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Conjuntura, Nacional

A vitória eleitoral de Lula e a ameaça bolsonarista, por Centro de Estudos Victor Meyer

A passagem do bastão na gestão estatal dos interesses do capital: o ministro da casa civil de Bolsonaro, Ciro Nogueira (um dos líderes do centrão e ex-apoiador do PT, quando chamava Bolsonaro de fascista), recebe o direitista Alckmin, sob as bênçãos da presidente do PT, para iniciar os trabalhos da equipe de transição.

Cem Flores

30.11.2022

Os camaradas do Centro de Estudos Victor Meyer (CVM) acabam de publicar sua avaliação das eleições presidenciais no Brasil e sua análise das perspectivas do futuro governo Lula-Alckmin, no documento “A vitória eleitoral de Lula e a ameaça bolsonarista”, que transcrevemos a seguir na íntegra. O texto é relevante por buscar fazer a análise da conjuntura atual partindo das classes e da luta de classes, assumindo a posição do proletariado e das massas trabalhadoras em sua luta contra o capital, seu aparelho de estado e seu sistema de dominação e exploração.


Leia nossas avaliações sobre as eleições de 2022

O primeiro turno das eleições burguesas de 2022. Lições para a luta proletária e comunista no Brasil, de 09.10.2022.

A vitória eleitoral de Lula-Alckmin, a reação da extrema-direita, fascista, e as tarefas das classes trabalhadoras e dos/as comunistas, de 18.11.2022


Os camaradas do CVM destacam o ressurgimento de um movimento extrema-direita, fascista, no Brasil, impulsionado por Bolsonaro. A existência de uma significativa base militante de extrema-direita, fascista, organizada e mobilizada, em geral buscando assumir a ofensiva política, é um fato da nossa conjuntura da luta de classes que deve ser levado em conta pelos/as revolucionários/as, pelo proletariado e pelas classes dominadas em sua luta e resistência contra o capitalismo brasileiro. Minimizar ou mesmo ignorar esse fato da realidade tem sido uma característica de boa parte da “esquerda” reformista e eleitoreira. Quando reconhecem a existência do fascismo é apenas como uma “justificativa” para sua ação exclusivamente institucional, de acordões e conchavos, vendendo ilusões de que as instituições e partidos burgueses bastariam para conter o avanço fascista e de que o capitalismo teria algo a dar às massas trabalhadoras.

Esse movimento fascista brasileiro ressurgido assume, como seu aspecto dominante, um caráter antissistema. Por um lado, é importante mostrar que isso se dá em oposição à “esquerda” mais legalista do mundo. Por outro lado, no entanto, é necessário reconhecer que isso ocorre pela debilidade da posição revolucionária, comunista, entre a classe operária e as demais classes exploradas.

Além do caráter antissistema, os camaradas do CVM identificam as principais bandeiras desse movimento fascista na defesa da propriedade privada, na pauta reacionária dos costumes, na reivindicação da violência (sua própria violência de classe, seja do aparelho repressivo de estado capitalista, seja das milícias, dos jagunços, ou ainda a violência armada dos “cidadãos de bens) e na hipócrita postura anticorrupção. A essas características do fascismo – ideologia pequeno-burguesa (e burguesa) do capitalismo apodrecido em sua fase imperialista – acrescentamos um visceral anticomunismo, “entendido em sentido amplo, como a ferrenha oposição a qualquer conquista ou forma de organização, mobilização e luta das massas trabalhadoras” ou contra qualquer coisa que se aproxime disso, ainda que seja a degenerada “esquerda” oportunista brasileira.

Contra esse inimigo de classe, a campanha da chapa Lula-Alckmin optou pelo jogo meramente institucional, eleitoreiro, praticamente sem mobilização: a “campanha petista foi apática, ancorada basicamente na defesa da democracia burguesa e na lembrança das melhores condições de vida do passado”. Isso significou uma campanha sem programa, sem propostas claras, baseada quase que exclusivamente na figura de Lula e na idealização dos seus governos passados. Analisamos o caráter de classe desses governos petistas e mostramos suas realizações “escondidas” aqui e aqui.

