CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Nacional

E agora?

Eu quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
– rosa!
todos soubessem o que haviam de pensar.
Mais: quisera ser claro de tal forma
que ao dizer
– já!
todos soubessem o que haviam de fazer.
(Geir Campos. Poética) 1

E agora?

Depois do Severino e de dois anos de Governo Lula, não é possível a mais ninguém imaginar o PT como “instrumento de transformação social”, se estamos tratando de transformações, por mínimas que sejam em beneficio do povo, seja o que for que isto signifique. Também não é mais possível que falte a alguém “evidências suficientes” de que o governo do PT se transformou num instrumento a serviço do capital financeiro internacional e da grande burguesia brasileira.

Isto mesmo, do capital financeiro e da grande burguesia brasileira com todos os effes e erres.

E isto precisa ser dito, mesmo que doa em muitos que até pouco tempo atrás acreditavam honestamente no PT como alternativa para a construção do socialismo e que, nesta luta, participando do PT, deram o melhor de suas vidas.

Precisa ser dito porque não representa um pormenor de somenos importância e não nos serve de nada esconder a luz do sol com a peneira, pelo menos para os que realmente levam à prática a luta pela transformação da sociedade brasileira pelo único caminho possível, o do socialismo, e que precisam ver claramente a conjuntura na qual nosso povo trava a luta de classes.

Compreender que o governo do PT está a serviço do grande capital, da reprodução da economia mundial capitalista, é de fundamental importância para qualquer pessoa que queira fazer a análise concreta da formação econômico-social brasileira e, a partir daí, buscar a linha justa para romper com a situação de sujeição de nosso povo à opressão e exploração do imperialismo.

E quando dizemos que agora é fundamental compreender o papel que joga o PT, PCdoB e quejandos nesta conjuntura, é também de fundamental importância compreender que quando nos referimos ao PT estamos nos referindo ao que chamamos de nomenklatura petista, o grupo que hegemoniza e controla o partido e é o mesmo grupo que também controla o governo do PT. E sabemos também que uma boa parte de seus militantes está sinceramente empenhada na luta para efetivamente transformar o Brasil.

Porém, em nossa opinião, após afastar o obstáculo objetivo e subjetivo que o PT sempre representou para o caminho da transformação socialista do Brasil – e esta é uma questão que necessita ser esclarecida – ainda resta às forças comprometidas com a transformação de nossa sociedade superar um conjunto de incompreensões na análise que fazem do Brasil. Questões que, recorrentes, se apresentam à análise científica da formação social brasileira.

Capitalismo autocentrado

Debatemo-nos com problemas como os da possibilidade de desenvolver um capitalismo autocentrado, independente diante do imperialismo, baseado em uma classe dominante nacional que também seria nacionalista a partir de seus interesses econômicos objetivos, que estaria em contradição antagônica com a dominação e exploração imperialista.

Esta interpretação se tornou dominante na esquerda brasileira desde que os comunistas, em sua maioria reunida no PCB, trabalhando heroicamente para construir o partido comunista nas condições da época – fragilidade orgânica da classe operária, influência do anarquismo, pouca difusão da literatura marxista, etc., etc., – com a visão empobrecida e mecanicista do marxismo predominante nestas condições, substituíram em sua análise da conjuntura nacional a contradição fundamental da formação social brasileira, burguesia/proletariado, por uma outra que oporia países imperialistas a países dominados, oporia toda a nação, dominantes e dominados, ao imperialismo.

É importante ressaltar que o PCB colocava na maioria dos seus documentos uma distinção entre uma burguesia nacional e a burguesia aliada ao latifúndio, estes últimos (a burguesia aliada e o latifúndio) associados ao imperialismo, chegando a indicar que essa burguesia nacional era vacilante e afirmava, assim, “o duplo caráter da burguesia nacional”.

E esta interpretação, que expressava, ao nível imediato da consciência das camadas médias e das massas, o reflexo da dominação imperialista sobre o Brasil, assumiu enorme peso e difusão a partir da fundamentação teórica que elaboraram para justificá-la o PCB e seus aliados na intelectualidade de camada média.

