Praticar a crítica teórica
Combater a ideologia burguesa – quer ela se apresente a partir dos aparelhos ideológicos da burguesia; quer se manifeste no seio da classe operária; quer ainda em organizações ditas “de esquerda”, ou mesmo nominalmente “comunistas”, como expressão do oportunismo, do revisionismo e do reformismo – tanto na prática teórica e política na luta de classes, é uma tarefa imprescindível para todos os comunistas. É através desse combate sem tréguas que se fortalecem e se desenvolvem tanto o marxismo e sua organização política.
Como afirmamos, “a crise do Marxismo é uma crise teórica e prática e a luta de classes nos coloca a urgência de superá-la”, o que nos impõe retomar a mais rigorosa luta de classes no campo da teoria, lição ensinada desde Marx, Engels, Lenin, Mao, conforme registra a introdução ao artigo O Anti-Engelismo: um compromisso contra o materialismo, de Caio Navarro de Toledo, publicado originalmente em Teoria & Política. Brasil Debates, Ano 1, nº 2, 1980:
Aos clássicos do marxismo a acirrada polêmica e o intenso debate teóricos nunca foram práticas estranhas; pelo contrário, constituíram-se em procedimentos freqüentes e amplamente difundidos em virtude da compreensão que se tinha acerca das tarefas e exigências requeridas na luta pelo avanço do pensamento e da revolução socialistas. A luta teórica e ideológica que se travava – seja na forma do combate às obras dos pensadores burgueses que exerciam influência no ambiente cultural e político da época, seja na forma da denúncia dos revisionismos e erros de interpretação daquilo que se entendia constituir os fundamentos do socialismo científico – impunha que todas as obras produzidas fossem objeto de amplo questionamento crítico e de avaliação criteriosa. A complacência, o talmudismo e o dogmatismo eram, assim, atitudes e práticas desconhecidas nos meios intelectuais socialistas.
Como assinalou um estudioso, tais debates – muitas vezes realizados de forma apaixonada – eram «no essencial informados por um estudo aprofundado e íntimo dos trabalhos uns dos outros» (Anderson, P. Sur le marxisme occidental. Paris, Maspero, 1977, p. 97. Grifos de Caio Navarro de Toledo).
Nenhum intérprete e historiador do marxismo deixa de reconhecer que este período de vigorosas controvérsias dentro do pensamento socialista foi decisivo para o avanço teórico do marxismo e para o seu desenvolvimento em escala mundial. Em certa medida, pode-se mesmo aventurar a hipótese, segundo a qual, hoje, a chamada «crise do marxismo» tem muito a ver com a perda deste caráter polêmico e crítico que sempre representou o marxismo – particularmente naqueles momentos em que o debate e a produção teórica não se faziam distantes das lutas sociais.
E não nos iludamos: é também neste combate contínuo que vamos nos fortalecendo, a cada um de nós, rompendo com uma certa herança, com os costumes e com a ideologia burgueses que carregamos todos.
Em relação à crise econômica pela qual o sistema capitalista mundial, o imperialismo, passa atualmente, temos afirmado que “a burguesia não tem nenhuma condição de elaborar qualquer coisa parecida com uma teoria que explique a sua crise” (ver o texto Algumas lições da crise para a nossa luta).
Por outro lado, a quase totalidade da “esquerda” tampouco consegue elaborar uma análise científica da crise, utilizando-se do marxismo. Com isso caem em formulações oportunistas, revisionistas ou reformistas. Com diversos matizes, temos visto análises idealistas e subjetivistas, mecanicistas e parciais ou segmentadas, teoricamente ecléticas, puros relatos jornalísticos de fatos, críticas morais, etc. Em suma, análises que trocam a «crítica da economia política» por uma suposta economia política crítica (sic!). Nesse último caso, utilizam os conceitos da ideologia econômica burguesa, justapostos a (ou disfarçados de) palavreado de “esquerda” ou termos marxistas, e pensam, com isso (ou apesar disso), apresentar reivindicações do proletariado e das demais classes dominadas ou mesmo defender o socialismo.
Um exemplo – dentre muitos possíveis! – que parece ter tido alguma repercussão recentemente é o texto A crise mundial do capitalismo e as perspectivas dos trabalhadores, de Edmilson Costa, doutor em economia, com pós-doutorado, autor de livros e membro do Comitê Central do PCB. O texto está disponível nos sites do próprio PCB, e nos portugueses Resistir e O Diário.
Como avaliamos que o texto se caracteriza, à exaustão, por vários dos elementos enumerados acima, buscamos efetuar sua crítica do ponto de vista do marxismo-leninismo. Esta crítica, pelo seu próprio objetivo e também por questões de espaço, aborda o conjunto daquele texto, os que avaliamos como seus aspectos e problemas principais, não nos preocupando em enumerar e analisar todos os erros pontuais ou factuais. Claro que o debate poderá levantá-los, além de desenvolver, complementar e criticar esta própria crítica. Afinal, que as cem flores desabrochem!
Em primeiro lugar, não nos enganemos pelo uso que o texto faz do, digamos, jargão marxista. Todo o revisionismo atua dessa forma. Usa termos marxistas para disfarçar suas teses e análises contrárias ao marxismo.
Comecemos com uma citação que – vista de maneira descontextualizada, fora daquele texto, isolada [1] – poderíamos considerar correta: o “problema mais de fundo” da crise atual é a “superacumulação de capitais e a impossibilidade de valorizá-los na esfera da produção”. A rigor, diríamos que o “problema” é a “sobreacumulação de capitais e a impossibilidade de valorizá-los – não absoluta, não em geral – mas sim à taxa de lucro desejada, ou à taxa de lucro corrente em períodos anteriores”. E ponto.
