CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Nacional

Falsa abolição… será?, por Unidade Preta Comunista

Cem Flores

13.05.2023

Diante de mais um aniversário da abolição da escravatura no Brasil, o Cem Flores traz para o debate com seus/suas militantes e leitores/as um texto dos/as camaradas da Unidade Preta Comunista, publicado dias atrás no site Griots Vermelhos.

Se a “história de toda a sociedade até aqui é a história de lutas de classes”, temos que estudar e reivindicar as lutas, inclusive armadas!, dos/as negros/as escravizados/as (malês, nagôs, haussás, bantos e outros) contra as classes dominantes locais e estrangeiras (brancas). Como diz a música indicada pelos/as camaradas da Unidade Preta Comunista: “Vou botar fogo no engenho aonde o negro apanhou”!

Falsa abolição… será? se questiona: “será que era objetivo da abolição proporcionar qualidade de vida e dignidade ao povo afrodescendente?”. Os/as camaradas defendem que, apesar da imensa luta do povo negro e escravizado durante séculos, a abolição no país ocorreu em contexto de troca de regime de exploração, de avanço do capitalismo, que precisava “modernizar” as relações de exploração, passando do trabalho escravo ao trabalho assalariado – e, assim, aumentar os lucros de uma nova classe dominante.

Neste novo modo de produção/exploração que se tornou dominante, os/as negros/as antes escravizados foram proletarizados e continuaram sofrendo profunda exploração e opressão racista. Isso também está nos versos do samba enredo da Mangueira, citado pelos/as camaradas: “Onde está a liberdade / Onde está que ninguém viu … Livre do açoite da senzala / Preso na miséria da favela”.

A verdadeira abolição do racismo e da exploração do povo preto só será possível com a abolição de todas as relações de propriedade e de exploração, com o fim de toda a divisão de classes, com a construção do socialismo e a edificação do comunismo, feito em conjunto por todos os irmãos e irmãs trabalhadores/as, como afirmam nossos/as camaradas da Unidade Preta Comunista: A realização daquilo de mais profundo que se esperava da abolição só será possível através da aniquilação total da sociedade capitalista”.

“Assim como a Lei Áurea, lei alguma, nenhuma promessa de mudança vinda de cima para baixo poderá nos emancipar. Assim sendo, não há alternativa que não seja a auto-organização do proletariado preto, para a organização de toda a classe trabalhadora mobilizada na luta pelo socialismo, até o fim da sociedade de classes, até o comunismo!


Leia também outras publicações do Cem Flores sobre a questão racial:

Aprender com os Panteras Negras, de 09.01.2019

Uma posição comunista sobre a questão racial, de 31.01.2020

Racismo e Escravismo no Brasil, por Clóvis Moura, de 17.11.2020

Contra mais um brutal assassinato, ampliar a luta contra a opressão racista no Brasil!, de 21.11.2020

Tese Sobre a Questão Negra do IV Congresso da Internacional Comunista, de 20.11.2021


*          *          *

Falsa abolição… será?

Unidade Preta Comunista

 

Será que já raiou a liberdade

Ou se foi tudo ilusão?

Será, oh, será

Que a Lei Áurea tão sonhada

Há tanto tempo assinada

Não foi o fim da escravidão?

Samba enredo da Mangueira, de 1988,

de autoria de Alvino, Hélio Turco e Jurandir.

 

O negro mora em palafita

Não é culpa dele não senhor

A culpa é da abolição

Que veio e não o libertou

Música de PJ e Raiz

 

Durante décadas o aniversário da Lei Áurea foi comemorado como marco na emancipação da população preta do Brasil. Com o passar do tempo, o acúmulo de discussões elevou o nível de consciência de forma tal que a data passou de data comemorativa à alvo de críticas. As denúncias se baseiam nos mais variados indicadores sociais (acesso à saúde, à educação, à moradia digna, ao mercado de trabalho, à segurança alimentar, encarceramento massivo, extermínio sistemático, etc) que colocam os pretos na base (ou mesmo no subterrâneo) da pirâmide social brasileira. Mas será que era objetivo da abolição proporcionar qualidade de vida e dignidade ao povo afrodescendente?

