CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Destaque, Nacional

O fascista Bolsonaro é amigo dos patrões e inimigo das classes trabalhadoras! (1ª parte)

Estagnação com carestia, alto desemprego e superexploração das classes trabalhadoras levou aos superlucros dos patrões e à fome das massas exploradas, além do aumento da repressão e da violência. Esse é o Brasil de Bolsonaro e da burguesia.

Cem Flores

05.08.2022

Como afirmamos no começo de junho, a economia brasileira está estagnada, sem conseguir superar a grande recessão de quase dez anos atrás (2014-16). A crise do capital no Brasil decorre tanto da sua posição dominada no sistema imperialista mundial, cada vez mais dependente dos voláteis ciclos internacionais de commodities, quanto de suas contradições capitalistas internas. Isso se reflete em produtividade do trabalho estagnada há décadas e numa indústria com cada vez menos peso na economia. Sobre essa situação se abateu, desde 2020, a pandemia de Covid-19 e, a partir do ano passado, a carestia – principalmente de alimentos, combustíveis e energia, agravando as perdas do poder de compra da massa trabalhadora –, combinada com um enorme aumento dos juros.

As consequências para as classes trabalhadoras dessa longa crise do capital são terríveis: por volta de 25 milhões de trabalhadores/as na taxa de desemprego ampla e quase 40 milhões de informais. A perda do poder de compra dos salários é forte e generalizada. Como consequência necessária dessas características do capitalismo na atual conjuntura, algo como 125 milhões de trabalhadores/as têm algum nível de “insegurança alimentar”, dos quais 75 milhões não têm dinheiro suficiente para comprar a comida necessária para sustentar suas famílias e por volta de 45 milhões não conseguem nem carne, nem feijão ou arroz. O outro lado da moeda do capitalismo é a exploração, a miséria e a fome.

Enquanto isso, o aumento da exploração dessas mesmas classes trabalhadoras, a maior quantidade de mais-valia deles/as roubadas, alimenta o crescimento da quantidade de bilionários do país e o aumento das taxas de lucro, que no ano passado parecem ter batido todos os recordes desde pelo menos 2010.

Como concluímos naquela análise: “Repetindo: em 2021 se registrou a maior taxa de lucro da década para o grande capital e o maior nível de fome dos últimos 30 anos para as classes trabalhadoras!


Leia nosso documento sobre a conjuntura econômica recente do Brasil:

Brasil: o “paradoxo” de uma economia estagnada com lucros crescentes, de 10.06.2022


Não é nenhuma coincidência que isso esteja acontecendo no governo Bolsonaro, que representa a ampliação da ofensiva burguesa em todas as frentes (econômica, ideológica, repressiva) contra a classe operária e demais classes dominadas.

  1. Bolsonaro: a facção de extrema-direita, fascista, da burguesia no poder

Após mais de três anos e meio, ainda há na “esquerda” reformista aqueles que hesitam em caracterizar Bolsonaro e sua corja de apoiadores de extrema-direita como fascistas. Possivelmente, contribui para essa vacilação não terem que ser obrigados a levar sua análise às últimas consequências na definição das formas de luta contra o fascismo – que não são as disputas meramente institucionais e eleitoreiras.

Nós do Cem Flores, desde a campanha de 2018 identificamos Bolsonaro e sua corja como o “candidato fascista, de extrema-direita, no texto “As eleições de 2018 e a necessidade de continuar e aprofundar a resistência das classes dominadas”, de outubro de 2018, reproduzido no nosso livro digital “Governo Bolsonaro: ofensiva burguesa e Resistência Proletária”, de maio de 2019. Essa facção de extrema-direita, fascista, da burguesia e da pequena burguesia brasileiras, com forte apoio militar, representa o reforço e a continuação, sob novo formato, dessas tendências capitalistas que marcaram o integralismo dos anos 1930, a ditadura Vargas de 1937-45, o golpismo dos anos 1950-60 e a ditadura militar de 1964-85. No Brasil, essa extrema-direita, fascista, também descende econômica, política e ideologicamente dos proprietários escravocratas dos quase quatro séculos de escravidão na colônia e no império.

Quando falamos de fascismo é imprescindível não tergiversar e deixar claro que se trata de uma ideologia burguesa, capitalista. Como diziam, há quase 100 anos, as Teses do 6º Congresso da Internacional Comunista: “A marca característica do fascismo é que, no momento da quebra do sistema econômico capitalista, … a burguesia se aproveita do descontentamento da pequena e da média burguesia urbana e rural e ainda de certas camadas do proletariado, para criar um movimento de massas reacionário”. Na apresentação do livro digital “Governo Bolsonaro: ofensiva burguesa e Resistência Proletária”, tratamos dessa característica e o objetivo de Bolsonaro, explicitando o:

caráter de classe burguês do governo Bolsonaro … um governo que dá continuidade à dominação capitalista no Brasil, buscando adequá-la aos novos tempos de crise, necessariamente tempos de maior exploração e repressão. Ou seja, Bolsonaro é mais um coordenador da recente ofensiva burguesa vivenciada em nosso país”.

