A luta dos operários metalúrgicos de Cádis mostra o caminho para combater a sobre-exploração capitalista
Cem Flores
14.01.2022
Para as classes trabalhadoras de todo o mundo, o ano que passou foi marcado pela continuidade da pandemia e pela piora nas condições de vida causadas por mais uma crise econômica, estourada em 2020. Frente ao novo aumento da exploração, do desemprego, da carestia e da miséria, são inúmeras as formas e exemplos de resistência das massas exploradas para sobreviverem a esse duro período. Nos bairros de periferia, nas ruas, nos locais de trabalho, as lutas têm acontecido, mesmo sob baixo nível de organização e ausência quase completa de posições revolucionárias. Essas lutas, que se voltam objetivamente contra nossos inimigos de classe, aqueles que nadam em dinheiro à custa de nosso suor e sangue, nos indicam o caminho correto a seguir. Será na resistência concreta que melhoraremos nossas vidas e daremos passos na construção de nossa força independente, de classe, em direção a uma nova sociedade sem exploradores.
Nesse período, importantes lutas operárias se destacaram. Em meados de 2021, as operárias têxteis de Lesoto, sul da África, protagonizaram uma combativa luta contra a exploração de empresas multinacionais, inclusive do imperialismo chinês, e a repressão policial e militar. Em outubro, houve uma greve nacional metalúrgica na África do Sul. Com protestos massivos em várias cidades, a greve durou três semanas e arrancou um reajuste salarial maior para a categoria. No mesmo mês, nos EUA, milhares de operários/as da fabricante de máquinas John Deere também entraram em greve. A paralisação, que durou trinta dias e marcou o fim de três décadas sem greves na categoria, soma-se a um ascenso de greves e descontentamento dos trabalhadores/as nos EUA.
Outra categoria operária que se levantou contra os recentes ataques dos patrões e seus governos foi a do setor metalúrgico de Cádis, sul da Espanha. Entre os meses de outubro e novembro, esses operários/as se mobilizaram em uma intensa luta que transbordou os limites da categoria e atingiu outros setores das massas, que os apoiaram ativamente. Lutaram contra as perdas salariais e a brutal exploração e precarização na qual estão submetidos, e com isso atraíram para suas fileiras a juventude e os desempregados da região. “Somos irmãos, trabalhadores!”, já dizia nosso hino internacionalista.
Até conseguirem, no final de novembro, um reajuste salarial melhor do que o proposto pelos patrões, a categoria precisou paralisar a produção, montar seus piquetes e também tomar as ruas. E como foram recebidos, em tempos de governo espanhol dito “progressista” e até “socialista” (sic!)? Com carros da Polícia Nacional, bombas, tiros de borracha, cassetetes, blindados e prisões.
Eis a verdadeira face desse governo burguês “de esquerda” tão elogiado pelos pelegos petistas e das centrais sindicais aqui no Brasil, em seu mais recente malabarismo eleitoreiro. Na prática concreta da luta de classes todas as ilusões geradas por esses representantes da burguesia se desfazem e a realidade se mostra claramente. São nossos de inimigos de classe!
Uma análise mais aprofundada sobre essa luta operária foi feita por Duarte Martinho no blog Bandeira Vermelha. Divulgamos abaixo o texto do camarada.
Que o exemplo de Cádis se espalhe pelo mundo!
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A luta dos operários metalúrgicos de Cádis mostra o caminho para combater a sobre-exploração capitalista
Duarte Martinho
No dia 16 de Novembro de 2021 os trabalhadores metalúrgicos da Baía de Cádis, no sul de Espanha, na costa atlântica, iniciaram uma importante greve, das mais duras da história recente da classe operária espanhola.
Um comentador burguês, no editorial de um jornal local, comparou-a à greve dos estaleiros navais que teve lugar há 45 anos, lamentando – de acordo com a ideologia parva da sua classe social – que tal luta demonstrava que a cidade havia ficado presa no século XIX.
