CEM FLORES

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Cem Flores, Destaque, Formação Teórica, Teoria

Resumo de ‘Marx, Ciência e Revolução’ (Márcio Bilharinho Naves)

Cem Flores

10.06.21

 

Márcio Bilharinho Naves, professor da Universidade Estadual de Campinas, é um intelectual de maior importância no Brasil. As obras desse autor trazem debates de questões centrais da teoria marxista, destacando sempre sua cientificidade e perspectiva revolucionária.

Nós, do Cem Flores, temos divulgado algumas de suas produções nos últimos anos: A ilusão da jurisprudência, em 11/06/2017; A crítica do direito na “Campanha de estudos sobre a ditadura do proletariado” na China (1975-1976), em 28/08/2020. Seu livro Marx: Ciência e Revolução consta em nosso roteiro de formação básica, por entendermos uma didática introdução ao marxismo.

Tal livro, publicado em 2000, pela editora da Universidade de Campinas, foi recentemente estudado e debatido por um coletivo de camaradas. O estudo em grupo se transformou em um resumo bastante detalhado da obra. Reproduzimos abaixo essa síntese feita pelos/as camaradas.

A formação contínua e o debate coletivo são tarefas fundamentais para a prática comunista. Como dizia Che, para nos tornarmos comunistas, “cumpre trabalhar todos os dias. Trabalhar no senso interno de aperfeiçoamento, de aumento dos conhecimentos, de aumento da compreensão do mundo que nos rodeia. Inquirir e pesquisar e conhecer bem o porquê das coisas e colocar sempre os grandes problemas da humanidade como problemas próprios”.

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O livro Marx, Ciência e Revolução, de Márcio Bilharinho Naves se propõe a dois objetivos: i) resgatar a teoria marxista, traçando uma linha demarcatória entre duas “fases” teórico-políticas de Karl Marx; ii) responder a pergunta feita na introdução do livro: o fim do “comunismo” (a queda da URSS em 1991) pode ser considerado o fim do Marxismo?

A obra é dividida em duas partes: a Parte I: O pensamento de Marx, que faz uma trajetória biográfica e teórica do autor, evidenciando os avanços e rompimentos teóricos de Karl Marx com posições burguesas defendidas anteriormente, e a Parte II: Antologia, uma coletânea de textos e trechos que são referenciados durante o corpo do livro. Esse resumo será focado apenas na primeira parte.

O primeiro capítulo nos traz uma biografia resumida de Karl Marx. Nascido em 5 de maio de 1818 em Tréveris, na região da Renânia em vias de transição do feudalismo para o capitalismo, Marx passa seus anos de estudo entre as Universidades de Bonn e de Berlim, onde se graduou em direito e conseguiu seu título de doutor em filosofia com a tese A diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro. Nesses anos de acadêmico, Marx tem contato com os círculos de hegelianos de esquerda, que criticavam o Estado prussiano e defendiam uma reforma liberal e progressista da sociedade pela via estatal.

Sendo um dos redatores do jornal liberal Gazeta Renana, Marx sofre retaliação pela linha editorial cada vez mais radical e se transfere para Paris, onde se aproxima dos círculos socialistas e do movimento operário francês. Nessa época, escreve uma série de obras criticando a filosofia idealista de Hegel, e também rompendo com sua ala à esquerda (exemplos: A Sagrada Família, Crítica a Filosofia do Direito de Hegel e A Questão Judaica). Após colaborar com um jornal de imigrantes alemães democrático-radicais, Marx é expulso do país pelo governo francês e se transfere para Bruxelas em 1845, onde começa as colaborações com seu camarada de longa data Friedrich Engels.

Nos anos que se seguem, Marx e Engels participam ativamente do movimento operário e da chamada Liga dos Comunistas (renomeada por influência dos dois), lutando contra diversas posições pequeno-burguesas, inclusive o anarquismo de Joseph Proudhon, e lançando as bases teóricas e políticas do comunismo, por exemplo, através do Manifesto do Partido Comunista, de 1848.

Nesse período eclodem várias revoluções populares e democráticas na Europa contra a aristocracia, com participação cada vez mais ativa do proletariado. Marx novamente é expulso, agora da Bélgica. De lá volta para Paris e se dirige para a Alemanha, onde edita a Nova Gazeta Renana e continua com sua atividade de dirigente comunista. Com a derrota das forças progressistas, Marx é expulso novamente e se transfere para Londres, onde se fixa definitivamente.

Na Inglaterra, após o fim da Liga dos Comunistas, Marx se dedica intensamente às suas pesquisas e ao desenvolvimento da sua obra máxima, O Capital, ao mesmo tempo em que se torna um dos fundadores e dirigentes da Associação Internacional dos Trabalhadores (a Primeira Internacional). Na AIT, ele tem um papel preponderante nas lutas operárias europeias dos próximos anos e no apoio aos revolucionários da Comuna de Paris, primeira experiência de revolução operária, que vai afetar profundamente sua teoria. Marx morre em 14 de março de 1883, após passar os últimos anos a se dedicar à escrita dos volumes finais de O Capital (publicados postumamente).

O segundo capítulo faz uma passagem pela posição teórica e política de Marx na juventude, antes do desenvolvimento do marxismo (isto é, da teoria materialista histórica que permite analisar cientificamente a sociedade burguesa). Enquanto hegeliano de esquerda, Marx defendia uma visão liberal do estado prussiano, onde a simples crítica racional seria suficiente para modificar a realidade, e na qual o Estado deveria ser o estado democrático de direito burguês adotado nas formações sociais burguesas mais avançadas em relação à Prússia feudal.

