Lênin: As Tarefas dos Social-Democratas Russos (1897)
13.05.2024
Em janeiro deste ano, completou-se um século da morte de Lênin, grande líder da Revolução Russa e um dos maiores nomes da história do Comunismo mundial. O resgate das suas contribuições teóricas, ideológicas, políticas etc. é fundamental para a superação do quadro atual de crise do movimento comunista.
Durante todo este ano, buscando homenagear Lênin e suas incontornáveis contribuições ao marxismo e à causa proletária, o Cem Flores está publicando e analisando um conjunto de textos leninistas. Nossos objetivos com esse resgate são principalmente: aprofundar nosso conhecimento de sua obra; analisar o contexto e as lições políticas da luta de Lênin contra as classes dominantes e as posições reformistas e oportunistas no movimento das classes trabalhadoras; retomar seus elementos fundamentais para a reorganização revolucionária do proletariado hoje.
Em suma, trazer os ensinamentos teóricos e práticos de Lênin para a luta de classes de hoje, contra a burguesia e seus “defensores” reformistas; pela organização própria, independente e classista do proletariado e das massas trabalhadoras; pela derrubada do regime do capital e pela construção do Socialismo!
Leia as publicações do Cem Flores no centenário da morte de Lênin:
– Um século da morte de Lênin. Viva o marxismo-leninismo!, de 21.01.2024.
– Lênin: O Dia Internacional das Operárias, de 08.03.2024.
E também nossas outras publicações sobre Lênin em: https://cemflores.org/category/dossie/lenin/
Nesta publicação, trazemos o panfleto “As tarefas dos social-democratas russos”, escrito por Lênin no final de 1897, quando o autor já se encontrava no exílio na Sibéria por conta de suas atividades revolucionária na Rússia czarista. O panfleto circulou clandestinamente por várias cidades e marcou um importante momento de crescimento da influência dos comunistas (chamados de social-democratas à época) que desembocaria na construção do Partido Operário Social-Democrata Russo nos anos seguintes. Utilizamos a tradução revisada do português presente no Arquivo Marxista da Internet.
1. A luta revolucionária na Rússia no final do século 19: a conjuntura de “As tarefas dos social-democratas russos”
No final do século 19, a Rússia era um país de maioria agrária e camponesa. A servidão tinha sido abolida apenas em 1861, fato que tornou a Rússia o último país europeu a abolir formalmente essa relação social. No entanto, mesmo após essa reforma, grande parte dos/as camponeses/as ainda vivia sob fortes resquícios das relações feudais, em intensa opressão e miséria, com muitas ondas de fome. A fajuta emancipação camponesa ocorreu por meio de uma expropriação de parte de suas terras, obrigando amplas massas campesinas a continuarem trabalhando nas terras dos latifundiários para garantir sua sobrevivência, sob intensa exploração e com rudimentares forças produtivas.
O estado russo era expressão dessa brutal dominação dos latifundiários e da nobreza, sendo dirigido de forma autoritária pelo czar. A luta e a organização dos/as trabalhadores/as, de minorias nacionais e religiosas, e inclusive de intelectuais e membros das classes médias contrários ao regime, sofriam intensa vigilância e repressão por parte do czarismo. Também nesse aspecto a Rússia se destacava no continente europeu como um dos regimes mais reacionários da época.
A região remota da Sibéria era usada pelo regime czarista para prender e exilar criminosos e opositores. Havia inclusive campos de trabalho forçado.
Nesse período, no entanto, a Rússia também vivia um rápido processo de urbanização e industrialização, com expansão da burguesia e do proletariado. Um exemplo é o centro urbano de São Petersburgo, com enormes fábricas como a Putilov (retratada na pintura que ilustra esta publicação), uma das maiores da Europa no final do século. O capitalismo também avançava no campo, alterando a composição e as relações das classes. De um modo geral, de um lado, uma minoria de camponeses, agora oficialmente liberta, enriquecia por meio da agricultura mercantil em expansão e da exploração de outros camponeses pobres, integrando uma nascente burguesia agrária. De outro, parte importante desses/as camponeses/as pobres, possuidores de pouca ou nenhuma terra, passavam por um intenso processo de proletarização e assalariamento, tornando-se operários/as agrícolas.
A rápida expansão do operariado na cidade e no campo, sujeitos a intensa exploração e opressão, resultou em um aumento das lutas no país, especialmente sob a forma de greves. Segundo os dados oficiais da Rússia (bastante subnotificados, como afirma Lênin), durante os anos de 1895-1900, ocorreram 143 greves anuais. Isso representava dezenas de milhares de trabalhadores/as anualmente se mobilizando contra os patrões e o estado czarista, formando suas primeiras organizações operárias.
Lênin, membro da União de Luta para a Emancipação da Classe Operária, preso no final de 1895, com 25 anos de idade.