Além do que, para explicar as diferenças de desenvolvimento econômico entre o Brasil e os países imperialistas se recorreu, e ainda hoje se recorre, aos “restos feudais”, ao “atraso” no desenvolvimento do capitalismo provocado por vários fatores, desde uma “indolência atávica” de nosso povo até etc., etc. que “atrasam”, “entravam”, “bloqueiam” o desenvolvimento das forças produtivas.

E esta incompreensão das contradições que caracterizam a conjuntura brasileira permanece predominante até hoje nos setores intelectuais de “esquerda”, em grupos que se autodenominam de “esquerda do PT”, e em setores organizados da classe operária e dos trabalhadores.

Conciliação nacional e colaboração de classes

Objetivamente isto significou para os comunistas – e para as forças comprometidas com a luta anti-imperialista – a impossibilidade de ver o papel dirigente que cabe ao proletariado, substituído nesta “etapa nacional” da revolução por uma mitificada “burguesia nacional”. E resultou, por fim, na prática de uma política reformista que recusa o papel dirigente do proletariado na luta anti-imperialista. Esta posição está na origem das políticas de conciliação nacional e colaboração de classes do reformismo, predominantes em alguns momentos da trajetória do PCB e defendidas hoje pela “esquerda” dentro e fora do PT, com a óbvia exceção dos trotsquistas que, enquanto não estão enfronhados em campanhas eleitorais, entre um pleito e outro, defendem uma “revolução” passando direto para o socialismo.

Confundir as contradições entre classes com as contradições entre países obscurece a contradição fundamental da luta de classes, a contradição burguesia/proletariado. E o reformismo é exatamente a negação da linha de demarcação da luta de classes, a incapacidade/impossibilidade de ver a contradição antagônica, de trabalhar com a dialética materialista, substituída por uma versão empobrecida da dialética hegeliana 2.

O reformismo não vê a revolução a partir dos interesses da classe operária como a superação revolucionária das contradições antagônicas do capitalismo. Quando fala em revolução, está em verdade se referindo a um processo utópico de reformas pacíficas e sucessivas que transformariam o capitalismo num sistema “mais humano”.

Assim como o reformismo ignora, ou relega a segundo plano, a luta de classes burguesia/proletariado, também não considera a contradição fundamental das formações sociais, a contradição forças produtivas/relações de produção.

Imperialismo

A nosso ver, é de fundamental importância esclarecer o conceito marxista-leninista de imperialismo, a fim de estabelecer a linha justa por onde passa a luta de classes na conjuntura concreta do Brasil contra as classes dominantes nacionais e as classes dominantes dos países imperialistas que dominam e exploram nosso povo, contra o imperialismo que determina, dentro dos limites das contradições internas, como se exerce a dominação e a exploração no Brasil.

O imperialismo é a fase do capitalismo resultante das tendências intrínsecas do capital, que tem como seu elemento essencial a constituição do modo de produção capitalista num sistema de dominação e exploração mundial, efeito da propensão – inerente ao processo de reprodução ampliada do capital impulsionado pela lei do valor – à concentração/centralização industrial e financeira, no mundo e em cada formação social, que tem como consequência relações econômicas, políticas e ideológicas cujos efeitos são designados pelos conceitos de colonização 3 e imperialismo.

De outra forma, podemos dizer que o imperialismo, fase do capitalismo resultante das tendências integrantes ao capital impulsionadas pela lei do valor e inerentes ao processo de reprodução ampliada do modo de produção capitalista, que resultam da propensão do capital à concentração/centralização industrial e financeira no mundo e em cada formação social, produz a tendência à constituição do modo de produção capitalista à escala mundial, num sistema mundial, corporificado em um pólo dominante e um pólo dominado e em relações econômicas, políticas e ideológicas designadas pelos conceitos de colonização e imperialismo.

O desenvolvimento desigual das forças produtivas entre países imperialistas e países dominados decorre e é resultado/condição da reprodução ampliada do modo de produção capitalista em escala mundial, assegura sua reprodução ampliada em escala mundial e garante a reprodução da exploração/dominação (do sistema) imperialista.

Produção e reprodução da exploração e dominação

Ou seja, o sistema capitalista mundial não é somente um “mercado” onde a dominação e a exploração se realizam através dos preços, mas é um sistema de exploração e dominação composto de instâncias econômicas, políticas e ideológicas, e essas próprias instâncias decompõem-se numa série de níveis conformando uma teia de relações que produzem e reproduzem a exploração e a dominação.

