Entrevista com Haytham Abdo, liderança da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP)
Cem Flores
09.02.2024
A Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) é uma organização marxista-leninista fundada em 1967 que luta pela libertação revolucionária do povo palestino, há décadas sob ocupação israelense. Atualmente, a FPLP, juntamente com outras organizações palestinas de tendências variadas, participa ativamente da resistência política e militar contra a investida colonial e genocida de Israel, sobretudo na Faixa de Gaza.
Traduzimos e reproduzimos abaixo uma recente entrevista com Haytham Abdo, liderança da FPLP, no podcast norte-americano The Socialist Program (“O Programa Socialista”). Abdo comenta o atual momento da resistência palestina e as mais recentes investidas do inimigo, evidenciando a justeza e o caráter de massas da luta contra a ocupação israelense.
Como afirmamos em publicações anteriores, a solidariedade e o apoio total à luta do povo palestino é uma bandeira internacionalista e anti-imperialista fundamental para o movimento comunista nesta conjuntura. Somente levantando essa bandeira, a posição proletária e a perspectiva socialista poderão crescer em tal resistência concreta.
TODO APOIO À RESISTÊNCIA PALESTINA!
Publicações do Cem Flores em apoio à Resistência Palestina:
Todo apoio à resistência palestina!, de 11.10.2023
Solidariedade à luta palestina, pela Frente Popular pela Libertação da Palestina, de 20.10.2023
Em defesa da Luta Palestina: textos de Francisco Martins Rodrigues, de 21.10.2023
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“O terrorista é a ocupação sionista”, diz liderança da resistência palestina
Leia a entrevista exclusiva de Brian Becker com Haytham Abdo, liderança da Frente Popular para a Libertação da Palestina
02.02.2024
Em 7 de outubro, diversas organizações da resistência palestina realizaram a maior ofensiva contra Israel em anos, denominada de Operação Inundação de Al-Aqsa. A resposta de Israel tem sido considerada pelos principais organismos internacionais e grupos de direitos humanos como genocida, com mais de 27.000 palestinos mortos em Gaza.
Embora o direito de resistir à ocupação, inclusive por meio da luta armada, esteja consagrado no direito internacional, as organizações de resistência palestinas têm sido rotuladas como terroristas. Isso inclui o grupo marxista palestino Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), designado como organização “terrorista” pelas principais potências imperialistas do mundo – Estados Unidos, União Europeia, Canadá e Japão.
Mas qual é a perspectiva daqueles que estão ativamente resistindo à ocupação sobre o momento atual de guerra contra Gaza e como essa perspectiva se posiciona em relação ao mundo?
Brian Becker, do podcast The Socialist Program, entrevistou Haytham Abdo, uma liderança da FPLP, para obter uma perspectiva exclusiva sobre a luta pela libertação palestina:
Brian Becker: Hoje estamos conversando com Haytham Abdo. Ele é um representante da FPLP no Líbano.
Há um movimento de massas nos Estados Unidos em oposição ao apoio dos EUA à campanha genocida de Israel contra o povo de Gaza. Os EUA estão profundamente envolvidos nessa guerra, financiando-a e armando as forças militares israelenses. Um dos principais problemas para as pessoas nos Estados Unidos é que não conseguimos ouvir os representantes do lado palestino. De fato, muitas organizações da resistência palestina, incluindo as mais importantes, são rotuladas pelo governo dos EUA como organizações terroristas. Na verdade, isso é um rótulo oficial dado a essas organizações pelo governo dos EUA. E como resultado, é quase proibido falar com pessoas da Palestina.
É por isso que queríamos falar com você, porque você é um líder de uma das correntes da resistência palestina.
Como você responde a essa alegação, a esse rótulo, a essa caracterização dada pelo governo dos EUA, de que a FPLP e as outras organizações da resistência são entidades terroristas?
Haytham Abdo: Quando falamos sobre terrorista, devemos saber qual é a definição de terrorista. É terrorista [aquele] que se defende? É terrorista aquele que luta pelo seu povo?
[Ou] é terrorista aquele que divide nossas terras e realiza massacres e genocídios como em 1948? Aquele que matou crianças e mulheres? Em Gaza agora, mais de 27.000 pessoas foram mortas nos últimos quatro meses.
Quem é o terrorista? O terrorista é a ocupação sionista, o terrorista agora é quem apoia essa ocupação, que é o imperialismo, que são os Estados Unidos da América e as potências ocidentais. Esse é o terrorista, e não nosso povo. Não nossa resistência.