Essa função da extrema-direita, do fascismo, como instrumento de avanço da ofensiva burguesa na sua luta de classes contra o proletariado e as demais classes dominadas é evidente nos últimos anos. Seus resultados têm sido:

  • No campo econômico: o aumento das taxas de lucro e de exploração, o avanço do programa hegemônico da burguesia com as “reformas” (trabalhista, previdenciária, privatizações) e a “boiada” representando a eliminação dos entraves à acumulação de capital a mais predatória;
  • No terreno ideológico: o reforço do “anticomunismo”, entendido em sentido amplo, como a ferrenha oposição a qualquer conquista ou forma de organização, mobilização e luta das massas trabalhadoras; e do conservadorismo/reacionarismo, ideologia que, ao menos no Brasil, inclui racismo, misoginia e homofobia;
  • Politicamente: a capacidade do movimento bolsonarista de se manter na ofensiva, com a constante mobilização de sua base, dominando as ruas, reais e virtuais, na maior parte dos últimos anos, e impondo suas pautas – e também causando o recuo do movimento de massas; além da capacidade do governo Bolsonaro, juntamente com a representação burguesa no congresso, para implementar suas pautas de classe e eleitoreiras; e
  • No aspecto repressivo: o reforço do aparelho repressivo de estado capitalista (sejam as forças armadas, as polícias, as milícias, os jagunços etc.) contra a organização, a mobilização e a resistência das massas trabalhadoras na cidade e no campo, bem como o forte armamento de sua base militante.

O bolsonarismo tem claramente estimulado o crescimento de um movimento fascista no país, seu aliado político e de classe – movimento fascista brasileiro que nunca deixou de existir, é importante explicitar. Já em 1998, Bolsonaro defendeu a escolha de Hitler como “personalidade histórica mais admirada” por um aluno do Colégio Militar de Porto Alegre, justificando que “eles têm que eleger aqueles que souberam, de uma forma ou de outra, impor ordem e disciplina”. Além disso, há ligações comprovadas entre Bolsonaro e grupos neonazistas desde, pelo menos, 2004. Com esse apoio velado ou explícito, de 2019 a 2021, foi registrado “aumento de 258% no número de pessoas que passaram a integrar grupos neonazistas. São cerca de 10 mil novos militantes nos 52 grupos organizados em 530 células e que estão distribuídos nas cinco regiões do Brasil”, de acordo com pesquisadores da USP.

No governo, o fascismo bolsonarista pode ser visto, de forma explícita, no discurso no qual seu secretário de cultura imitou o líder nazista Goebbels, em 2020; no gesto visto como supremacista branco do seu assessor especial em sessão no senado, em 2021; no desfile fake de “camisas negras” em frente à sua casa no dia do seu aniversário, em 2021; nas motociatas que imitam o estilo fascista italiano, de Mussolini; e na assinatura da carta após as manifestações da extrema-direita em 7 de setembro de 2021 com o lema integralista “Deus, Pátria, Família”.

Manifestação da facção de extrema-direita, fascista, da pequena burguesia em apoio a um golpe militar de Bolsonaro, em frente ao quartel-general do exército em Brasília, em 28.06.2020 – dois meses após comício de Bolsonaro, no mesmo local, defendendo o mesmo.

Nos últimos anos, a facção de extrema-direita, fascista, da pequena burguesia também se reforçou ideologicamente com a união dos discursos “anticomunista” e anticorrupção – ambos tendo como bode expiatório  os governos oportunistas do PT – e com a utilização profissional (e bem remunerada) das redes sociais pelo núcleo bolsonarista, seu “partido digital” ou “gabinete do ódio”.

Além disso, cresceu no recuo da “esquerda” institucional e eleitoreira, na sabotagem que por décadas ela vem fazendo na organização das classes trabalhadoras (posto que o interesse do reformismo é servir à burguesia), contribuindo para deixá-las política e praticamente impotentes ante a ofensiva dessa extrema-direita, fascista.

Além do apoio ideológico, político e material do bolsonarismo – e do financiamento do grande capital e do governo, é claro –, o crescimento do movimento fascista no Brasil também tem como causa a própria crise econômica da última década. Para a pequena burguesia, uma crise dessa magnitude representa uma ameaça concreta de queda das suas condições de vida ou mesmo de proletarização. Diante dessas ameaças, uma facção da pequena burguesia se vira à extrema-direita e ao fascismo como forma de reprimir as massas trabalhadoras, aumentar sua exploração e manter sua diferenciação de classe. Esse sentimento de classe fundamenta materialmente a ideologia do anticomunismo, característica inseparável do fascismo enquanto ideologia burguesa.

No final de 2018 também já havíamos identificado que a extrema-direita, fascista, bolsonarista se enquadrava numa corrente internacional que se fortalecia:

ascensão [da extrema-direita] não se encerra em nossas fronteiras, pelo contrário, tem semelhanças com outros casos no cenário internacional. Afinal, não é apenas no Brasil que organizações e candidaturas de extrema-direita ou mesmo abertamente fascistas têm se consolidado enquanto alternativas políticas do imperialismo desde sua última, profunda e inacabada crise”.

