A Conjuntura Internacional no começo de 2023
Desaceleração econômica, agravamento das contradições interimperialistas e os desafios da luta das classes dominadas no mundo
Greve geral na França contra a reforma da previdência, 19 de janeiro de 2023. A maior paralisação naquele país em mais de uma década. Será na luta que barraremos a ofensiva dos patrões contra nossas vidas!
Cem Flores
11.02.2023
Segundo as projeções dos organismos internacionais do capital, 2023 será um ano de desaceleração econômica a nível global. Segundo o FMI, apesar das projeções terem melhorado um pouco em comparação com outubro do ano passado, o mundo deve apresentar um dos crescimentos mais fracos desde 2001, com exceção das violentas crises de 2008 e 2020. Alguns países europeus devem entrar em recessão neste ano. Outros vários países do mundo ficarão com suas economias estagnadas, com crescimento em torno de 1%, como é o caso do Brasil. Dando continuidade à tendência do século 21, as projeções para esse ano expressam e reforçam o atual estado depressivo do sistema capitalista mundial, do imperialismo, estado caracterizado por acirramento de contradições, sucessivas crises do capital e baixas taxas de crescimento econômico.
A desaceleração global que se anuncia agora é uma continuidade direta do quadro econômico de 2022, ano no qual a retomada econômica após a crise de 2020 já tinha perdido força. No ano passado mesmo, o estado depressivo do sistema imperialista e os efeitos permanentes da crise de 2020 se sobrepuseram à recuperação de curto prazo da taxa de lucro e à retomada parcial e desigual da acumulação. A desaceleração global já iniciada em 2022 também decorreu dos impactos econômicos recessivos da contínua escalada das contradições interimperialistas, o que inclui a acirrada disputa entre as duas principais potências, EUA e China, e a inconclusa guerra da Ucrânia.
Essa situação geral do sistema econômico mundial, que se arrasta há vários anos, tem gerado efeitos na luta de classes. A dificuldade do capital em sair de seu estado depressivo não significa automaticamente enfraquecimento da burguesia. Pelo contrário, na conjuntura atual, tendo em vista o forte recuo da luta de classe proletária, a crise tem se transformado em uma forte ofensiva da burguesia, em inúmeros países. O atual estado depressivo do imperialismo significa hoje para as massas exploradas desemprego e fome, piores empregos e salários, reformas que retiram conquistas da luta de muitos anos. A ofensiva da burguesia faz ressurgir forças políticas e ideologias mais reacionárias, fascistas e racistas, torna governos e estados mais violentos e repressivos. Ou seja, a crise e a ofensiva burguesa têm criado, em todo o globo, um patamar mais elevado de exploração e opressão para as massas. Nós, aqui do Brasil, sabemos na pele de toda essa realidade. Mas ela também é vivida pelos nossos/as irmãos/ãs de classe no resto da América Latina, nos EUA, na China e no resto do mundo.
No início de 2023, os desafios continuam imensos para os/as trabalhadores/as de todo o mundo. Os planos dos patrões e dos estados, as reformas e os ajustes ditos necessários (ao capital!), como a atual reforma da previdência na França, vão em uma só direção: mais labuta e sofrimento para quem trabalha. As hordas fascistas se espalham em vários países, defendendo um terror das classes dominantes ainda mais aberto. O reformismo/oportunismo continua a semear ilusões entre as classes trabalhadoras, desmobilizando-as para maiores resistências e combates. Esse sistema não serve para nós e, ao reforçar nossas lutas, precisamos romper com esse estado de coisas, avançar e acumular forças para uma saída revolucionária. Continua urgente a reconstrução do movimento comunista no meio e para essa luta. Essa, sem dúvida, é a tarefa principal para mais um ano.
