Em defesa da Luta Palestina: textos de Francisco Martins Rodrigues
Cem Flores
21.10.2023
Em 2002, duas décadas atrás, em resposta a uma revolta popular ocorrida na Cisjordânia, o estado de Israel rompia mais uma vez com todos os acordos e negociações de paz para continuar sua política de apartheid e massacre ao povo palestino. Naquele ano (2002), o campo de refugiados palestinos de Jenin foi sitiado e massacrado pelos israelenses. A mesma região foi novamente atacada por Israel em julho de 2023, portanto, antes da reação militar palestina de 07 de outubro. Esse é um retrato do que o povo palestino vive há décadas sob a ocupação colonial israelense! E contra tamanha opressão esse povo resiste e luta!
Acima, palestinas nos escombros de Jenin, 2002. Abaixo, moradores na mesma Jenin, novamente atacada pela ocupação israelense, em julho de 2023.
Duas décadas atrás, o comunista Francisco Martins Rodrigues, divulgado diversas vezes pelo Cem Flores, realizou um conjunto de importantes intervenções em solidariedade à luta palestina e de combate à política imperialista de Israel. Compartilhamos abaixo dois textos publicados no jornal Política Operária em meio aos acontecimentos de 2002.
No primeiro texto, Rodrigues afirma que os sionistas claramente “não admitem entraves ao seu projeto expansionista; querem toda a Palestina para o seu ‘povo eleito’”. Nesse intento, possuem financiamento e retaguarda da política imperialista ianque – que tanto ontem, quanto hoje, cinicamente defende o direito de “defesa” de Israel e o combate ao “terrorismo” (menos o de Israel!).
Para o camarada, é inegável que “a solidariedade ao povo palestiniano em luta é o dever mais premente de todos os anti-imperialistas”. Isso porque o povo palestino está em uma das linhas de frente na resistência ao avanço desse bloco imperialista e, assim, objetivamente, “os palestinianos não lutam apenas pelo direito à sua pátria”: na luta por sua terra e por sua dignidade, contra o colonialismo israelense, o povo palestino constrói um campo resistência concreto no qual a luta contra o imperialismo, contra o sistema capitalista internacional, vincula-se.
No segundo texto, Rodrigues reforça sua posição de imprescindível apoio comunista à causa palestina. Segundo ele, “omitir-se perante o dever internacionalista numa causa desta gravidade equivale a corromper-se irremediavelmente; é na prática agir como cúmplice do imperialismo numa agressão odiosa contra um pequeno povo”. Omitir-se é ceder à campanha da política colonial dos sionistas e dos imperialistas, “que acusam como ‘antissemitas’ todos os que denunciam os seus crimes”, ou de “terrorista” toda ação de resistência dos oprimidos.
Ontem e hoje, uma parte da esquerda se cala frente ao massacre palestino ou mesmo reproduz a máquina de propaganda de guerra de Israel, sendo assim prova viva de que “nesta época de contra-revolução global, a esquerda se deixa facilmente penetrar e paralisar pelos argumentos da direita”. Mas tal fato só amplia a necessidade dos/as revolucionários/as levantarem a bandeira de apoio à luta palestina e combater as mentiras e as distorções ideológicas geradas em meio a um processo concreto de ofensiva de opressores e resistência dos oprimidos. E é nesse sentido que Rodrigues busca também, didaticamente, responder aos argumentos mais comuns da propaganda pró-Israel.
Concordamos com a maioria das posições do camarada e achamos que elas continuam atuais para o massacre em curso ao povo palestino, perpetrado pelo estado terrorista de Israel. A luta palestina é uma luta justa. Independentemente de seus limites e suas contradições atuais, comuns a toda resistência em condições de opressão brutais, é a causa palestina que se opõe ao imperialismo de forma objetiva. Apoiar a Palestina em sua luta anticolonial hoje é praticar o internacionalismo, pois este “não se pode construir sobre opressões nacionais” e étnicas.
Como afirmamos em publicação anterior, é por meio das lutas concretas que a posição comunista, proletária, pode voltar a ter alguma relevância, na disputa com outras posições e organizações. Portanto, nosso papel hoje é, inegavelmente, estar nas ruas, no apoio concreto à resistência palestina.