Nos últimos anos as conexões internacionais do bolsonarismo se ampliaram, com um de seus filhos sendo nomeado chefe do movimento de Steve Bannon na América Latina, como consequência das suas íntimas relações com Trump – que podem levá-lo, inclusive, a ser processado nos EUA por participação no planejamento da invasão do Capitólio; com a visita de Bolsonaro à Hungria de Orbán, que se prontificou até a ajudar (?) na sua campanha de reeleição; o encontro com o polonês Duda e as relações com Salvini, na Itália; com os eventos conservadores internacionais em São Paulo, nos quais têm participado representantes da extrema-direita da América Latina e do mundo, notadamente da Argentina (Milei) e do Chile (Kast) neste ano; com o apoio explícito da extrema-direita reacionária dos EUA e mesmo com a recepção presidencial à neta de um ministro do nazismo alemão e dirigente neonazista.

Como concluímos no nosso documento “Avaliação da Conjuntura Política Atual do Brasil”, de outubro de 2021, não se trata de “uma dezena de casos ‘isolados’, mas se fortalecem articulações internacionais unindo diversos deles [representantes da extrema-direita, fascista, ao redor do mundo]”.

É preciso ter claro, portanto, que Bolsonaro e o bolsonarismo representam a facção de extrema-direita, fascista, da burguesia e da pequena burguesia. Seu papel é o de aprofundar a dominação burguesa, numa conjuntura de crise prolongada, eliminando os entraves à exploração das classes dominadas e à acumulação de capital e sendo tropa de choque contra qualquer resistência dos dominados – daí o seu apoio maciço dentre a burguesia. Bolsonaro e o bolsonarismo fortalecem os movimentos de extrema-direita, fascistas e neonazistas, que passaram a deter a iniciativa na luta de classes no país e a avançar com sua cruzada burguesa reacionária em todas as frentes. Não há nenhum sinal de contenção de fato de sua ofensiva diante de quaisquer obstáculos institucionais, seja a legislação em vigor, seja o poder judiciário, ou mesmo a perspectiva de uma derrota eleitoral.

A única forma comprovada de combater e vencer o fascismo, a saber, a unidade, a resistência e a luta das classes trabalhadoras, parece muito frágil no momento, aquém da magnitude necessária para esse combate, após décadas de refluxo reformista e pelego, apesar de corajosos exemplos como o #EleNão, em 2018, e os  atos antifascistas e antirracistas que percorreram várias cidades do país, em 2020.

Concentração de manifestantes antifascistas no metrô de São Paulo, em 31.05.2020. A convocação deste e de outros atos na época foi realizada por torcidas organizadas de futebol como resposta às manifestações bolsonaristas.

  1. O braço armado da extrema-direita, fascista, no aparelho repressivo de estado (ARE) capitalista brasileiro

Também reforçando o anticomunismo, o autoritarismo e a ofensiva repressora do bolsonarismo estão as suas íntimas ligações com as forças armadas, as polícias e as milícias – e as crescentes ações diretamente políticas de todos esses componentes do aparelho repressivo de estado (ARE) capitalista. Ainda em 2014, Bolsonaro compareceu a uma cerimônia de formatura de oficiais na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), autorizado pelo alto comando do exército, e fez um discurso político, sendo aplaudido pelos formandos. Em 2015 e 2017, o general Mourão fez seguidos discursos golpistas – e como reconhecimento e recompensa acabou virando candidato a vice, com o beneplácito, novamente, do alto comando do exército. Após o tuite eleitoral de 2018 do então comandante do exército, mais uma vez discutido com todo o alto comando, Bolsonaro o elogia em público, no começo do seu mandato, afirmando que “o que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”. Para compor sua chapa presidencial em 2022 Bolsonaro chamou outro general quatro estrelas, Braga Netto, alavancado por Dilma como coordenador geral da assessoria especial para os jogos olímpicos, de 2013 a 2015, e interventor federal no Rio de Janeiro sob Temer, em 2018. No governo Bolsonaro, foi o ministro da casa civil responsável, junto com o general Pazuello, pela sabotagem governamental no combate à pandemia, e o ministro da defesa nomeado na “crise militar” de 2021.

Fonte: William Nozaki. A Militarização da Administração Pública no Brasil, de maio de 2021. Ver também estudo preliminar do Ipea.

Alavancados com a ocupação de mais de 6 mil cargos civis no governo – dos quais 1,5 de forma irregular e mais de 800 com salários (dobrados!) acima do limite legal, conforme relatório da Controladoria Geral da União (CGU) – os militares têm sido um dos esteios do governo Bolsonaro, além da corja de extrema-direita, fascista, e do centrão, parcela hegemônica da representação parlamentar da burguesia brasileira. Nessa condição os militares administram ministérios, estando presentes em praticamente todos; dirigem agências reguladoras e empresas estatais; e estão sempre prontos a serem trocados, “seis por meia dúzia”, como já aconteceu inúmeras vezes, inclusive na chamada “crise militar” de março de 2021. Além disso, em não poucos momentos os militares têm assumido explícito protagonismo político em defesa de Bolsonaro contra as instituições da democracia burguesa, como na CPI da Covid – quando se apresentaram como fator essencial da estabilidade do País” e de defesa da democracia e da liberdade; ou atualmente, nos seguidos e constantes ataques ao TSE, às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral. Em todos os casos, os ataques foram dirigidos diretamente pelo general de exército que ocupa o ministério da defesa, em conjunto com os comandantes das três forças armadas. Em suma, todas as informações disponíveis apontam para a permanência do apoio, em bloco, das forças armadas a Bolsonaro, como o mesmo projeto de poder.