Os camaradas do CVM dão como exemplo disso a “proposta a revogação total da reforma trabalhista”, do início da campanha (feita apenas para “enganar” o PSol e similares, que precisavam dessa “justificativa” para aderir), logo substituída por revogar seus “marcos regressivos” e depois por “uma Nova Legislação Trabalhista que assegure direitos mínimos – tanto trabalhistas como previdenciários – e salários dig­nos, assegurando a competitividade e os investimentos das empresas”. Iniciada a “transição”, com suas quase 500 nomeações, isso parecia ter sido reduzido a “três pontos da lei: o restabelecimento do princípio da ultratividade, a limitação do trabalho intermitente para apenas algumas atividades e o fim da negociação direta entre patrões e empregados sem a participação dos sindicatos”.

Mas até isso pode ser “demais” para o governo Lula-Alckmin. No dia seguinte à publicação do texto do CVM o direitista Alckmin, chefe da transição, foi bastante claro e explícito: “Não tem nenhuma reforma a ser desfeita, nenhuma”, “A reforma trabalhista é importante. E reafirmou o credo liberal do futuro governo sobre a questão fiscal, que tem sido tema central desde a vitória eleitoral: “Podem acreditar, vai haver ajuste [fiscal]. E não em uma semana, vão ser quatro anos de ajuste”, “Eu não vou gastar mais do que eu arrecado, então eu preciso cortar gastos”.

Sobre as perspectivas para o governo Lula-Alckmin, os camaradas do CVM avaliam que o “novo governo nasce ‘emparedado’. Por um lado, pelas tendências de recessão mundial e de retorno do Brasil à estagnação em vigor desde 2014 pelo menos. Por outro, pelos seus conchavos com o centrão que parecem caminhar para a reeleição quase consensual do seu líder, Arthur Lira, à presidência da câmara dos deputados, com apoio do PT ao PL. O fundamental, no entanto, é a posição de classe burguesa do novo governo e suas alianças com as classes dominantes (a tal da “frente ampla”). Tudo isso para “deixar muito claro que os interesses fundamentais da burguesia seriam respeitados no novo governo”, além de constituir um “alerta para que o novo governo não rompa com os fundamentos da política econômica atual”.

Como conclusão de sua análise, os camaradas do CVM afirmam que “os trabalhadores não devem alimentar qualquer ilusão em relação a esse terceiro mandato presidencial de Lula. Para isso, é preciso romper com a situação de desorganização e de desmobilização atual. É preciso que a esquerda revolucionária, comunista, esteja presente nas lutas cotidianas das massas trabalhadoras, impulsionando suas lutas e resistências e estimulando sua organização própria e independente.

Como concluem os camaradas do CVM:

Todas as conquistas futuras só poderão ser alcançadas por meio da luta e nada virá de graça. O primeiro e essencial passo continua sendo a organização pela base nos locais de trabalho e de moradia, de forma independente”.

Só assim será possível acumular forças para poder pesar nas lutas de classes e essa será também a única maneira de deter a ameaça do avanço fascista no país”.

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Fatos & Crítica n° 39

A vitória eleitoral de Lula e a ameaça bolsonarista

Coletivo CVM

25/11/2022

Após a vitória de Lula no segundo turno das eleições, caminhoneiros bloquearam rodovias em vários pontos do país – seja por determinação de seus patrões, seja por vontade própria – e aguardaram as ordens de Bolsonaro, como já haviam feito no dia 7 de setembro de 2021.

Como há um ano, quando teve que baixar o tom e se desculpar pelas agressões verbais a um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o pronunciamento do líder decepcionou suas bases: Bolsonaro veio a público dois dias depois da derrota e, em rápido discurso, agradeceu a votação que recebeu e disse que as manifestações eram resultado do “sentimento de injustiça”. Porém, condenou o “cerceamento do direito de ir e vir” (ou seja, os bloqueios das estradas) e reafirmou o seu compromisso com a Constituição.

Depois do banho de água fria ocasionado pelo dúbio pronunciamento, agravado pela visita do capitão ao STF, na qual teria reconhecido a sua derrota eleitoral, os comunicadores bolsonaristas se recuperaram do choque e interpretaram a postura do “mito” como uma inteligente manobra de despiste, necessária para preparar os últimos detalhes do ansiado golpe militar.