PALESTINA LIVRE!
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Na Palestina joga-se o nosso Futuro
Março/Abril de 2002
Mal passada uma semana sobre as congratulações com a “resolução histórica” do Conselho de Segurança e com o plano de paz saudita, a selvática escalada do exército israelita desfez qualquer equívoco. Como tantas outras vezes no passado, os sionistas derrubam pela força bruta as hipóteses de negociação. A desculpa de que estariam apenas a reagir defensivamente aos atentados suicidas pode agora dar lugar à verdade: querem aniquilar a Autoridade Palestiniana porque não admitem entraves ao seu projeto expansionista; querem toda a Palestina para o seu “povo eleito”.
Aos EUA, com os olhos postos na próxima campanha iraquiana, convém fingir distanciamento desta agressão bárbara, para não retirar todo o espaço de manobra aos regimes árabes seus clientes. A hipocrisia de Bush, todavia, não engana ninguém: ao mesmo tempo que pede “contenção”, declara “compreender as necessidades de defesa de Israel”! E quem senão a América fornece ao nazi Sharon as armas, os dólares e o pretexto da “cruzada antiterrorista” que passou a servir de justificação para todos os crimes?
A solidariedade ao povo palestiniano em luta é o dever mais premente de todos os anti-imperialistas. Os palestinianos não lutam apenas pelo direito à sua pátria. Ocupam a primeira linha do combate à aventura imperialista. Deixá-los sós em confronto com o ocupante sionista é suicida. O plano dos imperialistas é justamente esmagar a resistência por partes e passar de uma frente a outra até imporem a sua “nova ordem mundial”. Também em Portugal não lhes faltam adeptos. Por isso é urgente agir contra os agressores e os seus cúmplices!
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Agir Antes que Seja Tarde de Mais!
Março/Abril de 2002
Como não há-de estar em crise uma esquerda que continua a assistir de braços cruzados ao calvário do povo palestiniano, como se não lhe dissesse respeito?
Quando da guerra do Vietnã ou da luta de libertação das antigas colônias portuguesas, embora vivêssemos sob a ditadura fascista, a esquerda conduziu uma luta corajosa em solidariedade com esses povos. Porque fica agora apática perante o espezinhamento de todo um povo? Não basta dizer que a intervenção se torna difícil devido à propaganda em torno do “terrorismo” dos palestinianos e à imagem de invencibilidade dos israelitas. Noutro tempo também os guerrilheiros eram chamados “terroristas” e os colonialistas pareciam invencíveis, e isso não impedia a intervenção.
A verdade é que, nesta época de contra-revolução global, a esquerda se deixa facilmente penetrar e paralisar pelos argumentos da direita. Mas será assim tão difícil rebatê-los?
“Israel tem direito a defender-se” – Israel é o estado terrorista por excelência. O mais seguro aliado dos Estados Unidos, sustentado a milhares de milhões de dólares anualmente, massacra há meio século os palestinianos, pratica o assassinato dos opositores, gaba-se de torturar prisioneiros, tem como primeiro-ministro um criminoso de guerra… Entre outras proezas, deu assistência “técnica” a todos os ditadores fascistas da América Latina, ensinando-lhes como raptar, torturar e matar opositores. E é este regime que exige dos palestinianos “provas de que renunciam ao terrorismo”!
“Fim à violência de ambos os lados” — Para além do cinismo de pôr os tanques, helicópteros e mísseis dos ocupantes em paralelo com as armas rudimentares dos palestinianos, este argumento mete no mesmo saco agressores e agredidos. Sem querer saber o que originou o conflito, reclama-se que os combatentes de ambas as partes deponham as armas, como se fosse igual o direito à violência dos que são expulsos, amontoados em acampamentos, batidos, humilhados e o dos que, em nome da “segurança’, praticam a invasão.
“Terrorismo dos palestinianos é inaceitável” – Isto equivale a dizer que o terrorismo militar e policial dos israelitas é admissível. Os atentados suicidas são o último recurso dos que se sentem esmagados e tentam assim despertar a opinião pública israelita e internacional da indiferença com que assiste à sua tragédia. Os atentados só surgem quando um povo está submetido a um poder de tal forma superior que não lhe deixa outro meio de luta. Pregar moral aos que agonizam é tacanhez e hipocrisia.
