CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Destaque, Internacional, Movimento operário

Karl Marx e a Associação Internacional dos Trabalhadores (1ª Internacional) sobre a Limitação da Jornada de Trabalho

Manifestação na Austrália, em 1900, pela limitação da jornada de trabalho a 8 horas por dia.

Cem Flores

15.11.2024

A luta pela redução da jornada de trabalho é uma luta de classes que opõe os interesses concretos e objetivos, opostos e antagônicos, de patrões e trabalhadorese também impacta diretamente as condições de reprodução do capital e de vida dos trabalhadores.

Por essas razões, essa luta é tão antiga quanto a existência de trabalhadores formalmente livres. Mais ou menos na forma atual, de imposição de limitações legais à duração da jornada de trabalho, essa luta vem sendo travada desde o século 18, com avanços e recuos, legais e práticos, para a posição proletária.

Como ressaltado por Marx nos trechos traduzidos a seguir, a primeira lei limitando a extensão da jornada diária de trabalho foi aprovada – após três décadas de luta – na Inglaterra em junho de 1847, portanto há 177 anos! Essa lei limitava a jornada de trabalho a 10 horas por dia, valia apenas para mulheres e crianças e (nenhuma surpresa) não foi respeitada pelos patrões. Na França, em 1848, como consequência das lutas de fevereiro, a jornada passou para 12 horas!

A partir de 1866, a defesa da jornada de trabalho de 8 horas diárias foi incorporada ao programa da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a 1ª Internacional.

Como conquista da luta dos trabalhadores, no século 20, a partir de 1919, diversos países foram aprovando leis limitando a jornada de trabalho a 8 horas por dia.

Ainda que a legislação preveja o limite de 8 horas por dia, tanto no Brasil quanto na maioria dos países, essas leis são constantemente burladas, sempre que isso é do interesse da burguesia. Há tanto maneiras legais de desrespeitar a lei (horas extras, bancos de horas etc.), quanto formas ilegais e informais, fruto da exploração capitalista.

Na China capitalista, o chamado sistema996” – jornada de 12 horas diárias, de 9 da manhã à 9 da noite, durante 6 dias por semana – foi tornado formalmente ilegal apenas em 2021, após vários protestos e lutas dos trabalhadores. Mesmo assim, a China ainda é um dos países com maior exploração dos trabalhadores em termos da jornada de trabalho, com média de 46,1 horas por semana ou 7 horas e quarenta minutos de trabalho por dia, seis dias por semana!

No Brasil, quase metade da força de trabalho é informal ou trabalha por conta própria, não estando, portanto, alcançada pela limitação legal da jornada de 8 horas por dia. São frequentes os relatos de jornadas de trabalho do século 19, bem acima de 10 horas diárias, para entregadores de comida, motoristas de aplicativos, imigrantes em fábricas ilegais etc. A mesma situação é verdadeira para camelôs, trabalhadores que têm pequenas vendinhas, os chamados MEI e muitos outros componentes das classes exploradas do país.

No século 21, é preciso superar a bandeira da luta operária de meados do século 19 e avançar sobre as conquistas do século 20. Concretamente, isso significa limitar a jornada de trabalho diária para menos de 8 horas por dia e menos de 6 dias por semana.

Isso somente poderá ser alcançado com muita disposição, organização e luta das classes trabalhadoras, tendo claro que nossos inimigos são a ganância dos patrões, a repressão do seu estado e o servilismo dos seus aliados reformistas e pelegos.

Não podemos nos deixar levar pelas mentiras patrocinadas pelos patrões, pelo governo, pela imprensa etc. sobre os efeitos “negativos” da redução da jornada de trabalho sobre a economia. Como já nos ensinava Marx há mais de um século e meio, a burguesia sempre alega que:

qualquer restrição legal às horas de trabalho significaria necessariamente a morte da indústria britânica que, qual vampiro, não podia senão viver de chupar sangue, e ainda por cima sangue de crianças”.

Na verdade, para nós, trabalhadores e trabalhadoras, do que se trata é reconhecer que a luta pela limitação da jornada de trabalho é “Uma condição preliminar, sem a qual todas as tentativas de melhoria e emancipação subsequentes serão infrutíferas.

Viva a luta dos trabalhadores pela redução da sua jornada de exploração pelos patrões!

 *    *    *

Mensagem Inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores[i]

Karl Marx (1864)

[…]

Após uma luta de trinta anos, travada com a mais admirável perseverança, as classes operárias inglesas, aproveitando uma discórdia momentânea entre os senhores da terra e os senhores do dinheiro, conseguiram alcançar a Lei das Dez Horas[ii]. Os imensos benefícios físicos, morais e intelectuais daí resultantes para os operários fabris, semestralmente registados nos relatórios dos inspetores de fábricas, de todos os lados são agora reconhecidos. A maioria dos governos continentais teve de aceitar a Lei Fabril [Factory Act] inglesa em formas mais ou menos modificadas e o próprio parlamento inglês foi cada ano compelido a alargar a sua esfera de ação.

