CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Mulher

A piora da situação das mulheres trabalhadoras continua no Brasil. Sua luta também!

Desde o ano passado, as mulheres trabalhadoras no Brasil são as mais afetadas com o desemprego e a carestia. Dentro de casa, não só tiveram suas tarefas multiplicadas como se tornaram ainda mais expostas à violência doméstica. Nessa luta diária, elas têm se destacado como lideranças de comunidades em todo o país.

29.06.2021

Cem Flores

O conjunto das classes trabalhadoras sofreu fortes impactos da última crise do capital e da pandemia no Brasil. Também na atual recuperação cíclica, de curto prazo, do capital não há perspectiva de melhora para essas classes. Elas continuam sendo as maiores vítimas da covid e a sofrerem com a elevação da miséria e exploração para a retomada dos lucros dos patrões. Eis o que o capitalismo tem a oferecer a grande maioria: desemprego, fome, morte…

As mulheres trabalhadoras sofreram não só com pandemia, desemprego e fome, como também viram a opressão patriarcal que pesa sobre elas se intensificar, com mais trabalho e violência doméstica. Atualizamos, neste texto, um panorama da situação da mulher trabalhadora que fizemos no ano passado em nosso livro digital A luta de classes no Brasil em contexto de crise e pandemia. Buscamos mostrar a base material da opressão contra a mulher trabalhadora e sua relação com a situação geral de mais exploração e piora generalizada das condições de vida das classes trabalhadoras. A luta das trabalhadoras, assim, deve integrar-se à luta de classes contra o capitalismo.

As mulheres trabalhadoras são as mais atingidas pelo desemprego e pela miséria

As últimas crises econômicas no Brasil (2014-2016, 2020) fizeram o desemprego explodir. A taxa de desemprego praticamente dobrou desde 2014, e hoje temos uma massa de mais de 30 milhões de desempregados/as e subocupados/as no país. Fora os mais de 30 milhões na informalidade… Uma verdadeira devastação do mercado de trabalho.

As mulheres trabalhadoras têm sofrido essa realidade de forma particularmente dura. A taxa de desemprego ampla entre elas já se encontrava mais elevada do que a dos homens antes dessas últimas crises. Em 2014, enquanto os homens tinham uma taxa em torno de 12%, a das mulheres era em torno de 18%. De lá para cá, não só ocorreu um aumento geral do desemprego como se aprofundou a diferença entre homens e mulheres. As mulheres, no primeiro trimestre de 2021, possuíam uma taxa de desemprego ampla por volta de 35%, 11,8 pontos percentuais acima da taxa referente aos homens. Quase o dobro da diferença no início das últimas crises.

Fonte: IBGE. Utilizamos a chamada “taxa composta de subutilização da força de trabalho”, a taxa mais ampla de desemprego, incluindo os/as trabalhadores/as em busca ativa por emprego, os/as subocupados/as e a força de trabalho em potencial.

Esse forte impacto nas mulheres trabalhadoras também se expressou na sua taxa de participação na força de trabalho. No primeiro trimestre de 2020, esta taxa se encontrava em 52,1%. com a crise teve uma forte queda, chegando a 45,8%, e apenas se recuperando em dois pontos percentuais em 2021. Isso significa que hoje temos menos da metade das mulheres trabalhadoras em idade para trabalhar ativas no mercado de trabalho. Menor percentual em 30 anos!

Além da crise e do desemprego, outra razão para a saída das mulheres trabalhadoras do mercado de trabalho foi o crescimento do trabalho doméstico, realizado sobretudo por elas. Tal crescimento ocorreu diante do fechamento de creches e escolas durante a pandemia e da maior carga de trabalho com o lar e a família. Essa realidade tende a continuar, ao menos parcialmente, enquanto durar a pandemia.

As mulheres trabalhadoras, além de serem as mais atingidas pelo desemprego, também estão entre as mais atingidas no recente aumento da miséria e da fome. Antes da pandemia e da última crise, os índices de extrema pobreza eram maiores entre elas, sobretudo entre as mulheres negras. Em 2020, somente em 35,9% dos domicílios chefiados por mulheres os habitantes tinham “segurança alimentar” (ou seja, não estavam passando fome), contra 52,5% quando a pessoa de referência era homem. O auxílio emergencial, que ajudou a minimizar essa realidade da fome durante alguns poucos meses, hoje praticamente não existe.

