CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cultura, Lutas, Movimento operário, Mulher, Teoria

Ainda o 8 de Março, de Ana Barradas.

Istambul, Turquia. 8 de março de 2019.

Continuando a publicar materiais alusivos ao Dia Internacional da Mulher Proletária reproduzimos o texto Ainda o 8 de Março, da camarada Ana Barradas. O original , publicado em maio de 2017, pode ser acessado aqui.

Ainda o 8 de Março

Ana Barradas

Só haverá solidariedade entre as mulheres trabalhadoras se for em volta de uma plataforma revolucionária que está por criar. Mesmo assim, muitas mulheres continuam a ver o Dia Internacional da Mulher como um marco de eleição para reafirmar os seus direitos e pressionar as instituições no sentido do seu reconhecimento. Nas sociedades do nosso tempo, poucos resultados se detectam, porque a desi­gualdade continua a ser um dado essencial.

Com efeito, hoje em dia 20 % da humanidade apropria-se de 83 % do rendimento global, e os 20 % mais destituídos em todo o mundo procuram sobreviver com 1% desse rendi­mento. Entre estes, as mulheres são as mais penalizadas.

Apesar disso, nos últimos anos, e por pressão da onda neoliberal e do sentimento de derrota que invade todo o campo popular, os antigos objectivos das comemorações das trabalhadoras e feministas em volta do 8 de Março – dantes dirigidos para a mudança económica e social, a denúncia da sociedade patriarcal e a luta de classes – acabaram por ser substituídos por palavras de ordem moderadas e conjuntu­rais, mais voltadas para a luta contra a violência, o desemprego, pelo direito ao aborto, a protecção à criança e à maternidade, etc.

No entanto, há que salientar que, em certos meios aca­démicos e de intervenção social feminista, há mulheres de grande mérito que, apesar dos ventos desfavoráveis, continuam a encontrar no marxismo uma poderosa arma teórica e política para a sua luta de emancipação. Reconhecendo, detectando e expondo as limitações dos clássicos nesta maté­ria, têm inovado com ideias modernas, aplicadas à situação actual da mulher, e produzido variados trabalhos teóricos, pouco conhecidos fora dos meios intelec­tuais mas nem por isso menos importantes.

A principal conclusão – já enunciada há mais de cem anos por Marx mas virtualmente esquecida pela própria prá­tica dos movimentos populares, eivados do machismo dominante – é que a libertação dos povos e a emancipação de classe não se fará sem a completa igualdade entre homens e mulheres. Não serviu de muito a renúncia que muitas vezes as trabalhadoras e revolucionárias têm feito da reivin­dicação dos seus direitos em nome da unidade e do bem comum, porque isso nunca as isentou de pagar o preço mais alto em todas as situações de exploração e opressão.

RECUPERAÇÃO INSTITUCIONAL

Não foi só no campo popular que se assistiu a uma evolu­ção do significado do Dia Internacional da Mulher. Ele foi também adoptado pelas instituições do poder, nacional e internacionalmente, e recuperado como comemoração inó­cua, oportunidade para os governos e outras instituições exibiram a sua falsa preocupação e desvelo pelas mulheres.

Nesta data, são comuns as cerimónias públicas, conferências e declarações de intenções. Verifica-se o total enquadramento oficial da data e a desfiguração burguesa do seu significado. Nenhuma das enti­dades participantes está interessada em passar em revista os progressos alcançados, para não ter de reconhecer que não só foram poucos como sempre obtidos graças a muitas e duras lutas, e para não ter de se comprometer no sentido de melhorias que só à força lhes serão arrancadas. As únicas concessões são aquelas que forem absolutamente indispensá­veis, ou que de algum modo beneficiem os interesses de quem comanda a economia.

Assistimos à expansão de um falso sentimento feminista por parte das instituições especializadas na matéria, devidamente assessoradas por um robustecimento do feminismo bem comportado, razoável, sereno e racional de mulheres em destaque (dirigentes políticas, intelectuais, parlamenta­res, artistas, etc.), de algum modo participantes ou beneficiá­rias do poder, que não hesita em opor-se e em isolar quaisquer atitudes de radicalismo crítico, de protesto ou de contestação.

A capacidade dos governos para chamar a si, adoptar e apresentar publicamente certas reivindicações da mulher é no entanto temporária. Ela resulta antes de mais da debilidade do campo contrário, incapaz de se reapropriar de bandei­ras que no passado foram suas.

