CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Lutas, Movimento operário, Nacional

Os operários e as operárias da GM vão mais uma vez à luta e indicam o caminho contra a exploração capitalista!

Operários e operárias da GM de São Caetano do Sul (SP) votando pela continuidade da greve, em 04.10.2021.

 

Na economia capitalista, a massa do povo trabalha para outros, não trabalha para si, mas para os patrões, e o faz por um salário. Compreende-se que os patrões tratem sempre de reduzir o salário; quanto menos entreguem aos operários, mais lucro lhes sobra. Em compensação, os operários tratam de receber o maior salário possível, para poder sustentar a sua família com uma alimentação abundante e sadia, viver numa boa casa e não se vestir como mendigos, mas como se veste todo mundo. Portanto, entre patrões e operários há uma constante luta pelo salário.

[…]

Quando a indústria prospera, os patrões obtêm grandes lucros e não pensam em reparti-los com os operários; mas durante a crise os patrões tratam de despejar sobre os ombros dos operários os prejuízos.

Vladimir Lênin, Sobre as greves, 1899.

Cem Flores

15.10.2021

 

Em 1º de outubro de 2021, cerca de quatro mil operários e operárias da multinacional General Motors, fábrica de São Caetano do Sul (SP), entraram em greve por tempo indeterminado, após várias mesas de enrolação entre sindicato e empresa. Os/as operários/as rejeitaram a proposta da empresa de ainda mais arrocho salarial e retirada de conquistas. Exercer o seu poder de parar a produção diária de centenas de carros foi a forma justa encontrada para garantir os seus interesses e as suas necessidades básicas. Nas assembleias, nas rodas de conversa, encontram sua força na união e resolvem resistir, por suas vidas, por suas famílias, por seus companheiros e suas companheiras de fábrica. “Paz entre nós, guerra aos senhores!”

Essa é a mais recente batalha dos operários e das operárias da GM e demais montadoras, que, nos últimos anos, junto ao restante da classe operária e massas trabalhadoras, têm enfrentado uma forte ofensiva patronal, uma piora contínua em seus salários, condições de vida, trabalho e luta. Batalha que certamente não será a última, pois onde há exploração, há resistência, mais cedo ou mais tarde.

Em 2019, quando os sindicatos dos/as trabalhadores/as da GM assinaram acordos com perdas para a categoria, após uma luta contra fechamento das fábricas, em mais uma chantagem da empresa, dissemos: “o acordo aprovado em breve será semente de mais revolta na fábrica, obrigando o trabalhador a se movimentar”. E assim ocorreu, diante da atual tentativa da GM de impor uma piora nos salários e condições de trabalho em São Caetano do Sul. O capital nunca cessa em seu intuito de esfolar o/a trabalhador/a, por isso nossa luta também deve ser contínua!

A atual greve também inclui tais operários/as na lista de categorias que têm dado exemplo de resistência em momento tão difícil para as classes trabalhadoras no Brasil, de pandemia, crise econômica, enorme refluxo das lutas sindicais e dominância quase completa dos pelegos nas organizações dos trabalhadores. Essa luta na GM se soma às lutas dos ameaçados de demissão da Renault (PR), na Petrobrás, na fábrica da LG e terceirizadas, dos carteiros, dos rodoviários, dos garis, dos entregadores de aplicativoNa verdade, apesar de hoje separadas, são uma só e mesma luta: contra a sanha do lucro, que destrói nossas vidas; por uma vida digna para quem trabalha.

Nos portões da GM de São Caetano do Sul, hoje, está o caminho a ser seguido por todos os explorados e oprimidos do país: frente à piora drástica nas condições de vida, se unir, lutar e resistir! Nas lutas concretas, com nossos irmãos e irmãs de classe, é que reconstruiremos nossas forças e faremos recuar o inimigo.

 

A crise do capital no Brasil continua a causar graves danos na vida das massas trabalhadoras

Para analisar a greve na GM, é importante contextualizá-la no atual quadro de crise do capital no Brasil e suas especificidades. Afinal, a luta de classes hoje tem como pano de fundo essa crise persistente e violenta, que vem gerando danos profundos na vida dos trabalhadores/as e impulsionando o capital a elevar sua exploração.

Uma recente projeção feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) demonstra a profundidade da crise econômica no Brasil, que no ano passado sofreu mais um abalo com a pandemia. Em um cenário otimista, a FGV prevê que apenas no final de 2025 a economia brasileira retomará a tendência de crescimento de 2017-2019, período de estagnação econômica. Ou seja, o país deve levar ainda cerca de quatro anos para voltar à “mediocridade anterior”, como diz a pesquisadora da Fundação.

