Greves Gerais na França e na Índia marcam o início de um 2020 de muitas e importantes lutas de trabalhadores em todos os países!
Cem Flores
No final de 2019, ocorreram protestos e levantes populares em mais de uma dezena de países. Equador, Chile, Colômbia, Bolívia, Haiti, Honduras, Líbano, Iraque, Irã, Argélia, Catalunha, França… em todos esses países se verificou uma onda de manifestações semelhante àquela do início dos anos 2010, após o estourar da última grande crise do imperialismo.
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Leia os textos do Cem Flores sobre essas manifestações:
O exemplo do povo equatoriano: só a luta pode barrar a ofensiva das classes dominantes!, de 15.10.2019
Grandes protestos explodem em vários países: motivos não faltam para as massas tomarem as ruas!, de 22.10.2019
Mais lições dos levantes populares que se espalham pelo mundo!, de 24.11.2019
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Há uma característica fundamental que atravessa vários desses protestos e levantes, guardadas suas especificidades: a resistência, mais ou menos espontânea, contra a deterioração das condições de vida das massas trabalhadoras.
Tal deterioração foi e continua a ser uma decorrência da crise e seus efeitos. Diretamente, na recessão, estagnação ou desaceleração econômica, dependendo de cada país, e na elevação do desemprego, do subemprego e da precarização. Ou via a forte ofensiva da classe burguesa para a retomada dos lucros e da acumulação ampliada, que é coordenada pelo Estado Capitalista e suas políticas econômicas. Mais precisamente, estamos nos referindo às suas inúmeras reformas (previdenciária, trabalhista, etc.), ajustes e tarifaços, que possuem como alvo central as classes dominadas, escancarando, assim, o caráter de classe dos governos e das “democracias” – que não hesitam em lançar mão da violência e de táticas de guerra para combater o crescente descontentamento popular!
Por serem resistências de massas com baixo nível de coesão ideológica e de organização política – sintoma do domínio dos sindicatos e das organizações populares pelo reformismo e oportunismo e de uma profunda e prolongada crise do marxismo e do movimento comunista – obviamente esses protestos possuem muitas limitações e contradições. Por exemplo, vários deles refluem depois de um curto tempo ou não possuem alvo e/ou estratégia clara, agremiando ou sendo cooptado por forças políticas burguesas diversas. Esse último fato tem contribuído para uma desconfiança ou mesmo oposição por parte da “esquerda” institucional, reformista.
Objetivamente, no entanto, tais movimentos estão se opondo ao programa do capital e seu Estado, inclusive quando este é dirigido por essa mesma “esquerda” (como foi o caso do Brasil em 2013, cuja difamação por parte do oportunismo retornou com toda força). Sendo assim, é dever dos revolucionários, como temos insistido, pesquisar e aprender as lições que essas complexas lutas nos trazem, assim como participar ativamente delas, buscando construir um caminho revolucionário com e através dessas lutas de massas. Tal como nos ensinam os grandes nomes do marxismo, como Marx, Lenin, Mao e tantos outros.
O ano de 2020 já começou com mais duas grandes lutas da classe operária e demais trabalhadores: as Greves Gerais francesa e indiana. Dois países com mercado de trabalho e históricos bem díspares, mas que nos lembraram da relevância ainda atual desse clássico instrumento de luta política e econômica dos trabalhadores, as paralisações nos processos de produção e circulação capitalistas.
E que nos demonstraram, de novo, o caminho certo para derrotar nossos algozes: a luta!
Greve Geral na França: desaceleração, descontentamento e reformas de Macron
A França tem vivido um novo processo de desaceleração econômica, similar ao dos outros países dominantes. A projeção do FMI para este ano é de crescimento de 1,3% do PIB, mesmo cenário de 2019. Apesar da taxa de desemprego oficial ter diminuído e retornado ao patamar anterior ao da crise, ainda continua uma das mais altas da União Europeia. Além disso, nos últimos anos, o desemprego vem sendo camuflado com o crescimento e a consolidação do trabalho em tempo parcial e temporário e do emprego por conta própria. Como consequência, os salários estão estagnados e a pobreza e a falta de perspectiva têm crescido.
Segundo estudo da OCDE, caso se retirassem os auxílios da assistência social, quase metade da população francesa hoje viveria na pobreza. Enquanto isso, a burguesia dorme tranquila. O fato é que a França também sofreu um forte aumento da desigualdade. Como afirmou Piketty, em sua coluna no Le Monde “Entre 1983 e 2015, a renda média dos 1% mais ricos aumentou 100% (acima da inflação) e a dos 0,1% mais ricos em 150%, em comparação com apenas 25% para o resto da população (ou menos de 1% ao ano).”
Não à toa, todo o ano de 2019 foi palco de manifestações populares por lá. Aliás, já no final de 2018, ocorreu a explosão dos coletes amarelos, após um aumento do preço dos combustíveis, que logo em seguida precisou ser cancelado pelo governo de Macron.
Esse mesmo governo já tinha iniciado seu mandato em 2017 sob fortes protestos por conta de sua reforma trabalhista, em vários pontos sendo uma continuidade da reforma dos “socialistas” Hollande e El Khomri, que possibilitou aumentar a jornada de trabalho para até 60h semanais!