Marx partia do princípio que o Estado deveria ser a realização das vontades individuais, que, racionalmente, ao procurarem seu bem estar, garantiriam a justeza das leis e instituições do Estado, a materialização da união dessas racionalidades individuais. Portanto, o Estado moderno de direito seria um estado justo e livre, que mediaria os interesses particulares, buscando o bem-estar coletivo, exprimindo os desejos de toda a sociedade. A partir desse conceito de Estado, Marx critica o estado aristocrático prussiano, que era controlado por interesses particulares, e defende o direito natural do ser humano à liberdade, assim como instituições que garantissem essa liberdade e a igualdade de todos perante as leis.

Num segundo momento, Marx passa a entender o limite da simples crítica intelectual e liberal e coloca sobre o proletariado a chave para a emancipação humana. Agora Marx defende que é necessária uma força material para derrotar a força material dominante. Mas seu pensamento ainda é tomado pela ideia filosófica de homem, pelo humanismo burguês, que cria uma ideia abstrata da humanidade e impede a análise do processo real de exploração da classe capitalista. O proletariado estaria alienado pelo seu trabalho, e seria um elemento passivo da história, apenas se tornando revolucionário se fosse tirado da alienação a partir da filosofia. A filosofia então se torna novamente o protagonista do processo revolucionário, ignorando as classes sociais e a luta de classes e ainda impedindo uma crítica do estado como representante do interesse geral da sociedade.

Como diz o autor:

 “A leitura dos textos de juventude de Marx dominados pela antropologia filosófica de Feuerbach permite reconhecer todo um conjunto de noções pertencente ao universo da ideologia burguesa. As noções de alienação, de homem, de gênero humano, de essência humana, a ideia do proletariado como elemento passivo, enfim, a problemática humanista impede Marx de apreender as determinações reais da sociedade burguesa que devem ser buscadas, segundo ele demonstrará posteriormente, na base econômica material, na articulação entre as relações de produção e as forças produtivas. Só esse ponto de partida pode permitir a Marx realizar a crítica da representação ideológica do ‘homem’ e compreender essa categoria como uma construção da ideologia jurídica burguesa necessária à circulação mercantil.” (p.27).

No terceiro capítulo, Naves, se referindo ao próprio Marx, credita à obra A Ideologia Alemã (publicada postumamente, em 1932), o ponto de ruptura de Marx (e Engels) com sua consciência filosófica anterior. É nesse livro que o teórico alemão faz a crítica à filosofia clássica alemã, que de forma geral postulava a determinação do mundo material pelas ideias, e a crítica dessas ideias como vetor de mudança do mundo concreto. Marx então na luta contra essas concepções idealistas, opera uma mudança de terreno para sua teoria de um campo idealista para um campo materialista. Essa obra, como afirma Naves, constitui um ponto de não-retorno em relação à problemática marxiana do período anterior”.

A partir desse ponto, Marx parte dos indivíduos reais e das ações concretas desses indivíduos, de suas relações materiais para elaborar novas perguntas. Ele então começa a produzir o conceito de modo de produção, a forma econômica em que os indivíduos produzem a vida material de dada sociedade, e finca a origem dos fenômenos sociais sobre essa produção da vida material e seu intercâmbio, ou como chama mais tarde, as relações de produção. Assim, Marx entende que toda produção ocorre a partir de certas relações entre os indivíduos que produzem, e que são condicionados pelo grau de desenvolvimento das forças produtivas. Dá-se então, o primeiro passo em busca da investigação pautada no processo histórico do desenvolvimento da sociedade burguesa, o modo de produção capitalista.

Porém, apesar de estabelecer esse grande avanço em direção a uma análise científica, Marx ainda pensa o modo de produção relacionado à ideia de indivíduos, e não das relações entre classes sociais, da luta de classes (o que viria a ser uma descoberta fundamental para a teoria marxista posteriormente). Sendo assim, Marx ainda está com um pé fincado no humanismo idealista que tenta combater.

 “Desse modo, malgrado os avanços decisivos já obtidos, Marx permanece em larga escala no terreno do humanismo: a produção passa a ser o resultado da atividade dos homens, uma criação do sujeito, e não o resultado objetivo de um processo que coloca duas classes sociais em confronto, como, por exemplo, a burguesia e a classe operária na sociedade capitalista.” (p. 32).

Assim, o processo histórico se verte em desenvolvimento das forças produtivas, mera acumulação de coisas criadas pelo homem e alienadas dele, voltando-se contra o seu próprio criador. Nisso se desprende uma das barreiras da teoria marxista em nascimento: o primado das forças produtivas, ou seja, o desenvolvimento histórico das relações sociais depende fundamentalmente do desenvolvimento da tecnologia para serem modificadas, e as lutas de classe são obscurecidas até aqui.

Marx, então, tenta elucidar a ligação entre essa base econômica e as representações políticas e ideológicas, e estabelece os conceitos de infraestrutura e superestrutura. A infraestrutura seria a base material da sociedade, onde estariam o “modo de produção”, as “relações materiais” e a “produção capitalista”. Na superestrutura estariam todas as relações “não econômicas” como o direito, a política, as religiões, a cultura e etc. Para Marx, a superestrutura estaria condicionada à infraestrutura da sociedade de forma que essa só pode ser entendida e explicada a partir do movimento da base material. Mas, ainda na obra A Ideologia Alemã, ambas estão diretamente ligadas, de forma rígida e mecânica. Algo que sofrerá mudanças ao longo da caminhada teórica de Marx.

