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Louis Althusser. A Filosofia: Arma da Revolução (1968)

Cem Flores
30.10.2020

Neste mês de outubro se completam 30 anos da morte do filósofo marxista e militante comunista Louis Althusser. Nós, dos Cem Flores, reconhecemos na sua obra uma importante contribuição para o avanço da teoria marxista-leninista e temos divulgado traduções, algumas inéditas em português, de seus textos e nossas análises a respeito. 

Textos de ou sobre Louis Althusser publicados pelo Cem Flores

Publicamos agora nossa tradução de “A Filosofia: Arma da Revolução”, entrevista concedida em janeiro de 1968 por Althusser para a militante comunista Maria Antonietta Macchiocci. Nessa entrevista, embora Althusser se utilize de formulações que virão a ser retificadas posteriormente, já estão presentes aspectos centrais e permanentes de sua obra, que se constituem lições importantes para os comunistas atuais, tais como “luta de classes na teoria” e “as massas que fazem a história”. 

Além de tratar de aspectos teóricos, a entrevista explora a importância da prática, dos “militantes da luta de classe revolucionária”. O tema está na própria origem da aproximação de Althusser com o marxismo e o comunismo: 

O que me apaixonava na política era o instinto, a inteligência, a coragem e o heroísmo da classe operária na sua luta pelo socialismo. A guerra e os longos anos de cativeiro me permitiram viver em contato com operários e camponeses e conhecer alguns militantes comunistas”. 

A unidade da luta teórica e prática, a necessidade dessa dupla militância para todos os “militantes da luta de classe revolucionária” é bastante clara para Althusser: 

… é necessário que cada um tenha, diretamente, a experiência das duas realidades que as determinam em todos os aspectos: a realidade da prática teórica (ciência, filosofia) na sua vida concreta; a realidade da prática da luta de classes revolucionária na sua vida concreta, em contato estreito com as massas, pois se a teoria permite compreender as leis da história, não são os intelectuais, os teóricos, mas as massas que fazem a história”. 

Daí que a conclusão teórica, militante e revolucionária seja: 

A fusão da teoria marxista e do movimento operário é o maior acontecimento de toda a história da luta de classes, ou seja, praticamente, de toda a história humana (primeiros efeitos: as revoluções socialistas)”.

Dessa unidade indissolúvel – luta de classes revolucionária com luta de classes na teoria – Althusser extrai uma lição fundamental para os nossos tempos de “crise do marxismo”, de recuo da posição revolucionária na luta de classes, de amplo predomínio do reformismo e do oportunismo dentre as massas e de ofensiva burguesa. Em suma, tempos de barbárie capitalista.  

Hoje existem em nossos países recursos imensos para a luta de classes revolucionária. Mas há que buscá-los ali onde estão: nas massas exploradas. Não serão ‘descobertos’ sem um contato estreito com essas massas e sem as armas da teoria marxista-leninista”. 

Por fim, fazemos nossos os alertas de Althusser no final da entrevista: 

Tudo o que escrevemos está, evidentemente, marcado por nossa inexperiência e nossas ignorâncias: em nossos trabalhos se encontram, pois, inexatidões e erros. Nossos textos e nossas fórmulas são, portanto, provisórios e destinados a uma retificação. Na filosofia ocorre como na política: sem crítica não há retificação. Pedimos que nos façam críticas marxistas-leninistas

As críticas dos militantes da luta de classe revolucionária são as que mais levamos em conta … Na filosofia nada se pode fazer fora da posição de classe proletária. Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário. Mas sem movimento revolucionário não há teoria revolucionária, sobretudo em filosofia. Luta de classes e filosofia marxista-leninista estão unidas como unha e carne”. 

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A tradução a seguir foi realizada a partir da versão em espanhol “La Filosofía: Arma de la Revolución”, publicada no livro ALTHUSSER, Louis e BALIBAR, Étienne. Para Leer El Capital. 22ª edição em espanhol. Cidade do México: Siglo Veintiuno Editores, 1990, pgs. 5-12, com tradução de Martha Harnecker. 

Cotejamos com a tradução em português do site marxists.org, disponível em https://www.marxists.org/portugues/althusser/1968/02/filosofia.htm

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A Filosofia: Arma da Revolução[1]

Louis Althusser
19 de janeiro de 1968

Você poderia nos contar algo sobre sua história pessoal? Como você chegou à filosofia marxista?