Sempre que se manifesta de forma consequente e eficaz, o feminismo consegue despertar a consciência de amplos sectores sociais acerca do papel das mulheres e da sua opres­são e, se for criativo e avesso a dogmatismos, pode criar novos instrumentos de intervenção que alarguem essa base de apoio, recolham novas propostas reivindicativas e dêem origem a formas de luta ainda por inventar.

No entanto, a experiência do último século mostra que os direitos políticos e sociais das mulheres só poderão ser conquistados pelas próprias mulheres. Do lado institucional, já se sabe que nada há a esperar. Dos sindicatos e partidos operários, há que contar com a surda e persistente resistência que sistematicamente se têm feito sentir contra os direitos das mulheres, a pretexto das mais nobres objecções. É preciso dizê-lo e começar a pôr em prática: a natureza do verdadeiro feminismo consiste em lançar a guerra dentro dos partidos e sindicatos pela participação igual das mulheres e pela defesa dos seus direitos de trabalhadoras.

ORIGENS

As origens radicais deste dia particular, 8 de Março, nada têm a ver com o modo como hoje se comemora. Na segunda década do século XX, quando surgiu, ele participava da tradição de protesto e de activismo político que caracterizou aquela época. Era o tempo em que as mulheres do mundo industrializado en­travam em massa para a produção assalariada, sobretudo depois de uma grande massa de homens trabalhadores terem sido mobilizados para a Segunda Grande Guerra. Segregadas no trabalho e na socieda­de, elas suportaram uma carga brutal e temível de muitas horas de actividade e uma opressão que não viram aliviada pelo facto de pas­sarem a produtoras.

Nas regiões mais industrializadas, nos estratos sociais mais inconformistas, as mulheres – fortes do seu estatuto de produtoras essenciais para a economia dos países em guerra – começaram a reclamar o seu direito ao voto, em igualdade com os homens. No campo comu­nista, Clara Zetkin e Ale­xandra Kollontai opuse­ram-se aos comunistas que achavam mais importante lutar pela expropriação da burguesia como estratégia do que pelo direito ao sufrágio universal como táctica, causa que dividia o movimento operário, em geral inclinado para posições machistas e pouco disposto a partilhar o trabalho e as conquistas sociais com as novas recrutas do sistema assalariado. Alguns alegavam, em favor desta tese, que, se o poderoso movimento sufragista na Inglaterra fosse em frente, acabariam por ser reconhecidos direitos de voto apenas às mulheres que tivessem bens próprios, isto é, às burguesas.

Justamente por isso, Sylvia Pankhurst, a famosa feminista britânica, acabou por provocar uma cisão no movimento do seu país ao reclamar que ele se ocupasse dos direitos de todas as mulheres sem excepção, e em particular das mais explora­das, às quais se deveriam ligar as sufragistas da classe média.

Não se inspirava apenas na sua própria sensibilidade, mas também na experiência das mulheres americanas, que já em 1903 tinham formado a Women’s Trade Union League (Liga da União Sindical Feminina), para lutarem pelos direi­tos económicos e políticos das assalariadas.

Aliás, o primeiro Dia da Mulher dera-se em 1908, no último domingo de Fevereiro, em que as socialistas ameri­canas organizaram grandes manifestações. Em 1909, o comí­cio comemorativo em Manhattan contou com a presença de 2000 pessoas, número assinalável numa altura em que poucos tinham consciência feminista. Cerca de 30 000 operárias têxteis tinham acabado de participar numa dura e combativa greve geral da indústria, cujos postos de trabalho eram quase todos ocupados por mulheres, animando a vontade de luta das restantes compa­nheiras.

CONFERÊNCIA DE COPENHAGA

Foi em 1910 que a 2ª Conferência Internacional de Mulheres Socialistas de Copenhaga escolheu o 8 de Março como Dia Inter­nacional da Mulher, ape­sar de ser ainda muito controversa a ideia da or­ganização política das mu­lheres. É sobretudo às ideias avançadas do Par­tido Socialista Alemão e à sua influência no movi­mento internacional que se deve o mérito de terem conseguido consagrar esta noção.

Inspirada na luta das americanas e outras, a ale­mã Clara Zetkin apresen­tou a proposta à conferên­cia, que reunia 100 mu­lheres de 17 países, em representação de sindi­catos, partidos e clubes de mulheres operárias. A conferência contava com a presença das primeiras três mulhe­res eleitas para o parla­mento finlandês, fenómeno absolutamente inaudito. A pro­posta foi aprovada por unanimidade.