Em relação à politização das polícias militares estaduais, basta recordar seus mais de 8 mil candidatos nas eleições de 2020, dos quais mais de 80% alinhados à direita. Bolsonaro também mantém forte e amplamente majoritária base política nas polícias, apoiando motins, como o de 2017 no Espírito Santo e o de 2020 no Ceará, ou projetos de reestruturação para reduzir a subordinação a governadores e ampliar seu papel de força de reserva das forças armadas e a subordinação ao presidente – sem falar no pacote repressivo da “licença para matar”, articulado por Moro enquanto ministro da justiça. Essas ligações de Bolsonaro se ampliam para o que chamamos de ARE “semiclandestino”, em especial as milícias, em grande parte formadas por policiais ou ex-policiais. Em 2003, o então deputado discursava a favor dos grupos de extermínio. O mapeamento dessas relações pode ser lido aqui e aqui.

Completam esse apoio armado à extrema-direita, fascista, as inúmeras medidas de liberação de porte de armas, com enfraquecimento do seu controle e rastreabilidade pelo exército e polícia federal. Como resultado, as licenças para armas aumentaram 474% no governo Bolsonaro, superando 670 mil pessoas autorizadas. As estimativas oficiais são de estoque de 4,4 milhões de armas no país, o que deve ser apenas uma fração da quantidade real. Os grupos armamentistas devem apresentar dezenas de candidatos às eleições deste ano, de forma organizada e planejada. O armamento da base bolsonarista de extrema-direita, fascista, amplia ainda mais seus laços com todos os componentes do ARE e sua ofensiva na luta de classes.

  1. A ofensiva burguesa do bolsonarismo, da extrema-direita e do fascismo, é ao mesmo tempo institucional e “antissistêmica”

Como afirmamos no nosso texto “Avaliação da Conjuntura Política Atual do Brasil”, de outubro de 2021, o Brasil passa por profundas crises gêmeas, econômica e política, iniciadas em 2013-14 e ainda sem perspectivas de término. No seio dessas crises – e dos seus fatores específicos como a operação lava-jato, o impeachment de Dilma, a impopularidade de Temer e a prisão de Lula – Bolsonaro foi eleito em 2018. Analisando seus primeiros três anos de governo afirmamos então que a “eleição de Bolsonaro não resolveu, sob nenhum aspecto, a crise política da qual sua eleição é, ao mesmo tempo, efeito e sintoma. Pelo contrário, ela causou seu agravamento a um novo patamar”.

Para esse agravamento da crise política contribuiu de maneira bastante significativa uma característica específica de Bolsonaro no poder, sua dualidade. A dualidade entre ser governo, por exemplo ao autorizar o pacote de emergência e a compra de vacinas durante a pandemia de Covid, e de se comportar como se não fosse, ao sabotar ao máximo esses seus próprios atos governamentais. Os dois lados opostos/unidos de ser “sistema”, avançando nas propostas do programa hegemônico da burguesia, e de ser “antissistema”, estimulando sua corja de apoiadores na ofensiva autoritária e golpista. O paradoxo de ser institucional, ao atuar como representante político da burguesia em seu conjunto, realizando seu governo de classe, e de ser anti-institucional, ao fomentar toda a sorte de conflito institucional, anarquia e caos.

Essa dualidade é radicalmente diferente de tudo o que caracterizou os pouco mais de 20 anos de poder do consórcio PSDB-PT (1995-2016). Essa diferença acaba também dificultando a própria oposição institucional que a “esquerda” reformista busca fazer contra Bolsonaro. Basta ver o exemplo recente, de como quase todos os parlamentares petistas e dos demais partidos aliados ao PT aprovaram o pacote eleitoreiro que fortalece Bolsonaro, ao serem colocados em xeque pelo governo.

A dualidade também dá a Bolsonaro muitos graus de liberdade na busca de seus objetivos, que definimos no nosso documento sobre conjuntura política como:

Politicamente, o ‘programa’ de Bolsonaro e de seu núcleo de extrema-direita, fascista, sempre foi um governo autoritário, com o máximo de poderes centralizados no presidente, ao qual deveriam se submeter todos os demais poderes, o aparelho repressivo e quem quer que seja”.

A aposta de Bolsonaro é, e sempre foi, na consolidação de um regime autoritário e repressivo, baseado nas forças armadas e nas polícias, com algum apoio ‘popular’, encabeçado por si mesmo”.