A necessidade de reproduzir a dominação mundial do modo de produção capitalista para produzir e reproduzir o modo de produção capitalista em escala mundial resulta:

  1. Em uma nova divisão internacional do trabalho e no desenvolvimento polarizado das forças produtivas mundiais.
  2. Na divisão e desenvolvimento polarizado, desenvolvimento desigual das forças produtivas entre países imperialistas e países dominados, que resulta/produz e reproduz as desigualdades econômicas e sociais entre os países dominantes e os países dominados. Desigualdade que decorre, é resultado e condição da reprodução ampliada, necessariamente contraditória, do modo de produção capitalista em escala mundial; assegura sua reprodução ampliada em escala mundial e garante a reprodução da dominação e exploração do (sistema) imperialista.
  3. Na necessidade do pólo dominante de reproduzir a exploração e dominação para reproduzir a posição dos países imperialistas no sistema e, consequentemente, reproduzir a condição dos países dominados de concorrer para a reprodução ampliada do capital no pólo dominante.
  4. Consequentemente, na tendência a um desenvolvimento capitalista relativamente “rápido” nos “países desenvolvidos”/dominantes, e um desenvolvimento econômico “diferente” – porque em conformidade e a serviço do processo de reprodução do capital na economia mundial – nos países “atrasados”/dominados.

Desenvolvimento “diferente” das forças produtivas nos países dominados porque determinado e em conformidade (servindo, ajustado) à reprodução ampliada do capital, na/ao desenvolvimento da/economia mundial. Desenvolvimento este determinado pelo desenvolvimento contraditório do pólo dominante, países dominantes/países imperialistas.

Desenvolvimento da economia mundial que favoreceu, nos países dominados, a manutenção e desenvolvimento de relações de produção e também de relações políticas e ideológicas que determinaram a tendência a um desenvolvimento das forças produtivas de forma diferente e ajustada à dos países imperialistas.

De outra forma, poderíamos dizer que as formas de produção em um país dominado são sobredeterminadas pela dominação das relações econômicas, políticas e ideológicas imperialistas.

  1. Que a dominação não se dá somente na esfera econômica, é, portanto, também política e ideológica. Daí porque o termo colonização: esta última forma de dominação faz com que a ideologia dominante em cada formação social dominada seja sobredeterminada pela dominação das relações econômicas, políticas e ideológicas imperialistas que ligam a classe dominante dos países dominados aos interesses das classes dominantes dos países dominantes. Sobredeterminada por uma construção ideológica que é dominante em escala mundial.
  2. Que é esta combinação específica de relações de produção internas – sobredeterminadas por relações de produção, relações políticas e ideológicas mundiais – que engendra o que é designado pelas expressões de “bloqueio das forças produtivas”, “de atraso no desenvolvimento das forças produtivas” nos países dominados.

É uma interpretação equivocada desta realidade – ao não se compreender que “atraso” e “desenvolvimento” são aspectos necessários e inseparáveis da reprodução da economia mundial capitalista – que leva os setores de “esquerda” que têm uma interpretação mecanicista do capitalismo a colocar o problema de superar este “atraso” e assumir nosso lugar entre os países capitalistas “desenvolvidos”.

  1. Que o desenvolvimento “diferente”, portanto, é/resulta das próprias relações de produção capitalistas modificadas pela dominação imperialista (pela lógica da reprodução da economia mundial) sobre os países dominados, expressas no desenvolvimento desigual de forças produtivas, na menor remuneração da força de trabalho e baixo custo da reprodução da força de trabalho, manutenção de um exército industrial de reserva alargado, desemprego e subemprego “estruturais”, manutenção do “mercado informal” para garantir a maior taxa de exploração possível, e como forma de contrarrestar a luta de classes: baixo nível de subsistência.
  2. Que a dominação imperialista sobre os países dominados implica: a) numa configuração e limitação específica das forças produtivas e do mercado interno; b) na imposição de limites para o desenvolvimento tecnológico; c) em obstáculos à acumulação interna de capital; d) na constituição de uma burguesia industrial e financeira comprometida com o desenvolvimento desta configuração específica das forças produtivas, configuração compatível com as necessidades da economia mundial; e) o fortalecimento de uma burguesia importadora/exportadora, (na agricultura, mineração, etc., etc.), interna, comprometida com o capital externo.