Em 1948, aos 30 anos, me tornei professor de filosofia e me filiei ao Partido Comunista francês. 

A filosofia me interessava: eu buscava fazer dela minha profissão. 

A política me apaixonava: eu buscava ser um militante comunista.

O que me interessava na filosofia era o materialismo e sua função crítica: o conhecimento científico contra todas as mistificações do “conhecimento” ideológico, contra a denúncia simplesmente moral de mitos e mentiras, a favor da crítica racional e rigorosa. 

O que me apaixonava na política era o instinto, a inteligência, a coragem e o heroísmo da classe operária na sua luta pelo socialismo. A guerra e os longos anos de cativeiro me permitiram viver em contato com operários e camponeses e conhecer alguns militantes comunistas.

Foi a política que teve a última palavra. Não a política em geral, mas a política marxista-leninista.

Primeiro foi necessário encontrá-la e compreendê-la. Isso é sempre muito difícil para um intelectual. Foi especialmente difícil nos anos 50-60 pelas razões que todos conhecem: as consequências do “culto”, o XX Congresso, depois a crise do Movimento Comunista Internacional. 

Sobretudo não foi fácil resistir à pressão ideológica “humanista” contemporânea e a outros ataques da ideologia burguesa ao marxismo.

Tendo compreendido melhor a política marxista-leninista comecei a me apaixonar também pela filosofia, já que pude, finalmente, compreender a grande tese de Marx, Lênin e Gramsci: a filosofia é o fundamento da política.

Tudo o que escrevi, primeiro sozinho, depois em colaboração com camaradas e amigos mais jovens, gira, apesar do caráter “abstrato” de nossos ensaios, em torno dessas questões bastante concretas.

Você poderia ser mais preciso sobre por que é tão difícil, em geral, ser comunista em filosofia?

Ser comunista em filosofia é ser partidário e artesão da filosofia marxista: o materialismo dialético.

Não é fácil chegar a ser um filósofo marxista-leninista. Como todo “intelectual”, um professor de filosofia é um pequeno burguês. Quando abre a boca, é a ideologia pequeno-burguesa que fala: seus recursos e suas astúcias são infinitos.

Você sabe o que disse Lênin dos intelectuais? Alguns podem ser individualmente (politicamente) revolucionários declarados e valentes, mas em seu conjunto permanecem incorrigivelmente pequeno-burguesespela sua ideologia. 

Lênin, que admirava o talento de Gorki, o considerava, não obstante, um revolucionário pequeno-burguês. Para chegar a ser “ideólogos da classe operária” (Lênin), “intelectuais orgânicos” do proletariado (Gramsci), é necessário que os intelectuais realizem uma revolução radical nas suas ideias: reeducação longa, dolorosa, difícil. Uma luta sem fim (interminável) exterior e interior.

Os proletários têm um instinto de classe que os ajuda a passar para “posições de classe” proletárias. Os intelectuais, pelo contrário, têm um instinto de classe pequeno-burguês que resiste fortemente a essa transformação.

posição de classe proletária é algo mais que o simples “instinto de classe” proletário. É a consciência e a prática de acordo com a realidade objetiva da luta de classe proletária. O instinto de classe é subjetivo e espontâneo. A posição de classe é objetiva e racional. Para adotar posições de classe proletárias basta educar o instinto de classe dos proletários; pelo contrário, o instinto de classe dos pequeno-burgueses e dos intelectuais deve ser revolucionado. Essa educação e essa revolução são determinadas, em última instância, pela luta de classe proletária conduzida segundo os princípios da teoria marxista-leninista.

O conhecimento desta teoria pode ajudar, como diz o Manifesto, a passar para posições de classe operárias.

A teoria marxista-leninista implica uma ciência (o materialismo histórico) e uma filosofia(o materialismo dialético).

A filosofia marxista é, portanto, uma das armas teóricas indispensáveis para a luta da classe proletária. Os militantes comunistas devem assimilar e utilizar os princípios da teoria: ciência e filosofia. 

A revolução proletária necessita também de militantes que sejam cientistas (materialismo histórico) e filósofos (materialismo dialético), para ajudar na defesa e no desenvolvimento da teoria.