- Situação atual do sistema imperialista: desaceleração como expressão e reforço do estado depressivo da economia mundial
A última crise global ocorreu em 2020 pelas medidas decorrentes da pandemia e pelo reforço das tendências de desaceleração já existentes. O violento impacto daquela crise em todo o mundo iniciou sua reversão ainda em 2020 e continuou em 2021. Para essa parcial e desigual recuperação pelo mundo, o processo global de vacinação e a queda de letalidade da Covid-19 foram fundamentais, assim como a forte atuação dos estados, bancos centrais e organismos internacionais do capital para, mais uma vez, salvar a economia capitalista. Segundo o relatório recente do Banco Mundial, apenas em termos fiscais, em setembro de 2021, os países já tinham gastado 17 trilhões de dólares em resposta à crise da pandemia. Em comparação com a outra crise, a de 2008, a resposta fiscal foi várias vezes maior. Com o enorme endividamento e a construção de capital fictício, todos esses agentes do capital acabam por empurrar para a frente a possibilidade de uma crise ainda maior.
Os repiques da Covid-19 continuam nos últimos meses, mas se tornaram menos letais no geral e de menor impacto econômico, dada as medidas mais regionalizadas, como na China – ao menos até o final do ano de 2022, quando abandonou a política de covid zero. Ou seja, a desaceleração atual, já iniciada em 2022, não está direta e principalmente relacionada com a pandemia e suas medidas sanitárias, apesar dos riscos pandêmicos continuarem. Está sim relacionada com as contradições decorrentes da crise de 2020 que se somaram às demais contradições do sistema capitalista mundial.
Dentre essas contradições, está a inflação. A retomada da economia registrada sobretudo em 2021, ainda com as marcas da pandemia e bastante desigual nos diferentes países, foi acompanhada de uma elevação muito significativa e persistente da inflação. Segundo dados do FMI, a taxa anual inflação em 2021 no mundo foi de 6,4%. Desde os anos 1990 não havia uma taxa tão alta. Em 2022, com a guerra na Ucrânia, a inflação fechou em 9,1%. Dentre os itens que mais sofreram elevação dos preços nesse período estão os alimentos e a energia, fazendo explodir a carestia de vida das classes dominadas, cuja situação veremos mais a seguir.
À esquerda, gráfico do índice de preços de alimentos da FAO. O índice mede a variação mensal nos preços internacionais de um conjunto de alimentos. Conforme o gráfico, os preços de alimentos começaram a subir muito além da média de 2014-2016 (=100) no início de 2021 (linha laranja) e atingiu um pico no início de 2022 (linha vermelha). Apesar da queda recente, o índice continua alto, acima de 130. À direita, gráfico da OCDE de porcentagem estimada do PIB que se gasta no consumo final da energia. Em 2022, houve um choque nos preços de energia que fizeram disparar o percentual do PIB gasto com energia. O patamar atingido é semelhante aos choques do petróleo entre 1970 e 1980.
Dentre as principais razões para a onda inflacionária após a crise da pandemia estão as rupturas nas cadeias globais de valor, decorrentes tanto dos diferenciados ciclos de contaminação da pandemia ao redor do mundo, quanto das mudanças nessas mesmas cadeias por conta do agravamento das contradições interimperialistas. Como mostra o gráfico do FMI, nos últimos anos, não só as cadeias globais desaceleraram como também as medidas de restrição comercial explodiram. Segundo a diretora geral do FMI: “as tensões comerciais entre as duas maiores economias do mundo [EUA e China] cresceram em meio à escalada global de novas restrições comerciais. Enquanto isso, a invasão russa da Ucrânia causou não apenas sofrimento humano, mas também grandes interrupções nos fluxos financeiros, de alimentos e de energia em todo o planeta”. Todo esse cenário, junto às implicações da pandemia, transformou-se em choques nos preços a nível global.
À esquerda, gráfico de fluxos globais de bens, serviços e financiamento, em bilhões de dólares, ao longo dos anos. Há mais de uma década esse fluxo se encontra estagnado. À direita, número de restrições comerciais impostas a bens, investimento e serviços. Desde 2018, o número de restrições tem saltado para novos patamares.
Com o crescimento da inflação mundial, desde o ano passado os bancos centrais de todo o mundo passaram a subir os juros, contribuindo para a desaceleração como a forma de impedir o avanço da espiral inflacionária. Essa postura reverte a política de estímulo econômico dos últimos anos, elevando o custo de empréstimos e de rolagem de dívidas, também diminuindo a compra de títulos públicos por parte dos bancos centrais.
