Guerra na Ucrânia: preparação de conflitos interimperialistas ainda maiores!
2ª Nota política conjunta do Cem Flores e do Bandeira Vermelha
25 de maio de 2022.
Os coletivos Bandeira Vermelha e Cem Flores publicamos, em 18 de fevereiro de 2022, alguns dias antes da invasão russa à Ucrânia, uma nota conjunta afirmando que:
- A Ucrânia havia se tornado “o principal palco da disputa entre União Europeia (UE), EUA e Rússia na disputa por ampliação (EUA e UE) ou manutenção (Rússia) de zonas de influência para seus interesses imperialistas.”
- Que as tensões na região demonstram “o agravamento das contradições em função da persistente e crescente crise do capitalismo a nível mundial, o que torna cada vez mais urgente a procura de novos espaços onde as economias imperialistas em crise se possam expandir e tentar ultrapassar a crise iniciada em 2007/08 com a conquista de novos mercados e novas fontes de energia. O que também implica o estabelecimento de novas alianças políticas, econômicas e militares.”
- Que aos Estados Unidos interessava estimular o confronto na Ucrânia, contrapondo a Rússia à União Europeia pois enfraquecia “dois poderosos concorrentes, deixando-o sozinho frente à China”, além de que “veria exponencialmente aumentado o grau de dependência dos países europeus face ao imperialismo norte-americano.”
- Que “a ameaça de guerra na Ucrânia, de forma indireta, também põe em cena o conflito crescente entre as duas principais potências imperialistas de hoje: os EUA e a China. Esta última tem dado sinais mais fortes de apoio à Rússia, em clara mensagem aos EUA. (…) Os EUA têm reforçado suas alianças que buscam frear a expansão chinesa, ao mesmo tempo que impulsionam a escalada de uma guerra no leste europeu.”
- E a nota conjunta finalizava destacando que não havia resistência proletária a esse avanço da guerra imperialista “porque o campo comunista e anti-imperialista está muito enfraquecido e desorientado, não tem um núcleo coerente e firme e está eivado de todo o tipo de posições reformistas, conciliatórias e interclassistas que o paralisam quase que por completo. Contra este desastroso estado de coisas, tornam-se cada vez mais urgentes as tarefas de reconstruir partidos comunistas em todos os países e reerguer uma nova corrente internacional que deite fora todo esse lixo centrista e avance na posição revolucionária, a partir de sólidas ligações com as massas proletárias e trabalhadoras e suas vidas e lutas.”
Concluído o terceiro mês dessa nova fase da guerra na Ucrânia, novo desdobramento do conflito iniciado em 2014, podemos afirmar que os pontos e as tendências principais destacados nessa nota conjunta estavam e continuam corretos. Esses desdobramentos confirmam nosso entendimento de que o conflito reforça as tendências para uma nova ordem mundial, hegemonizada pela contradição interimperialista entre EUA, potência em declínio relativo, e China, potência ascendente. Nessa nova ordem imperialista, União Europeia e Rússia deverão ser remetidas (não sem contradições e disputas) à condição de potências regionais subordinadas aos interesses e esferas de influência das duas grandes potências imperialistas. Além disso, as duas principais potências imperialistas travam uma acirrada disputa para consolidar suas alianças regionais (EUA com Quad, Aukus e a nova Estrutura Econômica Indo-Pacífica; China principalmente com a nova Rota da Seda e inúmeras outras iniciativas regionais) e incorporar países em disputa.
Mesmo com todo o controle dos órgãos de informação, tentando apresentar um lado ou outro dessa contenda como “defensores da democracia e da liberdade” (sic!) ou como “resistentes nacionalistas ou combatentes antinazistas” (sic!), mostrando claramente a quem servem esses monopólios da mídia, o que ficou claro aos que querem ver é que se trata, fundamentalmente, de uma guerra por razões econômicas e geopolíticas, de interesses imperialistas, por espaços de expansão ou manutenção da reprodução dos monopólios, uma guerra como extensão da luta política e da concorrência entre blocos e países imperialistas.
Nesses três meses de conflito aberto, gastos militares astronômicos e devastação, vimos os EUA e a OTAN aprofundarem sua influência e seu controle sobre o bloco europeu, utilizando-o para prolongar ao máximo a guerra na Ucrânia, com gigantesco apoio militar ao governo fantoche de Zelensky, em seu interesse de isolar politicamente e enfraquecer econômica e militarmente a Rússia. Mesmo às custas da destruição completa da vida de milhões de ucranianos além da infraestrutura do país.