A burguesia está mergulhada na ilusão de uma paz social eterna e não admite que a luta de classes é um resultado da relação social entre capital e trabalho assalariado, que esta não pertence apenas ao passado do capitalismo mas também ao seu presente e determinará o seu futuro. Basta observar a onda de greves que atravessou os Estados Unidos nos últimos meses para negar a tese de que os capitalismos nacionais mais avançados superaram definitivamente a luta de classes.
A greve tem origem na perda do poder de compra dos trabalhadores nos últimos dez anos, agravada pelo aumento da inflação nas últimas semanas, e no contexto decorrente da ruptura das negociações (pelos patrões no final de Outubro) para a renovação do acordo coletivo provincial (que expirou a 31 de Dezembro de 2020) entre a associação patronal das pequenas e médias empresas – a Femca – com os sindicatos de regime – as Comisiones Obreras (CCOO) e a Union General del Trabajo (UGT).
Dos cerca de 27.000 metalúrgicos da província, 70% trabalham com contratos temporários, recebendo menos 1.500 euros anualmente, em média, que os trabalhadores com contratos fixos e permanentes.
Os operários com contratos de trabalho temporário trabalham principalmente nas pequenas e médias empresas subcontratadas pelas grandes empresas da área, como os três estaleiros navais da Navantia, em Cádis, Puerto Real e San Fernando, na Airbus e Dragados. Nestas empresas os operários sem contrato a termo certo usufruem de condições de trabalho relativamente melhores, definidas em contratos de empresa. Pelo que as negociações para a renovação do contrato provincial envolvem apenas a associação patronal das pequenas e médias empresas subcontratadas – a Femca – e não as das grandes empresas proprietárias dos estaleiros ou, que o não sendo, subcontratam.
Uma primeira manifestação foi convocada por CCOO e pela UGT no dia 21 de Outubro, em frente da sede da Femca.
Alguns dias depois, um sindicato minoritário (ou seja, mais pequeno e fora dos sindicatos de regime) presente entre os metalúrgicos de Cádis, a Coordinadora de Trabajadores del Metal (CTM) – formada em Março de 2020 – denunciou as condições de exploração nos estaleiros de Navantia em Cádis e Puerto Real, que nos últimos meses retomaram o trabalho a plena capacidade adquirindo encomendas para a reparação de grandes navios de cruzeiro, empregando cerca de 1400 trabalhadores, na sua maioria subcontratados às pequenas e médias empresas, muitos dos quais trabalham até 12 horas por dia, sete dias por semana. O sistema de trabalho é parecido ao dos estaleiros navais de Itália, onde a maioria dos trabalhadores são precários, com vínculo laboral à Fincantieri que, tal como a Navantia, é uma empresa estatal. O que é esclarecedor sobre a suposta bondade da reivindicação de nacionalização, em Itália, reivindicada pela maioria do sindicalismo militante.
A CTM também denunciou a existência de uma lista negra dos patrões, ou seja, uma lista de trabalhadores indesejáveis devido à sua militância sindical, prevendo-se dezenas de despedimentos, o que a acontecer forçaria muitos trabalhadores a emigrar. Face a esta situação, na mesa das negociações está a reivindicação, apoiada pelas CCOO e pela UGT, da criação de uma Bolsa de Trabalho composta por uma lista de trabalhadores a contratar de acordo com critérios não discriminatórios e geridos pelos sindicatos.
No final de Outubro, a entidade patronal Femca interrompeu as negociações para a renovação do contrato provincial. A CTM – que afirma estar a lutar pelo sindicalismo de classe – apelou aos sindicatos CCOO e UGT para a realização de uma assembleia geral de trabalhadores metalúrgicos a fim de informar os trabalhadores sobre o progresso das negociações e para que estas não sejam conduzidas nas suas costas. Também segundo a CTM, a CCOO e a UGT organizam menos de 20% dos trabalhadores metalúrgicos precários.