Sendo assim, Marx fundamenta sua crítica à filosofia idealista, mostrando que se a origem da superestrutura está na base material, não seria possível mudar a sociedade pela simples mudança de interpretações e críticas dessas interpretações no plano das ideias, pois elas não se originaram em si mesmas, mas sim na infraestrutura social. Daí a metáfora da câmara escura, cuja imagem se encontra invertida, assim como a luz quando entra na retina humana. Não são as ideias que movem as relações sociais, e sim o inverso, são as relações sociais concretas que são a origem das ideias. Como Naves explica, “o descolamento das ideias e representações de seu solo originário, a inversão de sentido que essa operação implica, está na base do domínio ideológico da classe dominante.”

A classe dominante então pode apresentar suas ideias e representações como verdades eternas, e os ideólogos apresentam as relações sociais de dominação como relações eternas e não como transitórias e históricas, passíveis de modificação, o que possibilita que elas sejam naturalizadas, que façam parte da “natureza humana”, tornando impossível sua modificação. Ao mesmo tempo, a classe dominante apresenta seus interesses particulares de classe como interesse geral da sociedade, e as relações de dominação como a vontade geral, eleita voluntariamente. Naves coloca em evidência a frase clássica de Marx: “assim, as ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes”, para afirmar a determinação que era atribuída à infraestrutura, à base econômica. Se uma classe domina de forma material, ela dominará também as representações sociais. A dominação espiritual, cultural, é uma derivação da dominação dos meios de produção de tal formação social. Da mesma forma que a classe dominante apresenta seus interesses como os interesses gerais da sociedade, uma classe revolucionária deve representar os interesses do conjunto das classes dominadas. E isso acontece pois ela ainda não tem força para afirmar seus interesses de classes particulares e também por essa tomada de poder interessar a outras classes dominadas que ainda podem se tornar parte da classe dominante.

A partir desses achados, Marx funda um conceito singular de Estado:

“(…) o Estado é compreendido, agora, como a forma de domínio pela qual a classe dominante faz prevalecer seus interesses comuns de classe. O caráter comum desse poder cumpre dois papéis: em primeiro lugar, ele permite que o Estado possa defender os interesses do conjunto da classe dominante, mesmo que tenha em determinadas circunstâncias, para alcançar esse objetivo, de sacrificar o interesse particular, seja de uma fração, seja de algum membro da classe dominante; em segundo lugar, ele permite que os interesses da classe dominante sejam apresentados como sendo os interesses do conjunto da sociedade, como uma comunidade de interesses gerais, e portanto, que não adquiram um caráter privado, mas ao contrário, um caráter público, isto é, o exercício do poder político pela classe dominante pode aparecer como o domínio impessoal de uma pessoa jurídica, ao qual a ideia mesma de dominação de classe é um impensado.” (p. 38).

Dessa forma o Estado, para Marx, pode garantir a propriedade privada da classe dominante e por consequência, sua posição de dominação. Estendendo a dominação da classe burguesa sobre a classe operária tanto de forma econômica quanto política. Dessa forma, o objetivo do Estado é conter o antagonismo da classe operária e perpetuar o poder da classe dominante.

Naves então retorna ao tema da persistência da noção ideológica de alienação do trabalho ainda na teoria de Marx, na qual os homens seriam alienados das forças produtivas e dominados por elas, por serem propriedade privada. Para o autor, em A Ideologia Alemã, a concepção de comunismo para Marx seria uma reapropriação das forças produtivas pelos homens, mas ela dependeria do desenvolvimento dessas forças produtivas, até que as relações se generalizem universalmente, e produzam ao mesmo tempo uma massa gigantesca sem propriedade e uma riqueza incomparável. O produto do desenvolvimento da tecnologia seria então a universalização da classe operária, e a superação do capitalismo seria então possível.

Como Naves demonstra: “essa concepção do comunismo, fundada no desenvolvimento das forças produtivas, no ‘cancelamento’ da alienação, na generalização das trocas e no direito, é submetida por Marx à crítica na segunda parte de A Ideologia Alemã”. (p. 40).

Segue-se a crítica ao direito a partir do comunismo, que Marx faz ao rebater as ideias de Max Stirner, um anarquista alemão, que defendia a passagem da propriedade privada para a propriedade comum como o fim do capitalismo. Marx entende que essa relação jurídica de propriedade por si só é uma concepção burguesa, e que a mera mudança do título de propriedade não é suficiente para superar as relações capitalistas. Stirner defende que o direito à propriedade é um direito eterno do homem, e portanto a justiça seria feita ao igualar a posse da propriedade fazendo valer os direitos negados ao homem. Marx vai argumentar que o direito de propriedade, e o direito de forma geral, nasce das relações de produção e troca capitalistas, que sancionam a igualdade de compra e venda entre os homens, o que serve de base para a exploração da força de trabalho da classe operária pela classe burguesa. Portanto a própria concepção de direito do homem (humanismo) é incompatível com o comunismo e o fim da propriedade privada, sendo apenas mais uma forma de mascarar a dominação de classe. E esse “comunismo de Stirner” é, de fato, uma forma ideológica pequeno-burguesa, de pequeno proprietário, que busca o fim da opressão do grande capital para poder se beneficiar da igualdade da livre concorrência.

