A luta contra os ataques do governo Bolsonaro continua nas escolas e universidades!
Cem Flores
A crise capitalista no Brasil tem afetado fortemente o setor educacional. Nos últimos anos, através de sucessivos governos, profundos cortes no orçamento das escolas e universidades públicas foram realizados, somados a uma ofensiva ideológica e repressiva reacionária na educação como um todo.
O governo Bolsonaro, assumidamente, é herdeiro, continuador e aprofundador dessa estratégia. Trata-se, como dissemos em nosso último livro “O Governo Bolsonaro: Ofensiva Burguesa e Resistência Proletária”, de uma verdadeira reformulação do Aparelho de Estado educacional. Em um capítulo destinado exclusivamente ao programa desse governo para a educação, citamos que essa reformulação tem como objetivos:
- Principal/estrutural: manter a péssima qualidade da escola voltada para as classes dominadas no Brasil, suficiente apenas para preparar precariamente para os postos de trabalho desqualificados gerados pela inserção internacional do país;
- Principal/conjuntural: reforçar e tornar mais explícita a dominação ideológica da ideologia burguesa, dominante (entre outros aspectos, o patriotismo – que ainda analisaremos no último capítulo deste livro), buscando garantir futuras gerações de operários e de trabalhadores mais passivas em contexto de uma exploração mais intensa e de uma repressão mais aberta. A recente, desastrada e depois revogada ordem do MEC, nostálgica da ditadura militar, de gravar crianças cantando o hino nacional e recitando slogan de campanha de Bolsonaro, é uma evidência dessa característica; e
- Conjuntural: reduzir o gasto público com o sistema educacional (fim da vinculação dos gastos com educação e o PIB, redução dos salários reais, aumento do tempo para aposentadoria dos professores, etc.).
Essa reformulação do setor educacional se combina com as reformas econômicas e o aprofundamento da violência do Estado. Somadas, formam uma profunda ofensiva burguesa na luta de classes em diversas frentes.
Diante desses ataques, estudantes e professores têm protagonizado importantes lutas nos últimos anos. Das inúmeras escolas ocupadas em 2015 e 2016 às greves nacionais da educação deste ano, tal setor tem se mostrado um dos mais ativos e mobilizados, como já fora em outros momentos de nosso país, com muitas lições a dar para as lutas dos explorados e oprimidos. Não à toa, é constantemente alvo de reações e revides do governo e seus apoiadores– também como fora no passado…
Mas a luta continua. Abaixo, mostraremos alguns dos últimos lances dessa intensa batalha:
- A deterioração das condições de trabalho, estudo e pesquisanas instituições educacionais, consequências diretas dos ataques do governo.
- A nova onda de intervenções nas universidades e escolas, uma velha forma de repressão, que agora retorna e se atualiza.
- Por fim, a resistência da comunidade universitária e escolar. Resistência que podemos ver na foto da bela e histórica assembleia geral da UFSC que abre este artigo.
Deterioração das condições de trabalho, estudo e pesquisa nas instituições educacionais
No dia 08/09/2019, um dia após a corja que governa o país fazer seu circo na esplanada dos ministérios, a Folha de São Paulo publicou uma matéria com vários depoimentos e exemplos de como anda a situação das universidades públicas brasileiras, profundamente atingidas por sucessivos cortes. Por exemplo, na já citada UFSC,
80% da verba disponível já foi gasta, e o que sobrou pode não ser suficiente para pagar nem água, luz, segurança e limpeza. Uma das saídas propostas foi vetar que 12 mil pessoas usem o espaço e deixar o restaurante só para os 3.000 alunos que comem gratuitamente —aqueles com renda bruta mensal de até 1,5 salário mínimo. Após reação negativa, porém, a medida foi descartada nesta semana. “Vamos manter o RU [restaurante universitário] aberto até acabar o dinheiro. Acabando, o restaurante fecha, a universidade fecha”, afirmou o reitor Ubaldo Cesar Baltazar. Também foi cancelado o maior evento de divulgação científica de Santa Catarina, a Sepex (Semana de Ensino Pesquisa e Extensão) —pela primeira vez desde que foi criado, em 2001.