FMI. Ciclo de política monetária nos últimos anos. Em 2020, a maioria dos bancos centrais de economias avançadas (cor forte) e emergentes (cor fraca) cortaram taxas básicas de juros (azul). Em 2022, um novo ciclo é iniciado, elevando as taxas (vermelho) e revertendo o quadro anterior.
O novo patamar de juros no mundo acontece em contexto de alto endividamento dos governos, empresas e famílias, atingido em meio à crise da pandemia. Em 2021, essa dívida chegou a 247% do PIB mundial – quase 20 pontos percentuais acima do patamar pré-pandemia. A combinação de juros, dívidas e endividamento, todos altos, é explosiva, tanto para os devedores (as empresas, a classe média e as classes trabalhadoras) quanto para os bancos (com aumento da inadimplência e queda dos lucros), contribuindo para a desaceleração em curso. A soma de juros elevados e alto endividamento pode também gerar falências e queimas de capital fictício no mercado financeiro, elevando riscos de uma crise financeira.
A inflação já se encontra em queda no mundo, mas ainda deve permanecer em patamar alto se comparado aos últimos anos. É nesse quadro de “estagflação”, apenas dois anos após uma violenta e histórica recessão, que se apresentam hoje as projeções de ainda mais desaceleração.
As projeções mais recentes do FMI se encontram menos pessimistas em relação às de outubro do ano passado. Espera-se hoje que o PIB mundial cresça 2,9%, e não mais 2,4%. A razão disso é que alguns fatores negativos apresentaram uma moderação durante a virada do ano. O principal deles deve ser o abandono da política de covid zero na China, a segunda maior potência imperialista do mundo, indicando uma melhoria do crescimento em 2023, após um 2022 com um dos piores resultados em décadas naquele país. Por conta disso, a projeção de crescimento para a China foi elevada em 2 pontos percentuais entre outubro e janeiro. Juntamente com a Índia, deve ser responsável pela metade do crescimento global esse ano. Além disso, houve queda mais rápida da inflação do que o esperado em alguns países.
No entanto, esse quadro de moderação em alguns fatores e maior dinamismo em algumas regiões não anula a perspectiva fundamental de desaceleração no geral, com destaque para as ditas economias avançadas. A zona do euro deve ter “crescimento” menor do que 1%, e os EUA pouco mais de 1%. Além disso, o cenário continua com muitas possibilidades de deterioração, a começar pelo alto grau dos conflitos interimperialistas, incertezas em relação à guerra na Ucrânia, etc.
As projeções continuam a expressar e reforçar o estado depressivo no qual se encontra o imperialismo atualmente. Com elevadas e persistentes contradições, o sistema imperialista tem atingido, na média, baixo crescimento econômico nos últimos anos e apresentado constantes crises, que agravam ainda mais as contradições anteriores.
- A contradição interimperialista entre EUA e China continua uma característica fundamental da conjuntura internacional
Principalmente a partir da crise do final dos anos 2000, o que aumentou no sistema imperialista como forma de se contrapor à crise mundial (além da ofensiva e do aumento da exploração contra os/as trabalhadores/as), foi a disputa entre os países imperialistas, com principal destaque para a expansão chinesa frente ao domínio cada vez menos hegemônico dos EUA no mundo. Vinte anos após a entrada da China na OMC e quarenta anos após a consolidação do caminho capitalista naquele país, o gigante asiático se encontra hoje em condições de concorrer em vários níveis com a maior potência imperialista do mundo, os EUA.
Essa é a principal contradição interimperialista no mundo hoje: disputa entre os EUA (potência imperialista hegemônica, porém em declínio) e a China (potência imperialista ascendente). Assim como a mais complexa contradição, por razão da profunda interpenetração de capital entre ambas economias. Apesar do enfrentamento mais violento e visível hoje se dar entre Rússia e Otan, na guerra da Ucrânia, é a disputa direta entre EUA e China a principal na conjuntura mundial em termos produtivos, comerciais, financeiros, tecnológicos, geopolíticos, diplomáticos e militares. Essa disputa é de tal dimensão que impacta em todas as grandes disputas políticas, econômicas ou militares no mundo hoje.