Não obstante, poderíamos considerar aquela frase correta. Qual o problema então? Essa frase vem logo no parágrafo posterior à seguinte definição: “A crise reflete ainda [ainda?] um conjunto de contradições”, qualificadas como “superacumulação de capitais, financeirização da riqueza e frenesi especulativo”. Isso é reformismo tentando se passar por marxismo. É a tentativa de incorporação de termos marxistas aos termos da economia burguesa e ao senso comum. Dessa maneira, aquele texto representa um ecletismo, uma vala comum na qual se misturam termos e noções de maneira que, do princípio ao fim, nem mesmo o menor vestígio dos conceitos científicos do marxismo são postos para analisar a situação concreta.
Da mesma forma, dizer que “esta não é uma crise do setor imobiliário … Esta é uma crise do conjunto do capitalismo” é correto, ainda que atualmente isso seja o óbvio ululante, quando o conjunto da economia mundial encontra-se em recessão aberta. Era diferente dizer isso logo no segundo semestre de 2007…
O problema mais sério, também nesse caso, é que, logo em seguida, aquele texto vai qualificar a crise como o fim de “um longo ciclo de 30 anos de hegemonia do pensamento único” [!?] e de “uma forma particular de acumulação, baseada na hegemonia das altas finanças … que envolvia desde o aprisionamento do orçamento do Estado até recursos de empresas produtivas e dos diversos fundos mútuos ou dos trabalhadores” (negritos nossos). Vejam a indignação moral e mesmo a raiva do nosso reformista! Como podem essas “altas finanças” ousar aprisionar o “orçamento do Estado”, quer dizer (para ele), de todos os contribuintes! Pior ainda: “até recursos de empresas produtivas”, ou seja (para ele), aquelas que dão empregos! É demais para essa boa alma.
E quando ele menciona a “reestruturação estratégica do grande capital norte-americano”? Veja que isso, por algum mistério, ocorreria, para ele, apenas com o capital dos EUA, talvez um capital diferente dos outros. Seus fatores seriam:
- “Parte expressiva dos setores industriais dos EUA foi deslocada para a Ásia, México, América Latina e América Central … de forma a elevar as taxas de lucro”. O autor daquele texto só está apresentando um fato concreto, reconhecido por todos (é só ler os jornais, os artigos de economistas de Delfim Netto a Antônio Barros de Castro, as declarações dos governos norte-americano e chinês, os filmes do Michael Moore, etc.), não há maior análise de causas ou implicações desse fenômeno.
Não resistimos a citar um escritor americano, Philip Roth, em livro de mais de dez anos atrás, que descreve o mesmo fenômeno (e com muito mais qualidade literária!):
a Artigos de Couro para Senhoras Newark não estava mais em Newark desde o início dos anos 70. Quase toda a indústria do ramo havia se transferido para o exterior: os sindicatos tornaram cada vez mais difícil para um industrial ganhar dinheiro.
…
Nos anos 80, porém, mesmo Porto Rico começou a se tornar dispendioso demais e praticamente todo o mundo … se mandou para qualquer lugar do extremo Oriente onde a mão-de-obra fosse abundante e barata, primeiro para as Filipinas, depois Coréia e Taiwan, e agora para a China. Até luvas de beisebol, a mais americana de todas as luvas, … havia algum tempo já vinham sendo produzidas na Coréia. Quando o primeiro cara deixou Gloversville [2], Nova York, em 52 ou 53, e foi para as Filipinas fabricar luvas, riram dele, como se estivesse indo para a lua. Mas quando o sujeito morreu, por volta de 1978, possuía uma fábrica lá com quatro mil trabalhadores e toda a indústria do ramo havia se transferido basicamente de Gloversville para as Filipinas. Quando a Segunda Guerra Mundial começou, em Gloversville havia umas noventa fábricas de luvas, grandes e pequenas. Hoje não há uma só – todas pararam de funcionar ou viraram importadoras de produtos do exterior. (Philip Roth, 1997. Pastoral Americana. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 34-38).
- “Os setores mais parasitários do capital que assumiram o poder … buscaram reconfigurar o mundo”. Para o autor daquele texto e sua ideologia burguesa a realidade ocorre invertida. Nesse seu mundo «revisado», não é o Estado burguês e sua política econômica que estão a serviço do capital. Para ele é o Estado (no caso, a partir do momento que foi, digamos, conquistado pelos setores mencionados) que define, autonomamente, as regras para a acumulação. Essa constitui uma análise subjetivista e idealista, ao desconsiderar as bases materiais concretas, econômicas, dos processos de produção, acumulação e reprodução capitalistas. Em suma, a análise materialista de processos objetivos é substituída pela idealização das vontades.
Isso fica ainda mais evidente alguns parágrafos depois: “Essa reestruturação estratégica do grande capital norte-americano, ao contrário do que seus idealizadores imaginavam, fragilizou de maneira acentuada a economia dos Estados Unidos” (negrito nosso). Ao contrário do que dizia Marx, que o capitalista só o interessava enquanto capital personificado, aqui se trata de o capital em geral e seu movimento necessário, regido pela lei do valor, não interessarem, em benefício do(s) capitalista(s) que idealiza(m) as decisões estratégicas.
- “o grande capital norte-americano realizou … uma espécie de fuga para frente, buscando estruturar uma economia de serviços [!?], baseada na criação de riqueza mediante o extraordinário desenvolvimento do capital fictício”. Por que diabos o capital fictício seria decorrente de uma economia de serviços (o que quer que isso signifique) é o melhor exemplo – já que estamos saindo da quadra carnavalesca – do famoso samba do crioulo doido…
Só isso já seria suficiente para mostrar que a análise de fatos, que o autor daquele texto mais ou menos detecta na superfície dos acontecimentos, não é materialista, pois não parte da (e nem os toma como decorrências da) imposição férrea da lei do valor e da concorrência entre capitais.
Em suma, quando o autor daquele texto menciona as contradições do capitalismo (ou mesmo “todas as contradições do capitalismo”), a crise do conjunto do capitalismo, a reestruturação e o deslocamento de capitais, o capital fictício, embora usando as mesmas palavras, o autor não está utilizando conceitos marxistas. As palavras são usadas de maneira formal e não designam os fenômenos da realidade analisados cientificamente. Ao contrário, elas analisam fenômenos superficiais, de forma mecânica, não dialética, e com as lentes da ideologia econômica burguesa.