Por essas razões erram, a nosso ver, aqueles que desconsideram esse aspecto da dualidade de Bolsonaro no poder, o seu caráter de governo, de sistema, institucional. Nesse erro incorre a “esquerda” reformista que transfere para a análise do governo Bolsonaro seus próprios objetivos de gestão do capitalismo brasileiro. É fato que Bolsonaro não age como os governos do PSDB-PT e que nunca se interessou por “políticas públicas” e “gestão governamental” – temas que enchem os olhos da “esquerda” reformista. Mas ainda assim foi necessário (tentar) minimamente governar, tanto para atender às demandas de sua base de extrema-direita, fascista, como no caso das armas, quanto aos interesses mais gerais da burguesia.

  1. Bolsonaro enquanto governo, sua face institucional

Bolsonaro é e age como governo principalmente ao avançar na implementação do programa hegemônico da burguesia, como na reforma da previdência, nas privatizações, na “boiada” etc. Nesse aspecto, ele é um governo burguês como foram todos os demais, um instrumento da ofensiva burguesa contra as classes trabalhadoras. Seu objetivo é derrotar conquistas históricas dos/as trabalhadores/as, aumentar a exploração das classes dominadas pelo capital, e buscar retomar as taxas de lucros – no que tem sido bem-sucedido, como mostramos no texto Brasil: o “paradoxo” de uma economia estagnada com lucros crescentes, de junho deste ano.

Sua característica própria neste quesito é a radicalidade com que busca eliminar todos os entraves à acumulação de capital – inclusive a mais predatória possível –, restringindo ao máximo a própria ação reguladora do estado capitalista. Isso vale tanto para a “Lei de Liberdade Econômica” (aprovada) e para a proposta da Carteira Verde-Amarela (não aprovada), quanto para a revogação em massa de normativos trabalhistas ou regulatórios em geral. Vale tanto para o sucateamento dos órgãos estatais de controle quanto para a indicação de bolsonaristas com a função específica de paralisar toda e qualquer atividade potencialmente prejudicial ao capital e demitir quem quer que esteja atrapalhando – como foi o caso, entre inúmeros, do indigenista Bruno Pereira, exonerado da Funai e posteriormente assassinado juntamente com o jornalista britânico Dom Philips.

No seu lado “governo”, portanto, Bolsonaro é útil à burguesia para buscar a maior exploração e a maior taxa de lucro. Mas também o é, especialmente no atual contexto de crise, na garantia de um maior “controle social” via ampliação da repressão, combinando de diversas formas o aparelho repressivo de estado legal e semilegal, as polícias e as milícias. Repressão com alvo certo, as massas exploradas da cidade e do campo, nas suas tentativas de organização e luta, ou mesmo na própria resistência em busca da sobrevivência e de melhor qualidade de vida. Temos abordado seguidamente esse tema em textos de 2020, 2021 e 2022.

Bolsonaro teve reforçada a sua atuação como sistema ao fechar o acordão com o centrão a partir de 2021, com a eleição de Rodrigo Pacheco para a presidência do senado e, principalmente, de Arthur Lira, para a da câmara dos deputados. De um lado, busca de proteção contra o impeachment. De outro, conquista de poder e de dinheiro. Um casamento perfeito!

Esse acordão, por um lado, é o mesmo de todos os governos desde Sarney, no educadamente chamado “presidencialismo de coalizão”. Nos governos Lula e Dilma, possivelmente, a quantidade de partidos e de parlamentares envolvidos no acordão era ainda maior. A diferença específica de Bolsonaro, neste caso, é que o acordão foi muito mais além, tendo sido entregue praticamente toda a iniciativa orçamentária e legislativa ao centrão, terceirizando a gestão da presidência (o que permite a Bolsonaro continuar articulando sua face antissistema).

Assim, o governo Bolsonaro representa um aumento acelerado da corrupção institucionalizada e da compra de votos – instrumentos clássicos da democracia burguesa para a cooptação de base parlamentar. Nada mais “institucional”, portanto. Para o pagamento desse acordão, foram desenvolvidas novas formas “legais” de burlar todos os mecanismos de controle orçamentário, um “aprendizado institucional” da burguesia e de seus representantes parlamentares após os casos dos “anões do orçamento”, do mensalão e do petrolão, entre outros. O “orçamento secreto” já acumula “R$ 53 bilhões de dotação orçamentária, R$ 44 bilhões empenhados e R$ 28 bilhões já pagos”, de 2020 a 2022. Também foram multiplicadas as verbas dos fundos partidário e eleitoral, que chegam, somadas, a pouco mais de R$ 6 bilhões.

Quanto à corrupção pura e simples – desvio de verbas públicas (ministérios da saúde e da educação), “rachadinhas”, lavagem de dinheiro, pagamento em dinheiro em transações imobiliárias, tráfico de influência, superfaturamento, compras governamentais direcionadas, entre outros – o governo Bolsonaro também não destoa de seus antecessores. Tanto Bolsonaro quanto seus filhos estão pessoalmente envolvidos nesses casos de corrupção.

Mala de dinheiro apreendida pela Polícia Federal no dia 20 de julho deste ano, em operação contra a corrupção do governo Bolsonaro, dessa vez na Codevasf.