A conferência, ao de­bruçar-se sobre o proble­ma do direito de voto, re­jeitou o apoio a sistemas que se baseassem em direitos de propriedade como requisito de capacidade eleitoral e rea­firmou a necessidade da luta pelo sufrágio universal – isto é, abrangendo todos os homens e mulheres adultos. Esta moção teve o voto contrário da Women’s Freedom League (Liga pela Liberdade das Mulheres), dirigida pela sufragista inglesa Mrs. Despard.

Quando discutiu a protecção à maternidade, a conferên­cia distanciou-se da intervenção de Alexandra Kollontai a favor das mães solteiras e considerou que ela só devia contemplar as mães casadas. Também se decidiu contra o tra­balho nocturno como prejudicial à saúde das mulheres operárias, embora as suecas e as dinamarquesas presentes afirmassem que o trabalho nocturno era essencial para a sua sobrevivência.

Lena Lewis, socialista americana, declarou na altura que o Dia da Mulher não era propício a celebrações, por os tempos serem duros, mas sim a projectar as lutas futuras, em que “possamos por fim esmagar de vez o último vestígio do egotismo machista e do desejo de dominar as mulheres.

Alguns 8 de Março Diferentes

1911 – O primeiro Dia Internacional da Mulher realizou-se a 19 de Março desse ano, na Alemanha, Áustria, Dinamarca e outros países europeus. A data foi uma escolha das mulheres alemãs e estava relacionada com o facto de, nessa data, mas no ano de 1848, o rei da Prússia, confrontado com a revolta popular, ter prometido, entre outras reformas, o voto para as mulheres, promessa que nunca cumpriu.

Alexandra Kollontai, a famosa feminista russa, estava nesse ano de 1911 na Alemanha e foi uma das organizadoras das comemorações. Comentou assim a comemoração:

“Excedeu todas as expectativas. A Alemanha e a Áustria… transformaram-se num mar vibrante e efervescente de mulheres. Organizaram-se concentrações por toda a parte… nas vilas e nas aldeias, as salas públicas estiveram a abarrotar, de tal forma que foi necessário pedir aos trabalhadores presentes que dessem o seu lugar às mulheres que queriam entrar.

Contra o costume, os homens ficaram a tomar conta dos filhos e as mulheres, normalmente sempre presas à casa, foram às reuniões. Nos casos em que houve grandes manifestações de rua, com mais de 30 000 participantes, a polícia tentou retirar os dísticos e bandeirolas às manifestantes, mas elas opuseram-se. Nas escaramuças que se seguiram, só se evitou o derramamento de sangue graças ao apoio dos deputados socialistas no parlamento.”

1917 – Na véspera do Dia Internacional da Mulher desse ano (23 de Fevereiro segundo o calendário russo), os operários da fábrica de armas Putilov em Petrogrado não puderam trabalhar devido a “lock out”. Embora os comunistas, por esse facto, tivessem recomendado às operárias têxteis que não fizessem greve nesse dia, como estava previsto, as mulheres foram para a rua protestando contra os sofrimentos e carências a que estavam sujeitas por causa da guerra que durava havia três anos, pedindo pão e reclamando o regresso dos soldados.

Nos dias seguintes, a cidade foi sobressaltada por assaltos a padarias, marchas da fome, greves e manifestações, inicialmente protagonizadas por mulheres mas depressa conquistando a adesão de todos os trabalhadores. Foi assim que começou a revolução de 1917.

1960 – No 50º aniversário do Dia Internacional da Mulher, 729 delegadas de 73 países reuniram-se numa conferência em Copenhaga, aprovando uma declaração de direitos políticos, económicos e sociais das mulheres.

1975 – Neste ano, que foi declarado o Ano Internacional da Mulher, o seu Dia Internacional foi reconhecido por muitos governos que anteriormente o ignoravam (caso de Portugal, onde passou a ser prática oficial fazer referências simpáticas e hipócritas a favor da mulher). Em Cuba, uma das medidas foi inscrever no novo código do matrimónio a responsabilidade comum de homens e mulheres nos trabalhos domésticos.

1982 – As mulheres iranianas manifestaram-se de cabeça e cara descoberta, desafiando as regras fundamentalistas.

1984 – A ministra francesa dos Direitos da Mulher anunciou uma nova lei que proibia manifestações sexistas na comunicação social e na publicidade.

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- 10/03/2019