Greves de entregadores no interior de São Paulo, por PassaPalavra
Iniciada em Paulínia, onda de paralisações chegou a outras cidades e é a mais longa da categoria no país. Na foto, manifestação no Maxi Shopping, em Jundiaí.
Cem Flores
31.10.2021
Uma das categorias de trabalhadores/as que mais cresceu no Brasil nos últimos cinco anos foi a de entregadores/as de aplicativos. Uma inovação tecnológica, somada ao cenário de crise econômica, com elevado desemprego e baixos salários, e à ofensiva burguesa contra as conquistas dos/as trabalhadores/as acabou gerando milhões de trabalhadores/as nessa nova “profissão”.
As aspas aqui são obrigatórias. As plataformas de aplicativos (IFood, Rappi, Uber Eats, Loggi etc.) não reconhecem qualquer relação de trabalho com os/as entregadores/as. Dessa forma, não há salário mínimo nem nenhuma limitação de jornada de trabalho (nem, muito menos, pagamento de horas extras), eles/as não têm folga semanal remunerada, nem férias, nem 13º. Ou seja, trata-se de mais uma “profissão” de trabalhadores informais, por conta própria, que, nas suas inúmeras formas, são a absoluta maioria da massa trabalhadora brasileira nos dias de hoje.
A aposta das empresas era ter um sem número de entregadores/as isolados, individualizados, cada um por si. Se quisessem receber mais, que trabalhassem jornadas de 12, 14 ou mais horas – jornadas como as do século 19 – para somar os míseros reais de cada entrega. Para os/as entregadores/as não haveria fábricas, oficinas, escritórios nem qualquer tipo de local de trabalho – não existiria, portanto, qualquer experiência coletiva de trabalho, organização e luta.
E, ainda assim, nas difíceis condições concretas de vida e trabalho, os/as entregadores/as se organizaram e partiram para a luta!
Em 1º de julho de 2020 ocorreu, após diversas tentativas, uma manifestação nacional dos/as entregadores/as: o Breque dos Apps. De lá para cá foram inúmeras manifestações locais, protestos, paralisações e greves, em sua maioria sem vinculações com sindicatos e entidades pelegas que hoje dominam o sindicalismo no Brasil.
O aumento de 73% na gasolina neste ano, até outubro, somado com o reajuste praticamente inexistente dos pagamentos por entrega, e a carestia crescente, jogaram os/as entregadores/as numa miséria ainda maior, obrigando a condições de vida e de trabalho ainda piores.
Com isso, novas greves foram organizadas em contatos entre entregadores/as nos locais de recolhimento dos produtos e, principalmente, por grupos de WhatsApp. Sua luta é cruzar os braços – luta grevista tradicional de operários/as e trabalhadores/as –, não recolher nem entregar as mercadorias e causar prejuízos às empresas e aos aplicativos. Sua mobilização também inclui intensa propaganda nas redes sociais, a construção de piquetes e a realização de motociatas. Seus objetivos são aumentar sua remuneração e melhorar as condições de trabalho (evitar bloqueio de contas, acabar com a dupla coleta). Até o momento, os/as companheiros/as tiveram poucas e parciais vitórias. A luta é difícil e o inimigo é poderoso – mas não temos outro caminho.
Transcrevemos abaixo um relato publicado no site PassaPalavra sobre a greve dos/as entregadores/as de aplicativos de várias cidades de São Paulo neste mês de outubro.
TODO APOIO À LUTA DOS TRABALHADORES DE APLICATIVOS!
* * *
Greves de entregadores no interior de São Paulo já completam 7 dias
Por Amigos do Cachorro Louco
14/10/2021
Desde a última sexta-feira (08/10), uma onda de greves de entregadores de aplicativos atravessa o interior de São Paulo. Aproveitando a alta demanda por entregas no Dia das Crianças, motoboys e bikers de diferentes cidades escolheram o feriado prolongado para interromper o serviço de delivery e causar prejuízo ao iFood, Box Delivery, Bee, Rappi e demais empresas de aplicativo. Eles reivindicam o aumento na remuneração, a implementação de um código de segurança em todas as entregas para evitar bloqueios de contas indevidos e o fim do sistema de dupla coleta.
Quem deu largada ao movimento foram os entregadores da cidade de Paulínia, na região metropolitana de Campinas. Desde a noite de sexta-feira, eles interrompem a retirada de pedidos nos principais estabelecimentos do município. No sábado, a greve ganhou corpo com a adesão dos motoboys de Jundiaí, que desde então se reúnem diariamente nas docas de delivery dos dois shoppings da cidade. Aos poucos, a luta foi se irradiando pelo estado: ao longo da semana, entregadores também se mobilizaram em São Carlos, Bauru, São José do Rio Preto e Rio Claro. Enquanto isso, fora de São Paulo, motoboys também paralisaram as entregas em Maceió no domingo.
