CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Nacional

O genocídio das massas oprimidas pela violência e repressão do estado capitalista se agrava!

Protesto após mais uma chacina da Polícia Civil do Rio de Janeiro, agora no Jacarezinho, em 06/05/2021.

Cem Flores

23.07.2021

As massas trabalhadoras, exploradas e oprimidas pelo capitalismo e seus aparelhos repressivos, têm vivido um verdadeiro genocídio com a pandemia e o maior colapso sanitário de nossa história. São os/as trabalhadores/as, pobres, de periferia, a absoluta maioria dentre as quase 550 mil mortes notificadas oficialmente pela Covid-19, número só superado até agora pelos EUA. Mesmo que o pico de mortes da violenta segunda onda tenha passado, sobretudo por conta do avanço da vacinação, a doença continua, todo dia, contaminando dezenas de milhares e causando mais de mil mortes.

Na nossa sociedade de classes, apenas uma minoria tem o luxo de se proteger, através de trabalho remoto, plano de saúde, acesso a medicamentos e itens de higiene e proteção de qualidade. A imensa maioria trabalhadora precisa enfrentar terminais, ônibus e metrôs lotados – locais de alto risco de contaminação – para trabalhar, procurar emprego, se virar na informalidade para tentar ganhar seu pão e de sua família; e tentar sobreviver em casas e vielas de péssimas condições sanitárias… Estar continuamente sob a mira do vírus, enfim.

Mapa do município mais populoso do país, São Paulo. As maiores taxas de mortalidade (cores mais escuras) estão concentradas nos bairros de periferia (zonas norte, leste e sul), enquanto as áreas do centro e zona oeste convivem com taxas bem menores.

Mas o genocídio do povo trabalhador hoje não acontece apenas pela pandemia – na verdade, as contaminações e mortes decorrem da pressão dos patrões para continuar a produção e a circulação em quaisquer condições sanitárias, e da política do seu Estado e governos de apostar na “imunidade de rebanho”, de reduzir ou retirar o auxílio emergencial de dezenas de milhões em plena (e pior) segunda onda, além de usar o genocídio como oportunidade para continuar roubando. Esse genocídio também continua a acontecer pela violência e repressão do Estado capitalista.

  1. A continuidade da violência e da repressão durante a pandemia

A pandemia não alterou o alto patamar de violência do capitalismo no Brasil, cujas vítimas em sua imensa maioria são aqueles/as explorados/as e empurrados/as para a miséria. Em alguns aspectos essa violência até aumentou, como é o caso dos assassinatos cometidos pelos aparelhos de repressão das classes dominantes “oficiais”, como as polícias, e pelas suas “forças auxiliares” (esquadrões da morte, pistoleiros, narcomilícias…).

A chacina do Jacarezinho e a ação das milícias apoiadas pelo Estado capitalista

Um exemplo brutal desse aumento da violência e da repressão foi a recente chacina em Jacarezinho, em 6 de maio, uma das operações policiais mais letais da história recente. Sob o comando do novo governador do Rio de Janeiro e aliado de Bolsonaro, Cláudio Castro, a Polícia Civil assassinou 29 pessoas em uma operação de guerra contra a favela, contando com 250 policiais, 4 blindados e 2 helicópteros. A maioria dos torturados e executados sumariamente sequer tinha ficha criminal ou era alvo oficial da operação. Vários outros moradores foram reprimidos, ameaçados ou tiveram suas casas invadidas e quebradas pela polícia. Nenhum policial sofreu qualquer punição, mesmo afrontando decisão do STF – pelo contrário, receberam apoio de diversas autoridades e o fato fez crescer o apoio ao novo governador nas hordas fascistas.

A chacina, uma das 423 operações policiais entre janeiro e maio no Rio de Janeiro, não só buscou atualizar o terror de guerra promovido pelo Estado capitalista, sob o qual as camadas mais pobres e negras do proletariado brasileiro são mantidas. Também tratou de uma ação em prol das milícias paraestatais, que hoje controlam uma área enorme do Rio de Janeiro, contra uma organização criminosa rival, o Comando Vermelho. Tais disputas entre essas grandes organizações criminosas que possuem várias relações com o Estado e controlam hoje grandes mercados (legais e ilegais), territórios e populações, são uma característica do Brasil atual, sem a qual não se pode entender o problema crônico da violência e as ações repressivas do Estado.

Repartição do controle da periferia do Rio de Janeiro entre as várias organizações criminosas com diversos níveis de apoio do aparelho de estado capitalista.

Mesmo durante a pandemia, o capitalismo brasileiro não mudou suas características fundamentais – tem havido ampliação generalizada da repressão no Brasil, assim como a manutenção de elevados índices de violência. Temos analisado e denunciado essa relação entre a crise capitalista, a ofensiva burguesa e o aumento da repressão e da violência no Brasil (ver aqui, aqui e aqui).

