A deterioração do mercado de trabalho e o aumento dos protestos no mundo, segundo a OIT
Cem Flores
13.03.2020
O relatório anual Perspectivas Sociais e de Emprego no Mundo – Tendências 2020 foi lançado em janeiro pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e apresenta importantes dados para se compreender a atual situação na qual as classes trabalhadores de todo o mundo estão submetidas. Nesta publicação pretendemos fazer um breve resumo do relatório, cujos trechos foram traduzidos por nós, analisar alguns de seus dados do ponto de vista marxista e reforçar pontos que achamos fundamentais para a conjuntura da luta de classes hoje, no mundo e no Brasil.
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O objetivo da OIT com o relatório é mostrar sua visão sobre “o funcionamento do mercado de trabalho em todo o mundo”, assim como apresentar “os dados mais recentes [2019] que caracterizam as persistentes dificuldades pelas quais atravessa o mercado de trabalho”. Ou seja, a gritante desigualdade e exclusão de grandes massas de trabalhadores por todo o planeta.
Afinal, trata-se de uma realidade e tendência geral do capitalismo difícil de esconder! Mas que vem se agravando na conjuntura recente de crise do imperialismo e seus efeitos concretos nas diversas formações sociais.
O verdadeiro tamanho do desemprego
A taxa global de desemprego está em um dos patamares mais baixos das últimas décadas. Tal taxa apresentou significativa queda após nível recorde recente durante a crise mundial iniciada em 2008. Em alguns países dominantes, inclusive, a burguesia fala em “pleno emprego” (sic)!
Mas, como a OIT nos lembra, a taxa de desemprego não é a medida mais exata para se compreender o funcionamento do mercado de trabalho atual no mundo: “Uma medida mais completa de subutilização das pessoas em idade de trabalhar revela importantes lacunas no acesso ao trabalho; a taxa de ‘subutilização total da força de trabalho’ tende a acentuar-se e supera amplamente a de desemprego”.
Vejamos a enorme discrepância entre as duas taxas no mundo:
A taxa de desemprego no mundo em 2019 foi de 5,4%, ou, em termos absolutos, 188 milhões de trabalhadores. Porém, se incluirmos os trabalhadores que acreditam que não vão achar emprego (força de trabalho potencial) e os que estão em jornadas de trabalho parciais involuntariamente (insuficiência de horas), compondo assim a taxa de subutilização da força de trabalho mundial, chegamos a 13,1%, ou 473 milhões de trabalhadores. Quase meio bilhão!
Ou seja, uma taxa de desemprego mais verdadeira no mundo hoje é quase que o triplo da anunciada pelos governos!
Temos reforçado a importância de se utilizar a taxa de subutilização em nossas recentes publicações sobre o mercado de trabalho brasileiro. E podemos notar uma incrível semelhança, no que se refere à composição, dos dados do Brasil com os globais.
O gráfico acima não consta, importante ressaltar, os 4,8 milhões de trabalhadores “desalentados”, ou seja, que desistiram de procurar emprego. Assim, o real desemprego para as massas trabalhadoras no Brasil, em 2019, não era de 11,9%, mas de 24,2%!
De qual emprego estamos falando?
Mas não pensemos que as massas de trabalhadores fora dessa estatística mais realista (e brutal), ou seja, aqueles atualmente empregados, estão em situação sequer razoável. A “qualidade” desse trabalho, mostra o relatório da OIT, está muito baixa.
O que não deixa de ser também uma regra para um regime baseado na exploração do trabalho, nessa escravidão moderna chamada assalariamento. Mas, de novo, cabe a nós sabermos a dimensão e as causas conjunturais de tal fato.
Um dos índices dessa baixa qualidade nos empregos é o gigantesco peso setor informal no mundo: 61% dos empregos são informais, chegando a 2 bilhões de trabalhadores pelo mundo. Esse setor “registra as taxas mais altas de pobreza entre os trabalhadores e um elevado porcentual de pessoas que trabalham por conta própria ou de trabalhadores familiares auxiliares que carecem da proteção adequada”.
Mas até mesmo os trabalhadores formais têm sofrido com uma degradação significativa. Desde a crise mundial, uma onda de reformas trabalhistas atravessou diversos países, sérios ataques às conquistas legais das massas. Uma pesquisa, também da OIT, aponta que, entre 2008-2014, houve mais de 600 alterações em legislações trabalhistas no mundo!
Essas alterações na regulação estatal da força e das relações de trabalho, juntamente com as recentes transformações tecnológicas, estão a estimular e legitimar empregos altamente flexíveis, com baixíssimas remunerações e ausência de direitos mínimos… Situação a mais benéfica possível para um capital em busca de recuperação de suas taxas de lucro/exploração.
