O Governo Trump no Declínio Relativo dos EUA Enquanto Potência Imperialista
Protesto anti-Trump em Nova Iorque no dia da posse, em 20 de janeiro (esquerda), e manifestação contra suas medidas anti-imigração, em Los Angeles, em 2 de fevereiro.
Cem Flores
24.02.2025
Trump, o bilionário de extrema-direita, fascista, foi novamente eleito presidente dos EUA em 5 de novembro de 2024 por uma vantagem de apenas 1,5 ponto percentual. Ele obteve 49,8% dos votos válidos contra 48,3% da outra candidata da burguesia imperialista, e então vice-presidente, Kamala Harris – uma diferença de 2,3 milhões no total de 155 milhões de votantes. Para comparação, na vitória apertada de Lula contra Bolsonaro no segundo turno de 2022 a diferença foi de 1,8 ponto percentual ou 2,1 milhões de votos no total de 119 milhões.
A burguesia dos EUA sempre tem os dois candidatos nas suas eleições presidenciais. Os partidos democrata e o republicano são porta-vozes e gestores dos interesses das classes dominantes da principal potência imperialista do planeta. As eleições burguesas nos EUA são a festa do capital: Kamala e Trump arrecadaram, legal e oficialmente, por volta de R$ 25 bilhões, com a candidata do partido democrata recebendo ainda mais investimento eleitoral da burguesia do que Trump.
Apesar da pequena diferença quantitativa – e lembrando que votaram em Trump apenas 28% dos eleitores potenciais dos EUA – essa foi a primeira vitória no voto do partido republicano em duas décadas e, na comparação com suas disputas eleitorais anteriores, Trump diminuiu a vantagem do partido democrata no eleitorado feminino, jovem, hispânico e negro. Além disso, o partido republicano também conseguiu maiorias absolutas de 2 votos dentre os 435 deputados e de 3 votos nos 100 senadores, que vão se somar à ampla maioria na suprema corte (6 x 3).
Ou seja, foi uma ampla vitória eleitoral, política e ideológica da extrema-direita nos EUA, que proporciona – ao menos no biênio 2025-26, antes das eleições parlamentares de meio de mandato – uma enorme concentração de poder nas mãos de Trump, com importantes consequências internas e mundiais.
A eleição também confirmou, novamente, que a extrema-direita se tornou uma força política consolidada internacionalmente, uma ameaça autoritária de grandes proporções para o proletariado, as demais classes trabalhadoras e os oprimidos de todo o mundo. Demonstrou ainda a dificuldade da direita “democrática e civilizada” (sic!) de barrar essa expansão da extrema-direita e sua vertente fascista como opção política burguesa atualmente mais eficaz aos interesses do capital.
* * *
O governo Trump é sintoma e consequência direta da atual condição dos EUA. Principal potência imperialista global, neste século, e mais especificamente após o início da última crise econômico-financeira do sistema imperialista mundial, em 2007-08, os EUA enfrentam seu declínio relativo. Em função da perda de poder relativo, e na tentativa de contrarrestá-la, o imperialismo dos EUA, que sempre se caracterizou por uma violência brutal, tende a se tornar ainda mais autoritário, repressivo, agressivo e destruidor, externa e internamente, contra as classes trabalhadoras e também contra o meio-ambiente.
Desde a campanha eleitoral de 2024, mas principalmente após sua eleição e, mais ainda, depois da sua posse, em 20 de janeiro, Trump domina todo o debate político mundial, seja com suas declarações, seja com a implantação de suas políticas. Essa é uma característica atual da extrema-direita, fascista, ao redor do mundo, amplificada pela hegemonia global das redes sociais dos grandes monopólios transnacionais dos EUA. Ao buscar estar sempre na ofensiva, explicitamente desconsiderando (quando lhe convém) os estreitos limites da legalidade e da institucionalidade das democracias burguesas, Trump não só coloca seus adversários na defensiva, como na maioria das vezes os deixa na condição de defensores do “sistema”, das “elites”, das desigualdades, da injustiça e da exploração. Dessa forma, as classes dominantes têm a seu favor uma “disputa” entre duas alas burguesas que as defendem: uma “dentro da ordem” e outra, cínica e hipocritamente, “antissistema”.
As políticas internas de Trump visam ampliar as taxas de lucro, em especial dos grandes monopólios transnacionais sediados nos EUA, e sempre apontam para maior autoritarismo e mais repressão. Por um lado, Trump busca eliminar a maior quantidade possível de entraves legais e regulatórios à acumulação de capital, sem minimamente se importar com os custos em termos de destruição ambiental. Dentre suas primeiras medidas estão a promessa de uma radical desregulamentação financeiro-digital, a revogação de inúmeras regulamentações ambientais, e o estímulo ao crescimento da produção de combustíveis fósseis os mais ambientalmente destrutivos.