Temos o direito de resistir, de retornar [à] nossa terra.
BB: Quais são as principais demandas das forças de resistência para alcançar um acordo de cessar-fogo de longo prazo? O que será necessário para que esse acordo seja alcançado?
HA: Em primeiro lugar, precisamos interromper a agressão contra nosso povo. Essa é a primeira coisa, parar a agressão contra nosso povo. Em segundo lugar, suspender o cerco e, em seguida, trazer ajuda humanitária e suprimentos médicos, atendendo as necessidades básicas do nosso povo em Gaza. Também afirmamos que qualquer tentativa de contornar a exigência de cessação da agressão não atende às demandas de nosso povo e serve à ocupação.
O que precisamos é romper o cerco à Faixa de Gaza e começar a fornecer ao nosso povo todas as necessidades básicas para sua sobrevivência, permitindo-nos, ao mesmo tempo, reconstruir instituições e infraestrutura, fornecendo os suprimentos para reativar e apoiar o sistema, que está prestes a entrar em colapso sob o peso dos atos bárbaros da agressão sionista. Além disso, transferir casos graves de feridos na Faixa de Gaza para tratamento no exterior, em países irmãos e amigos.
Isso é o que precisamos de imediato. E a segunda coisa depois disso, depois de [parar] a agressão, [e] a ocupação deixar [a Faixa de Gaza], vem a questão dos prisioneiros.
Eles precisam cumprir três fases para a libertação dos prisioneiros e o cessar fogo. Afirmamos que a primeira coisa é cessar o fogo, então podemos negociar sobre os prisioneiros. É assim que nós, da resistência, entendemos.
BB: Você acha que o governo Netanyahu e Netanyahu como líder individual realmente querem que a guerra termine? Ou ele busca uma guerra mais longa e talvez uma guerra mais ampla, uma guerra regional?
HA: Eu acredito que Netanyahu precisa que essa guerra continue, que se estenda por toda a região. Porque ele sabe bem que, após o término dessa guerra, no primeiro dia, ele irá para a prisão. Por isso, ele está tentando prolongar essa guerra. Ele está tentando levar a guerra a outros países como o Líbano, como a Síria, a todos esses países. Mas ele ainda não teve sucesso nisso. E aí precisa ir além, através do assassinato de comandantes da resistência, como Arouri, e como o comandante [iraniano] na Síria.
E o que ele faz? Ele não quis parar esta guerra. Esta é a realidade.
BB: A opinião pública global virou de forma tão evidente contra Israel e contra seus patronos, contra seus patrocinadores em Washington, e ainda assim, até agora, o governo Biden não exigiu um cessar-fogo.
Qual é a sua avaliação sobre a posição de Biden ou do governo dos EUA? O que eles estão esperando? O que estão procurando? Por que estão adotando tal postura até o momento?
HA: Eu penso que, se Biden quiser um cessar-fogo em Gaza, ele poderia fazer isso em questão horas, mas ele não quer parar esta guerra em Gaza. E, por outro lado, ele não quer estender esta guerra na região. Ele quer continuar a agressão em Gaza, mas, por outro lado, não quer estender a guerra na região. E vimos isso através das visitas de Blinken e Hochstein nessa região. O que eles querem do Líbano ou da Síria, ou da região, é que a guerra não se estenda. Mas ele não [mencionou] um cessar-fogo em Gaza.
Isso é o que Netanyahu precisa. E todo o governo americano também. O governo americano tem relações estratégicas com eles. Sim, eles têm alguns problemas com Netanyahu como indivíduo, mas não têm problema com eles como uma base para o imperialismo em nossa região. Porque Israel desempenha um papel para o imperialismo em nossa região. Não apenas para os EUA, mas também para as potências ocidentais, porque eles sabem que Israel está a favor disso em nossa região.
BB: Os israelenses têm sido muito bem-sucedidos em matar civis, mas até agora parece para o mundo que [Israel] não teve sucesso, apesar de sua superioridade militar, em alcançar seus principais objetivos militares. Por que isso?
HA: Desde o início desta agressão na Faixa de Gaza, os sionistas apresentaram dois objetivos: o primeiro, o resgate dos prisioneiros, e a segunda coisa, acabar com o Hamas ou acabar com a resistência em Gaza. Após quatro meses dessa agressão, o que eles alcançaram? Eles resgataram os prisioneiros? Eles acabaram com o Hamas ou a resistência em Gaza? Certamente não. E eles não alcançarão esses objetivos, porque a resistência é tudo. Todo nosso povo em Gaza é a resistência. Todos em Gaza são resistência, porque [o sionista] não reconhece a diferença entre quem atira e um civil. Ele mata todos. Ele mata tudo na Faixa de Gaza.
