CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Lutas, Mulher

Roteiro para uma discussão sobre feminismo anticapitalista, por Ana Barradas

Cem Flores

24.02.2023

Nesses dias que antecedem as comemorações do Dia Internacional da Mulher, o Cem Flores apresenta mais um excelente texto da camarada Ana Barradas, que, junto a tantos outros, publicados aqui na seção luta das mulheres, compõem material essencial para reforçar nosso ponto de vista sobre a luta das mulheres: a de que ela deve ser independente e se constituir em torno dos princípios e interesses das mulheres exploradas e de sua classe.

Ana nos conclama a nos opormos radicalmente ao feminismo liberal/burguês que escamoteia em suas reivindicações as reais necessidades das mulheres da classe trabalhadora. Para construir o caminho da emancipação das mulheres exploradas é preciso adotar o ponto de vista proletário. A luta justa se constrói por nós e para nós. Resistimos e venceremos!

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Roteiro para uma discussão sobre feminismo anticapitalista

Ana Barradas

Bandeira Vermelha, 27/12/2023

As marxistas conduzem a sua luta de emancipação de modo diferente das feministas da pequena burguesia. Embora disponíveis para atos conjuntos em determinadas ações reivindicativas e de agitação, organizam a sua atividade independente e principal em torno de princípios de classe.

Isto é: atuam, intervêm e têm voz ativa sobretudo na vida e na luta das trabalhadoras mais exploradas e junto daquelas mulheres que, não estando assalariadas ou incluídas no mercado de trabalho, executam tarefas domésticas, agrícolas ou outras não pagas.

As mulheres que trabalham fora de casa são duplamente sobrecarregadas por serem responsáveis por uma dupla jornada, visto que, além do emprego retribuído, prestam em casa, depois do trabalho, a segunda tarefa por terem de assegurar as condições de reprodução biológica, renovação da força de trabalho sua e dos familiares, funcionamento do lar e bem-estar da família (cozinhar, lavar, limpar, tratar, cuidar, etc.). E muitas ainda têm uma tripla tarefa: a de cuidado de idosos, acamados e pessoas com deficiência necessitando de cuidados especiais.

Os movimentos feministas dominantes, os tais da pequena burguesia, têm uma perspectiva recuada sobre este assunto. Eles manifestam-se quase exclusivamente contra a violência doméstica contra a mulher. Em Novembro passado até assinalaram com uma campanha pública mundial e no 8 de Março lá vêm com a sua greve feminista mundial, que aliás nem é greve, nem feminista, nem mundial.

Ninguém na vida se pode opor a que as mulheres se manifestem contra a violência doméstica, como é óbvio. Mas ao dar-se ênfase principal ao fenômeno, fica escamoteada a violência outra: no trabalho, na família, na rua, nos transportes, isto é, o total da violência gerada pelo sistema social e político que nos domina.

Esses movimentos criam, com o apoio dos respectivos governos, casas de acolhimento para mulheres e crianças abusadas. É verdade que elas têm de fugir de casa, esconder-se e procurar apoios. Mas por que razão não é o agressor a ter de sair de casa, para ser preso, julgado e passar à prisão? Elas têm que refazer a vida e ele fica como está, de posse da casa e de todo o património. Só uma mentalidade patriarcal admite fazer cair o principal ônus da situação à parte que foi vítima de violência e abuso.

Esquecem-se estas feministas que a violência começa no trabalho. Há chefes, encarregados, contramestres e outras chefias que praticam regularmente o assédio sexual, que nada mais é do que uma forma encapotada de violência para vergar e humilhar a mulher. Há patrões que exigem às operárias atestados mensais comprovando que não estão grávidas. Nenhum patrão emprega uma grávida e muitos apressam-se a despedir as que engravidam. Há quem não contrate mulheres porque elas engravidam, vão com os filhos ao médico, à escola, faltam quando eles estão doentes, etc. Depois admiram-se as políticas públicas da baixa natalidade… Se houvesse um movimento feminista poderoso, ter-se-ia levantado há muito uma campanha em defesa dos direitos das mulheres e contra as arbitrariedades do patronato.

Depois, quando se aborda a questão da dupla e tripla jornada de trabalho, vêm logo vozes argumentar que há homens que ajudam. Sim, há, porque são pressionados pela situação desigual e reconhecem a brutal carga de trabalho que pesa sobre elas. Mas as estatísticas revelam que eles executam uma ínfima parte do total do trabalho doméstico. A solução seria fácil, se fosse reconhecida a socialização do trabalho doméstico. Creches, escolas, cuidados de saúde, lavandarias, cozinhas de bairro, e serviços de limpeza entregues a profissionais.

A pauta atual do feminismo conforma-se com a norma, não contesta o sistema, procura adoçá-la quando se trata de violência doméstica mas não se indigna e não faz nada quando se trata da desigualdade social e política. Entre os parlamentares, chefias e governantes predominam homens. A regra de incluir um mínimo de 30 por cento de mulheres nas listas para cargos eletivos é manipulada ao colocarem-nas em posições inelegíveis.

Tudo isto se passa sob os olhos de todos e o mais espantoso é que as próprias mulheres o consentem. As mães reproduzem para as filhas a conformação e a aceitação do seu estatuto inferior.

O peso atávico do patriarcado é tão marcante que se naturaliza a desigualdade na mente de todos, como se fosse aceitável. Pesa ainda no coletivo social o fantasma das fogueiras acesas para queimar as mulheres prevaricadoras, as bruxas, aquelas que não se conformaram com a norma e tomaram para si algum poder transgressor.

Pois é esta a tarefa que se coloca àquelas marxistas que se sentem dotadas de coragem e determinação: opor-se por todas as formas, ativas ou passivas, a este estado de coisas e arrastar atrás de si as suas companheiras mais recuadas. Há todo um trabalho de consciencialização própria e coletiva que só pode ser executado de forma sistemática e permanente pela organização comunista, devidamente programada para esse fim e decidida a fazer nascer no seu seio uma vanguarda feminina que se prepare para assumir o seu papel de igualdade ao lado dos seus companheiros de luta.

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- 24/02/2023