Assim, atendendo à mensagem implícita no pronunciamento do presidente pela continuidade pacífica das manifestações, diminuíram o bloqueio nas estradas, mas passaram a acampar diante de quartéis de todo o país – contando com o apoio financeiro de empresas de transportes e de pecuaristas –, para mostrar aos militares recalcitrantes que o “povo” estaria dando suporte ao golpe. Bandeiras verde-amarelas e cantorias de hinos patrióticos, entretanto, não foram capazes de alterar a situação.

Também causou decepção entre os manifestantes o parecer do Ministério da Defesa, divulgado logo após o segundo turno das eleições. No mesmo estilo dúbio do capitão, negava a existência de fraudes na votação eletrônica, mas apontava a necessidade de seu aperfeiçoamento, deixando uma interrogação no ar.

Mais uma vez a imaginação interpretativa das lideranças bolsonaristas entrou em ação e as suas bases foram informadas de que os militares, com o parecer, haviam dado um verdadeiro xeque-mate no TSE. Porém, agravando a decepção, isso também não produziu qualquer deslocamento de tropas.

O fato é que as condições objetivas para um golpe militar bem-sucedido no Brasil ainda não existem. A classe dominante como um todo não está disposta a renunciar à sua dominação direta sobre o Estado, poder que exerce pelo controle do Parlamento e da Justiça (além do próprio Executivo, em diferentes esferas de poder).

A burguesia como um todo não tem razões para temer o proletariado – cujo movimento está em defensiva atualmente – e estima um terceiro mandato de Lula tomando como base a experiência dos seus dois primeiros (de 2003 a 2010), período no qual a acumulação de capital não foi minimamente ameaçada, muito pelo contrário.

Além disso, considerando as manifestações de apoio a Lula vindas de Biden e outros líderes internacionais, a classe dominante tem consciência de que um golpe militar isolaria o país do mundo e afetaria o curso normal dos seus negócios com o exterior.

Mas não se pode exigir que as lideranças bolsonaristas tenham a capacidade de fazer uma análise realista da situação conjuntural e, assim, elas continuam a apostar no sonhado golpe militar.

Ressurge um movimento fascista

No mesmo discurso lacônico em que acendeu uma vela para o santo e outra para o diabo, Bolsonaro saudou a existência de um movimento de direita no país e autonomeou-se como seu líder, bradando o lema “Deus, pátria e família”.

De fato, é preciso reconhecer que ressurgiu nos últimos anos no Brasil um movimento político fascista, embasado sobretudo nas camadas médias da sociedade. Como disseram Marx e Engels já nos idos de 1848, a pequena-burguesia luta para assegurar a sua existência, ameaçada pelo próprio desenvolvimento da sociedade capitalista. Em geral, essas camadas são reacionárias, pois tentam girar a roda da história para trás. Só são revolucionárias, quando sentem a sua iminente passagem para o proletariado, o que ocorre com alguns setores e em certas situações conjunturais.

Muito tempo depois de 1848, nos anos 1920 e 30, a pequena-burguesia veio a fornecer a base de massas e as lideranças para o fascismo italiano e o nazismo alemão, época em que pôde usufruir das migalhas produzidas pelas políticas racistas e nacionalistas, que atendiam de fato e principalmente aos interesses imperialistas do grande capital dos respectivos países.

Mas o fenômeno de movimentos de massa fascistas ou de direita não é nada novo no Brasil: basta lembrar o integralismo dos anos 1930, o udenismo e o lacerdismo dos anos 1950 e 60 e a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, que deu sustentação civil de massas para o golpe militar de 1964.

Também não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Com a crise econômica generalizada afetando as condições de vida da pequena-burguesia em todo o mundo – e o fracasso dos partidos democrático-burgueses (de direita ou de esquerda) de dar respostas a ela –, os fascistas aparecem como lutadores “antissistema” e preenchem o vácuo produzido pela inexistência de uma esquerda que defenda o socialismo como a única saída para os impasses atuais, econômicos, sociais e mesmo ambientais.

A composição social desse novo movimento fascista no Brasil compreende sobretudo a pequena e média burguesias, urbanas e rurais. Abriga membros dos aparelhos repressivos oficiais e das milícias, caminhoneiros autônomos, grileiros e garimpeiros ilegais. Importante destacar que atrai também parte do proletariado, aquela dominada nos bairros populares pela ideologia propagandeada pelas igrejas neopentecostais.