Vamos, agora, ao que é mais importante. Analisando o conjunto daquele texto, do nosso ponto de vista, só podemos concluir que ele não está no campo do marxismo, da análise científica da realidade, da utilização das categorias e dos conceitos do materialismo histórico, nem sua análise se embasa no materialismo dialético.
Para comprovar essa afirmação devemos partir do seguinte trecho daquele texto:
Estamos assistindo um fim de um longo ciclo da economia capitalista e o término de uma forma particular de acumulação onde o grande capital privilegiou o setor financeiro e buscou construir uma hegemonia mundial solitária a partir dos Estados Unidos. Este ciclo, na verdade, representou uma tentativa desesperada do grande capital de realizar a acumulação fugindo da lei do valor. (negrito nosso)
Uma possibilidade de interpretação é que o autor daquele texto tenha em mente que o marxismo não mais explica a “fase atual” do capitalismo. Com isso, o autor daquele texto teria uma complementação, uma correção, uma atualização do mesmo. Estamos exagerando? Espere um pouco – e siga na leitura – para ver…
O que significaria, em termos marxistas, acumular capital fugindo da lei do valor? Rigorosamente nada. Para Marx, a lei do valor, a lei de valorização do capital – a lei que impõe a necessidade permanente de reprodução ampliada do capital em geral e de cada um dos capitais individuais em concorrência, buscando maximizar a taxa de lucro; que com isso explica a tendência à concentração e à centralização de capitais, logo os monopólios, o surgimento do capital financeiro e o imperialismo; que obriga ao aumento da composição orgânica dos capitais mesmo implicando tendência à redução da taxa de lucro que é o contrário do seu objetivo primordial; e que, de forma contraditória, ao fazer crescer os capitais amplifica as contradições inerentes a esse modo de produção, gerando crises necessárias e recorrentes – é a lei que rege ferreamente o funcionamento do capitalismo enquanto sistema econômico mundial; enquanto sistema de exploração, de expropriação do excedente de uma classe por outra. Não há capitalismo sem lei do valor e, portanto, não há acumulação fugindo dela.
Como o autor daquele texto pode, então, negar o marxismo de forma tão evidente? Como ele tenta passar um contrabando de teoria às claras, explicitamente? Por que ele assume tão abertamente seu revisionismo? Nossa hipótese – desconsiderando a possibilidade de desconhecimento puro e simples – é que o autor daquele texto vê o sistema mundial do capitalismo, o imperialismo, de uma forma mecânica, não dialética, limitando-se à esfera das aparências e, com isso, aceitando as explicações da ideologia econômica burguesa. Em suma, o autor daquele texto não utiliza o marxismo para analisar a conjuntura mundial de crise e luta de classes. Tentemos explicar melhor.
O que o autor daquele texto quer dizer com “realizar a acumulação fugindo da lei do valor” é, se nossa hipótese estiver correta, tão simplesmente o seguinte: esse “grande capital” estaria acumulando – ou seja, se apropriando de mais-valia – fora da esfera da produção.
Por que tamanha indignação do autor daquele texto (“tentativa desesperada”) com essa acumulação não-produtiva? Não foi ele mesmo que, algumas páginas antes, citou Marx, dizendo que “Antes de mais nada, o objetivo da produção capitalista não é apossar-se de outros bens, e sim apropriar-se de valor, de dinheiro, de riqueza abstrata”?
Seguindo estritamente essa citação de Marx, não há nada que encarne de maneira mais pura o valor, a riqueza abstrata, do que o dinheiro, o equivalente geral, a matéria-prima por excelência dos negócios “financeiros”. O próprio Marx afirmava que o capital poderia atingir seu nível mais autonomizado quando sua reprodução se desse diretamente sob a forma D – D’, ou seja, uma acumulação fictícia do ponto de vista social.
Ou seja, em O Capital, Marx tratou em profundidade do “capital em geral”, buscando desvendar as leis mais profundas do funcionamento do modo de produção capitalista, mas também mencionou a importância da concorrência (“A livre-concorrência impõe a cada capitalista individualmente, como leis externas inexoráveis, as leis imanentes da produção capitalista”), e analisou os diversos ramos e formas de reprodução do capital (industrial, mercantil, bancário, fictício, etc.). Diferentemente disso, o autor daquele texto, ao não trabalhar dialeticamente com esses conceitos, incorre nas seguintes separações mecânicas, nos seguintes erros:
- separação, podemos dizer, absoluta entre os diversos capitais, notadamente o “capital produtivo” e o “financeiro” ou “especulativo” (nos termos do autor daquele texto). Essa oposição não-dialética, que vê apenas os contrários e não sua unidade, não vê, portanto a contradição, a unidade dos contrários, mas apenas a existência dos pólos opostos, que em um momento isolado e perdido no tempo e no espaço se negam mutuamente, porém que não dependem um do outro, não estabelece relação mútua. Enfim, uma visão parcial, simplista e estática da dialética perpassa todo o texto:
desenvolvimento das forças produtivas e financeiras do capitalismo contemporâneo (não há tal conceito como «forças financeiras»);
subordinou todos os outros setores à lógica da especulação financeira (qual seria essa lógica, senão a da lei do valor, seguida por qualquer capital, qual seja a de buscar maximizar o lucro?);
A desregulamentação transformou o sistema financeiro dos EUA e, por gravidade, as finanças internacionais, num teatro de operações especulativas sem precedentes na história do capitalismo, dado o tamanho do descolamento entre a esfera produtiva e a órbita da circulação. (por «descolamento» quer dizer que a geração de capital fictício ultrapassou, em muito, alguma medida de «capital produtivo», o PIB, por exemplo);
sistema financeiro tão especulativo (Negrito nosso. No limite, se não fosse tão especulativo não se desagregaria? Existe um capitalismo asseadinho, regulado, bem comportado, sem contradições?).