A luta contra as correntes utópicas dentro do movimento operário faz Marx ir além teoricamente, pois o enfrentamento dessas correntes iriam ditar o futuro da organização dos trabalhadores, seja por reformas ou pela revolução. A partir desse aprofundamento, Marx pode se colocar cada vez mais do ponto de vista da classe operária, e sua influência sentida na transformação da Liga dos Justos em Liga dos Comunistas, e do seu lema de “todos os homens são irmãos” para “Proletários de todos os países, uni-vos!”. Naves enfim destaca que o avanço da teoria de Marx será sempre assombrada pelos princípios filosóficos contra os quais ele luta: o primado das forças produtivas e a noção de “homem”. Enquanto Marx não critica essas formas, estabelecendo o primado da luta de classes e das relações de produção sobre as forças produtivas, sua teoria continuaria em contradição interna.

Em 1848, Marx escreve juntamente com Engels uma obra que ao mesmo tempo é um reforço à luta e um ponto de virada em sua teoria: O Manifesto do Partido Comunista. Naves já inicia o quarto capítulo evidenciando a contradição que corta o manifesto: ao mesmo tempo em que dá importância fundamental ao desenvolvimento das forças produtivas, Marx estabelece que a luta de classes é o motor da história, chave para o avanço na análise científica da sociedade burguesa e sua dominação.

Naves segue mostrando como Marx explica o surgimento da sociedade burguesa, a partir do desenvolvimento do comércio e das relações de trabalho assalariado dentro da sociedade feudal, que ao atingirem certo grau de aprofundamento, se tornam empecilhos para o desenvolvimento do capital. No surgimento da sociedade burguesa, há as unificações nacionais, as moedas únicas e a submissão do campo à cidade, que culmina na introdução de máquinas no processo produtivo. Para Marx, a sociedade burguesa é caracterizada por crises recorrentes, e por transformações cada vez mais rápidas das relações sociais, que estão em constante revolução.

Marx entende que as forças burguesas que derrubaram o feudalismo nasceram dentro deste, e o mesmo acontece com a sociedade do Capital. As próprias ferramentas de dominação e exploração criadas pela burguesia forjam a classe revolucionária que virá a derrubá-la: o proletariado. E as próprias forças produtivas utilizadas para derrubar o feudalismo se voltam contra ela, pois o aumento da produção e o sufocamento dos mercados inevitavelmente geram crises de superprodução, sendo necessário para superá-las aumentar ainda mais a exploração, procurar mais mercados e desenvolver forças produtivas ainda mais poderosas, o que dá origem a crises ainda maiores. O avanço da indústria impulsionado pela busca pelo lucro causa um processo de proletarização em larga escala por onde passa, reduzindo as condições de vida da classe operária e fazendo as outras classes intermediárias reféns desse processo. E quem são esses proletários para Marx? Aqueles desprovidos de propriedade, cuja única alternativa para seguir vivendo é vender a própria força de trabalho aos capitalistas.

Marx então passa a descrever a luta do proletariado contra a burguesia. Se iniciando pela sua própria existência, e passando pelas resistências a nível local e nacional, a classe operária luta para manter suas condições de vida ao mesmo tempo em que o capital as tenta rebaixar. Ele afirma que as outras classes intermediárias só reagem contra a burguesia para manter suas próprias condições, com medo da proletarização definitiva, assumindo vez ou outra a posição próxima ao proletariado na luta. Sendo assim, a única classe verdadeiramente revolucionária é o proletariado, pois já não tem nada a perder, e com sua libertação libertará também todas as classes dominadas.

Para esse processo de revolução ocorrer, é necessário que o proletariado se arme para enfrentar a reação burguesa, que dispõe de suas próprias forças armadas. Além disso, é necessário que mantenha sua independência de classe, mesmo que faça alianças temporárias com outras classes ou frações de classes, pois cada uma dessas classes intermediárias tentará interromper a revolução no momento em que se beneficiar, e o proletariado deve manter a revolução até destruir completamente o domínio burguês. Marx afirma que o interesse da classe operária não pode se ater a reformar a propriedade privada e sim em extingui-la, não só melhorar a sociedade existente, mas criar uma nova, livre da exploração. O proletariado então, não pode se tornar um apêndice da democracia burguesa, precisa desenvolver sua organização de duas formas, tanto numa existência legal quanto numa existência clandestina e ilegal, mantendo-se enquanto um poder paralelo e independente do estado burguês.

Como Naves destaca:

o segredo da vitória da revolução proletária pode ser enunciado nestas exigências fundamentais: tomar consciência dos interesses de classe proletários, adotar formas de organização operárias armadas e independentes da burguesia, não se deixar envolver pelas ilusões democráticas, e utilizar a violência armada contra a burguesia em um processo revolucionário cujo ‘grito de guerra’ do proletariado deverá ser ‘a revolução permanente’.”

Marx então estabelece a transição da sociedade capitalista para a sociedade comunista como a supressão da propriedade privada com a estatização dos meios de produção e com o desenvolvimento das forças produtivas. Aqui ainda está colocada a problemática do primado das forças produtivas, porém logo em seguida Marx afirma a necessidade da supressão violenta das relações de produção como condição para suprimir a sociedade de classes. Naves destaca que essa contradição mostra uma nova compreensão do problema da transição, mas que ainda precisaria da análise científica feita em O Capital nos anos seguintes, e o advento da Comuna de Paris para que se possa estabelecer uma concepção revolucionária da transição para o comunismo.