O ideário disseminado pelos fascistas inclui o medo visceral de que o comunismo venha a retirar-lhes as propriedades, quer elas existam de fato ou sejam apenas um sonho a ser conquistado depois de muito esforço, provavelmente com a ajuda de Deus. O medo da expropriação, mesmo que esta seja atualmente uma possibilidade remota, fornece-lhes a energia que os impele ao movimento.

Para eles, vítimas de uma espécie de paranoia coletiva, o PT no poder representaria uma ameaça à sua existência enquanto classe.  Assassinar 30.000 esquerdistas, como propôs o “mito” certa vez, não lhes parece má ideia, se o objetivo for a preservação de sua propriedade.

Outros aspectos da ideologia fascista no Brasil são a defesa de uma pauta reacionária em relação aos costumes, do uso de violência letal na segurança pública e a crítica ao “sistema”, ou seja, aos “políticos”, ao judiciário e à grande imprensa. Apresentam-se como combatentes intransigentes contra a corrupção – desde que a sua origem esteja no PT –, e abraçam a ideologia do empreendedorismo e da busca da prosperidade como saídas para o desemprego e para a crise.

O movimento fascista no Brasil seria mais perigoso se fosse mais bem organizado. Algumas células nazistas em Santa Catarina não bastam e não são representativas. O movimento atual é mobilizado fundamentalmente pelas redes sociais, mas isso não é suficiente. Bolsonaro não é, porém, um homem de partido. Fracassou em criar um e já se serviu de vários em sua trajetória política, os últimos dos quais foram o PSL (em 2018) e agora, o PL.

Ocorre que esse tipo de partido tem dono e abriga os fascistas apenas na medida em que possa auferir algum lucro ou vantagem. A tendência é que, com a força gravitacional do novo governo, os partidos ditos “fisiológicos” acabem mudando mais uma vez de posição e se coloquem a serviço das novas forças políticas dominantes.   

Apesar de sua atual debilidade organizatória, não se pode descartar que os fascistas levem a cabo uma tentativa desesperada de golpe de estado, contando com a participação de militares bolsonaristas, e que este seja anulado e malogre, em função da ausência de condições objetivas. O mais provável, entretanto, é que, esgotadas as suas esperanças e energias, o movimento de massas fascista absorva a derrota e reflua gradativamente, no curto prazo.

Certamente voltará mais adiante, aproveitando as contradições da Frente Ampla de Lula, ou se a movimentação da classe trabalhadora vier a ameaçar, como em 1964, o domínio social da burguesia. Neste último caso, os fascistas poderão servir de massa de manobra para um novo golpe militar, dessa vez com condições de sucesso.

Considerando ainda o alto nível de radicalização e ódio que o movimento fascista cultivou entre seus componentes, também não se pode descartar que os seus elementos mais violentos e reacionários venham a preparar no futuro atos terroristas, nos moldes do atentado do Riocentro, com o objetivo de provocar uma reação militar.

O resultado eleitoral

Lula obteve no primeiro turno 48,4% dos votos válidos, enquanto Bolsonaro alcançou 43,2%, percentagem que contrasta com aquela que havia sido atribuída pelas pesquisas eleitorais pouco antes do pleito, que era de apenas 36%. Tudo indica que a tática do “voto útil” no primeiro turno, defendida pelo PT, acabou por produzir uma migração de votos dos eleitores de Ciro Gomes e de Simone Tebet na direção oposta à pretendida.

O movimento do centro e da direita em direção ao candidato da extrema direita prosseguiu no segundo turno, quando Lula alcançou 50,9% dos votos válidos e Bolsonaro, 49,1%, mostrando que o capitão atraiu mais votos nessa etapa do que o petista.

Não fosse a quantidade extraordinária de votos que obteve no Nordeste (69,3% dos votos válidos), Lula não teria sido eleito. De 2003 a 2013, os investimentos e as políticas compensatórias dos governos do PT levaram o Nordeste a crescer em média 4,1% ao ano, mais do que a média nacional, que foi de 3,3%. A melhora relativa das condições de vida na região, proporcionada por essas políticas, ajuda a explicar a enxurrada de votos a favor de Lula.