Ao fazer isso, o autor daquele texto claramente vê apenas os contrários onde, dialeticamente, deveria ver também unidade. Não vê, por isso, ambos como expressões distintas do mesmo “capital em geral” do qual nos fala Marx e que, portanto, compartilham a mesma “lógica” de valorização, a de buscar maximizar a taxa de lucro.
Passando para casos concretos, bem exemplificativos:
- Antônio Ermírio de Moraes, talvez o maior industrial que existe no país, seria exemplo da pretensa separação entre produtivo e especulativo? Então como explicar que ele seja o dono do quinto maior banco privado do país (que, aliás, recebeu R$ 4,2 bilhões do Banco do Brasil para não quebrar ou, como disse seu dirigente, “Essa negociação nada tem a ver com a crise econômica. Isso foi uma pura coincidência”).
- Como a “teoria” que estamos criticando explica que esse mesmo Grupo Votorantim – e outras mais de 200 empresas “produtivas” – perdeu R$ 2,2 bilhões em apostas no mercado de derivativos (produto típico da especulação financeira) quando o real se desvalorizou no ano passado?
- Ainda em relação ao Votorantim, quando do anúncio da compra de parte da Aracruz Celulose (que teve perdas em derivativos de R$ 1,95 bilhão), entre outros do grupo Moreira Salles, do Unibanco, foi anunciado que o grupo Safra sairia do grupo controlador da Aracruz? Exatamente o mesmo grupo Safra do Banco Safra.
- E, para não ficar em um só exemplo, a Sadia do ex-Ministro do Desenvolvimento é uma empresa produtiva (de frangos, no caso) ou é uma empresa especuladora? Se o autor daquele texto, com suas separações mecânicas, disser produtiva, que explique a perda de R$ 760 milhões, maior que todo o lucro de 2007, com produtos derivativos cambiais (exposição total de, no mínimo, R$ 3,2 bilhões), “first to default”, “credit default swaps” e até títulos de dívida do Lehman Brothers em setembro do ano passado.
Claramente, essa ideologia que estamos criticando não consegue explicar a realidade concreta.
- Além da incompreensão da dialética e do conceito de valor, a separação absoluta que o autor daquele texto faz entre o “capital produtivo” e o “capital especulativo” traz, em seu bojo, um importante contrabando ideológico que é preciso explicitar. Esse contrabando é a noção implícita de que o “capital produtivo” seria o “correto” no capitalismo, o que Marx teria analisado; enquanto o outro, o “especulativo”, seria uma “fuga” da lei do valor, refletiria “insanidade” do processo capitalista.
O que queremos dizer é que o autor daquele texto está a um passo de afirmar que, fazendo uma caricatura, uma simplificação maniqueísta, o “capital produtivo” é bom (“dá” empregos, “gera” renda, etc.), e o “especulativo” é mau (rouba empregos, etc.). Embora, para os comunistas, isso seja um reformismo delirante, quase inacreditável, é o que explicitamente pregam o PT, o PCdoB, a CUT, e outros que já assumiram integralmente a política de conciliação de classes. Vejamos algumas citações do texto do membro do Comitê Central do PCB:
setores mais esclarecidos das classes dominantes [claro que são os do New Deal, ou talvez Obama? ou o «capital produtivo»] em oposição ao «bloco de forças mais reacionário e mais parasitário do grande capital» (claro que o «especulativo»). Trata-se, para a classe trabalhadora, de escolher sob o jugo de quem a exploração e dominação seriam melhores?
esta crise significa não só o dobre de finados do neoliberalismo, mas também a derrota moral do capitalismo e do bloco de forças mais reacionário e mais parasitário do grande capital, que amealhou o poder nos países capitalistas centrais no final dos anos 70 e subordinou todos os outros setores à lógica da especulação financeira. (Negrito nosso. Após a «derrota moral» – que grande conceito oportunista! – do «capital especulativo», teremos a retomada da hegemonia do «capital produtivo»? Sem especulação?)
Esta crise fecha um longo ciclo de 30 anos da hegemonia do pensamento único e encerra uma forma particular de acumulação, baseada na hegemonia das altas finanças, mecanismo através do qual o grande capital capturava a mais-valia mundial, mediante uma infinidade de mecanismos de punção, que envolvia desde o aprisionamento do orçamento do Estado até recursos das empresas produtivas e dos diversos fundos mútuos ou dos trabalhadores (negritos nossos)
Para quem ainda tem dúvidas sobre qual lado o autor está, vejam a “reclamação”: o “pensamento único” – outro contrabando ideológico – e as “altas finanças” aprisionam “até recursos das empresas produtivas”. Logo não deixam que elas produzam e dêem empregos… Sobre o Estado, logo abaixo.
A ausência de uma análise materialista, como já observamos, ocorre também nos comentários sobre o Estado e seu papel no modo de produção capitalista, nos processos de produção, reprodução e acumulação de capitais. Não é por outra razão que o autor daquele texto usa formulações como a já criticada sobre o “aprisionamento do orçamento do Estado”.
O fato é que, em sua análise, o autor daquele texto ignora ou confunde conceitos marxistas fundamentais sobre o caráter de classe do Estado no capitalismo (e nas sociedades de classe, em geral) e seu papel no processo de acumulação.
Ao invés da tese geral de que o Estado é um instrumento da dominação de uma classe por outra – tese marxista fundamental para toda a sociedade de classes desde, pelo menos, o Manifesto do Partido Comunista, de 1848, passando por todos os outros textos de Marx e de Engels, incluindo o magistral A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, escrito por um Engels já com mais de 60 anos, e desenvolvida por Lenin em O Estado e a Revolução, com uma precisão cortante, entre outros textos – temos presente nas entrelinhas daquele texto um Estado “neutro”, “acima das classes”. Nesta questão central para o marxismo-leninismo, aquele texto vacila e, embora tecendo loas sobre o caráter de classe “revelado” pela crise, a concepção de Estado que – agora sim – se revela após uma crítica marxista daquele texto é revisionista e reformista.