No quinto capítulo do livro, Naves entra no ápice da formulação científica que Marx empreende a partir do ponto de vista da classe operária: O Capital. É nesta obra que Marx desenvolverá sua teoria, identificando as bases da exploração burguesa sobre o proletariado, o que nos dá ferramentas para retificar diversas análises e categorias anteriormente utilizadas. O autor inicia o capítulo evidenciando uma questão fundamental para o entendimento do capital: o que ele é realmente? Apenas uma soma de dinheiro, meios de produção utilizados para aumentar a valorização? Não. A partir da análise demonstrada por Marx, os meios de produção sempre existiram em diversas formações sociais e modos de produção, mas apenas sob uma relação especifica de produção, a capitalista, é que eles se tornam capital. O modo de produção capitalista é constituído fundamentalmente por duas classes distintas: de um lado, os donos dos meios de produção, e do outro uma força de trabalho livre e assalariada despojada desses meios de produção, que é obrigada a ser vendida para os primeiros. O capitalismo se conforma na relação social antagônica entre essas duas classes, burguesia e proletariado, por intermédio dos meios de produção.

Marx demonstra que a valorização do capital não acontece de fato na esfera da circulação, vendendo as mercadorias acima de seu valor ou comprando-as abaixo, pois isso não geraria uma mudança geral nos preços, e o que se ganharia vendendo se perderia comprando. É necessário investigar a esfera da produção para identificar a formação do valor. O capitalista precisa encontrar no mercado uma mercadoria “especial”, com a capacidade de gerar mais valor do que o seu próprio. Essa mercadoria é a força de trabalho, única mercadoria que o trabalhador pode vender. Como todas as mercadorias, a força de trabalho é regida pelas mesmas leis. Seu valor é igual ao custo de manutenção e reprodução do trabalhador, e seu preço varia conforme as leis de oferta e demanda.

Para ofertar sua força de trabalho como mercadoria, esse trabalhador precisa ser livre, tanto no sentido de dispor de si como mercadoria, quanto despossuído dos meios de produção. Sendo assim, será obrigado a vender sua força de trabalho para os capitalistas para viver. O capitalista por sua vez, compra a força de trabalho por uma jornada, durante a qual será empregada na produção de outras mercadorias. E é aqui que a valorização acontece. Durante o tempo de utilização da força de trabalho, o capitalista só ganha se as mercadorias produzidas durante o tempo de contrato custarem mais que o que ele pagou inicialmente ao operário. Caso contrário terá prejuízo ou não aumentará seu capital. Dessa forma, quanto maior a produtividade do operário, menor é o tempo de trabalho necessário para que sua força de trabalho seja paga, e maior é o tempo da jornada que o trabalhador produz exclusivamente para o capitalista. Esse trabalho não pago ao trabalhador é a mais-valia.

Embora essas sejam condições necessárias para a criação de relações de produção capitalistas, não são suficientes para constituir o modo de produção capitalista. Em seus estágios iniciais, o capitalismo precisa utilizar a organização técnica da produção já existente, diferenciando-se das manufaturas pela quantidade de trabalhadores artesãos reunidos em um mesmo local de trabalho. Isto significa que, embora esses trabalhadores não fossem donos dos meios de produção (e por isso estavam sujeitos a relações de produção capitalistas ainda influenciadas pelo modo de produção dominante na época), eles possuíam domínio do processo de trabalho, sendo capazes de criar o produto final por inteiro ou em sua maior parte.

Sob estas relações de produção determinadas, o capitalista possuía o controle apenas das fases exteriores ao processo produtivo, sendo seu domínio sobre o trabalhador direto limitado, o que caracteriza a subsunção formal do trabalho ao capital.

Neste período a única forma de extração de uma maior fração da mais-valia produzida seria pelo aumento da jornada de trabalho, o que possui um limite (tanto em número de horas por dia, quanto da reação dos trabalhadores que dominavam o processo produtivo e, por isso, possuíam maior poder de barganha), sendo esta forma de exploração chamada de mais-valia absoluta.

Em um período posterior, o capitalista consegue realizar uma divisão do trabalho intelectual do trabalho manual, e insere maquinário mais sofisticado dentro do processo produtivo. Conforme a inserção tecnológica evolui, gradativamente o domínio do processo de trabalho dos operários diminui. Esse maior domínio do capitalista, e consequente subordinação do operário, permite que seja modificada a relação de produção e a criação de novos meios de produção obedecendo a essa nova lógica.

Esses novos meios de produção, nos quais o trabalhador já começa a atuar como apêndice, igualam a força de trabalho dos operários, reduzindo-a a energia dispendida em determinado intervalo de tempo (um trabalho abstrato). Com o domínio do processo produtivo, o capitalista cria uma nova forma de aumentar a quantidade de mais-valia produzida, aumentando a intensidade/produtividade da produção no mesmo intervalo de tempo. Isso caracteriza a mais-valia relativa.

A expropriação da classe proletária pela burguesa é completa, se dá tanto das condições objetivas (expropriação de trabalho não pago) quando das subjetivas (domínio dos meios de produção/processo produtivo, condições intelectuais do proletariado). Isso caracteriza o que Marx denomina como subsunção real do trabalho ao capital.

Somente quando essa subordinação real do trabalho ao capital ocorre, o domínio da classe burguesa torna-se pleno sobre o proletariado. Sob a base dessa modificação no modo de produzir, gerida pela necessidade do capitalista dominar a classe proletária para dela extrair mais-valia além de seus limites vigentes, é que o modo de produção especificamente capitalista pode surgir.

