Viva os 150 anos da imortal Comuna de Paris!
Uma Carta de um Communard.
Cem Flores
04.01.2021
Neste ano de 2021 se completam os 150 anos da Comuna de Paris, a primeira insurreição proletária vitoriosa, com a derrubada do governo burguês, e também a primeira experiência, ainda que efêmera, de governo proletário. Como afirmou Engels na conclusão de sua introdução de 1891 – nos 20 anos da Comuna – à obra magistral de Marx, A Guerra Civil na França: “Pois bem, senhores, quereis saber como é essa ditadura [do proletariado]? Olhai para a Comuna de Paris. Tal foi a ditadura do proletariado”.
Vejam também cartas de Engels, inéditas em português com a tradução do Cem Flores, sobre a Comuna de Paris no link: https://cemflores.org/index.php/2019/12/02/engels-em-homenagem-a-comuna-de-paris/
Ao marcar essa data magna em nossa primeira publicação do ano, o Cem Flores se junta ao proletariado e às demais classes trabalhadoras de todos os países, aos/às comunistas e aos/às lutadores/as do mundo inteiro, na comemoração da Comuna, no estudo e no debate sobre seu exemplo histórico, e também no seu resgate para a luta de classes contemporânea do proletariado contra a burguesia.
Em 18 de março de 1871 – após um longo cerco de quatro meses do exército prussiano à Paris e após uma série de medidas repressivas e de exploração da Assembleia Nacional – o proletariado parisiense em armas expulsou da cidade o governo burguês. A burguesia e seu governo deposto se exilam em Versalhes, antigo refúgio monárquico.
Nos 72 dias que se seguiram, o proletariado parisiense, seus homens e mulheres trabalhadores/as, inventaram um novo governo, radicalmente democrático, e adotaram medidas novas, em prol de si mesmos/as. Economia, trabalho, educação, arte e cultura, defesa, todos esses temas foram abordados pelas medidas da Comuna. Seus acertos e seus erros estão ligados ao caráter inédito dessa experiência de um governo sem exploradores, governo da maioria e para a maioria, anteriormente explorada – e à furiosa e sanguinária reação da burguesia deposta.
Isso nasceu de algo radicalmente novo, inaugurado pela Comuna. Como sabemos, praticamente toda a história é a história da luta de classes, da dominação de uma classe minoritária e exploradora, sobre as demais classes, majoritárias e exploradas. A escrita dessa história, portanto, sempre foi a de grandes homens e seus feitos. Como dizia Brecht, não haviam construtores, pedreiros, escravos, soldados, cozinheiros?
A história da Comuna é uma história diferente. É a história do povo simples e trabalhador de Paris. De seus homens, mulheres e mesmo crianças. Trabalhadores/as e filhos/as de trabalhadores/as. Foram os operários e os artesãos, os tipógrafos e as lavadeiras, os sapateiros e as secretárias, os camponeses e as diaristas, os soldados, que fizeram a Comuna. Eles/as eram parisienses, de outras cidades da França e também estrangeiros. Junto a eles/as estavam os/as militantes revolucionários: socialistas, blanquistas, proudhonistas/anarquistas, jacobinos e comunistas da Associação Internacional dos Trabalhadores (a 1ª Internacional).
Para iniciar este novo ano de lutas, o ano dos 150 anos da Comuna de Paris, traduzimos a seguir uma pequena carta de um desses homens simples, um communard, inteiramente comprometido – como se verá – com sua Revolução, com a defesa da Paris livre, a Paris da Comuna.
Marx dizia que “a teoria também se torna força material quando se apodera das massas”. Che, por sua vez, constatou que “numa revolução se vence ou se morre (se ela for autêntica)”. Auguste Joulon e os communards são a comprovação histórica da validade dessas duas afirmações.
A carta abaixo foi traduzida do apêndice IV da tradução em inglês – feita por Eleanor Marx Aveling – da obra de Hippolythe Prosper-Olivier Lissagaray (ele mesmo um communard), História da Comuna de 1871.
Viva os 150 anos da imortal Comuna de Paris!
* * *
Cidadão [ao delegado da Comissão de Guerra],
Desculpe escrever-lhe essas linhas e tenha a bondade de levar em consideração o pedido que faço a você.
Eu tenho três filhos nas fileiras da Guarda Nacional – o mais velho no 197º batalhão, o segundo no 126º e o terceiro no 97º. Quanto a mim, faço parte do 177º.
Entretanto, resta-me ainda um filho, o caçula. Ele em breve completará dezesseis anos e deseja de todo o coração ser incorporado a qualquer batalhão; pois ele jurou aos irmãos e a mim que empunhará armas para apoiar nossa jovem República contra os carrascos de Versalhes.
Todos nós concordamos e prestamos um juramento de vingar aquele que for derrubado pelas balas fratricidas de nossos inimigos.
Cidadão, aceite então o último dos meus filhos. Eu o ofereço de todo o coração à pátria republicana. Faça com ele o que for necessário, o coloque em um batalhão à sua escolha e você me fará mil vezes feliz.
Aceite, cidadão, minhas saudações fraternas,
Auguste Joulon
Guarda do 177º Batalhão
Rua de Itália, 18, Paris.
12 de maio de 1871