A formação desses filósofos vai de encontro a duas dificuldades.

1. Primeira dificuldade: política. Um filósofo profissional que se inscreve no partido continua sendo um pequeno burguês. É necessário que revolucione seu pensamento para que ocupe uma posição de classe proletária na filosofia.

Essa dificuldade política é “determinante em última instância”.

2. Segunda dificuldade: teórica. Sabemos em que direção e com que princípios trabalhar para definir essa posição de classe em filosofia. Mas é necessário desenvolver a filosofia marxista: é urgente teórica e politicamente. Agora, o trabalho por realizar é enorme e difícil, já que, na teoria marxista, a filosofia está atrasada em relação à ciência da história.

Esta é, atualmente, a dificuldade “dominante”.

Você distingue, portanto, na teoria marxista uma ciência e uma filosofia? Você sabe que essa distinção é discutida atualmente?

Eu sei, mas essa é uma velha história. Pode-se dizer, de forma extremamente esquemática, que na história do movimento marxista a supressão dessa distinção expressa um desvio direitista ou esquerdista. O desvio direitista suprime a filosofia: não sobra senão a ciência (positivismo). O desvio esquerdista suprime a ciência: não sobra senão a filosofia (subjetivismo). Existem algumas “exceções” (alguns casos inversos), mas elas “confirmam” a regra.

Os grandes dirigentes do movimento operário marxista, desde Marx e Engels até nossos dias, sempre disseram que esses desvios são o efeito da influência e da dominação da ideologia burguesa sobre o marxismo. Eles sempre defenderam essa distinção (ciência-filosofia), não apenas por razões teóricas, mas também por razões políticas vitais. Pense em Lênin, nas suas obras: Materialismo e Empiriocriticismo e A Doença Infantil… Suas razões são contundentes.

Como você justifica essa distinção entre ciência e filosofia na teoria marxista?

Responderei a essa pergunta enunciando algumas teses esquemáticas provisórias. 

1. A fusão da teoria marxista e do movimento operário é o maior acontecimento de toda a história da luta de classes, ou seja, praticamente, de toda a história humana (primeiros efeitos: as revoluções socialistas).

2. A teoria marxista (ciência e filosofia) representa uma revolução sem precedentes na história do conhecimento humano.

3. Marx fundou uma ciência nova: a ciência da história. Vou empregar uma imagem. As ciências que conhecemos estão instaladas em certos grandes “continentes”. Antes de Marx se haviam aberto ao conhecimento científico dois continentes: o continente-Matemáticas e o continente-Física. O primeiro através dos gregos (Tales), e o segundo através de Galileu. Marx abriu ao conhecimento científico um terceiro continente: o continente-História.

4. A abertura desse novo continente provocou uma revolução na filosofia. Essa é uma lei: a filosofia está sempre ligada às ciências.

A filosofia nasce (em Platão) com a abertura do continente-Matemáticas. Foi transformada (em Descartes) pela abertura do continente-Física. Atualmente é revolucionada com a abertura do continente-História por Marx. Essa revolução se chama materialismo dialético.

As transformações da filosofia são sempre contrapartida dos grandes descobrimentos científicos. No essencial, chegam, portanto, de rebote. A isso se deve que na teoria marxista filosofia esteja atrasada em relação à ciência. Há outras razões que todo o mundo conhece, mas esta é a razão atualmente dominante.

5. Na sua maioria, apenas os militantes proletários reconheceram o alcance revolucionário do descobrimento científico de Marx. Sua prática política foi transformada.

E temos aqui o maior escândalo teórico da história contemporânea. Na sua maioria, pelo contrário, os intelectuais cuja “profissão” é, não obstante, esta (especialistas em ciências humanas, filósofos) não reconheceram verdadeiramente ou se negaram a reconhecer o grande significado do descobrimento de Marx, condenando-o, desprezando-o ou desfigurando-o quando falam dele.

Salvo algumas exceções, ainda estão preocupados com miudezas em economia política, sociologia, etnologia, “antropologia”, “psicologia social”, etc., cem anos depois de O Capital, como os “físicos” aristotélicos se preocupavam de miudezas na física, cinquenta anos depois de Galileu. Suas teorias são anacronismos ideológicos rejuvenescidos mediante um grande esforço de sutilezas intelectuais e técnicas matemáticas ultramodernas.