Naves, a partir de Marx, mostra que a estruturação do processo produtivo capitalista se vincula com uma esfera de troca de mercadorias. No entanto, para que as trocas se realizem, para que o valor contido nas mercadorias se realize, é necessária a intervenção de seus possuidores, pois as mercadorias não podem ir sozinhas serem trocadas no mercado. Eles precisam se reconhecer reciprocamente como proprietários privados. Essa relação jurídica é uma relação de vontade onde se reflete a relação econômica.

Esse reconhecimento recíproco significa o reconhecimento de um estatuto comum a todos os agentes da troca que, para relacionarem-se entre si, devem ser, necessariamente, livres e iguais em relação aos outros, revestindo-se como sujeitos de direito. Para Marx essa é a base real para tais igualdade e liberdade, o processo do valor de troca.

Desta forma o direito constitui o proletário como possuidor de sua força de trabalho, livre para trocá-la na esfera da circulação (ou morrer de fome, já que não possui meios de produção para sua subsistência) e em pé de igualdade com o burguês, que o emprega segundo sua lógica e intensidade de produção, pela quantidade de horas por ele estipulada e pagando o valor necessário para a manutenção de sua força de trabalho.

Com o desenvolvimento de sua posição, Marx vai alterando sua visão sobre o Estado burguês. Em Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas, ele já vê a democracia burguesa de um ponto de vista tático para o proletariado. Descartando qualquer possibilidade de concessão que o proletariado possa fazer ao programa democrático, pelo contrário, estimulando o proletariado a esgotar todas as possibilidades legais de utilização da democracia ao mesmo tempo em que a ultrapassam tomando medidas e iniciativas revolucionárias.

Em As lutas de classe na França de 1848 a 1850, Marx vê a democracia como estritamente vinculada aos interesses da classe burguesa. Percebe que o Estado republicano (democrático) corresponde ao interesse do conjunto da classe burguesa, no qual “o interesse geral da classe burguesa pode subordinar tanto as pretensões de suas frações como de todas as outras classes”. Além disso, percebe também que essa forma democrática permite que a dominação burguesa apareça como a expressão de uma vontade geral, manifestada em um parlamento eleito pelo sufrágio universal.

Já em O 18 de brumário de Luís Bonaparte, Marx descreve a possibilidade de a burguesia abandonar a forma democrática de exercício do poder, abdicar de exercê-lo diretamente, e transferi-lo para um déspota que se apresente como acima da luta de classes, acima dos interesses de classe, desviando de si o centro da luta social.

Estas considerações, embora justas, acabam sendo insuficientes, pois não estabelecem a relação entre a democracia e a circulação mercantil-capitalista. Uma vez estabelecida essa relação, deve-se considerar a democracia como a forma política específica do estado burguês, não sendo possível sua utilização pela classe operária antes ou durante a revolução, nem na sociedade transitória após a mesma.

Essa tese é demonstrada em O Capital. Marx teoriza que a existência de uma esfera de circulação de mercadorias, que funciona sob a base da equivalência e que respeita as determinações da liberdade e igualdade, é a condição necessária para que se constitua uma forma de poder que não apareça como representação do interesse de uma classe, mas sim acima das partes contratantes, observando apenas as condições de funcionamento normal da sociedade em questão.

Sobre a base da equivalência mercantil é constituída a equivalência política dos sujeitos cidadãos e, a partir dessa atomização/individualização e equalização, o sufrágio universal, nega-se a condição de classe. Desta forma constrói-se a representação do Estado como esfera do “bem comum”, separado de uma sociedade civil que seria a esfera dos interesses particulares conflituosos.

A consequência política dessa construção ideológica é a neutralização da luta de classe operária, visto que o Estado só admite a política “de direito”, dentro de sua esfera de competência (burguesa) e, toda luta que ultrapasse os marcos da reivindicação profissional e consista em uma ameaça ao processo de valorização do capital, é interditada e considerada ilegal.

No sexto capítulo Naves vai pontuar que em O Capital, Marx opera uma transformação profunda na sua análise científica da sociedade burguesa, a partir da dominância das relações de produção sobre as forças produtivas, o inverso do que acontecia em A Ideologia Alemã e escritos da época. Marx demonstra que antes do desenvolvimento das forças produtivas e da subsunção real do trabalho ao capital, as relações burguesas de assalariamento já haviam se estabelecido, e são elas que guiarão o desenvolvimento da maquinaria por uma necessidade do modo de produção que estava nascendo, e do aumento da concorrência entre os capitalistas, para o aumento da produção. Marx demonstra que apesar das relações de produção capitalistas existirem antes das forças produtivas (a relação de compra da força de trabalho daqueles despossuídos de meios de produção) esse domínio não é total.

Os proletários têm em grande parte domínio subjetivo das condições de produção e certo controle do processo de trabalho, o que tornam as relações de produção apenas formalmente capitalistas. Para que as relações de produção se tornem plenamente capitalistas é necessário o desenvolvimento de forças produtivas especificamente capitalistas, como uma exigência do processo de valorização. São as relações de produção que comandam esse desenvolvimento, mas elas só se tornam dominantes quando a maquinaria expropria as condições subjetivas dos trabalhadores, exercendo domínio completo. Sendo assim, as forças produtivas são a forma materializada das relações de produção, e não são exteriores ou independentes a elas.

Dessa forma acontecem duas mudanças na concepção do desenvolvimento histórico: ele não é apenas a sucessão linear de modos de produção a partir do aparecimento de novas tecnologias, e sim dependente da luta de classes que trazem relações de produção contraditórias; e, em segundo lugar, as forças produtivas não são neutras, e sim tem um caráter de classe (assim como o Estado).