Nesta explosão de desemprego e miséria, a situação das mulheres trabalhadoras se mostra particularmente grave. Os setores mais afetados com a pandemia foram os serviços, de forte presença feminina. Os serviços domésticos, por exemplo, sofreram um profundo choque sem recuperação a vista. O número de trabalhadoras domésticas (remuneradas) ocupadas hoje está cerca de 1 milhão abaixo do nível pré-pandemia. Ano passado, segundo os dados do Caged, enquanto os homens apresentavam saldo positivo de vagas de empregos formais, as mulheres trabalhadoras amargaram um saldo negativo.

Mais trabalho e violência dentro de casa: o reforço da opressão à mulher trabalhadora

A crise do capital e a pandemia, no Brasil assim como no mundo, têm reforçado as desigualdades inerentes à sociedade capitalista. Para as mulheres trabalhadoras, isso significa mais miséria e exclusão da produção social, e, também por conta disso, reforço da opressão sobre elas.

A opressão da escravidão doméstica da mulher trabalhadora no capitalismo serve para garantir a reprodução da força de trabalho e para redução de seu valor. Expressa-se também no domínio que os homens buscam ter da vida das mulheres, realidade evidenciada de forma brutal nos casos de violência doméstica.

Como dissemos acima, o trabalho doméstico se ampliou bastante nesse período no Brasil. A pandemia trouxe mais afazeres e cuidados para os lares, por exemplo, cuidado com os doentes e com as crianças e os jovens em ensino remoto. A maior parte disso recaiu sobre as mulheres trabalhadoras, mais uma vez, ensinadas desde cedo de que são as responsáveis “naturais” por esse trabalho.

Segundo o relatório Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia, entre as mulheres responsáveis pelo cuidado de crianças, idosos ou pessoas com deficiência, 72% afirmaram que aumentou a necessidade de monitoramento e companhia dentro dos domicílios nesse período. As tarefas que mais aumentaram foram: preparar ou servir alimentos, lavar a louça, limpar e arrumar o domicílio e cuidar da limpeza das roupas.

O Brincar nas Favelas Brasileiras é outro relatório que demonstra a sobrecarga de trabalho sofrida pela mulher trabalhadora nesse período. A pesquisa, que entrevistou mães de periferias de todo o país, levantou dados sobre os impactos da pandemia na vida social das crianças, mas também contou com perguntas sobre as mudanças no cotidiano das mães. 86% delas afirmam que não têm tempo para si.  Mais de 60% relatam problemas para conciliar o trabalho fora e dentro de casa, que inclui o acompanhamento das crianças. Além do cansaço físico, tal elevação de trabalho também causa maior desgaste mental e emocional, sendo prejudicial à saúde de diversas formas.

Metade das mulheres, segundo o relatório Sem Parar, alegaram ainda que passaram a cuidar de mais alguém na pandemia. Por vezes, não apenas da família, mas também vizinhos e amigos – eis uma das razões para o crescimento de seu papel comunitário nas periferias.

Essa piora nas condições de vida das mulheres trabalhadoras dentro de casa, que muitas vezes ainda enfrentam outra jornada de trabalho e exploração fora de casa, se soma à violência doméstica, agravada no contexto de crise e pandemia. Isso porque, como vimos acima, milhões de mulheres trabalhadoras perderam suas ocupações e a renda das famílias trabalhadoras diminuiu, reforçando assim a dependência econômica das mulheres trabalhadoras em relação aos homens e o nível de tensão familiar. Além dessa situação agravante, houve um maior confinamento das mulheres trabalhadoras em casa, junto com seus agressores, o que dificultou a denúncia e reação a tal violência.