No outro lado dessa mesma moeda estão o ataque às conquistas dos trabalhadores e o aumento da repressão e do autoritarismo, inclusive com a criação de um ambiente nacional de perseguição e medo – e não apenas em relação aos imigrantes. Isso inclui várias dezenas de ordens executivas e outras regulamentações sobre uma verdadeira caçada aos imigrantes, demissões em massa de servidores públicos, congelamento do uso de recursos púbicos em programas aos quais a extrema-direita se oponha, e um amplo conjunto de ataques às conquistas de mulheres, negros e LGBT. Esse abrangente conjunto de políticas representa a expressão concreta da ofensiva burguesa em diversos campos contra as massas trabalhadoras nos EUA, dificultando sua resistência e luta em defesa de emprego, salário e condições de vida e trabalho.
Na esfera internacional, as políticas de Trump de afirmação do poder imperialista dos EUA expressam e reforçam o agravamento de todas as contradições interimperialistas, em especial a principal delas, a que opõe os EUA e a China, potência imperialista ascendente, mas também as com os países imperialistas “aliados”, fundamentalmente europeus. Em relação aos países dominados, a política de Trump é de agravar essa dominação, unilateralmente, extraindo a maior quantidade possível de benefícios para os capitais monopolistas dos EUA.
Trump se coloca contra a China e as demais potências imperialistas ao confrontar os organismos internacionais de “gestão” do sistema imperialista mundial (criados pelos próprios EUA) e se retirar de vários deles, como o Conselho de Direitos Humanos da ONU, o Acordo de Paris, a Organização Mundial de Saúde (OMS), impor sanções ao Tribunal Penal Internacional e interromper o financiamento de ONGs. Nessa posição, busca reforçar o poder e a autonomia dos EUA (em geral, entendido como “isolacionismo”), sua não sujeição a colegiados de países e sua capacidade de agir unilateralmente, de acordo exclusivamente com seus próprios interesses. Sua principal opositora nesse campo é a China, que vem crescentemente encarnando a defesa de um sistema capitalista interestatal estável e com regras e de suas instituições globais. Também tem o mesmo objetivo o confuso conjunto de decretos (e recuos) relativos à imposição de tarifas sobre Canadá, México, China e Colômbia, sobre ferro e alumínio, e as declarações de ampliá-las em relação à Europa, os BRICS etc. Idem para os ataques imperialistas, por enquanto verbais, à Groenlândia, Canadá, Panamá e, principalmente, contra os palestinos de Gaza, em defesa de uma limpeza étnica.
Várias dessas medidas foram temporariamente suspendidas pelo poder judiciário (como é o caso da flagrantemente inconstitucional ordem executiva contra a 14ª emenda à constituição dos EUA sobre cidadania para nascidos em território dos EUA e do e-mail que pressionava 2 milhões de servidores públicos a aderirem a um PDV sem benefícios reais), estão sendo contestadas judicialmente (o acesso de Musk e seus empregados a todas as bases de dados do governo federal ou as demissões dos inspetores gerais e procuradores que atuaram em processos contra Trump) ou geraram recuos do próprio Trump (tarifas contra Canadá e México).
No entanto, apesar desses recuos/derrotas, às vezes parciais/temporários, nos parece que erram profundamente aqueles críticos que fazem a defesa das instituições dos EUA contra Trump (na verdade, defendendo o sistema imperialista dos EUA e sua democracia burguesa), ou os que minimizam seu amplo conjunto de medidas como caótico ou apenas bravatas de um fanfarrão desequilibrado (sem fazer a análise concreta nem do conjunto das medidas, nem da sustentação de classe de Trump), ou ainda aqueles que creem que, em algum momento, “adultos entrarão na sala”, ou seja, que haverá aliados ou inimigos de Trump capazes de tutelá-lo ou controlá-lo.
Em primeiro lugar, em um conjunto de uma centena de medidas, esses críticos acabam destacando revezes em meia dúzia delas, “esquecendo” (convenientemente?) que as demais seguem se consolidando e gerando efeitos administrativos, jurídicos, políticos, ideológicos e na luta de classes. Mesmo nos casos de derrotas/recuos é necessária uma análise mais detalhada. Por exemplo, o decreto visando revogar os direitos de cidadania aos filhos de imigrantes sem documentação nascidos nos EUA. Trump e seus defensores sabiam que o decreto era inconstitucional e que seria suspenso por juízes federais. Mesmo assim o editaram e a previsível suspensão ocorreu. Só que, politicamente, uma mensagem clara foi passada, mesmo sem efeitos jurídicos: “não queremos vocês aqui, vamos fazer de tudo para expulsá-los, inclusive desrespeitar ou contornar as leis sempre que necessário”. Diante dos decretos e da política de deportação em massa, essa mensagem ganha bastante em verossimilhança.