A barbárie sofrida pelas massas trabalhadoras em nosso país, cuja violência é uma das facetas mais brutais, é uma barbárie de classe, com participação ativa e intencional do estado capitalista, governo após governo, sendo “funcional” à reprodução capitalista. Sair desse martírio, parar o genocídio, só com uma vitória sobre nossos inimigos, nesta guerra de classes.

  1. A violência e a repressão no Brasil

O Brasil é conhecido pelos altos índices de violência e por suas polícias altamente letais. Estes fatos não decorrem de alguma particularidade da população brasileira, de um suposto caráter ou “natureza” violenta, mas das condições concretas, realmente existentes, de nossa formação econômico-social e de nossa história.

Nossa história de colônia e escravidão exigiu um nível de repressão extrema por parte das classes dominantes, de seu Estado e suas milícias particulares sobre as populações indígenas, negras e pobres. Inclusive pelas constantes resistências e rebeliões que tais povos realizaram ao longo dos séculos.

O capitalismo no Brasil se formou sob aparelhos de repressão e controle extremamente violentos, sobretudo contra as classes dominadas. O nível de vida da maioria sempre muito baixo, condições desumanas de vida e trabalho, no campo e na cidade, também fomentaram bases sociais para altos índices de violência e criminalidade.

Como afirmamos em nosso livro O Governo Bolsonaro: Ofensiva Burguesa e Resistência Proletária:

“a violência é causada, de um lado, pelas condições bárbaras de vida impostas às classes exploradas (desemprego, miséria, fome); de outro, tem um caráter de repressão de classe, pela resposta repressiva da classe dominante por meio de seu Estado, e de contínuo controle social. Essa repressão, portanto, é apoiada e estimulada pelas classes dominantes e por uma crescente maioria das camadas médias, e dirigida contra as classes dominadas” (pg. 84).

Organizações da violência paraestatal no Brasil

Nas últimas décadas, sobretudo a partir da última ditadura empresarial-militar, com seus esquadrões da morte e grupos de extermínio, essa violência e repressão se consolidaram em facções e organizações criminosas que disputam mercados e territórios, assim como influência no Estado. As classes dominantes também se utilizam desses grupos como “força auxiliar” do seu aparelho oficial de repressão (Forças Armadas, Polícias, Presídios, Ministério Público e Judiciário). No fundamental, todas elas têm como alvo o controle e a coerção das massas exploradas. As disputas e a concorrência contínua entre essas facções não eliminam a guerra principal, a guerra contra o povo trabalhador, como vimos no caso de Jacarezinho.

O mapa acima não considera as milícias de cada estado, formadas principalmente por policiais.

Violência como mecanismo de controle e repressão das classes dominadas

As crises econômicas, com a elevação do desemprego, da miséria e do risco de explosões sociais, de um lado, e a necessidade da burguesia aumentar a exploração, de outro, tendem a intensificar a violência e a repressão. As massas miseráveis são empurradas para situações ainda piores, e ao mesmo tempo precisam permanecer controladas nesse patamar, à força sempre que necessário.

O governo do fascista Bolsonaro representa e estimula essa tendência de aumento da violência sobre as classes dominadas em contexto de crise. Ele é conhecido há muito pelo seu apoio e envolvimento aberto com as polícias, as forças armadas e as milícias. Sua agenda de governo, desde o início, envolveu a defesa do aparelho repressivo, seja oficial seja clandestino. Sob seu governo a ofensiva burguesa, no tocante à repressão, tem obtido conquistas relevantes.

  1. 2020: mais assassinatos, mais armas na mão da burguesia e polícia mais letal

Como dissemos acima, pandemia não alterou o alto patamar de violência do capitalismo no Brasil. Em alguns casos, até mesmo agravou essa violência. Podemos ver esse fato a partir do relatório recém-publicado pelo Fórum de Segurança Nacional, com dados completos de 2020.

Junto ao mais de meio milhão de mortos pela Covid-19, também ocorreram mais de 50 mil assassinatos no país. Um aumento de 5% em relação ao ano anterior. A maioria das vítimas são jovens, negros e pobres. Mas também se destaca a continuidade do aumento do feminicídio, que desde 2016 já matou mais de 6 mil mulheres.

O estado que registrou maior aumento no número de homicídios em 2020 foi o Ceará, cerca de 75% a mais que em 2019. Esse aumento desproporcional foi devido ao motim da polícia militar do estado, com forte influência e apoio do bolsonarismo, que acabou desencadeando também um acirramento na disputa de organizações criminosas em vários territórios do estado.

As chacinas policiais

Outro dado macabro é o do contínuo aumento da letalidade policial. As mortes decorrentes de intervenções policiais atingiram o maior pico histórico: 6.416 assassinatos. Em plena pandemia, a bala da polícia continuou matando, e mais do que antes. Isso apesar de decisões judiciais contra operações policiais nas periferias durante a pandemia.

