CEM FLORES

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Cem Flores, Conjuntura, Lutas, Teoria

A Pandemia, a Recessão, as Medidas Burguesas e a Reação dos Trabalhadores no Mundo e no Brasil

Trabalhadores em greve na Itália, em 5.2.2020, vinculando os impactos recentes do coronavírus com os efeitos mais permanentes do desemprego e do trabalho precário no capitalismo. 

Cem Flores
20.03.2020

O pânico tomou conta dos mercados mundiais em março, com a pandemia de coronavírus atingindo boa parte do mundo. A crise econômica se manifesta em quedas nas bolsas de valoresredução do comércio internacionalparalisação nas cadeias de produção e de fornecimento globaiscontração dos indicadores de produção e de vendas, entre outros. Tudo isso simultaneamente à imposição de fechamento de cidades, regiões ou países inteiros, cancelamentos de aulas e de eventos esportivos e culturais, restrições ou proibições de funcionamento do comércio, férias coletivas em empresas, decretações de estado de exceção ou de calamidade pública. Neste momento, tanto os principais países imperialistas quanto os dominados, incluindo o Brasil, estão despencando em recessões de proporções ainda impossíveis de prever

As consequências desses dois eventos – recessão e pandemia – vão afetar gravemente a classe operária e todas as trabalhadoras e trabalhadores do mundo. Em primeiro lugar, pelo aumento do desemprego aberto, cortes salariais, piora nas condições de trabalho e de rendimentos. Em segundo lugar, através de sistemas públicos de saúde abarrotados e insuficientes, transportes públicos lotados, condições de moradia e saneamento precárias, ameaça de desabastecimento, crescimento da pobreza, etc. E, por fim, com os riscos de permanência e aprofundamento do estado de exceção, em um contexto que a repressão burguesa e de seu Estado já está em patamares elevados, a combater qualquer resistência e luta das massas (greves, manifestações, protestos etc.).

Como mostra o exemplo da foto acima – e vários outros ao redor do planeta, além da Itália, Inglaterra, França, Canadá e Brasil – os trabalhadores percebem os riscos a que estão sujeitos pela pandemia e as ameaças que a recessão lhes traz, bem como os impactos diferentes desses dois eventos conforme as classes do sistema capitalista e, mais importante, começam a ligar esses fatores para se mobilizar, se organizar e lutar.

1. A economia mundial e brasileira antes da pandemia

A pandemia ocorre com a “economia mundial … desacelerando de forma indiscutível nos últimos dois anos, aparentemente caminhando para uma recessão em 2020 ou 2021”, como afirmamos nas nossas Teses sobre a Conjuntura, de janeiro deste ano. Ou seja, a pandemia acelerou e agravou um processo recessivo que já estava em curso na Europa (especialmente Alemanha, Reino Unido e Itália) e México, Argentina, África do Sul, etc. 

Não obstante a recessão europeia, os principais responsáveis pela desaceleração mundial no começo do ano eram as duas principais potências imperialistas mundiais, os EUA e a China. Em janeiro, o FMI projetava desaceleração para esses dois países até 2021. As razões disso são os agravamentos das suas contradições capitalistas e o acirramento dos conflitos inter-imperialistas, como a chamada “guerra comercial”. 

As contradições do capitalismo se expressam atualmente no sistema imperialista mundial por meio do baixo crescimento da produtividade, da estagnação da produção, dos investimentos e das exportações (com impacto nos preços das commodities), da explosão do capital fictício e dos níveis recordes de endividamento (público e privado) e no aumento da desigualdade. Todos esses fatores têm contribuído para a trajetória de redução das taxas de lucros que os principais países imperialistas apresentam nos últimos anos, indicando a futura crise. 

No caso brasileiro, a histórica recessão de 2014-16 foi seguida de uma estagnação, com crescimento de 1% de 2017 a 2019. Como resultado, o PIB per capita de 2019 ainda era menor que o de 2010. O desemprego, que dobrou durante a recessão, só se reduz muito lentamente e ainda foi de quase 12% em 2019. E as novas vagas criadas são principalmente informais, de trabalho intermitente e precárias. Para mais detalhes sobre a situação da economia brasileira no ano passado, veja nosso recente texto: Continuidade da estagnação econômica com aumento da exploração do trabalho: a economia brasileira em 2019

As contradições do sistema imperialista e dos principais países vinham se acumulando e se agravando nos últimos anos, tornando cada vez mais provável uma nova recessão. O gatilho desta recessão de 2020 – ao invés de ser o mercado financeiro imobiliário dos EUA, como em 2008 – foi a pandemia do coronavírus e a reação a ela. A pandemia pegou a economia mundial à beira de uma recessão e a empurrou no abismo

2. A recessão mundial de 2020

As primeiras estatísticas deste ano mostram um começo de recessão mais agudo que em 2008. Em janeiro e fevereiro, os indicadores da indústria manufatureira e dos serviços na China tiveram seu pior resultado histórico. As bolsas de valores, que estavam com capitalização recorde em janeiro, chegaram a ter perdas de um terço (Nova York) de seu valor de mercado. O capital fictício destruído com essas quedas já supera US$ 6 trilhões. Há fugas de capitais nos países que não têm moedas conversíveis. Soma-se a isso as tensões geopolíticas em torno do petróleo, opondo Rússia e Arábia Saudita, que já haviam derrubado o preço do petróleo antes da decretação da pandemia. 