Com isso, troca-se materialismo por idealismo, dialética por mecanicismo, e marxismo por uma ideologia burguesa. Vejamos nas próprias formulações daquele texto:
nos períodos de crise, o grande capital busca se entrincheirar no estado e nos organismos institucionais, como os Bancos Centrais e organismos de coordenação internacionais, a fim de tentar salvar suas posições e recuperar o que perderam com a crise. (negrito nosso)
Salta aos olhos a pergunta: e nos períodos de prosperidade? O Estado seria neutro nesses momentos? E o que seriam “organismos de coordenação internacionais”? Dá saudades do período em que a “esquerda” gritava: “Fora daqui, o FMI”…
A crise revelou também de forma cristalina o caráter de classe do Estado e do governo: quando a economia estava bem, os lucros eram apropriados pela burguesia; agora que a economia vai mal, o Estado socializa os prejuízos com os trabalhadores.” (negrito nosso)
A separação Estado x governo, tão cara aos cientistas políticos, perde sua importância ao se tratar do caráter de classe do Estado. Mesmo se utilizarmos a “ciência política”, na qual o Estado seria o “permanente” e os “governos”, transitórios. Ainda mais sabendo que se trata concretamente dos governos Bush, Obama, Sarkozy, Brown, etc. Para um “governo” ir contra o caráter de classe do Estado capitalista, em termos marxistas, terá que destruí-lo. Quanto ao papel dos trabalhadores, mais abaixo.
O mais irônico dessa situação é que o governo Bush, antes um agressivo defensor do livre mercado e da retirada do Estado da economia [deixou de sê-lo? Esse «novo Bush» agora está correto?], agora tornara-se o principal defensor da mão visível do Estado para socorrer o sistema financeiro com o dinheiro do contribuinte. (negrito nosso)
Não dissemos acima que “orçamento do Estado” para o autor daquele texto queria dizer “dinheiro do contribuinte”? Aqui está a prova. O “grande capital” também não é contribuinte? Não teria também seus “direitos”? O erro teórico aqui é o mesmo de quando o autor daquele texto se queixa da utilização de fundos dos trabalhadores. No caso do Brasil, por exemplo, quem desconhece que os recursos do FAT, com a aprovação explícita das centrais sindicais reformistas, servem de fonte de recursos para os empréstimos do BNDES ao “grande capital”, tanto de empresas brasileiras quanto estrangeiras, com crise ou sem crise? O erro mais de fundo é a crença na democracia burguesa, que geraria um «Estado democrático» (sic!) que poderia gerir os recursos dos impostos da «coletividade».
Os setores mais parasitários do capital que assumiram o poder nos Estados Unidos e Inglaterra no final da década de 70 buscaram reconfigurar o mundo a partir da criação de uma nova ordem econômica internacional, tendo como pilares a implantação do monetarismo como forma de organizar a economia e o neoliberalismo como o gestor político do sistema sócio-econômico. Transformaram em política de Estado a ideologia neoliberal: o mercado como regulador da economia, a desregulamentação, a liberalização bancária, a livre mobilidade dos capitais pelo mundo, a retirada do Estado da economia e uma agressiva política de transferência de bens do Estado para o setor privado, através das privatizações. (negritos nossos)
Tantos erros em uma frase só! O mais evidente é uma, digamos, fetichização. Ao invés da análise materialista das bases reais sobre as quais se dá a produção, a reprodução e a acumulação capitalistas, há uma inversão ideológica. Não é a modificação dessas bases materiais, em função da crise prolongada que se inicia nos anos 1970, que gera novas ideologias e políticas. Para o dirigente do PCB são essas políticas (“monetarismo”) e essas ideologias (“neoliberalismo”) que, ao tornarem-se vencedoras do debate de ideias, tornando-se política de Estado, mudam as suas bases concretas. Parodiando Marx, não é o ser que define a consciência, mas uma volta da consciência definindo o ser… Em relação a um outro ponto, a denúncia do “mercado como regulador da economia”, experimentem trocar “mercado” por “capital” e que cada um conclua por si mesmo sobre o caráter científico da análise.
Essa última citação e sua crítica revelam uma característica importante que devemos detalhar um pouco mais. Por um lado, não apenas o Estado aparece como uma entidade “neutra” ou “acima das classes” na análise daquele texto, como também a política econômica desse Estado aparece-lhe como externa. Temos então: 1) o Estado como externo à luta de classes, 2) a política econômica como externa ao Estado e 3) a política econômica como determinante da forma de acumulação do capital em geral. Quanto mecanicismo e quanto idealismo juntos!
A crítica dessas posições, tão caras a uma certa “esquerda”, já iniciamos em texto anterior (ver Algumas lições da crise para a nossa luta) no qual afirmamos: “Não é a política econômica que dirige o capital, é o movimento necessário do capital atendendo à determinação imperiosa de suas «leis imanentes» que determina a política econômica”.
Tentemos avançar um pouco mais. Considerando a obra de Marx como a fundação da análise científica da história, podemos dizer, com Lenin, que ela é não apenas um “guia para a ação”, mas, também, constitui pedras angulares ou alicerces geniais de uma teoria em constante desenvolvimento. É nessa perspectiva que vamos entender uma afirmação como a de Althusser de que “não existe verdadeiramente uma «teoria marxista» do Estado”, pois temos nas obras de Marx, Engels e Lenin não uma teoria desenvolvida, mas “uma advertência repetida de nos desviarmos das concepções burguesas do Estado: portanto uma demarcação e uma definição essencialmente negativas” (Enfim a Crise do Marxismo!). Da mesma maneira, e seguindo nessa negatividade (Determinatio est negatio, já dizia Espinoza), Althusser alerta claramente, em um texto que é sequência desse: “é do ponto de vista da burguesia que o Estado é representado como uma «esfera» distinta do resto … É preciso ver que essa concepção ideológica, que serve a interesses precisos, não corresponde à simples realidade” (Marxismo como Teoria «Finita») [3]. É bastante evidente a que interesses servem o revisionismo, o reformismo e o oportunismo, ao assumirem e divulgarem posições burguesas.