Só a título de comparação, outra polícia de alta letalidade e recentemente alvo de enormes protestos de massa, a polícia dos EUA, matou 1.126 pessoas em 2020. Cerca de seis vezes menos do que a polícia brasileira! De 2013 para cá, esta matou, segundo os registros oficiais, quase 40 mil pessoas. A polícia não é a solução para a violência, mas uma de suas causas!

Negros/as e jovens como alvos preferenciais da violência no Brasil

Dentre os assassinados pela polícia no Brasil se destaca a cor das vítimas. Quase 80% são negros, enquanto a porcentagem negra na população não chega a 60%. A taxa de letalidade policial (mortes por 100 mil habitantes) é de 4,2 para negros e 1,5 para brancos.

Em 2020, mais da metade dos mortos pela polícia tinham entre 12 e 24 anos. Dentre esses negros, jovens, em sua maioria moradores de periferia, assassinados pela polícia, está João Pedro, 14, fuzilado enquanto brincava na casa dos primos em 18/05/2020, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Até agora, nenhum policial foi punido. Em entrevista, a mãe de João Pedro mostrou sua indignação:

Para nós mães que o Estado vem e mata nossos filhos, essa Justiça não acontece. Essa justiça é demorada, a impunidade está, sim, descarada. Porque a gente vê outros casos como o do Henry [Henry Borel Medeiros, de 4 anos, assassinado em março], em que não foi a polícia que cometeu o crime, e é um caso que já foi até solucionado em menos de um ano”.

Familiares e amigos protestam após o assassinato de João Pedro.

A violência como um programa da burguesia para sua dominação de classe

Essa é a regra do estado capitalista: as polícias só espancam e matam impunimente nas favelas e periferias. Nos bairros ricos são respeitosos e chegam de mansinho, com toda a educação e cuidados. Para os ricos, bajulação, para os pobres sempre porrada e chumbo quente!

Além do aumento da letalidade policial, também se elevou no último período a quantidade de armas de fogo legais. Nos últimos três anos, esse arsenal dobrou no país, passando de 2 milhões de armas. A imensa maioria dessas armas está em posse de membros do Estado, ou da burguesia e das camadas médias, que possuem condições de comprar e manter legalmente uma arma.

Esses dados indicam mais uma conquista de Bolsonaro e sua agenda autoritária e repressiva. A liberação de armas e munição, através de vários projetos de lei, portarias e decretos, visa facilitar o armamento de setores bolsonaristas, como as milícias e os clubes de caça e tiro. Só em 2020, houve um aumento de quase 90 mil atiradores desportivos, caçadores e colecionadores com armas registradas.

  1. O capitalismo mata!

As mortes por Covid-19, intencionalmente permitidas pelo capital e seu estado, as mortes causadas pela extrema violência no Brasil, das balas dos governos e facções criminosas contra as massas mais oprimidas, e demais mortes com a barbárie em nosso país têm uma causa fundamental: o capitalismo, em sua forma brutalmente desigual, machista e racista como a construída por aqui. O sangue de todas essas mortes está nas mãos daqueles que lucram com elas, direta ou indiretamente, na manutenção da ordem social, ordem de classe, que permite a exploração de milhões, empurrados para a miséria, por poucos, que vivem protegidos em suas mansões.

O genocídio do povo trabalhador é resultado da guerra contra essas classes dominadas, uma guerra de classe: da classe capitalista contra as classes trabalhadoras. E essa guerra tem se agravado com as sucessivas crises que o capitalismo tem sofrido no Brasil. O Estado e seus governos, em todas as ocasiões, mostram de que lado eles estão: da burguesia, do lucro, do aumento da exploração e opressão. Seus aparelhos de repressão oficiais, suas forças auxiliares, mais ou menos clandestinas, ampliam sua violência, meio crucial de manter a dominação burguesa no país. Eles não são a solução dizem os governantes, a mídia e outros hipócritas fantoches da burguesia!

As massas trabalhadoras no Brasil, as populações periféricas, negras, no campo e na cidade, são os alvos principais dessa violência. Elas vivem sob o fogo cruzado das várias facções que disputam seus territórios, sob o arbítrio de um estado de exceção. Para elas, sobreviver, não cair nas estatísticas, é uma luta cotidiana. E para isso possuem poucos aliados – normalmente só têm elas próprias! Mas são suas próprias forças a principal esperança para se sair desse martírio. Quando descem o morro em revolta; quando se organizam mesmo na dor e no luto; quando não se calam e continuam a denunciar o Estado assassino e as condições de vida brutal da maioria, apontam para o caminho justo e necessário: o caminho da luta, da organização, do ódio de classe, da demarcação entre aliados e inimigos.

Ousar lutar, ousar vencer!

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- 23/07/2021