Esse cenário “otimista” inclui a continuidade da “agenda de reformas” da burguesia, quer dizer, a perspectiva da continuidade de retirada de conquistas dos/as trabalhadores/as e ampliação da exploração. Tal cenário também tem como certa a continuidade do alto desemprego, ou ainda a “recuperação” parcial dos empregos via setor informal, como aconteceu após a recessão de 2014-2016, piorando os salários e as condições de trabalho.

Além do enorme desemprego, subocupação, desalento e informalidade, realidade que hoje atinge dezenas de milhões de trabalhadores/as, a atual situação econômica do país também afeta as massas trabalhadoras pela carestia de vida. A massa de salários caiu na pandemia e os preços aumentaram violentamente. O último setembro foi o de maior aceleração inflacionária desde 1994. A energia elétrica subiu 28,82% em 12 meses. A gasolina, 39,60%. O gás, 34,67%. A cesta básica mensal de alimentos (carne, leite, arroz, feijão, farinha, legumes, frutas, pão, café, açúcar, óleo e manteiga), na cidade de São Paulo, segundo o DIEESE, está R$ 673,45 (mais da metade de um salário mínimo), o que significa uma subida de quase 20% no mesmo período.

Como podemos ver, não há horizonte para o/a trabalhador/a no Brasil atual. À frente, caso deixemos, há apenas a burguesia nos mantendo na fome e sugando nosso sangue e suor para tentar elevar os seus lucros.

 

A ofensiva das montadoras nos últimos anos

A indústria brasileira no geral tem sido impactada não só pelas sucessivas recessões como também pela reconfiguração econômica do país, com reprimarização e desindustrialização, a qual chamamos de situação colonial de novo tipo. A produção industrial hoje está cerca de 15% abaixo do pico de antes do início da crise de 2014-16; a participação da indústria de transformação no PIB é a menor em décadas.

As fábricas de automóveis no Brasil, todas elas montadoras de marcas multinacionais, tiveram inúmeros impactos durante essa longa crise e transformação econômica: aumento de custos; dificuldades de obtenção de insumos, como no caso atual dos semicondutores; queda no poder de compra da população e diminuição do mercado interno. Tentando sobreviver enquanto capital, em luta contra seus concorrentes, lançam mão de várias ações para saírem de tal situação que impacta negativamente seus lucros: mudanças tecnológicas e de produtos; deslocamento das plantas, como foi o caso da saída da Ford do Brasil; e, claro, arrocho aos que criam toda riqueza: os operários e as operárias.

Para isso, as montadoras têm recebido a ajuda sempre bondosa dos governos de plantão (do PT à Bolsonaro) e do estado como um todo. Também recebem ajuda dos pelegos, os primeiros a leiloarem as conquistas dos/as operárias/as para a continuidade da produção em patamares lucrativos e para sua sobrevivência enquanto burocracia sindical.

Vejamos alguns dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) que mostram os impactos da crise nas montadoras, assim como a ofensiva das mesmas contra sua força de trabalho.

Após queda de quase 2 milhões de veículos nas vendas anuais entre 2012 e 2016, o mercado de automóveis sofreu um novo baque no Brasil em 2020. Segundo o presidente da Associação:

As vendas ao mercado interno fecharam o ano de 2020 com 2.058.437 unidades, uma queda de 26,2%, que nos fez perder a sexta posição no ranking global para a França. A produção de 2.014.055 autoveículos encolheu 31,6%, deixando a indústria automobilística com uma ociosidade técnica de aproximadamente 3 milhões de unidades. No ranking global, fomos superados pela Espanha, caindo para a nona colocação. Já as exportações de 324.330 unidades foram as piores desde 2002, um retrocesso de quase duas décadas. Em valores, a receita do nosso setor de US$ 7,4 bilhões foi menos da metade dos US$ 15,9 bilhões exportados em 2017.

Mas esse discurso não mostra a reação das montadoras contra sua força de trabalho para recuperarem seus lucros. Elas têm aprofundado a exploração de sua força de trabalho para recuperarem seus lucros.

Após o pico de vendas, em meados dos anos 2010, o setor começou a impor “reestruturações”, demissões e perdas de conquistas às categorias de várias fábricas. À época, o governo petista e seus sindicatos satélites corroboraram abertamente com tal ofensiva, como foram os casos das assinaturas dos Acordos Coletivos Especiais e vários programas de “proteção ao emprego”, renovados e ampliadas nos governos seguintes.

Os pelegos, junto com as empresas, alimentavam a ilusão de que, caso os operários e as operárias se sacrificassem ainda mais pela empresa, entregassem suas conquistas, reduzissem seus salários, seus empregos seriam poupados. O que aconteceu, na realidade, foi não só essa perda de conquistas e salários como também uma redução enorme na força de trabalho. Os/as empregados/as na produção de automóveis, no início de 2014, eram 135 mil. Em setembro de 2021 chegaram a 102 mil, queda de 25% na força de trabalho, após anos de demissões em massa. Esse foi o real resultado da política pelega de subordinação ao patrão!