Essa desoladora realidade se repete em dezenas de outras universidades federais. Milhares de trabalhadores terceirizados já foram demitidos por conta dos cortes de verbas. E os que “sobraram” têm seu trabalho bastante intensificado para manter o calendário escolar e universitário. Professores e pesquisadores, com verbas congeladas há anos, tendem a tirar do próprio bolso para continuar atendendo a comunidade e suas atividades. Estudantes, provindos em parte significativa das classes populares e das camadas mais pobres, dada a recente expansão de matrículas, tem sua condição de vida fortemente afetada e ameaçada: os programas de alimentação, transporte, saúde, assistência social e segurança estão em vias de extinção. As novas bolsas da CAPES foram simplesmente suspensas, inviabilizando alunos de baixa renda continuarem seus estudos e destruindo expectativas de ingressos na educação superior.
Hélio Henkin, pró-reitor de Planejamento e Administração da UFRGS, resume o grave quadro da seguinte maneira: “Já cortamos as gorduras em 2017, a carne em 2018 e agora qualquer corte adicional é corte no osso. Essa é a nossa situação”.
E a possibilidade desse corte no osso é real e cada vez mais concreta. Como lembra matéria do Guia do Estudante:
A previsão é que em 2020 o Ministério da Educação sofra ainda mais cortes do que neste ano. Segundo a proposta orçamentária apresentada pelo Governo de Jair Bolsonaro, o valor repassado ao MEC será 18% menor do que em 2019 — em valores absolutos, cai de R$ 122 bilhões para R$ 101 bilhões. O corte que vai se refletir em todos os níveis educacionais, do Ensino Básico ao Superior, incluindo a pesquisa. O Capes, no entanto, é o que mais sentirá os efeitos.
Só neste ano, o órgão de pesquisa vinculado ao MEC, que dispunha de um orçamento de R$ 4,25 bilhões, já precisou cortar mais de 6 mil bolsas da graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Em 2020, a verba do Capes cai para R$ 2,20 bilhões.
Já o orçamento do CNPQ para equipamentos e materiais de pesquisa tem previsão de corte de “apenas” 87%! Na prática, a extinção desse programa público – ou, sua privatização, a partir do controle direto do setor empresarial sobre os rumos e os resultados das pesquisas.
E, como dissemos acima, tais cortes são apenas uma faceta do profundo ataque que o governo tem realizado no setor educacional. Vejamos outra, tão destrutiva quanto.
Nova onda de intervenções nas universidades e escolas
A asfixia financeira, representada acima pelo caso dramático das universidades públicas e das agências de fomento à pesquisa, soma-se à repressão política e ao cerceamento ideológico em vários níveis educacionais. Esse ataque tem se materializado recentemente através de uma nova onda de intervenções nas direções das instituições de educação. Os limitados mecanismos de democracia interna, como eleições para representantes, têm sido jogados no lixo pelos governos, a fim de impor sua linha política e seu programa de forma direta e sem mediadores.
Esse tipo de intervenção é comum em nossa história. Na última ditadura militar, essa foi uma das formas pelas quais a repressão política atingiu as universidades, o movimento estudantil e os intelectuais. O exemplo da recém-criada à época Universidade de Brasília é um dos mais fortes:
Desde o golpe de abril de 1964, a UnB se tornou alvo constante de violências, arbitrariedades e vigilância do aparato repressivo. A começar pelo afastamento de seus dirigentes no pós-golpe, com destaque para então o reitor Anísio Teixeira, retirado do cargo, a UnB sofreu sucessivas ondas de repressão, expurgos de professores, invasões e ocupações militares, até a nomeação de interventores no cargo de reitor e a estruturação de uma rede repressiva interna, como braço do aparelho de segurança e informações.
Dentre essas várias invasões militares, destaca-se a de 1968:
Centenas de soldados invadiram prédios e salas de aulas, com metralhadores, fuzis e bombas de gás lacrimogênio. Um dos grandes alvos da operação foi a Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB), considerada pela repressão como uma organização subversiva e paramilitar. As forças de segurança espancaram e prenderam o seu presidente, Honestino Guimarães. Cerca de 300 estudantes foram mantidos presos na quadra de basquete da Universidade, que se transformou, segundo o relato dos próprios estudantes, em um campo de concentração. O estudante Waldemar Alves da Silva Filho foi baleado na cabeça e perdeu um olho.
Desde o início do governo Bolsonaro, vários interventores já foram nomeados. UFMT, UFRB, UFVJM, UFC, UFG, CEFET-RJ, UFGD, UNIRIO e UFFS foram as instituições que tiveram nomeações de candidatos derrotados ou que nem participaram de processo eleitoral com a comunidade. Pelo simples fato de serem alinhados aos governos, tiveram “honrosa” e automática posse!