A CCOO e a UGT, em resposta à rutura das negociações pela Femca, convocaram uma greve de dois dias nos dias 9 e 10 de Outubro, a que CTM corretamente aderiu, obviamente sem revogar as suas críticas a estes sindicatos de regime, como um sinal da unidade de ação dos trabalhadores na luta sindical.
Outro sindicato minoritário activo entre os metalúrgicos da província de Cádiz é a Confederação Geral do Trabalho (Confederacion Generale del Trabajo – CGT), uma organização historicamente anarco-sindicalista actuante, por exemplo, na fábrica da Airbus e numa empresa empreiteira da Dragados.
A greve de dois dias foi um sucesso, com milhares de trabalhadores a marcharem por Cádis numa manifestação compacta e combativa. A greve também afetou Algeciras – outra cidade da província de Cádis, no Estreito de Gibraltar – parando empresas do porto e as siderurgias da Acerinox, que empregam cerca de dois mil trabalhadores. Isto mostrou o grau de raiva dos trabalhadores e a sua forte capacidade de luta.
Foi esta pressão vinda de baixo que levou a CCOO e a UGT a convocarem uma greve por tempo indeterminado, como acima mencionado, a partir de 16 de Novembro, tornada inevitável pela luta dos trabalhadores, que os sindicatos de regime acompanharam para não perder o controlo dos trabalhadores.
As reivindicações da CCOO e UGT eram de um aumento salarial de 2% para 2021, 2,5% para 2022 e 3% para 2023, contra a proposta dos patrões de 1,5% para cada um dos três anos, e só no caso de haver um aumento da produtividade.
A partir do primeiro dia da greve e durante os dez seguintes, os trabalhadores tiveram de enfrentar a repressão policial que atacou os piquetes em frente das fábricas e os alojamentos dos trabalhadores, disparando gás lacrimogéneo, balas de borracha e utilizando um blindado para quebrar as barricadas montadas pelos trabalhadores.
Esta é a resposta do governo de “esquerda” espanhol, formado pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), Podemos, Partido Socialista da Catalunha e Esquerda Unida, autodenominado “o governo mais progressista da história” de Espanha.
Evidentemente, foi a resposta de um governo burguês em defesa dos interesses dos patrões ameaçados por uma greve combativa e aterrorizados pela possibilidade da luta se poder propagar às outras províncias e regiões autónomas do país.
Pela sua parte, Enrique Santiago, Secretário de Estado da “Agenda 2030” e Secretário-Geral do Partido Comunista Espanhol (PCE) – que faz parte de Podemos e está portanto no governo com dois ministros, incluindo o do trabalho – teve a ousadia de pedir aos trabalhadores para pararem a greve e “terem confiança no trabalho que está a ser feito pelo governo”!
Entre os vários fatores que contribuem para a divisão da classe trabalhadora em Espanha, é de notar que neste país, ao contrário do que acontece em Itália – onde durante anos houve um esforço para os esvaziar a contratação colectiva da âmbito nacional – não existem contratos de trabalho nacionais, mas sim contratos provinciais. Nem sequer contratos regionais, como acontece na federação alemã, nos vários Länders. Por outro lado, na Espanha, patrões e sindicatos do regime têm o cuidado de realizar as negociações e conduzir as greves para a renovação dos contratos provinciais com um intervalo de tempo, a fim de evitar o risco de unidade operária.
Esta divisão territorial – em províncias – da classe trabalhadora, é reforçada pela divisão regionalista histórica da Espanha, sancionada pela constituição de 1978 que deu origem às regiões autónomas.
Autonomismo, regionalismo e localismo são os cavalos de batalha da esquerda burguesa radical e do oportunismo espanhol, que contrapõem ao centralismo da direita burguesa, numa guerra de gangues parlamentares em que se perde o interesse da classe operária, que é unificar a sua ação, as suas organizações, as suas condições de trabalho, a nível nacional e internacional.