Especificamente no que se refere aos itens 2 e 3, acima, das relações entre Estado, capital e política econômica devemos, mais uma vez recorrer à Suzanne de Brunhoff. Para ela, o que se impõe é a “pesquisa das novas formas das práticas estatais, em relação com as transformações do capitalismo” pois “Sob formas diferentes, segundo os períodos e as situações, o Estado desempenha necessariamente um papel favorecedor da acumulação capitalista” (Estado e Capital: uma análise da política econômica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985, p. 150, negrito nosso). O que a autora pretende afirmar é que a análise materialista deve sempre partir da base material, acompanhar suas mudanças, e relacioná-las, dialeticamente, aos distintos papéis que o Estado capitalista vai sendo obrigado a desempenhar.
Não obstante a realidade seja assim, ao nível da superfície dos fatos essa relação reveste-se de uma aparência distinta. “A ação econômica do Estado parece antes administrar coisas que homens, gerir fluxos e não relações sociais. Ela se apresenta como se os tivesse acima das classes, mais ainda do que a atividade repressiva e ideológica.” (Brunhoff, Op. cit., p. 1). A questão que temos criticado é exatamente essa. Aquele texto, ao não ultrapassar uma abordagem superficial dos eventos, cai em uma representação ideológica dos mesmos.
Por fim, para que não reste qualquer dúvida sobre a relação entre Estado, política econômica e capital, do ponto de vista marxista, nos utilizaremos, uma vez mais, da formulação de Suzanne de Brunhoff. Note-se que a crise à qual ela se refere é a dos anos 1970. Mutato nomine, é a crise atual, são os problemas atuais. A comparação com aquele texto e as questões que criticamos nele são bastante evidentes:
O Capital sempre necessitou de uma certa gestão estatal da força de trabalho e da moeda. Entretanto, a política econômica contemporânea tomou forma como organização global da dominação de classe capitalista num momento de crise econômica e social (nos anos 1930). Posta em questão quarenta anos após seu nascimento, sob o efeito de uma crise que ela não soube prevenir, ela está, segundo alguns, excessivamente enfraquecida pela «privatização» do Estado e pela «internacionalização» do capital, de modo que se coloca o problema de seu reajustamento e de sua modificação (por exemplo, no caso dos Estados Unidos, como «planificação econômica nacional»). Mesmo se a política econômica surgida nos anos 1930 morrer sob sua forma keynesiana, ela só pode renascer sob novas formas, determinadas pelas lutas sociais, para assegurar a permanência da dominação do capital.
A mudança na continuidade da intervenção estatal testemunha a capacidade de adaptação do Estado burguês às necessidades do capital. (Brunhoff, Op. cit., p. 109, negritos nossos).
Para finalizar, dois últimos pontos relevantes [4]. O primeiro diz respeito à subordinação, tanto da burguesia quanto do proletariado, às leis férreas do capital (sobre isso já tratamos no texto “Algumas lições da crise para a nossa luta”), e ao caráter do capitalismo como sistema de exploração da classe operária pelos capitalistas. O segundo refere-se à formidável incompreensão, pelo autor daquele texto, do papel de Lenin enquanto teórico marxista tanto quanto seu papel como líder revolucionário, substituindo o leninismo por uma filosofia da história ou por um esquema mecânico de etapas pré-determinadas, negando mesmo a realidade.
O primeiro ponto ressalta que, no capitalismo, a contradição burguesia/proletariado constitui uma unidade de contrários e, portanto, ambas as classes restam sujeitas às leis objetivas que regem esse modo de produção. Modo de produção cujo próprio fundamento econômico está na apropriação sem equivalente de parte do tempo de trabalho da classe operária, pelos capitalistas. Esse próprio fundamento, a expropriação de parte do valor produzido, a mais-valia, funda a base material de uma luta de classes inconciliável entre as duas classes opostas.
Esse fundamento econômico da sociedade burguesa, como nos mostra sobejamente Marx na seção VII (O Processo de Acumulação de Capital) do primeiro livro de O Capital, transforma todo o produto do trabalho – e não apenas o excedente – em trabalho não pago, capitalização de mais-valia. Dessa forma, ontem como hoje, todo o conjunto de riquezas existente, essa imensa coleção de mercadorias, vem não apenas do trabalho humano em geral, mas especificamente da exploração do trabalho das classes trabalhadoras pela burguesia.
Dito isso, como considerar as frases abaixo, extraídas daquele texto, senão como grave incompreensão do marxismo?
A crise revelou também de forma cristalina o caráter de classe do Estado e do governo: quando a economia estava bem, os lucros eram apropriados pela burguesia; agora que a economia vai mal, o Estado socializa os prejuízos com os trabalhadores.
Vejamos bem. Na prosperidade, os lucros são burgueses e, na crise, os trabalhadores são explorados. Perceberam a diferença? Claro que não, pois não há. O que aquele texto tenta esconder é que: na prosperidade, os trabalhadores são explorados e, na crise, também, pois quem diz lucro diz exploração.
Essa crise é da burguesia e não dos trabalhadores.
Esse é o mesmo autor que fala da “afirmação social” dos trabalhadores pelo consumo, ao menos nos EUA. Seria o caso de perguntar: a crise não é dos trabalhadores, mas a prosperidade é? Reafirme-se novamente: ambas, crise/desenvolvimento, compõem a unidade de contrários que é o capitalismo, com todas as consequências para os trabalhadores.
Essas frases têm a mesma matriz teórica revisionista que o slogan adotado por toda a “esquerda” brasileira: “Os trabalhadores não pagarão pela crise” (CUT), “Que os banqueiros capitalistas paguem o custo da crise!” (Conlutas), “Os trabalhadores não podem pagar a crise do capital” (PCB), “Os trabalhadores não podem pagar pela crise” (PSol), “Que os ricos paguem a conta!” (PSTU), entre outros. A pretexto de uma palavra de ordem aguerrida, o slogan na verdade é defensivo, recuado, sem oferecer aos trabalhadores a única possibilidade concreta que temos contra o capitalismo, na crise ou fora dela: a organização e a luta.