Importante aspecto do lado institucional de Bolsonaro, em sua aliança com o centrão, é o pacotão eleitoreiro deste ano, visando a distribuição de centenas de bilhões de reais durante todo o ano eleitoral – com o óbvio objetivo de fortalecer sua candidatura presidencial, tentando vencer as eleições “respeitando” as “quatro linhas”. A chamada “PEC kamikaze”, da primeira quinzena de julho, aprovada com o apoio de toda a “esquerda” institucional (PT, PDT, PSB, PCdoB, PSol etc.) atrai atenção com seus R$ 41,5 bilhões a serem gastos nos últimos três meses antes das eleições. O quadro mais amplo, no entanto, é que o gasto público eleitoreiro de 2022 equivale a mais de sete vezes esse valor, superando R$ 300 bilhões.

Os aspectos eleitoreiros dessas medidas são óbvios. Transferência direta de mais de R$ 120 bilhões para 20 milhões de famílias da população mais pobre (auxílio brasil de R$ 400, passando a R$ 600 a partir de agosto, e vale-gás com valor dobrado para quase 6 milhões de famílias), majoritariamente eleitora de Lula, e de outros mais de R$ 120 bilhões para trabalhadores/as, especialmente formais (resgate de R$ 1.000 do FGTS e distribuição do lucro de 2021, adiantamento do 13º para beneficiários e pensionistas do INSS e retomada do pagamento do abono salarial). Quase R$ 40 bilhões de perdão de dívidas para a juventude estudantil e trabalhadora, também eleitorado em que Bolsonaro está bastante atrás de Lula nas pesquisas. E benefícios específicos para estimados 900 mil caminhoneiros (R$ 1.000) e taxistas.

Valor total estimado do pacotão eleitoreiro de Bolsonaro, mostrando que se ele não se reduz a ser mais um governante do “sistema”, com pretensões eleitorais, também não despreza esse aspecto da dualidade sistema/antissistema. Fontes: IFI, PEC do Senado, Poder360 e Folha.

A redução do ICMS estadual sobre combustíveis e a flexibilização da política de preços internacionais da Petrobrás (não computadas na tabela acima), reduziram o preço da gasolina do valor recorde de R$ 7,39 por litro na média nacional, na última semana de junho, para R$ 5,74/litro, na última semana de julho, queda de 22,3%. Com isso, as expectativas de inflação, em crescimento durante todo o ano até o pico de 8,9% no começo de junho, já se reduziram para 7,15%, na última divulgação do Banco Central. Considerando que o pacote eleitoreiro equivale a pelo menos 3,3% do PIB, a taxa de desemprego até junho caiu para 9,3%, menor taxa para o período desde 2015, e as projeções de crescimento subiram para 2%, conforme o ministério da economia.

Some-se a isso o início da campanha eleitoral, o retorno dos pagamentos de propaganda do governo para a rede Globo, as inserções eleitorais do PL, e a montagem dos palanques eleitorais de Bolsonaro nos estados – com destaque para o apoio de Kassab, ex-ministro de Dilma, ao candidato de Bolsonaro em São Paulo. Outros palanques fortes de Bolsonaro para governador de estado são o Rio de Janeiro, com Cláudio Castro; Minas Gerais, com Romeu Zema; Paraná, com Ratinho Júnior; Ceará, com capitão Wagner; Distrito Federal, com Ibaneis Rocha.

O conjunto desses movimentos eleitoreiros de Bolsonaro pode estar gerando seus primeiros reflexos, ainda que embrionários, nas pesquisas eleitorais. O quadro geral é de folgada liderança de Lula, com alguns institutos de pesquisa, como o DataFolha, inclusive apontando atualmente chances de vitória no primeiro turno. Nos dados consolidados de todas as pesquisas, a perspectiva de decisão no primeiro turno fica mais distante, e Lula apresenta estabilidade nas intenções de voto ao longo deste ano, enquanto Bolsonaro teve uma ligeira mudança de patamar em relação ao começo do ano (abaixo o agregador de pesquisas da Polling Data, fonte dos dados do UOL).

Quando as pesquisas são analisadas de forma desagregada, aparecem os primeiros indícios, embrionários, de possíveis mudanças no cenário eleitoral. As mais recentes pesquisas da Genial/Quaest, de 29 de junho a 2 de julho, e do DataFolha, de 27 e 28 de julho, apontam, ambas, na mesma direção. Considerando as parcelas da população em que Lula tem a maior vantagem sobre Bolsonaro, essa diferença se reduziu no último mês. No Nordeste, Lula perdeu 9 pontos (de 68% para 59%), enquanto Bolsonaro ganhou 7 (de 15% para 22%), na Genial/Quaest, enquanto no DataFolha “a distância entre eles recuou 5 pontos (em junho, 58% a 19%, ante 59% a 24% em julho)”. No eleitorado feminino, Lula passou de 50% para 46% e Bolsonaro, de 22% para 27%, de acordo com a Genial/Quaest, enquanto para o DataFolha, “a vantagem do petista para seu adversário mais próximo diminuiu em 9 pontos (em junho, 49% a 21%, ante 46% a 27% atualmente)”. Por fim, o DataFolha apurou que entre os beneficiários do Auxílio Brasil a diferença caiu, em um mês, de 37 para 27 pontos (59% a 22%). Embora esses sejam resultados iniciais, compensados em outras faixas do eleitorado, podem se confirmar em pesquisas posteriores, na medida em que os efeitos mais concretos do pacote eleitoreiro e da campanha sejam sentidos.