Bem, esse escândalo teórico não é absolutamente um escândalo. É um efeito da luta de classe ideológica, já que é a ideologia burguesa, a “cultura” burguesa a que se encontra no poder, a que exerce a “hegemonia”. Na sua maioria, os intelectuais, incluindo muitos intelectuais comunistas e marxistas, se encontram, salvo exceções, dominados em suas teorias pela ideologia burguesa. Salvo exceções, também o estão as “Ciências Humanas”.

6. A mesma situação escandalosa existe na filosofia. Quem compreendeu a prodigiosa revolução filosófica provocada pelo descobrimento de Marx? Só os militantes e os dirigentes proletários. A maior parte dos filósofos profissionais nem sequer suspeitou. Quando falam de Marx é sempre, salvo exceções raríssimas, para combatê-lo, condená-lo, “digeri-lo”, explorá-lo e revisá-lo.

Os que detiveram o materialismo dialético, como Engels e Lênin, são considerados nulidades filosóficas. O verdadeiro escândalo é que certos filósofos marxistas cedam, em nome do “antidogmatismo”, ao mesmo contágio. Também aqui a razão é a mesma: efeito da luta de classe ideológica, já que é a ideologia burguesa, a “cultura” burguesa, a que está no poder.

7. Tarefas capitais para o movimento comunista na teoria:

a) reconhecer e conhecer o alcance teórico revolucionário da ciência e da filosofia marxista-leninista;

b) lutar contra a concepção de mundo burguesa e pequeno-burguesa que ameaçam sempre a teoria marxista e a infiltra hoje profundamente. Forma geral dessa concepção de mundo: o economicismo(hoje “tecnocratismo”) e seu “complemento espiritual”: o idealismo moral (hoje “humanismo”). Economicismo e idealismo moral formaram o par fundamental da concepção de mundo burguesa desde as origens da burguesia. Forma filosófica atual dessa concepção de mundo: o neo-positivismo e seu “complemento espiritual”, o subjetivismo fenomenológico-existencialista. Variante própria das “ciências humanas”: a ideologiachamada “estruturalista”;

c) conquistar para a ciência a maioria das ciências humanas e, sobretudo, as ciências sociais, que ocupam, salvo exceções, por impostura, o continente-História, do qual Marx nos deu as chaves;

d) desenvolver com todo o rigor e a audácia requeridos a ciência e a filosofia novas, unindo-as às exigências e invenções da prática da luta das classes revolucionárias.

Na teoria, elo decisivo atual: a filosofia marxista-leninista.

Você disse duas coisas aparentemente contraditórias ou diferentes: 1) a filosofia é fundamentalmente política, 2) a filosofia está ligada às ciências. Como você concebe essa dupla relação?

Também aqui respondo por meio de teses esquemáticas provisórias:

1. As posições de classe que se enfrentam na luta de classes estão representadas, no domínio das ideologias práticas (ideologias religiosa, moral, jurídica, política, estética, etc.) por concepções de mundo de tendência antagônica: em última instância, idealista (burguesia) e materialista (proletária). Todo homem tem espontaneamente uma concepção de mundo.

2. As concepções de mundo estão representadas, no domínio da teoria (ciências + ideologias “teóricas” nas quais se banham as ciências e os cientistas), pela filosofia. A filosofia representa a luta de classes na teoria. É por isso que a filosofia é uma luta (Kampf dizia Kant), e uma luta fundamentalmente política: luta de classes. Todo homem não é espontaneamente filósofo, mas pode chegar a sê-lo.

3. A filosofia existe desde que existe o domínio teórico: desde que existe uma ciência (em sentido estrito). Sem ciência não há filosofia, apenas concepções de mundo. É preciso distinguir o que está em jogo na batalha e o campo da batalha. O que, em última instância, está em jogo na luta filosófica é a luta pela hegemonia entre as duas grandes tendências das concepções de mundo (materialista, idealista). O principal campo de batalha dessa luta é o conhecimento científico: a favor ou contra ele. Assim, pois, a batalha filosófica número um se dá na fronteira entre o científico e o ideológico. As filosofias idealistas que exploram as ciências lutam aqui contra as filosofias materialistas que servem às ciências. A luta filosófica é um setor da luta de classes entre as concepções de mundo. No passado, o materialismo sempre foi dominado pelo idealismo.