Em relação ao último ponto mencionado, trata-se do papel de Lenin tanto como continuador genial do marxismo, destacando sua análise sobre o imperialismo e a criação de conceito marxista de “capital financeiro”, quanto como dirigente revolucionário ao praticar concretamente uma teoria sobre a revolução socialista em países dominados e menos desenvolvidos em termos capitalistas.
Ao longo daquele texto, não há referências ao “capital financeiro”, conceito leninista que expressa a fusão entre os capitais industrial e bancário na época monopolista do capitalismo, o imperialismo. A análise reduz-se a “sistemas financeiros” tratando do comportamento de bancos, mercados financeiros, especulações e inovações financeiras diversas que são, para o autor daquele texto, “fugas” da lei do valor. Isso está em pleno acordo com a não colocação, por aquele texto, da questão da sobreacumulação de capitais como questão central da crise (desconsiderando suas menções superficiais), com a separação absoluta entre o “produtivo” e o “especulativo”. Mais um exemplo abaixo:
Estamos assistindo um fim de um longo ciclo da economia capitalista e o término de uma forma particular de acumulação onde o grande capital privilegiou o setor financeiro e buscou construir uma hegemonia mundial solitária [imaginem só a alternativa: um capital bonzinho buscando construir uma hegemonia compartilhada. A tese não é nova: isso é o «ultraimperialismo» do Kautsky…] a partir dos Estados Unidos. (negrito nosso).
Sobre esse “privilégio” como “política” do capital, vejamos Lenin, em Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, criticando Kautsky:
Kautsky … ergueu-se resolutamente contra as idéias fundamentais contidas na nossa definição de imperialismo, declarando que por imperialismo é preciso não entender uma ‘fase’ ou um degrau da economia, mas uma política, uma política determinada, mas precisamente a que «prefere» o capital financeiro. (São Paulo: Global, 4a ed. 1987, p. 89, negrito nosso).
O essencial é que Kautsky separa, no imperialismo, a política da economia, pretendendo que as anexações sejam a política «preferida» do capital financeiro e opondo a esta política uma outra política burguesa, pretensamente possível, baseada sempre no capital financeiro (Op. cit., p. 91, negritos nossos). [Nesse «pretensamente possível» está o cerne da análise idealista, subjetiva, própria do revisionismo e do reformismo].
Julgamos que não é necessário perder mais tempo com esse ponto…
Além disso, como havíamos mencionado mais acima, o autor daquele texto parece acreditar que a teoria de Marx, Engels e Lenin não explica a “fase atual” do capitalismo. E, digamos, modestamente, o autor daquele texto se propõe a complementá-la. Vejamos sua formulação completa:
Esta crise … Ocorre num momento em que o capitalismo se transformou num sistema mundial completo e maduro. No período anterior à globalização o sistema era completo apenas [sic!] no que se refere a duas variáveis da órbita da circulação: a exportação de capitais e o comércio mundial. Mas ao expandir a internacionalização da produção e das finanças mundialmente, o sistema amadureceu a reprodução do capital em escala internacional e unificou globalmente o ciclo do capital, fechando assim um processo iniciado com a revolução inglesa de 1640 (Costa, 2002). (negritos nossos).
Esta é a primeira grande crise realmente completa do sistema capitalista, por isso mais complexa e potencialmente explosiva, uma vez que envolve toda a vida social do sistema capitalista – a esfera da produção, da circulação, do crédito, das dívidas públicas e privadas, do sistema social, do meio ambiente, dos valores neoliberais, da cultura individualista e, especialmente, de um determinado tipo de Estado como articulador do processo de acumulação. (negrito nosso).
O autor daquele texto, portanto, propõe a criação de um novo conceito para o capitalismo, sua contribuição teórica à posteridade, presente em seu doutorado. O capitalismo agora estaria “maduro” e “completo”. Mais uma vez, vamos voltar a Lenin. O que ele dizia do capitalismo em sua fase imperialista, um século atrás?
Resta-nos ainda examinar um outro aspecto essencial do imperialismo … Queremos referir-nos ao parasitismo próprio do imperialismo.
Como vimos, a principal base econômica do imperialista é o monopólio… como monopólio que é, gera inevitavelmente uma tendência para a estagnação e a decomposição.
O imperialismo é uma imensa acumulação de capital-dinheiro num pequeno número de países … Donde, o extraordinário desenvolvimento da classe ou, de forma mais exata, da camada dos rentistas.
Tal é a essência do imperialismo e do parasitismo imperialista.
O Estado-rentista é um Estado de capitalismo parasitário, decomposto.
De tudo o que deixamos dito acerca da natureza econômica do imperialismo, resulta que devemos caracterizá-lo como um capitalismo de transição, ou mais exatamente, como um capitalismo agonizante. (Lenin, Op. cit., p. 98, 99, 100, 101, 125, negritos nossos).
O que Lenin afirma teoricamente no livro – e mais tarde comprovou na prática da Revolução Russa – é que o capitalismo do começo do século XX, o imperialismo, já era um sistema mundial, e nesse sentido, completo. Além disso, os monopólios, o capital financeiro, o rentismo, já o tornavam um sistema parasitário, em decomposição, agonizante. As grandes novidades levantadas pelo nosso revisionista (embora importantes para a análise concreta da situação concreta, o que vimos que ele não faz) na verdade constituem um retorno para aquém de Lenin e, mais que isso, passando para um outro campo, que não o do marxismo.
O oportunismo do autor daquele texto chega às raias do absurdo com as seguintes afirmações que, além de tudo, negam a realidade histórica.