Integração e subordinação

Referindo-nos às classes dominantes brasileiras no início do governo de FHC, após Collor, dizíamos que era patente, pelo desenvolvimento econômico e político recente da formação econômico-social brasileira, que se estabelecera um outro nível de integração, outro nível de subordinação, entre o essencial das classes dominantes brasileiras e o imperialismo.

Integração subordinada, onde o imperialismo está qualitativamente mais presente na estrutura econômica. Presente com maior peso em setores determinantes como o setor financeiro. A grande burguesia brasileira aumentou seu grau de subordinação não só no setor financeiro como também no setor produtivo e, principalmente, na definição da direção da intervenção estatal.

O que quer dizer que, cada vez mais, são os interesses do imperialismo – em acordo com as classes dominantes brasileiras – que determinam as políticas levadas à prática pelo estado brasileiro. Coalizão na qual, cada vez mais, são os interesses da reprodução do capital, do imperialismo, na economia mundial, que determinam tais políticas globalmente.

Ou, dizendo de outro modo, o imperialismo é mais forte e mais presente na estrutura econômica nacional e a classe dominante nacional está mais integrada, submetida, subordinada. Inclusive porque vem cedendo o Estado para a política do imperialismo, perdendo-o enquanto instrumento utilizado na disputa por lugar na estrutura produtivo-financeira.

Quando dissemos que as classes dominantes brasileiras disputam lugar na estrutura econômica brasileira, não estamos nos referindo a nenhuma contradição (antagônica) entre a nação e o imperialismo, mas sim à existência da “saudável” concorrência capitalista entre as classes dominantes brasileiras e o imperialismo. Assim como existem contradições e concorrência no campo do imperialismo que, dentro dos limites da política necessária a sua reprodução, ora disputam, ora se associam, na eterna corrida por ver quem explora mais a classe operária e o povo.

Tendência à integração subordinada

De fato, a concepção, o conceito que expressa com maior precisão a relação entre a burguesia brasileira e o imperialismo seria o da tendência à integração, integração subordinada, tendência que não pode se realizar plenamente, porque não exclui, e nem pode excluir, a concorrência.

As classes dominantes dos países dominados se integram em posição subordinada à economia mundial, dominada e determinada pelo imperialismo, à reprodução da economia mundial.

É evidente que até aqui só nós foi possível avançar algumas teses, ainda provisórias, sobre o imperialismo, buscando esclarecer algumas das questões que consideramos centrais para sua compreensão. Porém, tudo isto requer precisões, desenvolvimentos e aprofundamentos. Todo um trabalho teórico que prometemos continuar, para o que contamos, necessariamente, com a colaboração de todos os camaradas comprometidos com a revolução brasileira.

Censo de capitais estrangeiros

Se ainda tivermos dúvida quanto ao domínio do capital externo na economia brasileira, nada melhor do que recorrer ao famoso argumento de “autoridade”. E nenhuma autoridade maior sobre o assunto do que o insuspeito Banco Central do Brasil (logo, logo “autônomo”), hoje capitaneado pelo valoroso Henrique Meirelles – materializando a velha palavra de ordem “Nada de intermediários…” e determinando a política econômica do Brasil para uma meia dúzia de “laranjas” que o imperialismo colocou no trono.

A partir de 1995, o Banco Central do Brasil vem realizando um censo de capitais estrangeiros. O texto que vamos reproduzir, Censo de capitais estrangeiros 2001 (Data-base 2000). Alguns Resultados., se encontra no sítio do BCB 4.

O documento inicia exaltando a “destacada performance” da economia brasileira em seu “processo de internacionalização”, detalhando o que denomina de “aprofundamento” deste processo: “Os números do Censo 2001 reafirmam a destacada performance brasileira como pólo de atração de capitais estrangeiros na segunda metade da década de 90, aprofundando o processo de internacionalização de sua economia”.

E note-se bem, não trata de um processo de internacionalização da economia brasileira que se tivesse dado em período recente, mas parte da constatação de que a economia brasileira é, para utilizar o termo do relatório, “internacionalizada” e do que se trata agora é do “aprofundamento” deste processo.

Como diz o documento, “(…) seja pela criação de novas empresas ou por aquisições das já existentes, juntamente com novos aportes de capital naquelas que já registravam participação estrangeira em 1995 (…)”.