Com o crescimento econômico mais lento dos EUA, em comparação com o da China, nos últimos anos, colocou-se ao país norte-americano (e mais precisamente aos seus monopólios) a necessidade de intensificar as formas de controle econômico, político e militar em sua área de influência. Como maior potência militar no mundo, interessa aos EUA estimular as tensões geopolíticas o que ajuda a manter sua hegemonia. Reproduzem essa posição, em escala menor, pressionados em parte pelos interesses dos EUA, outras potências imperialistas como Alemanha, Reino Unido, França e Japão. Independente da posição política que dirige os governos desses países, seja a socialdemocracia ou a extrema-direita em ascensão, em todos eles reforçam-se tendências capitalistas como o protecionismo, o belicismo e o aumento da repressão e da opressão (como o racismo), com formas distintas.
Quanto à China, sua taxa de crescimento econômico maior (graças principalmente aos níveis de exploração de sua classe operária e às taxas de lucros maiores aos seus capitais) e sua maior capacidade de concorrer com os EUA no mercado global, reforçaram as alianças econômicas em seu bloco e o aumento de sua influência política e econômica em várias áreas do mundo (África, Ásia e América Latina). A sua defesa cada vez mais radical do capitalismo, das leis de mercado, da concorrência capitalista, do livre mercado, é expressão dessa maior capacidade. À China imperialista, por conta de seu maior dinamismo econômico, e sem abrir mão da necessidade de armar-se militarmente para defender seus interesses, é vantajoso o reforço do discurso da concorrência pacífica (capitalista, é claro), do estímulo ao crescimento econômico e às novas alianças globais. Mas seus investimentos militares, com crescimento de 40% nos últimos 5 anos, mostram que ela sabe como se dá a verdadeira concorrência entre países imperialistas.
A guerra da Ucrânia, que já completa um ano e sem desfecho definitivo, só pode ser entendida em profundidade e na sua complexidade (para além dos discursos políticos/ideológicos que tentam justificá-la) a partir da necessidade dos EUA (tendo a Otan como instrumento) consolidarem ou expandirem sua influência na Europa, junto com Reino Unido, Alemanha e França principalmente. Além disso, reforçarem o domínio político da região, o acesso a mercados importantes (inclusive de força de trabalho barata), a fontes valiosas de matéria prima (energia, minério) e a rotas geopolíticas estratégicas, prosseguindo o que já fizeram logo após o fim do bloco socialista no leste europeu. Já à Rússia (em aliança com a China) interessa garantir seus interesses econômicos e políticos em expansão, na verdade os interesses econômicos e políticos de seus monopólios, surgidos em grande parte graças ao saque das máfias russas à estrutura da antiga URSS. A vitória da Rússia nessa guerra será a vitória de seus monopólios e não de seu povo.
A Ucrânia hoje é o campo de guerra dessa disputa militar por espaço econômico e cada grande bloco utiliza o discurso ideológico que melhor se adapta aos seus interesses, seja o da “defesa da democracia” de um lado ou o do “combate antinazista” do outro. Além disso, aos dois grandes blocos em disputa, o que interessa, é óbvio, é reduzir o peso econômico, político e militar e de seus concorrentes.
A manutenção do estado depressivo da economia mundial e o correlato aumento das disputas interimperialistas entre as duas potências dominantes estão expressos também em uma série de outros conflitos recentes. O cerco chinês à ilha de Taiwan assim como a “guerra” pela produção de chips entre China e EUA vão demonstrando a escalada desse conflito. Além disso, os movimentos de aumento da presença militar americana no Japão e nas Filipinas, e o controle militar de várias ilhas pela China vão tensionando ainda mais a região asiática. Há, por conta do aumento dessas contradições, uma clara tendência à guerra em escala maior.