“A ONU que mande uma força de interposição” – Foi um plano da ONU, em 1947, que deu a maior parte do território à minoria judaica. A ONU consentiu que Israel fizesse uma brutal limpeza étnica, expulsando pelo terror dois milhões de palestinianos da sua pátria. Os acordos de Oslo, promovidos pela ONU, conduziram os palestinianos a cedências a troco de promessas falsas. Querer que os palestinianos entreguem de novo o seu destino nas mãos da ONU, controlada pelas grandes potências, é convidá-los à rendição.
“Judeus receiam um novo holocausto’’ – Há meio século que os sionistas exploram os horrores do Holocausto para acusar de antissemitismo os que combatem a sua política. Apresentando-se sistematicamente como “vítimas”, justificam como um “direito de resposta” os atos diários de selvajaria fascista contra civis palestinianos. O holocausto, agora, são eles que o praticam sobre outros.
“É utópico querer descolonizar a Palestina” – “Como se pode querer derrotar com pedras e atentados suicidas um dos maiores poderes militares do mundo, armado e financiado pelos EUA?” Também outrora muitos achavam inconcebível que a Argélia deixasse de ser francesa, ou que Angola deixasse de ser portuguesa, ou que o apartheid caísse. Afinal, nesses como em tantos outros casos, a resistência popular aos colonialistas acabou por lhes tornar a ocupação insustentável, apesar da desproporção de forças.
“O povo judaico tem direito a voltar à sua terra” – Que povo é este, composto a partir de contingentes de migrantes transportados dos mais diversos cantos do mundo, falando línguas diferentes, vindos de culturas diferentes, e unidos apenas por uma religião? Se os judeus podem invocar o “direito ao regresso” por causa da nação judaica que existiu há 2000 anos então também os índios teriam direito a reclamar que os norte-americanos voltassem para a Europa e os mouros viriam governar Portugal… O “direito à terra prometida” foi uma impostura criada pelo imperialismo.
“Tanto valem uns como outros” – “Tão detestável é o nacionalismo dos judeus como o dos árabes, tão fanáticos são uns como os outros”. E se ambos os campos se equiparam, podemos dispensar-nos de tomar posição… Esconde-se a causa da luta – o expansionismo dos centros imperialistas, dispostos a cilindrar todas as resistências, inclusive a das burguesias nacionais que recusem submeter-se incondicionalmente. Foi o caso do Iraque, do Irão, da Jugoslávia, do Afeganistão, é agora o da Palestina.
“Que sentido faz uma luta nacional na época da mundialização?” – Esta ideia, tida como muito avançada por certos setores da esquerda, esquece que o internacionalismo não se pode construir sobre opressões nacionais. O povo palestiniano tem tanto direito como qualquer outro à descolonização da sua terra. Não pela expulsão dos judeus, cuja presença se tornou já hoje um fato irreversível, mas pela convivência de ambas as comunidades, como já acontecia antes de começar a colonização sionista em massa. Simplesmente, a convivência só será possível quando for derrotado o Estado fascista sionista. Só a partir daí poderão dois Estados laicos e democráticos na Palestina, um judaico e um árabe, por fim a décadas de massacres e sofrimentos e abrir caminho, no futuro, a um único Estado palestiniano onde ambas as comunidades vivam em paz.
Entendamo-nos: não é por falta de clareza que as forças de esquerda no nosso país se mantêm na expectativa face à guerra criminosa contra o povo da Palestina. Pelo contrário. É por se aperceberem perfeitamente do que está em jogo que procuram furtar-se ao dever de solidariedade e à tarefa de consciencialização do povo. Receiam ser apontados como “radicais” e “apoiantes do terrorismo”. Receiam tornar-se alvo da campanha dos sionistas, que acusam como “antissemitas” todos os que denunciam os seus crimes. Receiam envolver-se numa ação de resistência prolongada que exige muito trabalho e não promete frutos eleitorais.
Mas não tenhamos dúvidas: omitir-se perante o dever internacionalista numa causa desta gravidade equivale a corromper-se irremediavelmente; é na prática agir como cúmplice do imperialismo numa agressão odiosa contra um pequeno povo.