Para Marx nesta fase, é errônea a noção de que a sociedade comunista vai herdar as forças produtivas do capitalismo e desenvolvê-las ao máximo a partir da libertação das relações de propriedade, mas explica que o grau de desenvolvimento das forças produtivas depende sempre da luta de classes.

Outra modificação operada é a relação entre a infraestrutura e a superestrutura, antes entendida como uma emanação direta da base econômica. A partir de O Capital, Marx entende a determinação econômica como determinação em última instância, ou seja, a sociedade burguesa é composta por uma complexidade de forças, níveis ideológicos, políticos, jurídicos etc., que agem de forma determinante sobre a realidade social, mas é o elemento econômico (sob a primazia relações de produção) que vão explicar qual desses níveis irá atuar de forma dominante.

Dessa forma concluímos que o modo de produção para Marx é dotado de uma superestrutura complexa onde um conjunto de forças tem uma atuação que pode ser dominante ou não em determinado setor da realidade social, não estando mecanicamente presa à base econômica, mas dependendo desta como o elemento determinante em última instância.

O conhecimento científico e a experiência prática vivenciada com a Comuna de Paris, possibilitaram ainda a retificação da posição de Marx em relação a dois pontos: a transformação as relações de produção e a transformação do Estado na transição socialista.

A primeira retificação é supressão da propriedade privada para pensar o socialismo, apesar de não registrada pelo próprio Marx, isso é inferido a partir do abandono da tese do primado das forças produtivas. A segunda retificação, já expressa por Marx, no prefácio da edição de 1872 do Manifesto é a destruição do aparelho de Estado burguês. Marx ao operar essa dupla retificação não afasta a necessidade da eliminação da propriedade privada, mas a ela soma outra supressão necessária: a das relações de produção capitalistas.

Naves comenta que do Manifesto pode se entender que haveria a simples transferência da propriedade ao estado, sem transformar as relações de produção. Além disso, esta transferência se operaria dentro do campo do direito sem a supressão do modo de produção que seria o esforço de desmontar o processo de trabalho capitalista. O que não se confunde com a relação de propriedade.

O autor chama atenção para análise contida em O Capital sobre a subsunção formal e a subsunção real do trabalho ao capital em duas passagens que tratam da questão. O momento que trata da subsunção formal do trabalho ao capital é aquele que já estão constituídas as relações de produção capitalistas, a força de trabalho operando sob a lei de valorização. Mas o trabalho, do ponto de vista técnico, ainda não sofreu nenhuma transformação, demonstrando que as força produtivas não sofreram alteração substancial para adequá-las às relações de produção capitalistas.

Já no segundo momento, há uma revolucionarização do processo de trabalho, com a introdução da maquinaria e a perda do controle do operário de todo o processo de fabricação do produto passando esse a ser um apêndice da máquina, o que leva a força de trabalho a ser apenas dispêndio de energia laborativa. Essas forças produtivas adequadas às relações de produção capitalistas são a base material para dominação de classe no interior do processo de trabalho.

Sabendo da importância das relações de produção baseadas na organização do trabalho sob a base técnica das forças produtivas especificamente capitalistas, não há outra opção ao socialismo que a destruição destas relações de produção, reapropriando-se das condições objetivas e subjetivas da produção para eliminar as condições objetivas e subjetivas  capitalistas.

Neste tópico, Naves faz uma ressalva sobre a diferença entre a transição do processo de trabalho para o capitalismo e o processo de trabalho para o comunismo. Naquele primeiro houve previamente transformações nas relações de trabalho antes da existência de uma relação especificamente capitalista. No entanto, quando se fala da transição para o comunismo se tem a impossibilidade disso, frente à transformação no processo de trabalho operada pelo novo modo de produção e a luta dos trabalhadores buscando controlar o processo de produção, que por sinal, segundo o autor, é uma consequência imediata da tomada do poder pela classe operária.

A transformação revolucionária das relações de produção se dá pelo ataque, destruição, mudança da organização capitalista do processo de trabalho. O socialismo seria o período de substituição da base técnica do capital, das forças produtivas do capital por novas com base comunista, fazendo com que a classe operária domine as condições materiais de produção, possibilitando a constituição de novas relações de produção de natureza comunista.

Depois deste percurso sobre relações de produção e forças produtivas, tem-se claro que a posição de Marx não é uma operação jurídica de mudança de titularidade dos meios de produção. Apenas estatizar os meios de produção não garante a extinção do processo de produção capitalista. Sem uma relação de produção e forças produtivas comunistas, o que surgiria seria uma nova burguesia, uma vez que o processo de valorização permaneceria.

A luta revolucionária contra a sociedade capitalista se dá contra dois aspectos fundamentais da organização do processo de trabalho: 1 – a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual; 2 – a divisão entre tarefas de direção e de execução. Portanto, atacar esses dois elementos pode iniciar o processo de constituição de novas relações de produção e forças produtivas comunistas.

A conquista do poder pelo proletariado possibilita o exercício de dominação de classe, mas Marx não comenta sobre essa dominação por intermédio do Estado no Manifesto. É o episódio da Comuna que fornece a Marx as respostas a esse silêncio teórico e político, retificando sua posição no prefácio de 1872, apontando a necessidade de destruir o Estado burguês e a criação de outro com natureza diversa.

