Teses sobre a Conjuntura
Cem Flores
No texto abaixo trazemos para o debate com os camaradas e leitores algumas teses sobre a conjuntura internacional e nacional neste começo de 2020. Essas teses surgiram da análise de um amplo conjunto de dados sobre o mundo e sobre o Brasil e das discussões no nosso coletivo, durante o balanço que fizemos das nossas atividades de 2019 e o planejamento e preparação para o novo ano de estudo, trabalho e lutas!
I – Conjuntura internacional
1.A economia mundial está desacelerando de forma indiscutível nos últimos dois anos, aparentemente caminhando para uma recessão em 2020 ou 2021.
Essa desaceleração caracteriza os indicadores de produção industrial e comércio exterior globais, de crédito, preços de commodities, taxas de juros e de inflação, além das taxas de lucro. Tanto EUA quanto China apresentam desaceleração.
2. Fenômeno importante na conjuntura atual (e aparentemente contraditório com as tendências acima) é a redução significativa das taxas de desemprego, que se encontram nos seus menores níveis históricos em diversos países imperialistas, como EUA e Inglaterra.
Esse aparente paradoxo parece poder ser explicado pelo impacto das “reformas” trabalhistas (trabalho intermitente e emprego “zero hora”, redução dos custos de contratação/demissão, redução dos salários) e das inovações tecnológicas (como as relações de trabalho via aplicativos) no mercado de trabalho dos principais países capitalistas. Não parece haver quaisquer ganhos salariais mais significativos para os trabalhadores com esse desemprego baixo.
Este é um ponto sobre o qual é preciso aprofundar estudos e análises e buscar mais dados empíricos.
3. A desaceleração não impede (talvez até agrave) a continuidade das tendências de transformações no sistema imperialista mundial (enfraquecimento relativo dos EUA, fortalecimento relativo da China) e na sua divisão internacional do trabalho, na atuação dos monopólios transnacionais, nas inovações tecnológicas, nas mudanças nos mercados de trabalho e seus impactos nos países imperialistas e nos países dominados, presentes nas últimas décadas.
4. Os EUA permanecem o principal país imperialista do mundo, mas sua participação no crescimento global, na produção manufatureira, nas exportações, vem declinando neste século. Não obstante, o país permanece a principal fonte de inovações tecnológicas, de pesquisa e desenvolvimento, principal mercado financeiro mundial, emissor do dinheiro mundial, e principal potência militar e ideológica.
Os EUA também permanecem com acumulação de capitais mais dinâmica que a dos demais países imperialistas “tradicionais” (Europa e Japão), tanto no período pós-crise de 2007-2008, quanto na atual desaceleração.
5. Neste século, a China se consolidou como país imperialista e como principal competidor dos EUA, com a aceleração/radicalização das reformas capitalistas, iniciadas em 1978, que tiveram como marco econômico-político a adesão do país à Organização Mundial do Comércio, em 2001.
Esse processo de liberalização da propriedade privada no campo e na cidade, de generalização das zonas especiais nas cidades costeiras e no interior do país, de abertura para o capital estrangeiro em todos os setores da economia, de abertura dos mercados financeiros (bancos, bolsa, câmbio) gerou crescente monopolização do capital, via privatizações e fusões e aquisições de capitais menores; exportações de capital; e enorme ampliação da zona de influência de seus trustes e carteis, consolidando a China como principal rival imperialista dos EUA, mesmo considerando a interpenetração de capitais e de mercadorias dessas duas potências imperialistas.
6. A conjuntura da desaceleração mundial para os países dominados pode ser vista como:
- Invariavelmente reforçando sua inserção subordinada na economia mundial em transformação, ainda que de diferentes formas específicas;
- para os países que têm sido “bem sucedidos” nesse processo de “ajustes” às transformações da economia mundial, isso implica acumulação mais dinâmica, com casos diferentes como o da Índia (as maiores taxas de crescimento na atualidade), dos países do Sudeste Asiático e de alguns países africanos (crescimento mais moderado), enquanto a América Latina enfrenta graves crises, apresentando as piores taxas mundiais de crescimento (devido às crises no Brasil, no México, na Argentina e na Venezuela);
- em todos os casos, os países dominados devem ser impactados pela desaceleração econômica global. Na verdade, já estão sendo;
- também nesses países, a conjuntura interna tem sido marcada por ofensivas da burguesia sobre as classes dominadas, que podem ser resumidas (precariamente) sob o nome de “reformas” e ajustes capitalistas.