Ao mesmo tempo, com incorporações de novas máquinas e tecnologias, as fábricas aumentaram sua produtividade, ou seja, aumentaram a exploração dos/as operários/as, sobretudo no período do “governo dos trabalhadores” (sic!). Apesar da recente queda na produção, por conta da nova crise, o novo patamar de exploração alcançado pelas montadoras nos anos 2000 não foi alterado de forma significativa. Dividindo a produção mensal de veículos pelo número de empregados a cada mês, vemos que, até os anos 1990, um operário empregado nesse setor não chegava a produzir um veículo por mês; hoje em dia, ele produz de 1,5 a 2 veículos!

A GM está em crise desde 2008 – quando foi socorrida pelo estado capitalista dos EUA com aproximadamente US$ 50 bilhões –, passando pelas dificuldades em concorrer com rivais asiáticas pelo mundo, e por reestruturações constantes, eufemismo de intensificação da exploração dos/as operários/as. No início de 2019, houve uma forte chantagem da empresa, incluindo as fábricas da América do Sul e no Brasil, onde a empresa possui plantas em Gravataí (RS), São Caetano do Sul (SP), São José dos Campos (SP) e Joinville (SC). “Não vamos continuar investindo para perder dinheiro”, disse a presidente global Mary Barra, à época. No mesmo ano, essa mesma burguesa anunciava lucros bilionários da GM.

Na realidade, o capital não investe onde os lucros não estão a contento, sobretudo se há outras localidades mais lucrativas. Por isso, a ofensiva do patronato em rebaixar os salários e as condições de trabalho, no Brasil, para compensar as perdas advindas da forte crise e redução do mercado.

O mais recente ataque patronal na fábrica de São Caetano do Sul, que levou à greve, vem em plena recuperação dos lucros da GM a nível global. Recuperação que decorre inclusive de anos de ampliação de exploração. No primeiro trimestre deste ano, a GM obteve US$ 2,6 bilhões em lucro líquido, valor recorde para o período. Mas a América do Sul continua sendo uma das regiões que tem dado resultados piores à empresa – eis o motivo para continuar a ofensiva.

 

A luta sindical hoje no Brasil, a greve da GM de São Caetano do Sul e a necessidade de romper as amarras do sindicalismo pelego

A greve da GM ocorre em momento de refluxo da luta sindical. No primeiro semestre de 2021, o Sistema de Acompanhamento de Greves do DIEESE registrou 366 greves no país. Número que indica uma pequena melhora em relação ao mesmo período de 2020, que foi, por sua vez “o menor patamar de paralisações para os primeiros seis meses do ano na última década”.

A maioria absoluta das greves hoje é defensiva, tentando barrar uma piora ainda maior nas condições de vida. “92% das greves incluíram itens de caráter defensivo na pauta de reivindicações, ou seja, eram paralisações para proteger as condições de trabalho vigentes, ameaçadas por alguma situação; pelo respeito a condições mínimas de trabalho, saúde e segurança; ou contra o descumprimento de direitos estabelecidos em acordo, convenção coletiva ou legislação”.

Ainda segundo o DIEESE, as categorias de maior mobilização hoje são os rodoviários do transporte coletivo, trabalhadores de limpeza e serviços gerais e profissionais de enfermagem. Essa enumeração não considera categorias informais, como os entregadores de aplicativo, protagonistas de diversas paralisações e protestos no último período, como as recentes greves em várias cidades, sobretudo de São Paulo.

Nos últimos meses, a maioria dos reajustes das categorias formais não têm gerado aumentos reais. Ou seja, elas não têm nem conseguindo cobrir a forte perda no poder de compra causada pela inflação.

Esse quadro negativo, em primeiro lugar, ocorre pelo elevado e crônico desemprego. O patrão ganha em seu poder de barganha quando possui abundante força de trabalho no mercado disposta a aceitar trabalhar em condições rebaixadas para sobreviver. Também ocorre por conta do controle dos pelegos nas entidades sindicais, que há anos fomentam ilusões e a desorganização entre as massas trabalhadoras. A pandemia também dificultou a organização e protesto dos/as trabalhadores/as.

Porém, chega-se a um ponto que a realidade empurra para a luta, independentemente dos riscos e dos pelegos. Chega um ponto que acatar o chicote do patrão não é mais possível, e há resistência.