É importante verificar que não se trata também de que a economia esteja internacionalizada em tal ou qual setor. O Banco Central parte da constatação de que o processo de “internacionalização” se dá e se reflete em toda a estrutura da formação econômica e social, como se pode concluir do aumento em 80,4% no número de empresas que responderam ao Censo e declararam a participação de capital estrangeiro, em apenas cinco anos.

Mas, vamos aos dados do Censo para confirmar o aumento da participação do capital externo na economia brasileira:

“O primeiro indicativo do Censo que confirma maior grau de participação do capital estrangeiro no Brasil surgiu com o número de declarações recebidas pelo Banco Central, 11.404 declarantes (…). Houve, portanto, relevante aumento de 80,4% em relação aos 6.322 declarantes do último censo, período-base de 1995”. (Quadro 1)

Quadro 1
Empresas com participação do capital estrangeiro
1995 2000 aumento
6.322 11.404 80.4%

O Censo ainda chama atenção para dados significativos do aprofundamento do processo de internacionalização da economia. Apesar de que o número de empresas tenha crescido 80,4% no período 1995-2000, “(…) o capital integralizado do total de declarantes (…) convertidos pelo dólar vigente ao final de cada período”, como diz o relatório chegou “a mais do que dobrar”, “dos US$ 86,2 bilhões de 1995 para US$ 179,8 bilhões em 2000”. (Quadro 2)

Quadro 2
Capital integralizado do total dos declarantes
1995 2000
US$ 86,2 bilhões US$ 179,8 bilhões

E segue o relatório do Banco satisfeito e achando “interessante” o domínio do capital estrangeiro sobre a economia brasileira.

“Interessante notar que, em 1995, a maior participação no capital integralizado era de residentes, que respondiam por 51,6% do total. Em 2000, houve inversão e a maior participação passou a ser de não-residentes, com 57,3% do total, explicitando a tendência dos investidores externos em procurar participar de empresas brasileiras de forma majoritária”. (Quadro 3)

Outro dado relevante para dimensionar a “internacionalização” da economia é que dos 11.404 declarantes, em 9.712 empresas a participação do capital estrangeiro é majoritária, isto é, superior a 50% e, do valor de seu capital integralizado, 70,3% é detido por investidores não-residentes. E ainda, o crescimento nos ativos totais “(…) das entidades com participação majoritária passou de 58,3% em 1995 para 70,2% em 2000”.

Quadro 3
Participação no capital integralizado
residentes não
1995 51,6% 48,4%
2000 42,7% 57,3%

Ainda mais, analisando o quadro de endividamento das 11.404 empresas com participação estrangeira, o Censo levanta que no ano de 2000 estas empresas deviam a não-residentes o total de US $105 bilhões, em dólares às taxas do final de 2000. O que correspondia a 45,1% do saldo da dívida externa brasileira total, à época, US$ 236,2 bilhões. Essas empresas tiveram receita operacional bruta em reais R$ 509,9 bilhões e de receita operacional líquida R$ 423,8 bilhões, o que corresponde, respectivamente, a 46,9% e 39% do PIB brasileiro apurado no ano 2000.

Não se pode depois destes dados deixar de perceber que o capital externo é parte inseparável da estrutura econômico-social do Brasil e que – por se situar precisamente nos setores estratégicos, seja pela sua rentabilidade ou pela alta tecnologia que empregam – significa a certeza de lucros e do controle da estrutura econômica brasileira.

Exportação e importação

Outro dado significativo do peso do capital externo na economia brasileira é sua participação nas exportações-importações.

É necessário reproduzir o texto do Banco Central para que se tenha claro a ideologia dominante no Estado brasileiro, manifesta no texto de seus funcionários. Estes, ao invés de mostrar preocupação com o predomínio do capital estrangeiro sobre o nosso mercado interno, expressam evidente satisfação, afirmando ser este um fato positivo. Ao expressarem assim sua posição, é evidente que os funcionários que redigiram o Censo não estão manifestando uma posição pessoal, com o risco de se chocarem com a posição da maioria, com a posição oficial, do Estado. A tranquilidade e a satisfação com que comemoram o “aprofundamento” do processo de “internacionalização” da economia brasileira expressa a ideologia (posição) dominante entre as classes dominantes e, portanto, nos aparelhos de Estado.