Diante da crise, os aparelhos financeiros dos Estados capitalistas ao redor do mundo vêm repetindo a mesma reação de 2008: criação de imensas somas trilionárias de capital fictício para distribuir para os bancos e as empresas. O banco central dos EUA anunciou como primeiras medidas a redução dos juros para zero e compras de US$ 700 bilhões e avisou estar preparado para mais. Atuando como o gestor do dinheiro mundial, o Federal Reserve anunciou que vai fornecer dólares para Canadá, Inglaterra, Japão, Suíça e Área do Euro, além de Austrália, Brasil, Dinamarca, Coreia, México, Noruega, Nova Zelândia, Cingapura e Suécia. O Banco Central Europeu agiu na mesma linha oferecendo € 870 bilhões, criando linha emergencial para bancos com juros negativos e liberando capital para os bancos emprestarem mais € 120 bilhões e afirmando que aumentará o montante se achar necessário. Já o FMI mandou avisar que tem poder de fogo de US$ 1 trilhão. Além disso, somam-se outros trilhões de dólares em pacotes fiscais (redução de impostos) para empresas, como o proposto pelos EUA.

Mesmo no cenário otimista em que a pandemia é superada e a economia volta ao “normal”, às contradições que já estavam presentes em 2019 somam-se agora as novas, agravadas pela presente recessão. A recessão destruirá capital, as empresas que sobreviverem estarão mais endividadas, o setor bancário com mais empréstimos duvidosos, as dívidas públicas serão ainda maiores. Tudo isso vai pesar sobre as taxas de lucro e tornar mais lenta essa possível retomada (nesse cenário otimista). 

Quanto aos trabalhadores, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou seu primeiro estudo sobre o impacto da recessão: “estimativas preliminares da OIT indicam crescimento no desemprego global entre 5,3 milhões (cenário otimista) e 24,7 milhões (cenário pessimista) a partir de uma base de 188 milhões de desempregados em 2019”. Para efeito de comparação, a OIT estima que a crise de 2008-9 gerou 22 milhões de desempregados. Essa recessão também deverá gerar “acréscimo de 8,8 milhões de trabalhadores na pobreza ao redor do mundo”. 

3. A recessão brasileira de 2020

No Brasil, os impactos imediatos da crise ocorreram nos mercados financeiros. A Bovespa já caiu mais de 40% desde o seu recorde em janeiro. A fuga de capital estrangeiro atingiu US$ 4,4 bilhões em fevereiro. O dólar superou R$ 5, confirmando a capacidade de Guedes “fazer muita besteira. As expectativas para o PIB de 2020 já baixaram de 2,8% um ano atrás, para 1,7% no último dia 13 de março. Goldman Sachs e J.P. Morgan já preveem nova queda do PIB, de 1%, neste ano. 

Aqui como no exterior, o governo já monta seus pacotes de salvamento do capital. O Ministério da Economia fala em R$ 179,6 bilhões e o Secretário do Tesouro Nacional, em déficit primário de R$ 200 bilhões. O governo passa a falar de “proteção ao segurado do INSS”, como se não houvesse fila de 2 milhões de pedidos sem atendimento. Como o cinismo não tem limites, fala também em “Reforço ao programa Bolsa Família: destinação de recursos para possibilitar a ampliação do número de beneficiários – inclusão de mais de 1 milhão de pessoas”, sem mencionar o “corte de 972 mil famílias, além de mais de 1 milhão de famílias na fila de espera” desse mesmo Bolsa Família. 

As medidas para “manutenção de empregos” são todas para reduzir os impostos dos empresários: não precisa mais pagar FGTS nem Simples e reduz pela metade o sistema S por 3 meses. O hipocritamente chamado “programa antidesemprego” prevê “redução proporcional de salários e jornada de trabalho.

Acuado diante da gravidade da crise e da incapacidade de respostas efetivas, o governo de extrema-direita, fascista, tem atuado em duas direções: 

1) redobra a aposta na sua escalada autoritária mediante convocações de manifestações de sua base mais extremista. Além das pequenas, porém significativas, manifestações de 15 de março – com foco em intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF – agora o presidente convoca manifestações em frente aos quarteis, com a mesma pauta, no aniversário do golpe de 1964. 

Esses eventos parecem mostrar que há um maior isolamento de Bolsonaro e sua corja, com seguidas defecções de setores do seu eleitorado de 2018, e a busca (até agora infrutífera) de alternativas burguesas. O tema de seu impeachment já é corrente em diversos setores e representantes das classes dominantes (aquiaquiaquiaqui e aqui). No entanto, esse maior isolamento tem como contrapartida a maior radicalização da extrema-direita e de suas tendências fascistas e ditatoriais, buscando maior proximidade e apoio tanto nas forças armadas quanto nas polícias e nas milícias.