4. A ciência fundada por Marx muda toda a situação no domínio teórico. É uma ciência nova: ciência da História. Portanto, permite, pela primeira vez no mundo, o conhecimento da estrutura das formações sociais e de sua história; permite o conhecimento das concepções de mundo que a filosofia representa na teoria; permite o conhecimento da filosofia. Entrega os meios para transformar as concepções de mundo (lutas de classes revolucionárias sob os princípios da teoria marxista). A filosofia foi revolucionada duplamente. O materialismo mecanicista “idealista em história” chega a ser o materialismo dialético. A relação de forças se inverte: de agora em diante o materialismo pode dominar o idealismo na filosofia e, se as condições políticas estiverem dadas, ganhar a luta de classes pela hegemonia entre as concepções de mundo.

A filosofia marxista-leninista, ou o materialismo dialético, representa a luta de classe proletária na teoria. Na união da teoria marxista e do movimento operário (realidade última da união da teoria e da prática) a filosofia cessa, como disse Marx, de “interpretar o mundo”. Torna-se uma arma para sua “transformação”: a revolução.

São por todas essas razões que você tem dito que hoje é preciso ler O Capital?

Sim, é preciso ler e estudar O Capital:

1. Para verdadeiramente compreender em toda sua envergadura e em todas suas consequências científicas e filosóficas o que compreenderam na prática, há muito, os militantes proletários: o caráter revolucionário da teoria marxista.

2. Para defender essa teoria contra todas as interpretações, quer dizer, revisões burguesas ou pequeno-burguesas que hoje a ameaçam profundamente: em primeiro lugar o par economicismo/humanismo.

3. Para desenvolver a teoria marxista e produzir os conceitos científicos indispensáveis para a análise da luta de classes de hoje, em nossos países e fora deles.

Há que ler e estudar O Capital. Acrescento: há que ler e estudar Lênin e todos os grandes textos antigos e atuais nos quais se registram a experiência da luta de classes do movimento operário internacional. Há que estudar as obras práticas do movimento operário revolucionário, em sua realidade, nos seus problemas e nas suas contradições; sua história passada e também, acima de tudo, sua história presente.

Hoje existem em nossos países recursos imensos para a luta de classes revolucionária. Mas há que buscá-los ali onde estão: nas massas exploradas. Não serão “descobertos” sem um contato estreito com essas massas e sem as armas da teoria marxista-leninista. As noções ideológicas burguesas de “sociedade industrial”, “neocapitalismo”, “nova classe operária”, “sociedade de consumo”, “alienação”, e tutti quanti, são anticientíficas e antimarxistas: confeccionadas para combater aos revolucionários.

Uma última observação, a mais importante de todas.

Para compreender realmente o que se “lê” e estuda nas obras teóricas, políticas e históricas, é necessário que cada um tenha, diretamente, a experiência das duas realidades que as determinam em todos os aspectos: a realidade da prática teórica (ciência, filosofia) na sua vida concreta; a realidade da prática da luta de classes revolucionária na sua vida concreta, em contato estreito com as massas, pois se a teoria permite compreender as leis da história, não são os intelectuais, os teóricos, mas as massas que fazem a história.

Por que você atribui tanta importância ao rigor, inclusive ao rigor no vocabulário?

Uma única frase pode resumir a função maior da prática filosófica: “traçar uma linha de demarcação” entre as ideias verdadeiras e as ideias falsas. A frase é de Lênin. A mesma frase resume uma das operações essenciais da direção da prática da luta de classes: “traçar uma linha de demarcação” entre as classes antagônicas, entre nossos amigos de classe e nossos inimigos.

É a mesma frase. Linha de demarcação teórica entre as ideias verdadeiras e as ideias falsas. Linha de demarcação políticaentre o povo (o proletariado e seus aliados) e os inimigos do povo.

A filosofia representa a luta do povo na teoria. Por outro lado, ela ajuda o povo a distinguir na teoria e em todas as ideias (políticas, morais, estéticas, etc.) as ideias verdadeiras e as ideias falsas. A princípio, as ideias verdadeiras sempre servem ao povo; as ideias falsas sempre servem aos inimigos do povo.