A pequena-burguesia pendeu majoritariamente para a candidatura de extrema direita, principalmente no Sul, no Centro-Oeste e no interior de São Paulo, regiões onde tem grande relevância o agronegócio e as pequenas e médias propriedades urbanas e rurais. Na Grande São Paulo, a periferia ocupada pelas massas trabalhadoras inclinou-se para Lula, enquanto os bairros ricos centrais votaram em Bolsonaro. No Rio de Janeiro, ao contrário, a periferia da Zona Oeste – dominada pelas milícias e igrejas neopentecostais – votou majoritariamente no capitão, enquanto a pequena-burguesia das Zonas Sul e Norte preferiu Lula.

Nas eleições parlamentares, o caráter reacionário da representação se acentuou ainda mais, tendo o atual partido de Bolsonaro (PL) conquistado a maioria relativa na Câmara dos Deputados, com 99 cadeiras. Figuras da direita tupiniquim, como os generais Mourão e Pazuello, a mística Damares Alves e os líderes da Operação Lava-Jato, tiveram expressivas votações e foram eleitos.

Como explicar tamanho sucesso eleitoral da extrema direita?

Em primeiro lugar, houve um pequeno crescimento econômico, previsto para alcançar 2,7% neste ano, e uma queda no índice de desemprego para 8,7%. O número ainda é muito alto, pois atinge cerca de 9,5 milhões de pessoas, porém é o menor desde 2015. Foi observado também um pequeno aumento na renda média do trabalhador e um recuo da inflação em bases anuais para 6,85%, por conta principalmente da retirada dos impostos sobre os combustíveis.

Em segundo lugar, Bolsonaro e as raposas políticas do Centrão viabilizaram o aumento do Auxílio Brasil (sucessor do Bolsa Família) para R$ 600,00 por mês até o final deste ano, atingindo em cheio o período eleitoral e explodindo o sacrossanto teto de gastos, em busca de votos junto à população mais pobre, reduto político tradicional de seu concorrente, em especial no Nordeste.

Em terceiro lugar, como retribuição ao apoio político do Centrão, Bolsonaro já havia viabilizado o “orçamento secreto” e irrigou os parlamentares governistas com vultosas verbas para projetos em suas bases eleitorais (e, como “ninguém é de ferro”, para atender também a suas necessidades pessoais). Isso lhe garantiu uma forte base de apoio em nível local.

Em quarto lugar, a já referida diminuição dos preços dos combustíveis beneficiou de imediato a tradicional base de caminhoneiros que apoia Bolsonaro. Coube a ela ainda um bônus suplementar de R$ 1.000,00 por mês, válido até o final do ano, extensivo também aos taxistas de todo o país.

E por último, complementando a compra escancarada de votos, ocorreu a ameaça pura e simples: foram denunciados pela imprensa diversos atos de assédio patronal contra os trabalhadores nas empresas, ameaçados de perderem o emprego no caso da derrota de Bolsonaro. Também sofreram constrangimentos os eleitores que utilizavam os ônibus para se deslocarem pelas rodovias do Nordeste para votar, bloqueados nas estradas pela Polícia Rodoviária Federal, à guisa de uma fiscalização de tráfego “de rotina”.

Que esperar do governo de Frente Ampla?

Para enfrentar Bolsonaro nas urnas, o PT constituiu no primeiro turno uma frente com partidos de esquerda e de centro e apresentou Geraldo Alckmin (ex-candidato presidencial do PSDB em eleições passadas) como candidato a vice-presidente, de forma a deixar muito claro que os interesses fundamentais da burguesia seriam respeitados no novo governo. Manobra semelhante já havia sido feita nas eleições de 2002 e 2006, quando um grande empresário da indústria têxtil, José Alencar, ocupou o posto de vice de Lula. Em 2010 e 2014, Michel Temer cumpriu esse papel de garantidor da ordem burguesa.

No segundo turno eleitoral, a frente que já era ampla tornou-se amplíssima com o apoio dos candidatos derrotados Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT) e de diversas personalidades do mundo burguês, como os economistas autores do Plano Real.