Vemos essa realidade na terceira edição do relatório Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. Uma em cada quatro mulheres no Brasil acima de 16 anos afirmou ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, segundo a pesquisa. Metade da população relata ter visto uma mulher sofrer alguma violência no seu bairro nesse período. Esses são dados que demonstram a brutal opressão sofrida pelas mulheres trabalhadoras no Brasil. Milhões de mulheres trabalhadoras sofrendo violência verbal, psicológica, física ou sexual cotidianamente, em todos os cantos do país.

A maior parte dos casos de violência, como demonstra a pesquisa, ocorreu na própria casa das vítimas com autores sendo homens conhecidos, como maridos, namorados ou ex-companheiros. Para a mulher trabalhadora, sua própria casa, além de sinônimo de trabalho é também sinônimo de risco!

Os dois fatores que as mulheres trabalhadoras vitimadas mais apontam como influenciando a violência foram a perda de emprego e renda, impossibilitando o próprio sustento, e por vezes dos filhos, e a maior convivência com o agressor por conta da pandemia. Sem mínima independência econômica, presa à escravidão do lar, fica mais difícil para a mulher trabalhadora encontrar meios de escapar de situações de violência doméstica. Por vezes, elas pensam em seus filhos, na possível piora na vida deles, e tentam resistir à situação de outras formas. Em contexto de maior isolamento social, as redes de proteção das mulheres trabalhadoras diminuem, e estas se veem de forma mais frequente na presença e no controle do agressor.

Cerca de 45% das mulheres, não à toa, não conseguiram fazer nada em relação à agressão mais grave sofrida, demonstrando as difíceis condições para reagir a tal violência por parte das mulheres hoje em dia. A maior parte das que reagiram buscaram ajuda em sua família ou em sua própria comunidade, tentando criar, coletivamente, formas de barrar ou pelo menos amenizar a violência.

Frente à perspectiva de continuidade de elevado desemprego, especialmente para as mulheres trabalhadoras, e de uma pandemia que se arrasta no país, a violência e o trabalho doméstico podem permanecer nesse novo e cruel patamar – de ainda mais opressão e exploração da mulher trabalhadora!

A organização e a luta da mulher trabalhadora nessa difícil conjuntura

Em mais uma crise do capital, as mulheres trabalhadoras, não só daqui, mas do resto do mundo se veem espremidas: de um lado, pela maior pobreza e fome; de outro, pelo reforço de sua violenta opressão. Para sair desse aperto, as mulheres trabalhadoras não podem contar com seus inimigos de classe. A burguesia lucra sob a fome, o suor e o sangue de trabalhadores e trabalhadoras, mesmo que hipocritamente fale em defesa e nos direitos das mulheres todo 8 de março. Para a mulher trabalhadora, esses direitos são só palavras em um papel!

Elas só podem contar com sua própria força e organização, integrando sua luta com a de seus irmãos de classe, ao mesmo tempo que combatem o danoso machismo e opressão que ocorre também dentro das classes trabalhadoras. Somente a luta dessas classes pode criar uma nova sociedade, na qual a opressão da mulher trabalhadora e suas bases materiais sejam eliminadas.

Vários são os exemplos de organização e luta das mulheres trabalhadoras na resistência à grave situação na qual se encontram hoje no Brasil. Elas estiveram na linha de frente de importantes greves recentes, como na greve da LG e suas empresas terceirizadas neste ano e dos call centers no ano passado. Assim como elas se destacam nas periferias de todo o país como lideranças em defesa de suas comunidades, em ações coletivas e de solidariedade, buscando resolver de forma exemplar os problemas concretos de saúde, alimentação, educação dentre outros.

De uma realidade de mais exploração e opressão, muitas têm conseguido converter em mais união, força e garra! De sua posição de subalternas, elas despontam como organizadoras e referências de suas comunidades!

O desafio que temos à frente é reforçar tal resistência. As classes trabalhadoras só podem avançar nas suas lutas se tiverem mulheres ativas, cada vez mais organizadas e lutando por seus interesses. Elas foram fundamentais em outros momentos de elevação da carestia de vida, exploração e desemprego e continuam a ser. Nessa luta elas também vão forjando os instrumentos de sua própria emancipação.

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- 29/06/2021