- a conjunção da situação econômica com a ofensiva burguesa tem originado crises políticas, greves gerais e manifestações de massa em diversos países, apontando para o aumento da resistência das classes dominadas. Contudo, tal resistência ainda possui claros limites organizacionais e políticos, decorrentes de décadas de crise das forças revolucionárias, comunistas. Este é um aspecto fundamental da conjuntura internacional para acompanhar e analisar em 2020.
7. A conjuntura da crise da economia mundial da última década e das transformações no sistema imperialista tem multiplicado/agravado as contradições interimperialistas. O conflito interimperialista comercial, tecnológico e por mercados e zonas de influência entre EUA e China tende a ser o conflito principal da atualidade, ao contrapor os dois principais países imperialistas atuais.
Iniciativas de expansão comercial e de investimentos, disputas territoriais e de zonas de influência, disputas nos aparelhos militares internacionais e conflitos geopolíticos também compõe o cenário das contradições da economia mundial.
2020 iniciou com a radicalização, por parte dos EUA – provavelmente em função de suas disputas políticas internas – do conflito armado no Oriente Médio, com o ato de guerra realizado pelo imperialismo americano ao assassinar um alto comandante das forças armadas do Irã. Essa agressão deve ampliar o nível do conflito armado na região, podendo ter impactos significativos na economia mundial e na reorganização da geopolítica regional, inclusive a participação e as zonas de influência das principais potências (EUA, China, Rússia).
II – Conjuntura nacional
1.Aspecto de princípio a ressaltar na nossa análise de conjuntura nacional – aspecto fundamental para a análise marxista – é que um “sucesso econômico” (no caso, apenas uma retomada parcial e gradual) do ponto de vista da burguesia e das classes dominantes representa, em geral, uma derrota para o proletariado e as classes dominadas.
2. O Brasil atravessa, desde 2013-2014, crises conjuntas, econômica e política, que se reforçam mutuamente e que ainda não foram (inteiramente) resolvidas.
3. A tentativa de saída burguesa para a crise econômica do capitalismo no Brasil tem sido o aumento da exploração do proletariado e das demais classes trabalhadoras, mediante a aplicação do programa hegemônico da burguesia.
Essa ofensiva da burguesia na sua luta de classes contra a classe operária ocorre diretamente na produção (“dentro da fábrica”, no processo de trabalho que opõe patrão/empregados) e também mediante o processo político, ideológico e econômico das “reformas” econômicas governamentais.
A ofensiva da burguesia visa, portanto, não apenas retomar suas taxas de lucro e de acumulação de imediato, no curto prazo, mas também recolocar, de maneira mais favorável para si própria, estruturalmente, as condições para a continuidade e o reforço de sua exploração e dominação de classe.
4. Essa (tentativa de) solução burguesa para a crise econômica gerou, no Brasil, uma “solução” política de extrema-direita para a crise política, para reforçar a repressão exercida pelo aparelho repressivo de estado capitalista no país.
Isso porque a burguesia, ao se ver forçada pela crise a ampliar sua exploração de forma ainda mais explícita, precisa de uma maior repressão para manter sua dominação, já se preparando para a maior reação das classes dominadas.
5. As medidas da burguesia para tentar retomar a taxa de lucro, superar a crise e aumentar a exploração podem ser divididas, para fins analíticos, em três blocos:
- medidas “clássicas” contrarrestantes à queda da taxa de lucro: agravamento das condições do/no mercado de trabalho, tentativas de expansão da acumulação via mercado mundial e crédito, crescimento do capital fictício, e recurso à desvalorização e à centralização do capital.