Não há, nessa disputa, nenhum “lado” que interesse aos/às proletários/as e comunistas do mundo. Um mundo imperialista “unipolar” ou “multipolar” não vai mudar o fato de que continuará sendo um mundo baseado na exploração das massas trabalhadoras, no roubo da riqueza que produzem, na expropriação de sua força de trabalho, de seu suor e de sua vida para atender a valorização dos monopólios capitalistas, independente da cor, do símbolo ou da bandeira que ostentem. A vitória de um ou outro bloco imperialista vai se dar na base da capacidade de expansão econômica ou militar desse bloco, o que para nós, trabalhadores/as, só vai significar a manutenção ou a ampliação da escravidão assalariada em que hoje vivemos, além de se dar sobre mais guerras, miséria, fome e destruição ambiental que nos atingem diretamente. A solução é destruir esse sistema capitalista totalmente apodrecido e não acreditar na ilusão absurda de sua possível melhoria, na utopia de um capitalismo asseado e humano.
- Mercado de trabalho e as condições de vida das massas exploradas no mundo hoje
Durante a crise de 2020, a retomada de 2021 e a já iniciada desaceleração em 2022 ocorreram importantes oscilações e mudanças de fatores no que diz respeito às condições de vida e trabalho das massas exploradas globalmente. Mas a situação atual das classes trabalhadoras no mundo, no início de 2023, pode ser resumida como pior em relação ao nível pré-pandemia e sem perspectivas de melhorias no curto e médio prazo – a não ser por uma retomada de sua própria luta.
A crise da pandemia fez explodir o desemprego e a pobreza em velocidade recorde, atingindo dimensões impressionantes. No segundo trimestre de 2020, a queda de horas trabalhadas no mundo foi equivalente a 0,5 bilhão de empregos perdidos no mundo. Esse pico de desemprego também levou muitas dezenas de milhões de pessoas para a extrema pobreza. Apenas em 2020, a quantidade de pessoas com renda inferior a US$1,90 por dia subiu de 655 milhões para 732 milhões. Sem contar os efeitos na saúde e na educação das camadas pobres, as mais atingidas pela pandemia e pelo fechamento das escolas. Nesse período de explosão da miséria e do desemprego, diante dos riscos econômicos e políticos à realização do capital e à dominação burguesa, houve uma intensiva resposta do estado capitalista, incluindo transferência de renda direta para vários setores das massas como forma, principalmente, de contenção de explosões socias. Segundo o Banco Mundial, os programas sociais na pandemia custaram em torno de 3 trilhões de dólares para os estados. Ainda assim, essa transferência de renda foi uma fração do capital fictício gerado pelos aparelhos estatais capitalistas para dar sustentação aos monopólios e ao capital em geral e suas taxas de lucro. Mesmo com tamanha resposta, o patamar de extrema pobreza e de desemprego continuam acima do pré-pandemia, apesar de relevantes diferenças entre os países.
Com a retomada das atividades econômicas, o altíssimo desemprego foi reduzindo paulatinamente. No entanto, como vimos acima, essa retomada gradual ocorreu conjuntamente a uma inflação mundial. Se os empregos eram retomados, a condição de vida continuava dura com a ampliação rápida da carestia de vida e perda no poder de compra das massas trabalhadoras, sobretudo em 2022. Os salários reais caíram globalmente. Segundo a OIT, “a grave crise inflacionária, combinada com uma desaceleração mundial do crescimento econômico, impulsionadas em parte pela guerra na Ucrânia e pela crise global de energia” provocou em “uma queda drástica nos salários mensais reais em muitos países”. Os salários mensais em todo o mundo, em termos reais, caíram 0,9% no primeiro semestre de 2022. “Essa é a primeira vez neste século que o crescimento real global dos salários foi negativo”.
Com o aumento da carestia, a fome se reforçou. Segundo o Programa Alimentar Mundial, em 2022 houve “um recorde de 349 milhões de pessoas em 79 países enfrentam insegurança alimentar aguda – acima dos 287 milhões em 2021. Isso constitui um aumento impressionante de 200 milhões de pessoas em comparação com os níveis anteriores à pandemia de COVID-19”.
No cenário de crise global do custo de vida, o estado voltou a uma nova onda de auxílios, dentre as respostas à alta de preços estão mudanças de tributos sobre o consumo, transferências e subsídios. Mas tal resposta é bem menor se comparada à da pandemia.