Confiante nas pesquisas eleitorais que davam a vitória a Lula e limitada pelo caráter de suas alianças, a campanha petista foi apática, ancorada basicamente na defesa da democracia burguesa e na lembrança das melhores condições de vida do passado, com debates televisivos de baixíssimo nível, em que as trocas de acusações pessoais mútuas foram a tônica.   

A menos das promessas de manutenção dos R$ 600,00 do Bolsa Família / Auxílio Brasil e da elevação real do salário-mínimo – aliás incorporadas rapidamente também pela plataforma do adversário –, a campanha de Lula não se pautou pela defesa dos interesses básicos dos trabalhadores.

Falou-se em aumento real do salário-mínimo, mas evitou-se o compromisso com um valor que cubra minimamente as necessidades de subsistência de uma família, conforme o cálculo do DIEESE; nada foi dito sobre a recuperação do poder de compra dos salários com o aumento da inflação; nem sobre a redução progressiva da jornada de trabalho; nada sobre o fim da lei de greve e nada contra o atrelamento dos sindicatos ao Estado.

Embora no início da campanha tenha sido proposta a revogação total da reforma trabalhista do governo Temer, a equipe de transição do novo governo já reduziu a pretensão a apenas três pontos da lei: o restabelecimento do princípio da ultratividade, a limitação do trabalho intermitente para apenas algumas atividades e o fim da negociação direta entre patrões e empregados sem a participação dos sindicatos. Esses pontos são importantes, mas muito insuficientes.

Vencida a eleição, a força gravitacional dos cargos e recursos financeiros do futuro governo começa a atrair mais partidos da direita para a formação de uma maioria parlamentar no Congresso Nacional. Assim, PSD, União Brasil e siglas do Centrão como os Republicanos (leia-se Igreja Universal) vão um a um fazendo fila para oferecer seus préstimos e negociar o apoio e a participação no novo governo.

E a frente amplíssima adquire uma conformação política cada vez mais de centro-direita. A participação de Geraldo Alkmin na condução da equipe de transição, o afastamento do keynesiano Guido Mantega, após ter trabalhado para impedir a candidatura do neoliberal Ilan Goldfajn para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e as críticas da imprensa às declarações de Lula sobre o mercado financeiro mostram que o novo governo nasce “emparedado” e que a política de conciliação de classes será de dificílima execução.

As perspectivas cada vez mais visíveis de recessão mundial, com a diminuição do crescimento econômico na China e na Europa – agravado pela continuidade da pandemia e pelas consequências da guerra da Ucrânia –, levaram a uma previsão de crescimento do Brasil em 2023 de apenas 1%, segundo o FMI. Isso será insuficiente para baixar os altos níveis atuais de desemprego e representará uma forte restrição aos aumentos reais de salários.

No momento, a disputa no interior da amplíssima coalizão vencedora das eleições está centrada em resolver a contradição entre o desejado aumento dos gastos sociais, prometido na campanha eleitoral, e a obediência ao teto de gastos exigido pela política de austeridade fiscal. A carta subscrita por Armínio Fraga e outros economistas neoliberais que apoiaram a candidatura de Lula é um alerta para que o novo governo não rompa com os fundamentos da política econômica atual, o que significa restringir consideravelmente os gastos sociais.

A equipe de transição do novo governo pretende retirar os recursos reservados para o Bolsa Família do orçamento e, assim, liberar o saldo para empreender uma política keynesiana de investimentos públicos, com ênfase na indústria da construção civil. Procurará também atrair recursos internacionais para a preservação da Amazônia. Mas isso tudo será insuficiente para reverter a tendência à estagnação que a economia brasileira vem apresentando desde 2014, pelo menos.

Considerando a composição política do novo governo e as forças sociais que o apoiam, os trabalhadores não devem alimentar qualquer ilusão em relação a esse terceiro mandato presidencial de Lula. Todas as conquistas futuras só poderão ser alcançadas por meio da luta e nada virá de graça. O primeiro e essencial passo continua sendo a organização pela base nos locais de trabalho e de moradia, de forma independente.

Só assim será possível acumular forças para poder pesar nas lutas de classes e essa será também a única maneira de deter a ameaça do avanço fascista no país.

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- 30/11/2022