Bolsonaro não subestima o lado governo nessa sua dualidade sistema/antissistema. Ele usa e abusa desse aspecto, agindo institucionalmente quando lhe interessa e se omitindo ou sabotando a ação governamental quando lhe é conveniente. Essa característica política de Bolsonaro, sua dualidade, lhe confere a maior flexibilidade e liberdade – além da virtual ausência de oposição – para atuar de acordo com seus objetivos políticos de aproveitar seus poderes presidenciais para buscar reduzir suas amarras institucionais e ampliar o seu poder e de sua facção. Ou seja, esses seus objetivos políticos “institucionais” são, repita-se, autoritários e golpistas.

  1. Bolsonaro enquanto “antissistema”, sua face autoritária e golpista

Repita-se os objetivos políticos bolsonaristas: “consolidação de um regime autoritário e repressivo, baseado nas forças armadas e nas polícias, com algum apoio ‘popular’, encabeçado por si mesmo”. Assim, afirmamos que a análise do bolsonarismo sem sua face governamental é incompleta e equivocada. No entanto, o polo dominante do bolsonarismo é seu aspecto antissistêmico, anti-institucional, de provocar a anarquia militar e o caos, estimulando um movimento de massas pequeno-burguês, fascista – que tem sido chamado por alguns analistas de um “fascismo popular.

Como dissemos em nosso texto sobre a conjuntura política, de outubro de 2021:

Por um lado, esses movimentos buscam manter mobilizada e na ofensiva política a sua base militante. Por outro, tem o explícito objetivo de agravar a crise institucional, redobrando a aposta no ambiente de caos para fortalecer uma saída autoritária e golpista”.

Nas condições atuais da luta política, com o crescimento da sociabilidade por meio da internet e das redes sociais, esse movimento de extrema-direita, fascista, se organizou como um “partido digital. Esse partido digital age de maneira altamente profissional (e bem remunerada!) e conta com uma rede com ampla capilaridade para a disseminação maciça de suas pautas (que não se reduzem a fake news), em geral definindo os termos do debate político atual. Essa máquina profissional de disseminação de posicionamentos políticos constrói o discurso e mobiliza constantemente a base bolsonarista, tanto seu núcleo de extrema-direita, fascista, quanto as demais parcelas de apoiadores de Bolsonaro na direita, centro-direita, conservadores, evangélicos etc.

Como resultado dessa mobilização constante do partido digital bolsonarista há, também, a passagem à mobilização de rua, começando com as recepções a Bolsonaro nos aeroportos durante a campanha de 2018. Enquanto líder de um movimento, já na presidência, ocorreram as manifestações semanais de bolsonaristas em Brasília nos primeiros meses da pandemia. Em 19 de maio de 2020, Bolsonaro organizou o comício em frente ao quartel general do exército em defesa de intervenção militar. Em 2021, os manifestantes bolsonaristas prevaleceram largamente frente aos da “esquerda” no 1º de maio, e em 7 de setembro ocorreram novas manifestações em favor de um golpe bolsonarista. Novamente neste ano, Bolsonaro convoca sua base de extrema-direita, fascista, para uma manifestação em 7 de setembro, pela “última vez”, segundo ele. Enquanto isso, a “esquerda” reformista, tanto no último 1º de maio quanto no próximo 7 de setembro, abandona as ruas pois “não seria recomendável medir forças com bolsonaristas nas ruas do país”, segundo Lula.

Em todas essas manifestações, ainda que com palavras de ordem específicas, a posição política sempre foi a mesma: defesa da intervenção militar e do golpe de estado (“eu autorizo”), do autoritarismo e de poderes ilimitados para Bolsonaro, pela intervenção nos demais poderes, e oposição ao “comunismo”. Isso se constrói na explícita oposição a todos – pessoas, partidos, grupos ou instituições – que contrariem ou mesmo questionem o discurso e as práticas bolsonaristas, dando a esse discurso e a essa prática uma combatividade que repercute na mobilização de sua base política e na ofensiva permanente. Em prol dessas tarefas Bolsonaro sacrifica toda a institucionalidade sempre que necessário.

Essa é a fonte dos constantes conflitos institucionais do “governo” Bolsonaro: entre a “governabilidade” e a mobilização de sua base militante, ele nunca duvidou em escolher essa última. Tem sido assim contra qualquer tentativa de reafirmar os limites dos seus poderem presidenciais, sejam constitucionais (conflito permanente com o STF), relativos à independência dos poderes (com a câmara dos deputados na gestão de Rodrigo Maia), ou mesmo internos ao executivo (sucessivas trocas de ministros e de dirigentes da polícia federal, do Inep, do Inpe, do Inmetro, além dos constantes ataques ao Ibama, à Funai, etc.). Essa postura também é adotada contra as próprias decisões governamentais, sempre buscando bodes expiatórios para levar a culpa, com governadores e STF sendo “os culpados” pela pandemia e pela crise, com a Petrobrás isoladamente responsável pelo aumento dos preços da gasolina. Essa posição negacionista pode ser sintetizada nas frases “não sou coveiro” ou “e daí, quer que eu faça o quê?” quando cobrado sobre sua responsabilidade nas mortes por Covid-19.