Por exemplo, perante a ação repressiva do Estado burguês espanhol, o presidente da câmara de Cádiz – eleito nas listas do Adelante Cádiz, formação política da esquerda radical – defendeu os grevistas, como sendo inimigos do governo central em Madrid, aproveitando a oposição entre o território de Cádiz e Madrid, colocando em segundo plano a realidade social da oposição entre as classes sociais, operários e burgueses, para a oposição entre o Estado central e a população local. Teve o cuidado de não dizer que a única forma que poderia ajudar os trabalhadores na sua luta não é, de facto, a solidariedade em palavras que apelam ao fim da repressão policial, que de facto continuou, mas a extensão da greve aos outros sectores laborais, na província e em todo o país.
Mesmo os sindicatos militantes, como a CTM e a CGT, não parecem ter-se libertado destas ilusões ideológicas oportunistas, pois o seu manifesto comum exigia uma manifestação de apoio à greve de sábado, 19 de Novembro, apelando à participação em nome da “Defesa da Indústria de Cádis”, em vez de em defesa da classe operária e da sua unidade, em Espanha e internacionalmente.
Uma das fraquezas da greve, para além do facto fundamental de não ter sido alargada a outros sectores de trabalhadores e províncias, foi que os empregados dos estaleiros sem contrato precário não se juntaram à greve. A CCOO e a UGT tiveram o cuidado de não promover tal unidade, escondendo-se sempre atrás da circunstância das condições de laborais destes trabalhadores não estarem definidas no contrato provincial mas sim nos contratos de empresa. Por outras palavras, sancionaram as divisões entre os trabalhadores, coisa boa para os patrões, consagrada com a sua ação sindical.
Um ponto forte da greve, no entanto, foi a solidariedade recebida da classe trabalhadora da cidade e da província – com manifestações também em Sevilha – que não pôde materializar-se numa greve geral da cidade ou da região devido à falta de uma organização sindicalista de classe suficientemente forte.
Aos piquetes e aos confrontos entre trabalhadores e polícia juntaram-se jovens proletários e desempregados, numa província com uma das mais elevadas taxas de desemprego do país, cerca de 23%. A precariedade contratual que, como já foi referido, afeta cerca de 70% dos metalúrgicos da província, uma poderosa arma de chantagem dos patrões para melhor explorar os trabalhadores, na greve transformou-se num fator a favor da luta destes, acabando por envolver não só os trabalhadores contingentemente empregados mas também dos temporariamente desempregados, todos conscientes de que precisamente devido à incerteza do emprego, e portanto dos salários, um forte aumento dos salários é ainda mais necessário e vital para a sobrevivência das famílias operárias. A precariedade contratual, em perspetiva, acaba por tornar as greves em revoltas, como vimos nos 10 dias de luta proletária em Cádis!
No décimo dia da greve, quinta-feira, 25 de Novembro, numa reunião que começou à tarde e terminou à noite, CCOO, UGT e Femca chegaram finalmente a um acordo para um aumento de 2% para cada ano. Sem esperar que fosse apresentado e sancionado ou rejeitado pelas assembleias de trabalhadores, cancelaram a greve na manhã seguinte. A CMT e a CGT opuseram-se imediatamente e apelaram à continuação da luta, mas isto só aconteceu em algumas empresas. Depois denunciaram que em muitas empresas não houve votos para aprovar o acordo, devido ao simples facto dos dois sindicatos do regime não terem trabalhadores aí filiados.
O acordo assinado é um meio termo entre a proposta inicial dos empregadores (1,5%) e as exigências do CCOO e da UGT. É uma pequena melhoria para os trabalhadores, mas não parece satisfatória dada a força da luta.
A greve foi de qualquer forma um grande exemplo para todos os trabalhadores, deu moral às forças do sindicalismo militante na luta para libertar a classe trabalhadora em Espanha e em todos os países do controlo do sindicalismo de regime e para reconstruir os sindicatos de classe!
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