O conjunto das violentas sanções econômicas anunciadas pelos EUA e seus aliados contra a Rússia indica claramente os interesses em jogo. No entanto, a implementação efetiva bem mais limitada dessas sanções demonstra as intrincadas relações econômico-financeiras entre Rússia e Europa (principalmente), além de também expressar o menor peso dos EUA na economia mundial. Vários países no mundo adotam diversos subterfúgios para evadir as sanções ou propõem calendários extremamente largos para sua implementação, dados os elevados prejuízos que o corte das relações comerciais com a Rússia acarretaria, principalmente em virtude da dependência energética do gás e petróleo russos. Outros, nomeadamente a esmagadora maioria dos países africanos, asiáticos e latino-americanos, resistem a tomar partido nesse confronto.
Do outro lado, a Rússia avança militarmente no controle do leste industrial da Ucrânia e de todo o sul do país, no litoral do Mar Negro. A afirmar-se esse quadro militar atual, a Rússia terá dominado a região industrial do país e toda a saída para o mar, inviabilizando uma posterior recuperação econômica da Ucrânia, o que porá em grave risco a segurança alimentar de muitos países que dependem da importação do trigo ucraniano. Mas se há algo que nem os EUA/OTAN/UE, a Rússia ou a China e o próprio governo de Zelensky estão preocupados é com a Ucrânia e menos ainda com seu povo trabalhador e todos os outros países que sofrem e sofrerão ainda mais no futuro as consequências da guerra. Suas únicas preocupações são com os lucros e os negócios dos capitais que representam.
Como desdobramento desse quadro, Rússia e China aprofundam seus elos políticos, econômicos e militares e reforçam-se como aliança imperialista a fazer frente aos EUA e a UE. Arrastam consigo um significativo número de países, principalmente por conta das relações econômicas chinesas espalhadas pelo mundo todo e pela força de atração que exerce essa gigantesca economia imperialista junto aos capitais em todo os países.
Todos os fatos apontam no sentido do agravamento de todas as contradições na conjuntura mundial e a tendência à expansão dos conflitos militares imperialistas.
Como também afirmamos em nossa nota anterior, reforçado pelos fatos atuais, “mais uma vez, as palavras de Lênin permanecem verdadeiras: o imperialismo, a fase monopolista do capitalismo, tem como tendências irrefreáveis a violência e a guerra. A violenta concorrência entre os capitais, acirrada na fase monopolista, tem como um de seus desdobramentos necessários a disputa entre estados capitalistas, entre as potências imperialistas e seu poderio bélico cada vez maior, por suas zonas de influência ao redor do mundo.”
Essa guerra, resultado do avanço das contradições interimperialistas, ampliadas desde a crise de 2007/2008, aprofunda ainda mais o estado depressivo da economia mundial (ao mesmo tempo que o reforça a curto e médio prazo), que nem sequer havia conseguido superar os efeitos da pandemia da Covid em 2020/2021. Essa crise prolongada vem reconfigurando a divisão internacional do trabalho, com a China apresentando-se cada dia mais como a potência imperialista em ascensão, disputando com os EUA, que vê sua hegemonia enfraquecer.
Como efeitos da crise da Covid, das quebras nas cadeias internacionais de produção e distribuição e da guerra da Ucrânia, a inflação dispara em todos os países do mundo, atingindo principalmente alimentos, combustíveis e energia, aprofundando ainda mais os efeitos da crise sobre os/as trabalhadores/as de todo o mundo. Para garantir os bilhões de dólares para a máquina de guerra, os Estados capitalistas cortam ainda mais os já combalidos programas sociais, reduzem salários e retiram conquistas trabalhistas, aprofundando a exploração dos/as trabalhadores/as nos seus países, preparando-se para os embates econômicos/militares na nova situação internacional. Em resumo, a crise e a guerra imperialista impulsionam os monopólios capitalistas dos países a tentarem retomar suas taxas de lucro e trazem a morte, a fome, a miséria e o aumento da exploração na vida dos trabalhadores e das trabalhadoras.
Além disso, o imperialismo em crise, as disputas interimperialistas e o avanço da exploração capitalista resgatam a ideologia fascista no mundo todo. Assim como na véspera da 2ª Guerra Mundial, organizações nazistas e fascistas ressurgem em vários países buscando apresentar-se como alternativa política de gestão do estado a favor dos capitais por serem eficazes na luta contra seus concorrentes capitalistas e, principalmente, no controle, dominação e repressão aos milhões de trabalhadores/as empurrados/as para a barbárie e que, objetivamente, resistem e resistirão.