Mas é importante reproduzir o trecho do relatório que trata do comércio externo.

“Entre as estatísticas positivas trazidas pelo censo, não deve ser esquecida, naturalmente, a importância das empresas com participação estrangeira para o desenvolvimento do comércio exterior brasileiro. Segundo os dados apresentados, essas empresas geraram superávit em sua balança comercial física em 2000 de US$ 1,7 bilhão com US$ 33,2 bilhões de exportações e US$ 31,5 bilhões de importações, equivalentes a participações de 60,4% nas exportações e de 56,6% nas importações totais daquele ano”.

Porém, tem mais. Apesar de seu contentamento pelo fato de que o capital externo controla 60% do comércio exterior brasileiro, nossos representantes do pensamento das classes dominantes reconhecem que, apesar de que essas empresas tenham aumentado sua participação no comércio entre 1995 e 2000, diminuiu o superávit produzido por elas, de US$ 2,3 bilhões em 1995 para os US$ 1,7 bilhão em 2000.

Quadro 4
Importações e Exportações das empresas do
Censo/Importações e Exportações Totais
1995 2000
Importações de Empresas do Censo/Importações totais 38,76% 56,56%
Importações de Empresas do Censo 19.371.332 31.553.194
Importações totais 49.972.000 55.783.000
1995 2000
Exportações de Empresas do Censo/Exportações totais 46,76% 60,36%
Exportações de Empresas do Censo 21.744.976 33.249.789
Exportações totais 46.506.000 55.086.000

Mas, justificam condescendentes, queda “compatível com o ambiente econômico vigente em seus respectivos momentos”. É importante ler o texto do documento, ele trará sempre surpresas.

Hoje não é mais possível negar que são os representantes institucionais do imperialismo: o FMI, Banco Mundial, Davos, etc., em conluio com a grande burguesia brasileira, que definem a política econômica aplicada pelo governo Lula. E não só a política econômica, toda a política de Estado.

É gritante a atuação desses braços do imperialismo: da grande burguesia brasileira e da grande imprensa que os representa na aplicação e defesa aberta da política econômica do governo Lula. Aliás, política por eles preconizada, para não dizer imposta. Não só a política, mas também o processo de regressão colonial e avanço da barbárie, materializado no modelo exportador centrado na grande agricultura comercial, no agronegócio, na exportação de matérias-primas e produtos manufaturados, na plataforma de exportação montada aqui pelo capital externo, automóveis e peças etc. etc., enfim, tudo aquilo que interessa ao imperialismo para aumentar a exploração a que está submetido o povo brasileiro. Esta é outra das questões que teremos de desenvolver.

Fricotes, pontuais e episódicos

E não podemos nos deixar confundir pelos tímidos faniquitos de descontentamento que alguns setores da indústria e do comércio expressam com a política econômica de Lula. São fricotes, pontuais e episódicos, juros, estradas, etc.: basta qualquer crítica mais séria vinda da esquerda, para que atendam ao toque de reunir no campo do apoio amplo, geral e irrestrito à política do imperialismo, que, aí sim, defendem com toda a energia de que são capazes.

E agora?

A ilusão de que é possível contar com a burguesia brasileira na luta contra o imperialismo, como dissemos, só nos afasta da tarefa urgente de organizar a classe operária, os camponeses, os trabalhadores, as camadas médias, o povo brasileiro na luta para romper com a escravidão imperialista. Já é hora de avançarmos no cumprimento desta tarefa. Todos sabem o que fazer.


1 Campos, Geir. Tarefa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981, p. 9.

2 Ver o texto Algumas teses para retomar o marxismo. Materialismo Dialético, onde tratamos desta questão.

3 Colonização: o termo colonização expressa melhor as formas de dominação do imperialismo que o termo dependência. O termo colônia expressa um território dominado, posto sob a hegemonia econômica, política e ideológica do sistema imperialista.

Colônia: estado sob a hegemonia do sistema imperialista, hegemonia expressa objetivamente no conjunto de determinações impostas – por país ou países imperialistas – a sua formação econômico social.

É verdade que, em O Capital, Marx dá outro conteúdo para ao conceito de colonização, e esta é outra questão que ficamos devendo aprofundar.

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- 13/03/2005