De fato, ao contrário da passividade por vezes ensinada nas aulas de história, vários foram os episódios de resistência e levantes de escravizados no Brasil, a exemplo da Revolta liderada por Manoel Congo e Marianna Crioula, a Revolta dos Malês, além, é claro, do conhecido Quilombo dos Palmares. Mas qual o contexto econômico mundial que permeou essa transição entre trabalho escravo e trabalho “livre”?

Sem ignorar todo o sangue ancestral derramado na luta contra o escravismo colonial, precisamos entender a abolição como a ruína do modo de produção escravista diante da força do capitalismo que se impunha ao mundo todo. Exatamente: em todo o mundo. O capitalismo é o único modo de produção que conseguiu predominância em todo o globo terrestre. Antes dele, nenhum.

Há que se destacar, inclusive, que mesmo o escravismo colonial não passava de uma linha auxiliar no processo de consolidação do capitalismo. Foi a principal fonte de recursos sobre os quais se ergueu a revolução industrial.

Entendendo que o capitalismo coloca de um lado proprietários de meios de produção que lucram sem trabalhar, e, de outro, proletários, que trabalham para gerar o lucro dos capitalistas, fica mais fácil desfazer a confusão.

Lembremos que a partir de 1850 o movimento abolicionista começa a, diante da inevitabilidade do fim do escravismo, preparar um Brasil livre e branco. Data deste período o início do imigrantismo. Em poucas décadas, entre o fim do Século XIX e início do XX, essa política foi responsável pela importação de mais de 4 milhões de trabalhadores europeus. Essa era uma medida que, combinada com algumas outras, prometia o extermínio da raça preta até o ano de 2011. O primeiro questionamento a se fazer é: se a classe dominante que preparou a abolição de 1888 foi a mesma que planejou o nosso extermínio, como acreditar que a Lei Áurea iria providenciar vida digna à população preta?

Com a revolução de 30 e a efetivação do modo de produção capitalista no Brasil, a classe dominante começa a enxergar novos horizontes nas relações raciais brasileiras. Uma das medidas que pretendiam o extermínio do preto brasileiro dizia respeito à sua total exclusão social. Só que diante da concorrência desleal com o trabalhador branco no mercado de trabalho – não por menor qualificação para o trabalho (afinal, quem havia construído e trabalhado em tudo até então?), mas pelo racismo científico que se propagava no século XIX -, o proletariado preto foi obrigado a vender sua força de trabalho a um preço inferior ao do trabalhador branco. Este, por sua vez, com receio de perder mercado para um concorrente que vendia a mesma mercadoria (força de trabalho) por um preço menor, acabava por aceitar uma certa redução salarial.

O resultado final de toda essa operação é que a existência dessa parcela preta da classe trabalhadora aceitando menor remuneração que os brancos, acabava por pressionar os salários gerais para baixo, aumentando os lucros da burguesia. Ora, se a razão de ser do capitalismo é o lucro e se o racismo anti-preto promove a elevação dos lucros, as desigualdades raciais se revelam altamente funcionais ao capitalismo.

Resumindo a história, a abolição não foi falsa. Falsas – ou extremamente equivocadas – são as expectativas que se criaram em torno dela.

A abolição de 13 de maio de 1888 veio somente anunciar a rendição de um modo de produção lento, atrasado, arcaico, frente a força dinâmica e modernizadora do capitalismo impondo o trabalho livre assalariado. De uma ponta a outra das Américas, passando pelo Caribe, nenhuma abolição resolveu desigualdades sociais entre pretos e brancos.

Se as abolições significaram tão somente a passagem histórica do escravismo ao capitalismo e se o capitalismo se estrutura por meio do racismo, a realização daquilo de mais profundo que se esperava da abolição só será possível através da aniquilação total da sociedade capitalista.

Assim como a Lei Áurea, lei alguma, nenhuma promessa de mudança vinda de cima para baixo poderá nos emancipar. Assim sendo, não há alternativa que não seja a auto-organização do proletariado preto, para a organização de toda a classe trabalhadora mobilizada na luta pelo socialismo, até o fim da sociedade de classes, até o comunismo!

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- 13/05/2023