49 anos da queda do fascismo e do processo revolucionário em Portugal.
Protesto popular por moradia em Porto, Portugal. Maio de 1975.
Cem Flores
25.04.2023
“Nós ocupamos as casas. Agora temos que organizar a sua ocupação e ver o que há a fazer. São os mais necessitados que precisam de maior ajuda. Devemos ajudar-nos uns aos outros e trabalhar para a unidade. Organizaremos uma lista dos que vão para as casas já acabadas e, uma vez aprovada por nós, tem que ser levada à prática, haja o que houver. O povo que tem que fazer isto com as suas próprias mãos […]. As casas são do povo! O povo vencerá! Em frente com a luta pelo pão!”
Comunicado dos moradores do bairro do Casalinho sobre a ocupação das casas da Fundação Salazar, maio de 1974.
“Explorados nas fábricas e nos campos, carne para canhão na guerra colonial, emigrantes a fugir à fome, presos, torturados e massacrados pelos carrascos da burguesia, esta é a nossa vida. Sozinhos, isolados somos uma presa fácil nas mãos dos capitalistas. Quando nos unimos, quando nos organizamos, obrigamos os patrões e os oficiais e a polícia a recuar, fazemos greves e ganhamos, desertamos e roubamos armas, atacamos a guarda e fazemos com que ela fuja.”
Tino Flores, artista popular português do GAC – Grupo de Acção Cultural, 1972.
Após décadas de luta antifascista e de guerras anticoloniais na África, o regime colonial-fascista português caiu em abril de 1974, através de um golpe militar conhecido como a “Revolução” dos Cravos. Com a queda do fascismo, as massas exploradas de Portugal se colocaram em um importante processo de mobilização e luta. Foram 580 dias (de 25 de abril de 1974 a 25 de novembro de 1975) que ficaram conhecidos como Processo Revolucionário Em Curso (PREC).
O PREC libertou os presos políticos do fascismo, varreu fascistas de inúmeros postos e regiões, e fez explodir as lutas por demandas concretas das massas – terra, moradia, salário etc. As vozes dos/as trabalhadores/as, por muito tempo sufocadas pela sanguinária repressão do salazarismo, tomaram as ruas, os bairros, as fazendas e as empresas. Essas massas ocuparam prédios, tomaram terras e fábricas. Organizaram-se em comitês e começaram a decidir sobre seus rumos. Assim, ameaçaram varrer, junto com a corja fascista, a ditadura dos patrões como um todo, para construir uma verdadeira Revolução.
Em 25 de novembro de 1975, diante dos limites e das contradições do processo, cuja direção proletária acabou por não se estabelecer, a contrarrevolução triunfou. Com o apoio dos reformistas e revisionistas, as classes dominantes enfim conseguiram estabilizar a ordem burguesa naquele país, substituindo uma ditadura aberta e desgastada pela “democracia” de fachada, dos ricos e dos poderosos.
Fontes sobre o Processo Revolucionário Em Curso em Portugal
Site Viva o PREC!
25 de abril em Portugal: O Futuro Era Agora, de Francisco Martins Rodrigues
“Revolução dos Cravos”? Nem cravos, nem Revolução e O Abril Português: a derrota de uma Revolução, lives com Ana Barradas
Rememorar esse período histórico da luta de classes em Portugal nos coloca, inevitavelmente, questões atuais e concretas à nossa conjuntura. Por exemplo, o problema do fascismo, enquanto forma política específica de dominação burguesa, e o seu combate. O atual estado depressivo do imperialismo, de sucessivas crises do capital, gerou um fortalecimento de forças políticas abertamente reacionárias, inclusive fascistas. Em vários países, o fascismo volta a ser um instrumento dos patrões para reforçar sua ofensiva de classe contra os/as trabalhadores/as, avança nos parlamentos e conquista governos. Suas bases sociais têm se consolidado em movimento de massas, articulado internacionalmente.
Como Louis Althusser comentou em Cartas Sobre a Revolução Portuguesa (Lisboa: Seara Nova, 1976), a “democracia parlamentar burguesa” não é uma espécie de forma política “normal” para o capitalismo contemporâneo – e o fascismo, por outro lado, um regime arcaico. Ao contrário, Althusser afirma que o fascismo foi e continuava sendo útil e funcional à dominação do capital:
“O fascismo não é de maneira nenhuma, em si, uma forma “anormal” nem “tornada anormal” do domínio burguês. Historicamente, o fascismo italiano, alemão, japonês, etc., constituiu uma solução burguesa para as contradições do imperialismo entre as duas guerras, sobretudo depois da crise dos anos 30, e principalmente o instrumento da luta de classes imperialista contra a classe operária. Historicamente, o fascismo desenvolveu de forma prodigiosa a exploração e a acumulação: serviu os monopólios. Depois da guerra, o fascismo continuou a ser, se bem que de modo menos visível, uma das formas necessárias do domínio burguês: em determinadas conjunturas definidas.”
Portanto, a depender da conjuntura da luta de classes, do grau das contradições do capital no imperialismo, essa forma política pode ser reforçada para o domínio burguês. Não há nenhuma derrota definitiva do fascismo, um suposto ponto de “irreversibilidade”, dentro da atual fase do capitalismo. Nem o fascismo se encerra às certas experiências históricas, do passado, como os famosos casos italiano, alemão e japonês. Manifesta-se de formas variadas, vinculadas a lutas de classes concretas, em conjunturas concretas.
O fascismo, enquanto forma aberta de ditadura burguesa, e sua base de apoio (nas classes dominantes, camadas médias e também em setores das classes exploradas), surgiu e continua a surgir em contexto de crise do capital. Mas como mostra a história portuguesa, o fascismo pode e deve ser combatido e derrotado. O terreno de seu combate é o terreno da luta de classes. A troca de regime português se deu em contexto de lutas de massas e de guerras anticoloniais. Foi a partir dessas lutas, principalmente da resistência revolucionária armada nas colônias portuguesas em Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné-Bissau, que se dá o golpe na ditadura salazarista e que irrompe na luta de classes portuguesa a ofensiva das massas exploradas. Substituído o governo fascista o problema do novo poder burguês passa a ser, sob uma nova ideologia e acordos políticos, paralisar a luta dos dominados no PREC, evitar a ameaça revolucionária.
Samora Machel com soldados da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique).
Construir um verdadeiro processo revolucionário continua a ser o desafio do proletariado e das massas exploradas, em Portugal e em todos os países do mundo. Para isso é preciso, na conjuntura atual, não desvincular a luta contra a fascistização em curso da luta revolucionária contra o capitalismo, pela derrubada da burguesia – pois ambos são o mesmo inimigo, no fundamental!
Ou, como diz Francisco Martins Rodrigues: “a luta direta contra os neofascistas tem que ser inscrita como parte da luta geral contra a “democracia” fascizante do grande capital, pela expropriação da burguesia, pela democracia dos trabalhadores”.
Viva a memória e as lições do Abril de 74 e do Processo Revolucionário em Curso!