BB: A mídia nos Estados Unidos retrata o Hamas como a resistência palestina. Em outras palavras, Hamas e resistência são a mesma coisa. Na verdade, existem várias organizações de resistência, incluindo a sua, a Frente Popular para a Libertação da Palestina. Você poderia comentar sobre o nível de cooperação e coordenação entre as várias organizações de resistência?
HA: Claro. Existe uma verdade nessa questão. É verdade que nas primeiras horas do dia 7 de outubro, o Hamas iniciou essa resistência. Mas agora, desde o segundo dia desta guerra, toda a resistência está participando de forma compartilhada desta guerra, porque esta guerra não é contra o Hamas. Esta guerra é contra todo o povo palestino.
Todos os partidos, todos os partidos da resistência, FPLP, Hamas, Jihad Islâmica e outros, contribuem uns com os outros no terreno contra esta ocupação, contra esta agressão.
Mas a mídia no Ocidente e nos EUA diz que esta é uma guerra contra o Hamas, contra terroristas. Mas isso não é verdade. A verdade é que essa agressão é contra todo o povo palestino, não apenas em Gaza.
Vejamos o que aconteceu na Cisjordânia. E o que acontece em outros lugares. Todo dia essa ocupação mata, essa ocupação destrói, essa ocupação prende. E podemos ver isso desde o dia 7 de outubro até agora: na Cisjordânia, há mais de 6.300 novos prisioneiros.
Isso é contra todo o povo. Isso é contra o povo palestino. E cada pessoa do povo palestino agora resiste a esta agressão, resiste a esta ocupação sionista.
BB: Os Estados Unidos e algumas outras potências ocidentais anunciaram que estão cortando toda a ajuda e fundos para a UNRWA, a agência de ajuda da ONU que tem dezenas de milhares de funcionários em Gaza e tem sido a principal forma de fornecer ajuda humanitária ao povo de Gaza há bastante tempo.
O motivo pelo qual estão cortando os fundos é que identificaram, ou os israelenses disseram, que 12 funcionários da agência de ajuda, entre dezenas de milhares de funcionários, eram realmente membros do Hamas ou participantes do 7 de outubro.
Dado o fato de que o financiamento está sendo cortado para essa agência de ajuda da ONU, teremos uma percepção do seu impacto real no povo de Gaza.
HA: Eu acho que as afirmações deles sobre os 7 ou 12 membros que participaram do 7 de outubro não são verdadeiras. Trata-se de uma questão política.
Primeiro, uma das coisas mais importantes [para eles] era acabar com a UNRWA, porque a UNRWA, ou a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina é testemunha do deslocamento forçado do povo palestino. Porque a UNRWA foi estabelecida com a Resolução 194, o que significa que a UNRWA permanece até o retorno à Palestina. Isso é a primeira coisa.
Agora eles querem acabar com a UNRWA. E Trump cortou o orçamento da UNRWA quando era presidente dos EUA. Ele cortou e obrigou outros países a fazerem o mesmo, interrompendo as doações para a UNRWA.
Eu acredito que isso é uma questão política. Essa questão política afetará significativamente o povo palestino. Como você sabe, milhões de palestinos se beneficiam dos serviços da ONU. Se esses serviços forem interrompidos, o que acontecerá? O que acontecerá? Eu acredito que haverá mais problemas no Oriente Médio. Não apenas na Palestina, não apenas em Gaza, não apenas na Cisjordânia. Também no Líbano e em outros países. Todos os refugiados palestinos serão afetados.
No Congresso [dos EUA], houve discussões por 2 ou 3 anos sobre a definição de refugiado. Quem é um refugiado? Eles querem que o refugiado seja apenas alguém nascido na Palestina antes de 1948. E todos os outros não são considerados refugiados. Basicamente, estão tentando acabar com a questão principal do problema palestino, que é a questão dos refugiados.
Esse é o ponto. Eles usam os 7 ou 12 do Hamas aqui, outra justificativa ali, tudo para alcançar seus objetivos.
BB: Do seu ponto de vista, o que é necessário para unificar a resistência palestina, tanto a nível nacional como a nível político?
HA: A cada etapa, os palestinos se tornam mais fortes e mais focados nos seus direitos.