Para 2023, a carestia de vida continua alta. Não à toa, o Fórum Econômico Mundial colocou a carestia como maior risco mundial a curto prazo. O reforço da desaceleração de 2023 significa mais desemprego ou piora nos empregos. Como diz a OIT: “o desemprego global deverá aumentar ligeiramente em 2023, cerca de 3 milhões, para 208 milhões. […] Isso significaria que o desemprego global permanecerá cerca de 16 milhões acima do seu valor de referência pré-crise.”
Dentre essas oscilações e mudanças, sentidas também no Brasil, no geral, a situação piora ao passar dos anos para as classes dominadas. Enquanto isso, os bilionários ostentam ainda mais concentração de riqueza nesse mesmo período. Essa realidade é uma das consequências do estado depressivo do imperialismo e da ofensiva burguesa decorrente das sucessivas crises do capital. Se depender dos patrões, não há expectativa de melhoras. Só o avanço da luta das massas trabalhadoras poderá mudar nosso destino.
- Construir a força e a organização necessárias para resistir e transformar esse mundo
A crise, o estado depressivo da economia mundial há vários anos, tem significado um aumento da exploração sobre as classes trabalhadoras, piorando em todos os sentidos a vida das massas. Trabalhos mais exaustivos, com pior remuneração, instáveis e sem garantias, ampliação da fome e da miséria, guerra e morte, imigração forçada, violência e destruição ambiental. Esse é o capitalismo de hoje, para os/as trabalhadores/as. Do outro lado, concentra-se a riqueza em gigantescos conglomerados econômico-financeiros que controlam a produção e a vida em todo o mundo. O imperialismo, esse sistema apodrecido, mostra sua verdadeira face. Para haver vida digna para as massas, ele precisa ser destruído!
Essa piora nas condições de vida das massas tem levado a explosões de insatisfação e de greves e lutas em vários países do mundo. Na China, reagindo contra as medidas extremas do governo de controle à Covid e a intensificação do controle nas fábricas, trabalhadores/as foram às ruas em grandes manifestações e alteraram a política governamental de combate à pandemia. Em novembro outras manifestações já haviam paralisado a produção em gigantescas plantas como na Foxconn, que produz o iPhone da Apple. Na Europa, a ofensiva da burguesia sobre as conquistas das classes dominadas, a inflação e os efeitos da guerra na Ucrânia têm gerado manifestações em quase todos os países. Destacam-se, mais recentemente, as gigantescas manifestações na França contra a reforma na previdência e no Reino Unido, a maior greve dos últimos anos, exigindo melhores salários. Tem havido também expressivos movimentos na Bélgica, Portugal, Dinamarca e outros países.
Essas lutas, expressões da insatisfação e revolta dos/as trabalhadores/as com as condições de vida e de trabalho, podem nos dar importantes lições, reforçar os aprendizados de organização e resistência e irem solapando as ilusões burguesas com as “alternativas” políticas de direita ou de “esquerda” que se revezam há muitos anos nos governos sem encontrar solução que interesse às classes dominadas. No entanto, disputar essa insatisfação com a posição justa é fundamental, inclusive para se contrapor à ascensão do fascismo que se apresenta como alternativa política para a burguesia em sua ofensiva contra os/as trabalhadores/as.
Mas para isso, para elevar a compreensão dessas massas em luta, há que se avançar na necessidade de organizar e articular a retomada do movimento comunista internacional, com organizações proletárias que se construam nos locais de trabalho e moradia, conectando-se às massas e a esses movimentos de resistência e com possibilidade de disputar sua direção, afirmando a posição revolucionária. Trata-se de um processo longo de reconstrução e articulação, porém necessário e imprescindível para apontar o rumo da superação desse sistema podre em que vivemos. Retomar a perspectiva revolucionária na luta de classes, crescer concretamente junto à classe operária e aos trabalhadores e articular os movimentos de resistência com essa posição é uma tarefa central no enfrentamento à essa conjuntura de guerra, fome e miséria que o capitalismo nos apresenta.
Greve geral no Reino Unido, 1º de fevereiro de 2023.