A postura do bolsonarismo é todo o contrário do mero eleitoralismo e institucionalismo da “esquerda” “mais legalista do mundo”, encabeçada pelo PT, em sua proposta constante por pactos, acordos, frentes, conciliação de classes (na verdade, subordinação das classes dominadas à burguesia), com o que se candidata a administrar o capitalismo brasileiro, com o objetivo de mudar algo para deixar que tudo continue como está, como sempre foi.

Essa postura antissistema do movimento bolsonarista, caminho para seus objetivos autoritários e golpistas, também se faz presente na politização das forças armadas e demais componentes armados do ARE capitalista. Por um lado, é uma ofensiva repressiva de um movimento de extrema-direita, fascista, armado, contra a organização e a luta de trabalhadores/as e demais inimigos políticos. Por outro, ataca explícita e diretamente as principais instituições da democracia burguesa (TSE, urnas eletrônicas e o próprio processo eleitoral).

Atualmente, o constante e crescente ataque ao processo eleitoral é o foco de Bolsonaro e de sua base política de extrema-direita, fascista. Como mencionado acima, é importante considerar que, ao mesmo tempo em que persiste na busca da ruptura institucional, Bolsonaro também se comporta como um presidente candidato a reeleição como qualquer outro (mobilizando todo o poder do estado burguês para a sua candidatura, reforçando suas alianças nacionais e regionais etc.).

Não obstante a derrubada da proposta de voto impresso no congresso em agosto de 2021 e do chefe do centrão bolsonarista ter dito que o assunto estava encerrado, o ataque bolsonarista às urnas não diminuiu em nada. Pelo contrário, se reforçou com a proximidade das eleições, sendo incorporado pelo ministro da defesa, ex-comandante do exército, o general de quatro estrelas Paulo Sérgio.

Se aproveitando de mais uma tentativa de conciliação do judiciário com o bolsonarismo – no caso, o convite do ministro Barroso, então presidente do TSE, para as forças armadas participarem da comissão de transparência das eleições – o ministro da defesa e as forças armadas têm avançado o quanto podem sobre o TSE, o processo eleitoral e as urnas eletrônicas, servindo de mecanismo de transmissão do discurso bolsonarista. Eles já pediram todos os arquivos das eleições anteriores para a realização de auditoria e já defenderam a criação de uma votação paralela em papel e de uma apuração paralela pelas forças armadas. Essas propostas expressam bem a visão de poder que as forças armadas têm, de atuarem como um verdadeiro “poder moderador”, no caso uma instância revisora do TSE (e, por extensão, do poder judiciário), à serviço da burguesia, da pequena burguesia de extrema-direita, fascista, e de Bolsonaro. As ameaças e intimidações são, portanto, constantes, inclusive quando o ministro da defesa reclama de se sentir “desprestigiado”, por algumas pequenas resistências do TSE às suas “propostas”. Diante disso, o tribunal se apressou a dizer que considerou e atendeu às propostas dos militares, enquanto a ofensiva do governo passou para os chamados “ministros palacianos”, os do centrão.

A posição da corja bolsonarista e de seus apoiadores no aparelho de estado é clara: impedir as eleições; caso não consigam, desacreditá-la ao máximo, fazendo com que ocorra em ambiente de ofensiva da extrema-direita, fascista, de ameaças, intimidações e violência. Caso percam as eleições, buscar melá-las de todas as maneiras e sabotar ao máximo o processo de transição. Caso Lula vença e tome posse, desestabilizar o seu governo desde o primeiro dia.

Uma evidência adicional dessa posição bolsonarista é a busca por apoio internacional para sua escalada autoritária e golpista. Primeiro, Bolsonaro procurou o apoio de Biden para seu “discurso (anti-)eleitoral” durante a cúpula das américas, organizada pelo presidente imperialista. Ameaçou os EUA dizendo que, se perdesse as eleições, os EUA ficariam isolados no continente – fingindo ignorar a capacidade de articulação e entendimento entre o imperialismo e o reformismo e oportunismo. Em seguida, convocou embaixadores de dezenas de países para, mais uma vez, repetir seu “discurso (anti-)eleitoral”. No primeiro caso, teria recebido como resposta o silêncio. No segundo, foi respondido com manifestações do porta-voz dos EUA e das embaixadas dos EUA e do Reino Unido, que defenderam o sistema eleitoral brasileiro – como antes já havia acontecido durante visita ao país do diretor da CIA e, mais recentemente, do secretário de defesa dos EUA (sob cujas ordens, nosso general ministro da defesa fingiu beijar a cruz da democracia…).

Em síntese, as ações “anti-sistêmicas” do bolsonarismo consistem em organizar e estimular um movimento de extrema-direita, fascista, do qual Bolsonaro é o chefe, buscando manter sempre a ofensiva política, ideológica e de mobilizações, para intimidar e fazer recuar seus inimigos, com forte apoio militar e armado, buscando consolidar as condições, institucionais ou golpistas, de centralizar o poder de maneira autoritária.

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- 05/08/2022