Por que a filosofia batalha por palavras? As realidades da luta de classes são “representadas” pelas “ideias”, que são, por sua vez, “representadas” por palavras. Nos raciocínios científicos e filosóficos, as palavras (conceitos, categorias) são “instrumentos” do conhecimento. Mas na luta política, ideológica e filosófica, as palavras são também armas: explosivos, calmantes ou venenos. Toda a luta de classes pode, às vezes, resumir-se na luta por uma palavra, contra outra palavra. Certas palavras lutam entre si como inimigas. Outras dão lugar a equívocos, a uma batalha decisiva, mas indecisa[2]. Exemplo: os revolucionários sabem que, em última instância, tudo depende não das técnicas, armas, etc., mas dos militantes, de sua consciência de classe, de sua abnegação e de sua coragem. No entanto, toda a tradição marxista se negou a afirmar que é “o homem que faz a história”. Por quê? Porque na prática, ou seja, nos fatos, essa expressão é explorada pela ideologia burguesa que a utiliza para combater, quer dizer, para matar outra expressão verdadeira e vital para o proletariado: são as massas que fazem a história

A filosofia, mesmo nos seus longos trabalhos mais abstratos, mais difíceis, combate ao mesmo tempo por palavras: contra as palavras-mentira, contra as palavras-equívocos, pelas palavras justas. Combate por “matizes”.

Lênin disse: “Haveria que ser míope para considerar como inoportunas ou supérfluas as discussões de fração e a delimitação rigorosa de matizes. Da consolidação de tal ou qual ‘matiz’ pode depender o futuro da socialdemocracia russa por longos anos, muitos longos anos” (Que Fazer?).

Esse combate filosófico entre palavras é uma parte do combate político. A filosofia marxista-leninista não pode realizar seu trabalho teórico, abstrato, rigoroso, sistemático senão na condição de lutar também por expressões muito “eruditas” (conceito, teoria, dialética, alienação, etc.) e por palavras muito simples (homem, massas, povo, luta de classes).

Como você trabalha?

Trabalho com três ou quatro camaradas e amigos, professores de filosofia. Atualmente, sobretudo com Balibar, Badiou, Macherey. As ideias que acabo de expor são resultado de nosso trabalho comum. 

Tudo o que escrevemos está, evidentemente, marcado por nossa inexperiência e nossas ignorâncias: em nossos trabalhos se encontram, pois, inexatidões e erros. Nossos textos e nossas fórmulas são, portanto, provisórios e destinados a uma retificação. Na filosofia ocorre como na política: sem crítica não há retificação. Pedimos que nos façam críticas marxistas-leninistas. 

As críticas dos militantes da luta de classe revolucionária são as que mais levamos em conta. Por exemplo, certas críticas que certos militantes nos fizeram durante a sessão do C.C. [Comitê Central] de Argenteuil nos têm sido de grande ajuda. Outras também. Na filosofia nada se pode fazer fora da posição de classe proletária. Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário. Mas sem movimento revolucionário não há teoria revolucionária, sobretudo em filosofia. Luta de classes e filosofia marxista-leninista estão unidas como unha e carne. 


[1] Entrevista que Louis Althusser concedeu a Maria Antonietta Macciocchi para L’Unità, jornal do PC Italiano. O texto que aqui apresentamos é o texto original integral. De mútuo acordo com o autor, L’Unità suprimiu algumas pequenas frases por motivos de espaço. 

[2] Após esse trecho, na tradução do site marxists.org, a partir da versão em inglês publicada pela New Left Review, em 1971, segue o trecho abaixo, que não consta da versão que utilizamos: 

Por exemplo: a luta comunista pela supressão das classes e por uma sociedade comunista, onde, um dia, todos os homens serão livres e irmãos. Entretanto, toda a tradição marxista clássica se recusou a considerar o marxismo como um humanismo. Por quê? Por a palavra humanismo ser, na prática (isso é, com base nos fatos), explorada por uma ideologia que a usa para brigar (sic), ou seja, para obliterar aquela outra expressão verdadeira, vital ao proletariado: a luta de classes”.

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- 30/10/2020