Intervenção do Coletivo Cem Flores no lançamento da edição brasileira do Anti-Dimitrov.
Intervenção do camarada Fauze Chelala, do Coletivo Cem Flores (www.cemflores.org)
Mesa-redonda de lançamento da edição brasileira do livro Anti-Dimitrov: meio século de derrotas da revolução (1935-1985), de Francisco Martins Rodrigues, pelas Edições Ciências Revolucionárias. Compre aqui.
São Paulo, 22 de junho de 2019
Boa tarde a todos. Queria dar as minhas calorosas saudações comunistas aos camaradas presentes e àqueles que estão acompanhando à distância a transmissão deste evento.
Em nome do Coletivo Cem Flores, eu gostaria de agradecer aos camaradas que compõem a mesa; ao Tapera Taperá, espaço para discussão de temas relevantes para a luta dos trabalhadores e dos explorados; e a todos aqueles de alguma forma envolvidos na edição brasileira do Anti-Dimitrov.
Nós, do Cem Flores, elaboramos coletivamente esta nossa intervenção por escrito para esse lançamento, considerando a importância que atribuímos a este evento e a uma maior disseminação no Brasil das ideias marxistas, dos princípios leninistas, apresentados no Anti-Dimitrov.
Antes de entrar no tema próprio desta mesa, acho que cabe, primeiramente, responder à seguinte pergunta: o que é o Coletivo Cem Flores?
Somos um coletivo comunista que se organiza em torno do site Cem Flores há pouco mais de uma década e concentramos nossos esforços em buscar contribuir para a organização da luta dos operários e das classes dominadas e em debater e desenvolver o marxismo no Brasil.
Como dizemos no site: o Cem Flores “é um espaço construído por um coletivo de companheiros com o objetivo de atingir aqueles que, através do marxismo, optaram por pensar com suas próprias cabeças e desejam um espaço para esgrimirem suas ideias sobre o rumo do socialismo e a teoria que o ilumina”.
Sabemos das dificuldades dessa empreitada. Partimos do atual e prolongado estado de crise do marxismo e do movimento comunista em escala mundial. Tragicamente, tais crises ocorrem inseparavelmente do período histórico no qual o imperialismo, a última fase do capitalismo, afunda-se em uma depressão gigantesca e impõe aos trabalhadores de todo o mundo ainda mais exploração, opressão, devastação e barbárie.
Conhecemos, neste exato momento, aqui no Brasil, o sabor amargo dessa crise: a deterioração constante e violenta das condições de vida do proletariado, de todas as classes dominadas, que, no entanto, ainda não conseguem revidar à altura a ofensiva burguesa e construir um novo futuro, uma nova sociedade.
A crise do marxismo é uma crise teórica e prática e a luta de classes nos coloca a urgência de superá-la.
E é aqui onde nossos humildes esforços encontram a obra e a militância do dirigente comunista Francisco Martins Rodrigues, autor de Anti-Dimitrov.
Francisco, um exemplo de revolucionário, foi um dos que se voltou para a análise das causas de nossas derrotas na segunda metade do século XX. Causas que ainda não foram superadas e que ajudam a explicar o virtual desaparecimento do comunismo enquanto força relevante nas lutas da classe operária e do marxismo revolucionário enquanto sua teoria neste alvorecer do século XXI.
Por isso sua obra se cobre de enorme atualidade e relevância para nós.
Qual a principal tese do Francisco, tanto no Anti-Dimitrov, quanto nas suas demais obras – disponíveis no blog Escritos de uma Vida, graças ao trabalho incansável da camarada Ana Barradas, e na página em português do Marxists Internet Archive (MIA)?
A nosso ver, é atualizar e ratificar um dos principais fundamentos políticos e teóricos do marxismo-leninismo, o da independência do proletariado na luta de classes. E, dessa forma, a necessidade de combater qualquer intromissão da ideologia burguesa em nossas fileiras: combater, sem cessar, o liberalismo, o reformismo, o oportunismo, o revisionismo.
Como disse Lênin no Imperialismo: “O maior perigo […] são as pessoas que não querem compreender que a luta contra o imperialismo é uma frase oca e falsa se não for indissoluvelmente ligada à luta contra o oportunismo”.
Essa tese bate de frente com as diversas teses das “frentes” que, de uma ou outra forma, subordinam o proletariado aos interesses da burguesia ou da pequena-burguesia. Esse ataque é a essência do Anti-Dimitrov.
Mas isso não seria nos enfraquecer, dirão alguns, diante de um inimigo mais poderoso? Não seria mais lógico, portanto, assim como na luta contra o fascismo, o proletariado se unir com a pequena-burguesia, e até setores burgueses para derrotar o inimigo comum?
A história da revolução no século XX diz que isso não tem nada de lógico.
A lógica da luta de classes entre as duas classes fundamentais do capitalismo é de um antagonismo irremediável. A independência da posição proletária é inegociável, e é somente a partir dela que são possíveis quaisquer alianças ou compromissos – caso esses avancem no caminho para a revolução socialista, acumulem forças para esta.
Até mesmo as frágeis reformas e democracias burguesas só são asseguradas com essa força independente, a ameaçar o domínio burguês.