Nesse quadro, como fazem muitos grupos da mal denominada “esquerda”, acreditar que o governo de Zelensky, abrigo de nazistas e títere dos EUA/OTAN/UE, possa representar uma resistência popular ucraniana contra a invasão russa é um completo descolamento da realidade. Alguns grupos chegam a apoiar as milícias ucranianas ligadas ao governo como representando essa “resistência popular ucraniana”, chegando ao ponto de defender o envio de armas, ao invés da necessidade de uma organização independente da classe trabalhadora ucraniana para autodefesa contra a Rússia, mas também contra a OTAN, contra os nazistas e fascistas, contra o exército ucraniano que tortura no meio da rua civis ucranianos acusados de ser pró-Rússia, e para organização de forças-tarefa que ajudem os trabalhadores a resistirem.
Igualmente delira aquela parte da “esquerda” que defende estar em curso na Ucrânia uma guerra de libertação/resistência nacional, posto que o atual regime ucraniano não expressa a vontade de uma hipotética burguesia nacional em se autodeterminar contra potências imperiais – pelo contrário, a posição ucraniana é de se colocar sob o domínio imperialista de EUA/UE/OTAN. Para esse objetivo final são sacrificados cotidianamente os interesses do povo ucraniano com sucessivas recusas de negociações.
Igualmente descolados da realidade estão aquelas posições que avaliam que as forças de ocupação dos capitalistas russos na Ucrânia representam um movimento antinazista ou uma alternativa anti-imperialista e popular de resistência ao avanço do imperialismo americano e europeu. Estes iludidos defendem o apoio ao mais débil imperialismo russo contra o mais poderoso, o americano, argumentando que seria vantajoso para os povos e as classes trabalhadoras a vitória do imperialismo mais fraco sobre o mais forte – abandonando inteiramente o princípio da independência do proletariado.
Essas posições só expressam o reboquismo, a passividade e a falência da perspectiva revolucionária em grande parte das organizações de “esquerda”, que abandonaram a perspectiva de organizar a resistência proletária e passam a acreditar em um ou outro lado imperialista em disputa como “solução” para a crise em nosso campo. Mais, significa igualmente a sua “domesticação” e adesão à ordem burguesa e imperialista, desistindo de trabalhar para dar corpo a um campo anti-imperialista e anticapitalista em conflito aberto com as suas próprias burguesias. Assim, essa “esquerda” contribui para a hegemonia do reformismo e cumpre seu papel de prejudicar as forças revolucionárias que procuram agrupar-se numa luta anti-imperialista contra os dois campos.
Os comunistas devem sempre fazer “a análise concreta da realidade concreta” e defender em todas as circunstâncias os interesses do proletariado. Nenhum dos lados nessa guerra, conflito de conteúdo econômico e geopolítico, a partir de interesses imperialistas em disputa, representa a posição dos/as trabalhadores/as, serve à nossa causa, contribui para nossos objetivos. Nosso caminho passa por afastar do horizonte essas falsas soluções e resgatar a necessidade de organizar e construir a luta do proletariado a partir de seus verdadeiros interesses. Esses interesses hoje passam, necessariamente, por organizar nossa força para acabar com o capitalismo, fonte de todas as mazelas que vivemos e afastar do horizonte essas posições reformistas, pequeno-burguesas, vacilantes que tentam nos impedir de ver claramente nossos inimigos de classe.
O avanço das contradições interimperialistas e o possível crescimento da resistência proletária no mundo podem abrir uma oportunidade aos/às comunistas para, se souberem inserir-se na luta e na vida das massas operárias e trabalhadoras, e afastarem as ilusões pequeno-burguesas, institucionais e eleitoreiras, a ilusão com as falsas opções que o inimigo nos dá, apresentarem novamente a única solução ao imperialismo em crise: a sua destruição completa e a construção do socialismo rumo ao comunismo. A Revolução Russa após a 1ª Guerra Mundial, a vitória sobre o nazismo e a Revolução Chinesa após a 2ª Guerra Mundial são exemplos da oportunidade que a conjuntura do imperialismo em crise pode abrir ao proletariado de todo mundo. Já vencemos antes e podemos, aprendendo com nossos erros e superando os limites concretos na construção do socialismo, vencer novamente e definitivamente a barbárie capitalista e suas guerras.
Contra a guerra! Fim da agressão russa à Ucrânia!
Não ao envio de armas para o regime ucraniano!
Abaixo os EUA, a UE e a OTAN!
Sem ilusões com nossos inimigos de classe!
Retomar a perspectiva revolucionária e colocá-la no posto de comando de nossas ações!
Cem Flores
Bandeira Vermelha