Mas, para além do seu alcance prático, havia algo mais para realçar o maravilhoso sucesso desta medida dos operários. Através dos seus órgãos de ciência mais notórios […], a classe média[iii] tinha predito, e a contento dos seus corações, provado, que qualquer restrição legal às horas de trabalho significaria necessariamente a morte da indústria britânica que, qual vampiro, não podia senão viver de chupar sangue, e ainda por cima sangue de crianças. […]. Esta luta acerca da restrição legal das horas de trabalho enfureceu-se tanto mais ferozmente quanto, à parte a avareza assustada, ela se referia, na verdade, à grande contenda entre o domínio cego das leis da oferta e da procura que formam a economia política da classe média e a produção social controlada por previsão social, que forma a economia política da classe operária. Deste modo, a Lei das Dez Horas não foi apenas um grande sucesso prático; foi a vitória de um princípio; foi a primeira vez que em plena luz do dia a economia política da classe média sucumbiu à economia política da classe operária.

[…]

 *    *    *

Instruções para os Delegados do Conselho Geral Provisório[iv]

Karl Marx (1866)

[…]

  1. Limitação da jornada de trabalho

Uma condição preliminar, sem a qual todas as tentativas de melhoria e emancipação subsequentes serão infrutíferas, é a limitação da jornada de trabalho.

Ela é necessária para restaurar a saúde e as energias físicas da classe trabalhadora, ou seja, o grande corpo de toda nação, assim como para garantir a eles a possibilidade de desenvolvimento intelectual, de convívio social, de ação política e social.

Propomos 8 horas de trabalho como o limite legal da jornada de trabalho. Esta limitação, amplamente reivindicada pelos trabalhadores dos Estados Unidos da América, será adotada pelo voto do Congresso, elevando-a à plataforma comum das classes trabalhadoras em todo o mundo.

Para informação dos membros continentais, cuja experiência com as leis trabalhistas é relativamente recente, acrescentamos que todas as restrições legais serão ineficazes e facilmente burladas pelo capital se o período do dia durante o qual as 8 horas de trabalho devem ser cumpridas não for fixado. A duração desse período deve ser determinada pelas 8 horas de trabalho e pelas pausas adicionais para as refeições. Por exemplo, se as interrupções para as refeições somarem uma hora, o período legal da jornada deve abranger 9 horas, por exemplo, das 7 às 16, ou das 8 às 17, etc. O trabalho noturno deve ser permitido apenas excepcionalmente, em ramos ou categorias especificadas por lei. A tendência deve ser suprimir todo o trabalho noturno.

Este parágrafo refere-se apenas a pessoas adultas, de ambos os sexos, sendo que as mulheres devem ser rigorosamente excluídas de qualquer trabalho noturno, bem como de qualquer tipo de trabalho prejudicial à delicadeza do seu gênero ou que exponha seus corpos a agentes venenosos ou de outra forma prejudiciais. Por pessoas adultas entendemos todas as pessoas que atingiram ou ultrapassaram a idade de 18 anos.

[…]


[i] A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), a 1ª Internacional, foi fundada em 28 de setembro de 1864 numa reunião pública, realizada em Londres. Essa reunião também elegeu um Comitê provisório, do qual participava Karl Marx. Marx foi depois eleito para a comissão designada a 5 de outubro, na primeira sessão do Comitê, para redigir os documentos programáticos da Associação. Em 20 de outubro a comissão encarregou Marx de rever o documento por ela preparado durante a doença de Marx e redigido no espírito das ideias de Mazzini e Owen. Em lugar desse documento, Marx escreveu dois textos inteiramente novos — a Mensagem inaugural da AIT e seus Estatutos Provisórios —, que foram aprovados na sessão da comissão de 27 de outubro. Em 1º de novembro, a Mensagem e os Estatutos foram ratificados por unanimidade pelo Comitê provisório, que se constituiu em órgão dirigente da AIT. Esse órgão, que entrou na história como Conselho Geral da Internacional, foi predominantemente denominado Conselho Central até finais de 1866. Karl Marx foi de fato o dirigente do Conselho Geral. Foi o seu verdadeiro organizador, chefe, autor de numerosas mensagens, declarações, resoluções e outros documentos do Conselho. Na Mensagem Inaugural, primeiro documento programático, Marx conduz as massas operárias à ideia da necessidade de tomar o poder político, de fundar um Partido proletário independente e de assegurar a união fraterna entre os operários dos diferentes países. Publicada pela primeira vez em 1864, a Mensagem Inaugural foi muitas vezes reeditada ao longo de toda a história da Primeira Internacional, que deixou de existir em 1876.

[ii] A luta da classe operária por uma redução legislativa da jornada de trabalho para dez horas foi travada na Inglaterra desde os finais do século 18, e a partir do começo da década de 1830 ganhou vastas massas do proletariado. A lei sobre a jornada de trabalho de dez horas (Ten Hour’s Bill), extensiva apenas a mulheres e adolescentes, foi aprovada no Parlamento em 8 de junho de 1847. Todavia, na prática, numerosos industriais não respeitavam esta lei.

[iii] Como explica Engels, no prefácio de 1845 à obra A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, “a expressão classe média no sentido inglês middle-class […] designa, como a palavra francesa bourgeoisie, a classe proprietária, especificamente a classe proprietária que é distinta da chamada aristocracia”. Ou seja, Marx utiliza aqui o termo “classe média” para designar a burguesia, a classe dos capitalistas.

[iv] Escrito por Marx no final de agosto de 1866, esse texto foi lido e aprovado no 1º Congresso da AIT, realizado em Genebra, de 3 a 8 de setembro.

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- 15/11/2024