Impacto foi sentido nas cidades
Já no domingo, um jornal da região de Jundiaí registrava uma dinâmica atípica na cidade: esvaziada desde o início da pandemia, a praça de alimentação do Maxi Shopping estava superlotada. Os clientes faziam filas para obter uma mesa. É que, naquele dia, quem tentava pedir comida pelo aplicativo enfrentava sérias dificuldades. Sem motoboys para transportar os pedidos, a maior parte dos restaurantes viu seus lanches sendo desperdiçados e preferiu desligar a plataforma.
As raras lojas que insistiram em continuar abertas, como a hamburgueria Madero, não conseguiram cumprir com as encomendas e receberam reclamações dos clientes. Apenas restaurantes que possuem frotas próprias de motoboys, como o Bob’s, continuaram funcionando. Nos aplicativos, a única exceção permitida pelos grevistas eram os pedidos de farmácias, essenciais em tempos de pandemia.
Apoio da população à greve
Conforme as cidades sentiam os efeitos da paralisação, a população passou a se solidarizar com os entregadores. Em Jundiaí, um grupo evangélico se organizou para doar alimentos e água aos trabalhadores nos piquetes. Em Paulínia, o movimento recebeu uma reportagem de um youtuber popular da cidade. Os grevistas também organizam uma campanha virtual para arrecadar doações através de um Pix.
Sem respostas do iFood
Até o momento, o iFood e as demais empresas de aplicativo parecem tentar ignorar o movimento, sem nenhuma tentativa de estabelecer qualquer contato formal com os grevistas. Mesmo o negociador profissional da empresa, o “Responsável pelo Engajamento Político e Institucional com os Entregadores” Johnny Borges, que já interveio em greves anteriores, não deu as caras desta vez. Enquanto esse setor do iFood articula a realização de um “fórum” com supostas lideranças da categoria para “ouvir os entregadores” ainda este ano, greves como as atuais estão sendo ignoradas pelos interlocutores oficiais do aplicativo.
Ao invés de buscar uma mediação, o iFood parece tentar outra estratégia. Na noite desta quarta-feira (13), chefes de Operadoras Logísticas (OLs) – empresas terceirizadas do iFood que gerenciam os trabalhos dos entregadores, responsáveis por repassar o pagamento e garantir o cumprimento da jornada de trabalho diária – anunciaram às suas equipes de motoboys que os restaurantes da região irão reabrir a plataforma e que o aplicativo oferecerá um pagamento promocional de R$ 5,00 por corrida realizada.
Empresas apelam à violência
A pressão psicológica dos chefes de OLs aos seus subordinados e o anúncio da promoção, muito acima da média para a região, é lida como uma jogada coordenada para quebrar a greve. Em Paulínia, é a primeira promoção lançada pelo iFood aos entregadores na história da cidade. Ao incentivar um fluxo anormal de fura-greves aos estabelecimentos, o aplicativo parece apostar numa estratégia de estimular situações de violência entre os próprios trabalhadores.
No sábado, um entregador de São Paulo denunciou ao canal do youtuber Ralf MT ter recebido ameaças de morte por um telefonema de um número oculto caso as greves não fossem interrompidas. Queixando-se do prejuízo causado “na parte financeira”, o autor da ameaça deixou entendido que era ligado a uma empresa OL do iFood, cuja relação com milícias e outros grupos criminosos é bastante conhecida.
A greve continua
Apesar das pressões, os motoboys de Paulínia e Jundiaí estão decididos a continuar a paralisação. Mantendo os bloqueios na quinta-feira (14), os entregadores de Paulínia batem a marca da greve em aplicativos mais longa da história do Brasil, superando os grevistas de São José dos Campos, que paralisaram os aplicativos por 6 dias no mês de setembro.
Na sequência do movimento de São José, o iFood havia anunciado um aumento de 8% no valor das corridas a partir de novembro – o que, na prática, significaria um adicional de apenas 8 centavos por quilômetro rodado. Em resposta ao reajuste abaixo da inflação e desproporcional ao aumento da gasolina, as greves voltaram a se multiplicar pelo interior de São Paulo ainda no mês de outubro.
“Não começou em São José, não vai terminar em Jundiaí”, anuncia um motoboy em vídeo no WhatsApp. Ele tem razão: no Rio de Janeiro, entregadores de Niterói se preparam para iniciar uma paralisação por tempo indeterminado a partir da próxima sexta-feira, 15 de outubro. A irradiação de greves em sequência em diferentes partes do Brasil dá ao movimento o tom de uma corrida de revezamento que está longe de acabar – e que, por isso mesmo, dificilmente será derrubada pelo cansaço ou pela força bruta.
A greve em Paulínia, Jundiaí e São Carlos foi suspensa na sexta-feira dia 15. Nesse mesmo dia teve início a paralisação em Atibaia, Bauru e Niterói.
Atualização feita pelo Passa Palavra, 16/10/2021 às 9h30