Como disse Manuilski, em 1931, citado na epígrafe do primeiro capítulo de Anti-Dimitrov: “O proletariado só conquistará aliados na medida em que demonstre a sua força e a da sua vanguarda, o Partido Comunista. A pequena burguesia está habituada a respeitar a força.”
Ou os autores deste outro trecho: “Porém, eles próprios [os proletários] terão de realizar o principal para lograr a vitória final, mais precisamente, obtendo clareza sobre os interesses de sua classe, assumindo o mais depressa possível um posicionamento partidário autônomo, não se deixando demover em nenhum momento da organização independente do partido do proletariado pelo fraseado hipócrita dos pequeno-burgueses democráticos.”
Esse trecho poderia muito bem ter sido escrito por Francisco, mas é de Marx e Engels, na Mensagem de março de 1850 ao Comitê Central da Liga dos Comunistas. Tantas outras citações ou ações de marxistas-leninistas poderiam ser resgatadas aqui para reforçar essa tese.
Uma palavra sobre o estudo específico do Anti-Dimitrov: a guinada da política da Internacional Comunista no combate ao fascismo. Ou, para usar o termo do autor, a hegemonização do centrismo em nosso movimento.
O que seria o centrismo? Em uma resenha do livro, de 2012, dissemos que o centrismo é “uma inflexão para longe do leninismo. Inflexão causada pelo predomínio de uma política oportunista derivada da influência de posições pequeno-burguesas nos partidos comunistas e da ofensiva da burguesia e do capital sobre a classe operária”.
Largando sua independência de classe, o proletariado e seu partido afundam-se no seguidismo em relação à burguesia. Um caminho sem volta de corrosão e deturpação da luta comunista e operária.
Em vez de diferenciar-se como classe, como dizia Lenin, nos anulamos paulatinamente na adesão à política de frentes (nacionais ou democráticas) sob o comando de posições social-democratas e burguesas.
Essa política quase sempre implica teses de que, para não “provocar” esses aliados, os comunistas e o proletariado devem cada vez mais abandonar seus objetivos, sua teoria, sua linguagem. É a própria revolução que é, assim, abandonada. A democracia burguesa e seu Estado tornam-se o horizonte máximo do proletariado! O que a princípio é vendido como um “acúmulo de forças” se revela, ao final, uma derrota pura e simples.
Francisco, juntamente com seus camaradas, não lutou apenas no terreno da teoria contra o centrismo. Dedicou sua vida a essa batalha, buscando incansavelmente a retomada e afirmação da posição teórico/política do proletariado, a posição independente, autônoma da classe operária.
Diz Ana Barradas que ele “concluiu que, no plano político, era preciso um programa comunista completamente renovado, autónomo, custasse o que custasse”.
Dizia Francisco: “Eu sei que a insistência nesta ideia, que me parece a única de acordo com o marxismo, a ideia da necessidade de independência política do proletariado, não parece realista à massa dos militantes. Mas é a única que faz sentido: se este sistema não vai evoluir, nem vai desaparecer por si, nem vai entregar o poder, a única perspectiva que existe é do seu derrubamento pela força. E não vale a pena dizermos que a esmagadora maioria da população é contra o capitalismo, logo a coisa pode-se fazer pacificamente… Tem que haver um núcleo, um sector de classe, cujos interesses de classe próprios lhe permita ver que para além deste regime podemos organizar um regime socialista, podemos expropriar a burguesia para criar o nosso sistema. Depois há outros sectores que estão descontentes, que vão aderir, mas que não podem assumir essa visão de classe. Tem que haver forças revolucionárias e aliados de primeira ordem, aliados de segunda ordem, forças a neutralizar e forças a hostilizar e por aí fora.”
Certamente, quando falamos de alianças espúrias, avanço da social-democracia e da burguesia sobre o proletariado, abandono da perspectiva revolucionária, os camaradas fizeram analogias com nosso histórico recente, com nossa atual conjuntura brasileira.
A nosso ver, a maior utilidade do Anti-Dimitrov para os militantes e os leitores brasileiros é essa: fazer-nos refletir e agir nas nossas condições concretas a partir de uma posição proletária, que nos permita enxergar as armadilhas da ideologia e da política burguesas e assim desenvolver uma linha política justa.
Não nos fazendo, enfim, repetir os mesmos passos que nos colocaram nesse poço sem fundo.
Tarefa árdua, cujos atalhos são todos ilusórios, ainda com muitas perguntas a responder. Mas, parafraseando Brecht, não esperemos nenhuma resposta a não ser as nossas.
É da união da luta política com a luta teórica, envolvendo-nos onde as classes dominadas se organizam e lutam, que reconstruiremos o novo programa comunista do qual falava Francisco e todos os marxistas-leninistas revolucionários.
Por fim, compartilhemos do otimismo revolucionário do autor, mesmo neste momento sombrio: “Depois de ter chegado ao ponto mais baixo, a revolução vai ser obrigada a retomar a marcha ascensional, porque a acumulação de forças explosivas, de contradições insolúveis, não cessou de se multiplicar neste período de pausa”.
No país que luta há séculos contra a escravidão e o extermínio de nosso povo, tenhamos a coragem de afirmar: derrubaremos a ditadura da classe burguesa.
O presente é de luta. O futuro será nosso.
Muito obrigado a todos.