2) tenta se aproveitar da crise para avançar na pauta de “reformas”, na implementação do programa da burguesia, e, com isso, se mostrar ainda capaz de atuar como representante dessa burguesia na gerência do Estado. Esse foi o pleito de Guedes aos presidentes da Câmara e do Senado, em 10 de março, listando os projetos prioritários dessa agenda burguesa, como as “reformas” administrativa e tributária; as três propostas de mudança da constituição enviadas no final do ano passado (Emergencial, Pacto Federativo e Fundos Públicos); os novos marcos legais para a privatização dos setores de gás, elétrico e saneamento, além das ferrovias e da Eletrobrás; e a medida provisória do emprego verde-amarelo, eliminando conquistas trabalhistas, entre vários outros. 

O governo parece ter clara a necessidade de promover essas reformas e buscar um maior crescimento econômico para manter o apoio da burguesia e, com isso, se manter no poder. Como disse o próprio Bolsonaro, ao criticar as medidas do Ministério da Saúde para combater a pandemia de coronavírus: “Vai ter um caos muito maior se a economia afundar. Se a economia afundar, afunda o Brasil. Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo“. 

Completa esse cenário a quase total incapacidade da “esquerda” (sic!) eleitoreira, reformista e institucional de mobilizar os operários e as massas trabalhadoras e pobres. Em primeiro lugar, porque tal “oposição” há muito não possui credibilidade com essas massas, sobretudo após sua estadia na gerência do Estado burguês. Em segundo, porque, sobretudo suas máquinas sindicais, foram fortemente afetadas com a reforma trabalhista. Por fim, sua linha política permanece tendo como base a defesa de bandeiras recuadas e genéricas (como a defesa da “democracia”), além de desconectadas da vida e luta das massas. 

4. A classe operária, os trabalhadores e a população pobre e de periferia ante essa nova recessão

Mas independentemente dessa fraqueza da esquerda institucional, e além dela, relevantes movimentações das massas têm sido feitas e muitas outras certamente ocorrerão em breve em nosso país. Eis o terreno sob o qual os comunistas e lutadores do povo devem dedicar todo o seu esforço de análise e de participação direta e solidária.

Ora, está claro para a classe operária, para todos os trabalhadores e para as massas pauperizadas do país que essa pandemia é uma grave ameaça de piora das suas condições de existência, quando não para sua própria vida e de seus familiares e companheiros. É sabido por todos eles, da forma mais dura, que a recessão causará (e já está causando!) aumento do desemprego, piora nas condições de trabalho e renda dos que conseguirem se manter empregados (só ver a proposta do governo de cortar salários), dificuldades para cuidar e manter suas famílias. Resumindo: ainda mais miséria, fome e sofrimento.

Sabem também do sistema de saúde já precarizado pelos sucessivos cortes de recursos, e que agora está ameaçado de sucumbir ante a superlotação

Por fim, conhecem na pele que medidas como a do estado de calamidade pública, a decretação de lei marcial, tendem a intensificar a repressão às suas manifestações, reuniões e assembleias, fortalecendo o lado dos patrões e seus governos

E por isso, como em vários países, as classes dominadas daqui já estão a reagir, nas condições e formas que encontram nessa nova conjuntura! Um exemplo disso tem sido os panelaços, em grande parte espontâneos, contra o governo, que também vem sofrendo com o aumento da rejeição e da insatisfação em relação a suas últimas medidas

Em muitos locais de trabalho, cotidianamente, os trabalhadores também vêm se rebelado frente à sanha patronal (que sempre coloca o lucro acima de qualquer coisa!) e às primeiras medidas da burguesia diante da recessão que está a se construir. E essa rebeldia pode crescer com o avanço da crise, da pandemia e da sanha por manter os lucros da burguesia. Abaixo alguns exemplos mais visíveis e noticiados: 

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A história dos dominados, dos oprimidos e explorados sempre foi uma história dura de resistência e luta. Os recentes eventos não indicam para nós nada de diferente. O presente continua de luta, por nossas vidas e de nossos próximos, seja contra a pandemia, seja contra as imposições do capital e seu Estado. 

Para a manutenção de nossos empregos e salários, para oferecer condições mínimas de vida a nossas famílias, nossa organização e mobilização, nossa solidariedade nos seus locais de moradia e trabalho, mais uma vez, serão decisivas. Eis o exemplo concreto que os petroleiros, os metalúrgicos, os trabalhadores de call-center e tantos outros estão a nos dar, aqui e mundo afora! 

Protesto de trabalhadores de call-center, São Paulo, 20 de março (PA: Posto de atendimento)

O PRESENTE É DE LUTA!

O FUTURO SERÁ NOSSO!

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- 20/03/2020