Sendo assim, se definem alguns princípios estratégicos para a revolucionarização do estado pelo proletariado:

  • O estado burguês é estruturado para servir aos interesses da classe dominante, por isso não pode ser utilizado como instrumento político da emancipação do proletariado.
  • Destruição dos aparelhos de estado burguês, como o aparelho repressivo, e substituí-lo pelo povo armado, e novas formas de organização paralelas para assumir o papel de garantidores das mudanças nas relações de produção.
  • Concentração do poder na comuna, unificando executivo e legislativo, o conjunto da administração e o judiciário, controlando a máquina do Estado, superando a separação entre as massas e o poder político.

Esse estado proletário que substitui o estado burguês não é propriamente um Estado, como dizia Lenin, pois contém em si as bases para a extinção de um estado acima das classes e separado das massas. E Marx dizia: “Eis o seu verdadeiro segredo: a Comuna era, essencialmente, um governo da classe operária, fruto da luta da classe produtora, contra a classe apropriadora, forma política afinal descoberta para levar a cabo a emancipação econômica do trabalho”.

O “Estado” que a classe operária deve constituir no período após a tomada do poder, Marx chama de ditadura do proletariado. A ditadura do proletariado é a ditadura exercida pela maioria, pelos trabalhadores, contra a classe dominante burguesa derrotada na revolução.

Marx dizia ter demonstrado que “a luta de classes conduz necessariamente à ditadura do proletariado” e que “essa ditadura ela própria não é mais que a transição para a supressão de todas as classes e para uma sociedade sem classes”. Duas lições de Marx são extraídas dessas afirmações: o caráter inconciliável de classes e a persistência da luta de classes mesmo após a tomada do poder até a transição completa para a sociedade sem classes.

Importante destacar que para Marx, todo estado é uma ditadura de classe, pois permite a classe dominante exercer seu poder. A forma política dessa ditadura pode variar, sendo assim a ditadura da burguesia pode se revestir de aspectos democráticos de forma limitada, sem ameaçar o poder da classe dominante. A ditadura do proletariado é a forma política de emancipação econômica do trabalho e do processo de transformação revolucionária das relações sociais, uma ditadura da maioria para a maioria, cujo objetivo é a destruição da ditadura da burguesia.

O socialismo é o período de transição, sob a ditadura do proletariado, que Marx denomina de fase inferior da sociedade comunista, e em que persistem ainda características da sociedade burguesa. É o período em que as relações de produção e as forças produtivas capitalistas devem ser revolucionarizadas. Superada essa fase pode surgir uma sociedade fundada de trabalhadores libertos das formas de exploração da força de trabalho, em que a relação é agora a relação fundada no trabalho livre e na cooperação entre os indivíduos. A instauração de novas relações de produção e de novas forças produtivas torna possível o surgimento de uma liberdade nunca antes experimentada, efetiva, e não apenas formal.

Naves enfrenta ainda a tentativa de atribuir a Marx uma posição filosófica como substrato da teoria revolucionária por ele defendida. Para ele, Marx introduz um elemento estranho à filosofia que é a luta de classes. Neste sentido e utilizando este ponto de partida, o autor inicia afirmando que a crítica do modo de produção capitalista tem o objetivo de fornecer à classe operária o conhecimento objetivo de suas condições de existência e os meios para suprimi-las.

A dialética de Marx, escreve Naves, é o estudo das contradições da sociedade burguesa e da luta de classes. Assim como a superação destas contradições pelo processo revolucionário. Desta feita e por essa posição, Marx coloca no centro de sua análise uma compreensão materialista da história, não uma visão meramente interpretativa dos fatos.

Neste sentido, não há o que se falar da similitude com a dialética de Hegel na qual se sucedem os momentos de afirmação, negação e o da negação da negação. Naves critica essa tese neste trecho a seguir.

Ora, a dialética marxista, ao contrário dessa dialética teleológica da conservação, da síntese, é uma dialética da destruição. Ela implica a extinção do que é negado e a sua substituição por algo novo, que não existe no elemento negado e, portanto, não pode ser conservado ou recuperado.”

Porém, isso não significa dizer que não há presença da dialética hegeliana em Marx. Ele enfrentou obstáculos teóricos até romper com presença da ideologia burguesa no interior de sua elaboração teórica, delimitando uma linha divisória da dialética especulativa com a ciência revolucionária.

Em sua conclusão, no capítulo oito, Naves retoma a pergunta do início do livro, se o marxismo poderia ser identificado com o fim do comunismo. Sua resposta é evidentemente negativa por duas razões: a primeira de que as revoluções do século XX, na visão do autor, jamais ultrapassaram os marcos do capitalismo, pois nas revoluções socialistas continuaram sendo reproduzidas as relações de produção capitalistas e o controle nunca foi efetivamente dos trabalhadores, e em segundo lugar porque são as análises de Marx que possibilitam entender a natureza dessas sociedades socialistas e dissolver essa questão do fim do comunismo.

Somente a teoria de Marx teve a capacidade de romper com as ilusões ideológicas, jurídicas, humanistas e filosóficas da classe dominante e por isso tem sido alvo de uma dura luta de classes desde o seu desenvolvimento. Como apenas o marxismo pode proporcionar à classe operária o real conhecimento das relações de exploração capitalistas e os meios de lutar contra ela, a teoria de Marx continua produzindo efeitos revolucionários. Naves finaliza o livro concluindo que Marx não criou um mundo novo, apenas demonstrou que o capitalismo não é eterno, e que essa demonstração abre a possibilidade para o comunismo.

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- 11/06/2021