Também no caso da imigração não se deve considerar literalmente a promessa de deportar todos os imigrantes sem documentação, cuja estimativa é de mais de 13 milhões (ou mais de 3 milhões por ano, número jamais alcançado nos EUA). Mas a mobilização das forças armadas na fronteira com o México e de um amplo conjunto de polícias federal e estaduais e agentes anti-imigração, além do reforço de prisões e da utilização da base de Guantánamo como campo de concentração, estão provocando um ambiente de terror, com prisões arbitrárias e o início das deportações em condições degradantes. Igual ao exemplo anterior, a mensagem aqui também é clara (e idêntica), e já há primeiros indicadores sobre a redução do ingresso de imigrantes pela fronteira sul dos EUA.
Em outro caso, o da demissão de servidores públicos, mesmo com uma suspensão judicial provisória, já revogada, porém pendente de decisão definitiva, o governo já divulgou o aceite de 60 mil servidores à proposta de PDV, equivalente a 3% do público-alvo total. Não se sabe ainda qual será o desfecho do programa, mas é possível especular sobre uma possível reformulação conforme orientação do judiciário, concessão de mais prazo para adesão e incentivos adicionais. Novamente, a mensagem de Trump-Musk é passada de maneira clara e direta: fazer, a qualquer custo, um grande corte na máquina de estado dos EUA, inclusive mediante demissões em massa.
Em segundo lugar, o clima de permanente conflito, de ataques diversos e contínuos, é um ambiente favorável para a extrema-direita, para o fascismo. Em política, uma questão fundamental é quem tem a iniciativa, a audácia e a ofensiva no combate político. Parece claro que nos EUA, desde a campanha, e, depois da posse, ao redor do mundo, a iniciativa política está com Trump, a extrema-direita e os fascistas dos EUA, assim como com sua corja ao redor do mundo. Isso ocorre diante da tibieza e dos resultados dos governos dos demais partidos burgueses na crise do imperialismo e da posição de “defesa da democracia e das instituições burguesas” por parte da “esquerda” reformista, seja no governo, seja na oposição. Assim, todos esses “opositores” da extrema-direita e do fascismo baseiam sua “oposição” na defesa do capitalismo, de sua exploração e desigualdades e de suas instituições falidas e desmoronando.
A resistência e a luta realmente efetivas contra a burguesia, o capitalismo, o imperialismo, a extrema-direita e o fascismo só são possíveis a partir de bases proletárias, revolucionárias, comunistas. A resistência e a luta devem partir da organização efetiva da classe operária e das massas trabalhadoras para resistir e lutar contra os efeitos concretos das políticas e ações desses seus inimigos de classe nas suas condições de vida e trabalho. A resistência e a luta devem surgir nas fábricas e nos demais locais de trabalho, nos bairros e nas escolas, deve ganhar as ruas, com uma organização ativa e crescente das próprias massas. O papel dos comunistas é atuar e organizar, cotidianamente, no seio das classes trabalhadoras a luta pelos seus interesses próprios, com sua posição de classe independente, aprendendo com suas vitórias (parciais) e derrotas para poder elevar suas lutas e sua organização a níveis cada vez mais elevados.
A luta contra o imperialismo é inteiramente desprovida de conteúdo de classe proletário se não for indissociavelmente ligada à luta contra a burguesia do próprio país e à luta contra o oportunismo e o reformismo – tendências burguesas infiltradas no movimento operário. Assim, a imensa tarefa operária e comunista é a de combater o imperialismo em todos os cantos do mundo, não importa como ele se manifeste, utilizando todas as formas de luta e as armas que formos capazes. Obviamente, é social-chauvinismo da pior espécie a defesa das burguesias de cada país (incluindo os dominados) contra o imperialismo, a atuação como auxiliar das burguesias sob o disfarce de nacionalismo e patriotismo burguês “anti-imperialista” (sic!). Da mesma maneira, caracteriza o mais abjeto oportunismo a defesa de um imperialismo contra outro, de um modelo de capitalismo contra outro, na base do “menos pior” ou do “mal menor”, como se coubesse ao proletariado e aos comunistas apenas a função de escolher entre o seu atual e o seu futuro dominador. Também é uma reles posição reformista delegar a luta contra a burguesia, o capitalismo, o imperialismo, a extrema-direita e o fascismo às instituições burguesas (judiciário, polícias, congresso, diplomacia, imprensa etc.), contribuindo para manter o proletariado domesticado, soterrando sua posição revolucionária.
“Não vamos lutar contra os porcos reacionários que vêm e vão pelas ruas sendo nós mesmos reacionários; vamos nos dedicar e organizar o poder político revolucionário e ensinar a nós mesmos as necessidades específicas de resistência à estrutura de poder, nos armar e combater os reacionários com a revolução proletária internacional. É assim que tem que ser. O povo tem que ter o poder: ele pertence ao povo”
Fred Hampton, do Partido dos Panteras Negras, assassinado pela polícia dos EUA em 1969, aos 21 anos