Ao contrário do período de Lenin, que imaginava que o capitalismo monopolista seria a ante-sala da revolução socialista, acreditamos que somente agora quando o capitalismo se transformou num sistema mundial completo e maduro, tendo em vista que internacionalizou a produção e as finanças e unificou globalmente o ciclo do capital, estão dadas as condições para a revolução mundial. (negritos nossos).
Se entendemos bem, para o autor daquele texto:
- o imperialismo não é a ante-sala da revolução socialista: como o autor daquele texto pode escrever uma coisa dessas se Lenin afirmou isso em livro escrito no primeiro semestre de 1916 e, em outubro do ano seguinte, ele dirigiu a vitoriosa Revolução na Rússia? Será que está implicitamente chamando Lenin de voluntarista ao fazer uma revolução que ainda não deveria ser feita, pois suas condições não estavam maduras? E o que falar das revoluções seguintes?
- somente agora estão dadas as condições para a revolução mundial: se por “revolução mundial” o autor daquele texto defende as velhas teses do oportunismo trotskysta, não percamos nosso tempo. Se, por outro lado, está falando de um movimento revolucionário mundial, originando revoluções nacionais, essa não foi parte significativa da história do século XX, da China e do Vietnã a Cuba e Nicarágua, passando por toda a experiência socialista no leste europeu e pela libertação colonial na África? Ou será que, negando essa história, desconhece a ligação estreita entre os movimentos de liberação nacional e a luta pelo socialismo na era do imperialismo?
Por fim, ainda sobre a questão da luta revolucionária, o autor daquele texto retoma toda uma tradição mecanicista e dogmática, da história como etapas pré-determinadas, de uma pseudonecessidade dos países dominados aguardarem a sua vez, pois o capitalismo ainda não estaria totalmente desenvolvido neles. No fundo, o que está por trás disso é a concepção mais geral do produtivismo, da negação da política e da ação revolucionária.
Ao contrário do senso comum e de muitos companheiros da esquerda, nós achamos que o potencial de luta da classe operária e dos trabalhadores é muito mais forte nos países centrais que na periferia, pois é exatamente nos países centrais onde se encontra a classe operária mais avançada do ponto de vista das forças produtivas e onde o capitalismo está mais maduro. É um teatro de operações muito mais favorável para a luta de classes que nos países atrasados. É bem verdade que os elos débeis continuarão cumprindo um papel essencial no desgaste e fustigamento do grande capital, mas as transformações qualitativas do sistema capitalista serão muito mais definitivas se ocorrerem no coração do sistema. (negritos nossos).
Por isso as revoluções só aconteceram em países “centrais” como Rússia, em 1917; China, em 1949; Coréia, de 1948 a 53; Cuba, em 1959; Vietnã, nas décadas de 1950, 60 e 70; Angola e Moçambique, nos anos 1970; etc.
Esse “potencial” pode ser maior ou menor por várias razões, mas não pelo fato das forças produtivas serem mais avançadas. O autor daquele texto “esquece” duas coisas, que Lenin nos lembra:
A ideologia imperialista penetra também na classe operária.
Os elevados lucros que os capitalistas … obtêm do monopólio, dão-lhes a possibilidade econômica de corromperem certas camadas de operários e até, momentaneamente, uma minoria operária bastante importante, atraindo-a para a causa da burguesia (Lenin, Op. cit., p. 108, 124-125).
Ou seja, da mesma forma que tanto a burguesia quanto o proletariado estão subsumidos à lei do valor, tanto a burguesia quanto o proletariado encontram-se sob o domínio da ideologia dominante. Além disso, trabalhadores guiados pela ideologia burguesa reproduzida em suas organizações e, especialmente, sem seu partido revolucionário, não enfrentam diretamente o capitalismo, opondo-se a ele e propondo sua derrubada, como nos mostra toda a história do século passado e a teoria marxista.
Portanto, naquele texto, a análise econômica do capitalismo atual não é marxista, não utiliza os conceitos científicos estabelecidos por Marx, Engels e Lenin e, ao invés disso, parte do ecletismo e limita-se à análise superficial dos fenômenos, de forma mecanicista, não-dialética. Além disso, as observações sobre lutas de classe e revolução são contrárias aos fatos, partem de uma filosofia da história idealista e são explicitamente anti-leninistas, revisionistas na expressão da palavra.
Esperamos com esse texto ter cumprido nossa obrigação de marxistas-leninistas de combater o oportunismo, o reformismo e o revisionismo e, com esse combate, reforçar nossa teoria e nossa prática comunistas.
Notas
1 Acreditamos que a forma que adotamos é a correta para fazer uma crítica. Ou seja, devemos partir do todo para a parte, do geral para o específico. E, depois, retornar ao todo, ou geral. De outra maneira, substituiríamos a atividade crítica – e a própria obrigação de pensar, de analisar – por uma postura a-crítica de buscar, em fragmentos isolados, eventuais concordâncias. Procedendo dessa forma poderíamos passar a ver identidades imaginárias entre posições radicalmente distintas, já que seríamos levados a desconsiderar as diferenças – no todo, no geral – em prol de concordâncias a respeito de até mesmo uma única frase isolada.
2 Literalmente, “Cidade das Luvas”.
3 Traduções de colaboradores do blog para trechos de Enfin la Crise du Marxisme! e Le Marxisme Comme Théorie «Finie», publicados na coletânea Solitude de Machiavel, Paris: Presses Universitaires de France, 1998. Ver páginas 276-277 e 287 do original.
4 Infelizmente, teremos que deixar de lado a crítica de passagens delirantes como “esta crise significa … também a derrota moral do capitalismo”, “As crises sistêmicas também representam um período difícil [coitadinha…] para a burguesia, pois … sua hegemonia moral da sociedade [está] em questionamento”. Ou explicações subjetivas: “Como as famílias norte-americanas têm no padrão de consumo um dos elementos de sua afirmação social [que tal dizer, do seu aburguesamento?], a queda na renda levou as famílias ao endividamento generalizado”, “afinal todos queriam lucrar com a euforia financeira”.