No Distrito Federal, o governo passou por cima dos resultados eleitorais contrários à militarização de algumas escolas, sendo inclusive elogiado por Bolsonaro: “Temos aqui a presença física do nosso governador do DF, Ibaneis. Parabéns, governador, com essa proposta. Vi que alguns bairros tiveram votação e não aceitaram. Não tem que escutar. Tem de impor”.
O atual autoritarismo, executado pelos mesmos facínoras da ditadura ou seus filhotes, é uma necessidade do governo para impor seu programa e também para reprimir e intimidar as mobilizações que sacodem o setor educacional.Mobilizações que tendem a não parar diante do cenário de deterioração, como mostrado acima. Vejamos agora como a juventude, os professores e trabalhadores dessas instituições têm reagido à tamanha ofensiva.
A resistência da comunidade universitária e escolar
Este ano, várias foram as datas com protestos em nível nacional envolvendo principalmente o setor da educação. Como dissemos, essa luta não surgiu agora: tem se desenvolvido, com altos e baixos, nos últimos anos, e conseguindo resultados diversos em suas pautas.Por vezes, alcança retumbantes vitórias, como nas ocupações de escolas paulistas em 2015. Outras vezes, tem ganhos parciais, como reversão de certos cortes ou verbas emergenciais. E, por fim, há aquelas pautas que permanecem na ordem do dia, tendo o inimigo alcançado até o momento seus objetivos.
Essa luta, por sua vez, integra as resistências espontâneas e ainda em baixo grau de organização do proletariado e demais classes dominadas; participa, direta ou indiretamente, da luta contra as reformas econômicas, na construção das greves gerais, nos levantes de mulheres e povos oprimidos etc.
Ressaltaremos aqui alguns exemplos mais recentes da luta do setor educacional. Como não poderia ser diferente, relacionados ao cenário de deterioração das condições de vida, estudo e trabalho nas universidades combinado com as intervenções nas instituições por parte do governo federal.
- CEFET – RJ
Dia 15/08, o Ministro da Educação trocou arbitrariamente o diretor-geral do CEFET – RJ, colocando ninguém menos que um assessor seu, que nunca tinha colocado os pés na instituição!
A resposta veio de imediato. A recepção de “boas vindas” dadas ao usurpador foi uma barreira humana feita por estudantes e seus cartazes. Depois, ele ainda foi posto para correr!
Os vídeos nos links abaixo mostram a firmeza e a unidade dos estudantes nessa luta. Num auditório com a presença do interventor, eles fazem um jogral, e, em uníssono, lembram da deliberação tomada. Em seguida, expulsam o interventor, ao som de “a escola é nossa”, “a verdade é dura, intervenção é coisa da ditadura”, etc.
- UFC
Dia 20/08, a comunidade da UFC fez uma manifestação bloqueando avenidas próximas à universidade em protesto à nomeação de Cândido Albuquerque para reitor, ocorrida no dia anterior. Cândido recebeu apenas 610 votos, enquanto o primeiro lugar recebeu quase 8 mil! Em nenhuma parcela ou instância da comunidade universitária o interventor ganhou, mostrando o escárnio de sua nomeação.
A revolta, sobretudo do movimento estudantil, continuou e continua em várias ações. No dia 23, um piquete foi montado na reitoria e depois saiu um novo ato. Dia 30 deste mês está marcada uma paralisação na universidade, com atividades durante todo o dia: atos, debates, aulas públicas, eventos culturais.
- UFFS
Na UFFS, no final de agosto, mais um caso de nomeação de um rejeitado pela comunidade em processo eleitoral. De imediato, houve forte mobilização de toda a comunidade e de movimentos sociais da região. Os estudantes decidiram em grande assembleia pela ocupação da universidade. Os professores e outros servidores se somam ao repúdio ao interventor.
Desde o início do mês de setembro já foram vários atos realizados.
A equipe interventora ainda teve a audácia de pedir reintegração de posse da reitoria, que foi, até o momento, negada pela justiça. Derrotada, agora busca uma intervenção no próprio conselho universitário.
Os três exemplos acima lembram-nos do fundamental. Que o nosso único caminho é ampliar e aprofundar ainda mais a luta, a solidariedade, a organização e mobilização em todas as frentes!