, reprimem os justos protestos e greves para melhoria da nossa vida.
- Em relação à democracia burguesa: no capitalismo, a democracia é sempre uma forma política de dominação burguesa, que garante os lucros dos patrões e a exploração dos/as trabalhadores/as, além de reprimir violentamente nossa classe. A crise do capitalismo provoca na burguesia uma necessidade de maior exploração do proletariado, que implica redução das liberdades democráticas e maior repressão sobre a massa dominada, e, no limite, o recurso da burguesia ao fascismo. Para os patrões importam apenas os seus lucros, a “democracia” vale somente enquanto eles continuem a mandar e a lucrar. Para o proletariado e a massa trabalhadora, o sentido real da “democracia” é a defesa do emprego, dos salários e das conquistas trabalhistas (greve, sindicalização, organização, manifestação) como meios para uma vida melhor; assim como acesso à saúde e à educação de qualidade, ao saneamento básico, a melhores transportes públicos e moradia. A democracia burguesa, portanto, é defendida pelos comunistas na medida em que possibilite melhores condições de avançar na sua luta junto com as massas trabalhadoras, e é incansavelmente denunciada em todos os aspectos que limitam essas lutas.
- Em relação à Bolsonaro: representa direta e explicitamente o inimigo de classe, é o defensor dos patrões e do capitalismo, é o máximo representante da extrema-direita, do fascismo, dos grupos de extermínio, dos esquadrões da morte, da repressão, da tortura, das milícias, dos jagunços, dos latifundiários. Devemos combater, junto com as massas trabalhadoras, sem tréguas e a todo o momento, no limite das nossas possibilidades, Bolsonaro, seu governo, sua corja de apoiadores e tudo o que eles representam e defendem.
- Em relação à Lula: é a maior expressão do reformismo, do oportunismo eleitoreiro, do peleguismo em nosso país. Defende a conciliação de classes (que significa, na verdade, a subordinação do proletariado à burguesia), atua para sabotar a organização independente e combativa das classes trabalhadoras. Os governos do PT foram governos do capital, dos patrões, dos conchavos com MDB (Sarney, Renan, Barbalho, Cabral) e o centrão, beneficiando os ricos e dizendo para os/as trabalhadores/as abaixarem as cabeças e aceitarem as migalhas que sobravam. Lula busca substituir a luta de classes, a organização operária, pelos conchavos entre os sindicatos pelegos e os patrões, para acordos na esfera do estado, intermediados pelos políticos do PT, que entregam o que os patrões querem em defesa do seu governo e contra os trabalhadores. A posição dos comunistas, neste caso, deve ser a de combater o peleguismo e o oportunismo eleitoreiro, e as ilusões que eles produzem nas massas trabalhadoras, explicando a essas massas, pacientemente e nas lutas concretas, esse seu caráter de classe.
Na realidade – ao contrário das aparências imediatas – é a burguesia que necessita do proletariado e das massas trabalhadoras para explorar sua força de trabalho, e viver no ócio luxuoso com o que rouba dessas massas, mantidas na miséria. As classes trabalhadoras em absolutamente nada necessitam da burguesia. Somos nós, operários e operárias, camponeses e camponesas, os trabalhadores e as trabalhadoras das mais diversas profissões, que produzimos todas as riquezas do mundo e sabemos fazer isso sozinhos/as, com nosso esforço e nosso suor, sem os vampiros dos patrões. Uma vida muito melhor nos espera, sem esses parasitas – os patrões e seus capatazes. A única coisa que nos separa disso é a nossa própria organização e a nossa própria luta revolucionária para derrubar o capitalismo e construir o socialismo.
PROLETÁRIOS DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS!
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Cem Flores
Outubro de 2021