E foi também mais uma reforma do capital, agora da previdência, o estopim para mais uma vigorosa Greve Geral na França, uma das mais fortes desde 1968. Os protestos e paralisações da greve começaram no início de dezembro do ano passado e continuam até hoje, e já arrancaram, inclusive, um recuo importante do governo: a retirada do aumento de idade mínima do projeto de reforma.
Essa reforma da previdência de Macron prevê a transformação dos atuais 42 regimes em um único, com regras cujo objetivo principal é reduzir custos, sob as mesmas chantagens que os trabalhadores brasileiros já estão cansados de sofrer. Contra isso, inúmeras categorias e seus sindicatos cruzaram os braços e centenas de milhares de manifestantes (alguns com coletes amarelos) têm tomado as ruas desde então.
Nem a violência do Estado tem barrado os protestos, que têm sido apoiados pela maioria da população, apesar dos impactos no transporte e outros serviços básicos.
Abaixo, veja dois vídeos de entrevistas com manifestantes e grevistas:
Greve Geral na Índia: o grande crescimento capitalista baseado na miséria das massas – e também as reformas do capital
Diferentemente da França, a Índia cresce praticamente o dobro da média mundial. Mas as contradições desse crescimento capitalista são gritantes. Se, por um lado, há burgueses multiplicando seu patrimônio estratosférico, de outro lado, a miséria das massas continua enorme, e sua exploração, crescente.
Segundo o PNUD, cerca de 370 milhões de pessoas na Índia estão no nível de pobreza “multidimensional”, que envolve acesso a serviços e direitos básicos, além da renda. E, pelos dados da OXFAM, 73% da riqueza gerada em 2017 foi para os 1% mais ricos – já a metade mais pobre levou apenas 1%.
A informalidade do trabalho na Índia é gigantesca. Segundo dados da OIT de 2018, praticamente 9 em cada 10 trabalhadores empregados estão na informalidade. Há inclusive organizações sindicais e políticas específicas para tais trabalhadores e suas pautas.
Esse cenário, potencializado com profundas desigualdades e opressões (entre castas, raças/etnias, religiões, gênero…), tem gerado profundos e radicais processos de luta, no campo e na cidade. No que se refere ao movimento sindical, nos últimos anos, o país tem se destacado com mobilizações que envolvem dezenas de milhões de trabalhadores.
Segundo reportagem do Brasil de Fato, com uma entrevista com a presidente da Central de Sindicatos Indianos (CITU), K. Hemalatha:
Ao mesmo tempo que a Índia passa por uma frequente precarização dos trabalhos, diversas mobilizações aconteceram no país nas últimas décadas, como as greves gerais de 2016 e 2018, que tiveram adesão de cerca de 200 milhões de pessoas. Os manifestantes reivindicaram a criação de um salário mínimo nacional, o reconhecimento compulsório de sindicatos e uma melhor distribuição pública de produtos básicos. […] “Nas principais greves gerais de 2015 e 2016, descobrimos que cerca de 40% dos que participaram não estavam sindicalizados”. Segundo ela, “o que gerou essa militância é que as condições de vida se deterioraram para os trabalhadores na Índia, tanto no campo, quanto na cidade. Os salários estão estagnados, a agricultura em perigo. Lutas em um setor inspiram lutas em outro”.
No dia 8 de janeiro, os trabalhadores de novo paralisaram e protestaram em todo o país contra sua situação e contra as políticas do Governo Modi, que incluem privatizações e uma reforma trabalhista[i]. Setores do campo e da cidade, da esfera pública e privada, das indústrias e dos transportes, novamente, pararam o país e mostraram forte união e disposição para o enfrentamento.
Nossos irmãos na França e na Índia mostram o caminho!
Como vimos, o proletariado e as classes dominadas na França e na Índia estão também sofrendo os duros impactos da crise e da ofensiva burguesa, assim como nós no Brasil. Desemprego, informalidade, miséria, desigualdade, exploração… Tudo isso conhecemos muito bem!
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Leia nossas Teses sobre a Conjuntura, de 10.01.2020.
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Que em 2020 o Brasil entre na lista de trabalhadores e povos que estão a se levantar! Que consigamos fortalecer as ruas e as paralisações que já fizemos em 2018 e 2019. Pois a informalidade, a baixa taxa de sindicalização, a pobreza, a força do inimigo, mostram os recentes casos da França e da Índia, nada disso é um impedimento para nossa revolta: são, sim, seu combustível!
[i] Segundo Michael Roberts, tal ofensiva se explicaria pela queda da taxa de lucros na Índia nos últimos anos, mesmo diante do vultoso crescimento econômico do país. “A resposta para o capital indiano e endossada por Modi é a privatização, os cortes nos subsídios de alimentos e combustíveis e um novo imposto sobre vendas, um imposto que é a maneira mais regressiva de obter receita à medida que atinge mais os pobres. O objetivo é, como sempre acontece com a política econômica neoliberal, aumentar a taxa de exploração do trabalho para aumentar a lucratividade do capital e, assim, incentivar o investimento, algo que o capital indiano está se recusando a fazer no momento.”