O 7 de outubro não começou em 7 de outubro. Começou há 17 anos, quando fizeram um cerco a Gaza. Começou há 57 anos, quando ocuparam Gaza.
O 7 de outubro faz parte de um processo de resistência, não isolado do passado e nem das próximas ações de resistência.
Agora, precisamos que todos os partidos palestinos se unam, com suas lutas, com sua resistência, porque essa é a única maneira de vencer.
Precisamos de unidade para reconstruir Gaza após a guerra. Precisamos de unidade para continuar a resistência contra essa ocupação sionista. [Precisamos de] unidade para sermos fortes contra qualquer coisa que seja imposta contra [nós].
Como você vê, os Estados Unidos falam muito sobre o dia seguinte da guerra. Mas se estivermos unificados, eles não farão nada. Aqueles que decidirão o que acontecerá após o primeiro dia do fim desta guerra serão apenas os palestinos e a resistência.
Para nós, o dia seguinte dessa guerra será o da vitória. Será daquele vitorioso nesta guerra.
E quanto à OLP [Organização para a Libertação da Palestina], precisamos reconstruir a OLP. Precisamos da OLP. Precisamos ser parte da OLP, segundo a nossa resistência, não a partir de negociações. Isso é o que precisamos.
Acima de tudo, todos os palestinos em Gaza, no Líbano ou em qualquer outro país, em unidade, como um povo.
BB: Desde o dia 7 de outubro, como mencionei no início, milhões de pessoas fora da Palestina estão nas ruas protestando. Na capital dos EUA, no dia 4 de novembro, fizemos parte de uma coalizão que reuniu 500.000 pessoas. Meio milhão de pessoas para a maior manifestação já vista em apoio à Palestina. Em 13 de janeiro, houve outra manifestação massiva em Washington. Todos os dias há grandes protestos por todo os Estados Unidos. Nada como isso jamais existiu em apoio à Palestina. É uma era totalmente nova, totalmente nova. E não é apenas nos Estados Unidos, é em todo lugar.
Do seu ponto de vista como palestino e parte da resistência, obviamente a luta está na Cisjordânia, em Gaza, na Palestina histórica, nos campos de refugiados, mas agora há esse outro fenômeno global de protestos em apoio à Palestina.
Isso é significativo? Por que é significativo? O povo palestino está ciente disso? Eu quero saber a sua visão, porque do nosso ponto de vista, onde estamos, eu estou em Nova York, parece que entramos em uma nova era política. Mas como a comunidade palestina na Palestina ou na região vê esse processo politicamente?
HA: Eu acho que [os protestos] nos EUA e em todo o mundo em geral são muito importantes. Por que são muito importantes? Muito importantes porque, pela primeira vez, nos EUA, vimos uma manifestação de massas para essa causa.
A primeira coisa que essa manifestação massiva nos dá é força. Fortalece a causa palestina no mundo. Antes, dizíamos que a causa sionista era dominante em todo o mundo.
[Os sionistas] agora têm um grande problema. Olhem o que aconteceu em Haia. Foi inédito. Desde o início da ocupação sionista, eles sempre falavam sobre o genocídio dos judeus na [Segunda Guerra Mundial]. Mas e agora? O que aconteceu? Eles passaram de [vítimas] de um genocídio para aqueles que são os genocidas.
Agora, nesta guerra, cada vez mais pessoas conhecem a questão palestina.
Elas estão mais esclarecidas sobre a questão palestina. Por exemplo, nos EUA, mais de 50% dos jovens agora estão com a causa palestina.
E as pessoas agora estão mais conscientes, mais esclarecidas sobre a questão palestina. A mídia não controla as pessoas como antes.
Isso é muito importante para os palestinos. Pela primeira vez, a questão palestina ou a causa palestina se espalhou por todo o mundo. Espalhou-se para todos.
E vemos que Biden ou o governo americano, agora, [está] sendo afetado por essa transformação no povo americano. Isso é muito importante para o nosso povo. Todos os refugiados palestinos aqui ou em Gaza falam sobre essa posição das pessoas dentro dos EUA e dentro de todos os outros países.
Por exemplo, na Europa, toda semana, assim como em Nova York ou Washington, há uma manifestação massiva. Isso é muito importante para nós. Isso é uma solidariedade muito importante com o povo palestino.
Se algo afetará o governo Biden, serão essas manifestações massivas nos EUA e em outros países.
Veja o restante da entrevista com Haytham Abdo aqui.