Novamente, as semelhanças com o Brasil são inegáveis. O setor informal, historicamente grande no país, desde a crise ampliou seu tamanho, sendo a base dos novos empregos. Segundo o IBGE, em 2019, “a informalidade – soma dos trabalhadores sem carteira, trabalhadores domésticos sem carteira, empregador sem CNPJ, conta própria sem CNPJ e trabalhador familiar auxiliar – atingiu 41,1% da população ocupada, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas, o maior contingente desde 2016”.
Já os empregos formais têm sido efetivados sob piores salários e condições de trabalho, inclusive sob novos formatos de contratação abertos pela reforma trabalhista de 2017 (empregos parciais e intermitentes). Segundo dados do CAGED, em dezembro de 2019, por exemplo, o salário médio de demissão foi de R$ 1.811,78, enquanto o salário médio de admissão foi de míseros R$ 1.595,53!
A situação específica das mulheres
Um dos efeitos desse imenso desemprego e da piora nos empregos é a elevação geral da desigualdade. Mas todos esses perversos fatores na vida das massas são mais intensos em determinadas parcelas de trabalhadores, por exemplo, entre as mulheres.
Segundo a OIT: “Em 2019, a taxa de participação das mulheres na força de trabalho era apenas de 47%, 27 pontos porcentuais abaixo da taxa dos homens (74%). […] Os estereótipos de gênero que enfatizam o papel da mulher como principal cuidadora e o dos homens como principal suporte da família permanecem profundamente enraizados em algumas regiões. A subutilização da força de trabalho feminina é muito pronunciada no norte da África e nos Estados árabes e afeta cerca de 40% das mulheres na força de trabalho expandida em ambas as sub-regiões (em comparação com apenas 20 e 12% dos homens, respectivamente).” Ou seja, parcelas imensas de mulheres ainda são totalmente excluídas da produção social e presas somente à servidão doméstica, e a toda violência que esta significa.
Mesmo quando e onde acessam mais os empregos, elas sofrem com baixos salários, fora o peso do trabalho doméstico e reprodutivo ainda imperante. “Além do acesso ao emprego, persistem disparidades de gênero em relação à qualidade do trabalho. Isso é verdade mesmo em regiões onde as mulheres fizeram avanços importantes no mercado de trabalho. Na América Latina e no Caribe, por exemplo, o nível médio de estudos sobre mulheres atualmente excede o dos homens, mas as mulheres da sub-região continuam a ganhar 17% menos por hora trabalhada do que os homens”.
Perspectivas nada otimistas
Mas afinal, qual a perspectiva que a mesma OIT aponta? “Se espera que a escassez de postos de trabalho continue no futuro próximo. A taxa de desemprego mundial se situou em 5,4% em 2019 e não se prevê que haja variação essencial nos próximos dos anos”. O mesmo para a subutilização da força de trabalho.
Até mesmo os novos empregos mais precários do período pós-crise já estão diminuindo: “A redução subjacente do crescimento do emprego está relacionada com uma desaceleração da atividade econômica mundial, especialmente no setor manufatureiro”. E a crescente perspectiva de desaceleração global, com uma provável nova crise no horizonte, só reforça tal tendência.
A elevação da luta dos trabalhadores e o temor dos capitalistas
Toda essa situação eleva as contradições de classe, ou nos termos do documento oficial da OIT, diminuem “a coesão social dentro de os países”.
A OIT demonstra que, em 2019, cresceu “a incidência dos protestos em sete das onze sub-regiões do mundo, o que indica que o descontentamento com a situação social, econômica ou política tem aumentado”.
Diante das condições de vida e trabalho aviltantes, manifestações e greves voltaram a explodir em diversos países, como também temos divulgado. “Após alguns anos de relativa calma social, a agitação está em ascensão novamente, embora o nível de pico de 2011 ainda não foi superado na maioria das sub-regiões”.
O que gera preocupação da OIT, esse organismo internacional do capital, e de tantos outros, em “aconselhar” e alertar os estados capitalistas, por mais um ano seguido, sobre os riscos que emanam do mercado de trabalho. Assim, mistificando o fato de se tratarem de problemas estruturais desse modo de produção.
Ora, o aumento do exército industrial de reserva, em seus diversos níveis, assim como a elevação do grau de exploração de trabalho são fatores contrarrestantes à queda das taxas de lucro, necessários ao capital que busca se recuperar.
A solução dos problemas expostos acima, eis o que a OIT não pode nem consegue pronunciar, está em uma revolução que derrube o próprio sistema que faz da força de trabalho uma mercadoria. Logo, os protestos atuais dos trabalhadores, explorados e oprimidos, são o único caminho e saída!