- reforço das tendências de inserção subordinada à economia mundial presentes nas últimas décadas: desindustrialização, reprimarização e aumento da importância do capital estrangeiro na economia.
- Implantação do programa hegemônico do capital, formulado em suas linhas gerais faz um quarto de século e radicalizado recentemente: “reformas” econômicas capitalistas, com objetivo de reduzir os custos do trabalho e aumentar os lucros, ampliar os espaços de acumulação e dar mais “liberdade” para a atuação dos capitais; ampliação da repressão e ofensiva ideológica.
6. Os resultados concretos que essa ofensiva burguesa obteve em termos de superação da crise econômica ainda são muito limitados. À recessão histórica de 2014-2016 se sucedeu uma estagnação de 2017-2019, com um pífio crescimento de 1% do PIB por ano.
As taxas de lucro parecem ter se elevado em relação à queda ocorrida durante a recessão (2015-2016), mas permanecem abaixo dos níveis pré-crise.
Esse pífio resultado em termos de taxa de crescimento ocorre não obstante a piora significativa das condições de vida e de trabalho das classes operária e dominadas (desemprego elevado, informalidade, precarização e “uberização”, estagnação dos salários, reforma trabalhista e sindical, endividamento, piora dos serviços públicos, chacinas no campo e nas periferias, etc.).
7. Diante de tal ofensiva e dos seus resultados, protestos e manifestações das classes dominadas ocorreram em todo o país, sobretudo no primeiro semestre de 2019 (com limites similares aos apontados acima, para a conjuntura mundial). No Brasil, a quase totalidade do movimento sindical e popular é dirigido pelo reformismo e pelo oportunismo, já fortemente desacreditado e em grave crise, inclusive de financiamento. Por outro lado, a posição proletária permanece profundamente desorganizada e fragilizada.
8. Nessa conjuntura, devemos refutar e denunciar os reformistas e os oportunistas, que defendem a convergência dos interesses das classes antagônicas no capitalismo (burguesia e proletariado), que defendem que quanto mais o rico ganhar, melhor vai ser para o pobre.
9. Na verdade, o que esses pelegos defendem é a subordinação do proletariado à burguesia, defendem baixar a cabeça para os patrões (com medo de retaliação), defendem que fiquemos satisfeitos (agradecidos!) com as migalhas recebidas.
10. Em suma, defendem o capitalismo e negam a possibilidade de sua superação revolucionária, negam a possibilidade do socialismo e do poder operário.
11. O segundo semestre de 2019 apresentou indicadores econômicos ligeiramente melhores que os da estagnação anterior, levando os analistas burgueses a prever crescimento entre 2% e 2,5% em 2020.
Embora esse resultado não possa ser descartado, dados os elevados níveis de ociosidade do capital e do trabalho na economia brasileira atual, a capacidade de o Brasil crescer na contramão da economia mundial parece muito limitada.
12. O cenário mais provável para este ano é o de manutenção/radicalização das tentativas de aplicação do programa hegemônico da burguesia e de agravamento das condições das classes operária e dominadas no mercado de trabalho e no geral, na busca de uma retomada mais significativa da taxa de lucro pela burguesia.
13. Para o proletariado e as demais classes dominadas, não há nada o que esperar, nem desse possível crescimento ligeiramente maior, nem muito menos da aplicação do programa hegemônico da burguesia.
Ambos visam o/resultam do aumento da exploração econômica e da repressão sobre as classes trabalhadoras. Ou seja, a economia pode estar melhorando, mas suas condições de vida estão, objetiva e subjetivamente, piorando.
Estrategicamente, ao proletariado interessa o crescimento de sua unidade de classe, de sua capacidade de organização, de sua força política de massas, de sua teoria, de sua posição política independente, com o objetivo estratégico de derrubar a ditadura burguesa e instaurar o poder proletário, o socialismo.
Os proletários nada têm a perder a não ser os seus grilhões. Têm um mundo a ganhar
Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista, 1848
A emancipação das classes operárias tem de ser conquistada pelas próprias classes operárias
Marx, Estatutos da Associação Internacional dos Trabalhadores, 1867
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Cem Flores
Janeiro de 2020