E essa é a razão da greve da GM de São Caetano do Sul. Nesta data-base, a empresa sequer se propôs a reajustar os salários pela inflação de imediato. Sua proposta era de pagar o reajuste apenas ano que vem, sem retroatividade. Além disso, amarraria a negociação salarial do ano que vem, com reajuste de apenas 50% do INPC, a ser pago em 2023!

Outro ataque que revoltou os/as trabalhadores/as foi a intenção de acabar com a estabilidade de emprego aos metalúrgicos com doenças ocupacionais, reduzindo os direitos daqueles que se acidentaram ou adoeceram enquanto se sacrificavam para dar lucro à empresa. Tal cláusula é um alvo constante dos patrões em várias categorias, pois impede uma maior rotatividade da mão de obra, o descarte daqueles que o capital já não consegue explorar na mesma intensidade do que antes do acidente ou doença.

A greve iniciou dia 1º de outubro, exigindo a permanência do acordo coletivo, vencido dia 31 de agosto, e um ganho real de 5% nos salários. A direção do sindicato, controlado pela peleguíssima Força Sindical, não teve como conter a recusa em parar a produção. Mas deixou bem clara sua intenção maior de que as coisas voltem em sua normalidade para o patronato. “Me coloquei à disposição [dos patrões e não dos trabalhadores!] no fim de semana [!!!]. Se eles [os patrões] quiserem apresentar uma proposta, eu levo para votar em assembleia às 6h de segunda-feira”, disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano. A pressa para que os lucros não sejam atingidos por operários e operárias que resolveram dizer um categórico “não!” é grande. Eis o papel do pelego: servir de defensor dos patrões entre os/as trabalhadores/as.

A greve recebeu solidariedade de outras plantas, como a de São José dos Campos, e apoio de sindicatos de metalúrgicos, como de Campinas. Rapidamente também apareçam nas assembleias os outros burocratas da Força Sindical, como o presidente da central e o deputado Peleguinho da Força.

Não demorou muito para que a empresa, que vive com discursos cínicos em defesa de seus “colaboradores”, entrasse na justiça pedindo a abusividade do movimento. A GM argumentou que “está fazendo todos os esforços para chegar a um acordo que seja bom para ambas as partes”. Ou seja, para um lado, lucros de bilhões de dólares, para o outro, salários sem nem reajuste inflacionário. E como forma de empenho na negociação, a empresa ainda pediu uma multa de R$ 100 mil reais por dia aos grevistas! Após uma negativa da justiça e alguns recuos da empresa, frutos da forte mobilização dos/as trabalhadores/as, a greve foi mantida, em uma demonstração de firmeza e de disposição para a luta de classe.

A greve foi completando duas semanas. No dia 13/10, a justiça evidenciou seu papel de classe: apesar de ratificar alguns recuos da empresa (reajuste e cláusula de estabilidade), indicando conquistas da mobilização, ameaçou a categoria com uma multa de R$ 50 mil por dia caso a greve continuasse. As ameaças da empresa também aumentaram para a volta aos postos de trabalho.

O sindicato pelego fez coro com a justiça e com o patrão descaradamente. O presidente do sindicato saiu a público dizendo: “Vamos explicar aos trabalhadores o que foi definido [pela justiça]. Temos de agir de forma coerente e que não ponha em risco o emprego deles, já que se a greve for considerada abusiva a partir de amanhã, eles podem ser demitidos”. Vimos acima que as últimas ondas de demissões ocorreram exatamente por conta de anos de “coerência” em favor do patrão!

Mesmo com toda campanha para amedrontar a categoria, com a justiça e o patrão já com novas armas em punho, as assembleias do dia 14/10 não foram unânimes: os relatos falam de uma parcela significativa de operários/as defendendo a continuidade da greve. O próprio presidente do sindicato assume a existência de tal parcela. O Diário do Grande ABC informou que “segundo o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano, Aparecido Inácio da Silva, o Cidão, uma parcela dos funcionários optou por não retornar ao trabalho mas, de acordo com o Aparecido, após encaminhamento de retorno do Sindicato, agora, ‘mais de 70% dos funcionários já estão retornando às atividades’”. Esse fato demonstra uma disposição considerável para travar embates ainda maiores, prosseguir na luta para arrancar ainda mais recuos do inimigo.

A greve na GM de São Caetano do Sul demonstrou que somente com organização e luta garantiremos nossas conquistas e defenderemos nossos interesses. Que nossos inimigos são os patrões, seu estado, e também os pelegos que se dizem nossos representantes. Que nossa força está em nós mesmos, por isso devemos nos preparar para batalhas maiores, contando com a solidariedade de outras categorias, reforçando a unidade pela base, aumentando nossa disposição e garra.

 

Toda solidariedade aos operários e às operárias da GM!

Resistir à ofensiva patronal!

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- 15/10/2021