Uma greve muito importante desse período ocorreu em São Petersburgo entre os anos de 1895 e 1896, nomeada por Lênin de Guerra Industrial de Petersburgo. Essa greve recebeu o auxílio dos/as militantes comunistas da União de Luta para a Emancipação da Classe Operária, dentre eles Lênin e Krupskaya. Segundo informações do Arquivo Marxista da Internet:
“A greve de 1896 começou na fábrica de fiação de algodão Kalinkin em 23 de maio. A causa imediata da greve foi a recusa do patronato em pagar integralmente aos trabalhadores o recesso ocorrido por ocasião da coroação de Nicolau 2º. A greve espalhou-se rapidamente por todas as principais fábricas de fiação e tecelagem de algodão de São Petersburgo, e depois por grandes fábricas de máquinas, uma fábrica de borracha, uma fábrica de papel e uma refinaria de açúcar. Pela primeira vez, o proletariado da capital lançou uma luta contra os seus exploradores de forma ampla. Mais de 30.000 trabalhadores entraram em greve. A greve foi conduzida sob a liderança da União de Luta pela Emancipação da Classe Operária de São Petersburgo, que emitiu panfletos e manifestos apelando aos trabalhadores para se manterem firmes na defesa dos seus direitos; a União publicou e distribuiu as principais reivindicações dos grevistas, que incluíam a jornada de trabalho de dez horas e meia, aumento dos salários e pagamento dos salários em dia”.
Segundo a enciclopédia de São Petersburgo, a greve durou mais de 3 semanas. Na tentativa de reprimir a greve, o governo prendeu mais de 1.000 trabalhadores/as e comunistas. A abrangência da manifestação, que se somou a outros movimentos, fez com que o governo reduzisse a jornada de trabalho por meio de legislação para 11,5 horas diárias. A greve também repercutiu pelo continente, sendo saudada pela Segunda Internacional.
Operários/as em fábrica têxtil de Moscou, início do século 20.
Esse contexto nacional de transformações econômicas e repressivo regime político será o pano de fundo do debate e da atuação de grupos revolucionários russos na virada para o século 20. Em torno de questões como o avanço do capitalismo, a alteração nas classes sociais e a permanência do czarismo, as principais forças políticas revolucionárias russas se posicionarão e apresentarão linhas e programas políticos. Dentre elas, duas principais se destacavam: o populismo e a social-democracia.
Os populistas russos incluíam diversos grupos como o Narodnaya Volya (A Vontade do Povo) e o Narodnoye Pravo (O Direito do Povo) e existiam desde a década de 1860, se opondo frontalmente ao regime czarista. Essa corrente, fundamentalmente, destacava as particularidades nacionais russas e o caráter camponês da revolução no país. Não via no proletariado, a nova classe explorada emergente, a classe dirigente do processo revolucionário, e apostava em métodos que desconsideravam a participação do movimento de massas. Os populistas, em sua maioria, também rejeitavam as contribuições do marxismo, crescentemente influente no movimento operário europeu. Ao longo dos anos, o grosso do populismo degenerou-se continuamente e se mostrou ser uma corrente pequeno-burguesa no movimento, contrários aos social-democratas.
Opondo-se, polemizando e disputando com tal corrente, a partir do marxismo, havia a nascente social-democracia. O grupo de Lênin, a União de Luta para a Emancipação da Classe Operária, e a Emancipação do Trabalho, faziam parte dessa corrente. A social-democracia, cuja maior organização e influência se iniciará nos primeiros anos do século 20, destacava o avanço do capitalismo russo, tanto no campo quanto na cidade, e defendia o papel de vanguarda do movimento operário no país. Realizaram uma luta teórica contra os populistas para o marxismo se tornar a teoria hegemônica no movimento revolucionário russo e uma luta prática, junto ao movimento operário e de massas, na construção de táticas, estratégias e programas que levassem em conta as especificidades do caso russo e apontassem para a construção do socialismo moderno.
É importante frisar como Lênin compreendia a aplicação do marxismo na realidade russa:
“Não consideramos, absolutamente, a teoria de Marx como algo acabado e intocável; estamos convencidos, pelo contrário, de que esta teoria não fez senão fixar as pedras angulares da ciência que os socialistas devem impulsionar em todos os sentidos, sempre que não queiram ficar para trás na vida. Acreditamos que para os socialistas russos é particularmente necessário impulsionar independentemente a teoria de Marx, porque essa teoria fornece apenas os princípios diretivos gerais, que se aplicam em particular na Inglaterra, de modo diferente que na França; na França de modo diferente que na Alemanha; na Alemanha de modo diferente que na Rússia.”
Um exemplo da luta entre as duas correntes, populismo e social-democracia, é a polêmica entre o periódico populista de tendência liberal Rússkoe Bogátstvo (Riqueza Russa) e o livro de Lênin Quem são os “Amigos do Povo” e como lutam contra os social-democratas? (Respostas aos artigos da “Rússkoe Bogátstvo” contra os marxistas), de 1894. Em tal obra, Lênin defende as descobertas científicas do marxismo, sobretudo n’O Capital, e a necessidade de utilizar tal arma na análise concreta da situação russa para o avanço do movimento revolucionário no país. Desmascara as teses idealistas dos populistas e seus impactos nefastos à causa revolucionária, apresentando pela primeira vez de forma mais sistemática uma visão científica sobre o capitalismo russo e uma estratégia revolucionária da social-democracia para o país, inclusive lançando as bases para a aliança operário-camponesa, fundamental para a revolução de 1917.
Na obra de 1894, Lênin afirmava:
“A intelectualidade socialista só poderá pensar num trabalho fecundo quando acabar com as ilusões e passar à busca de uma base no desenvolvimento efetivo da Rússia e não em seu desenvolvimento desejável, nas relações econômico-sociais efetivas e não nas prováveis. Seu trabalho TEÓRICO deverá orientar-se para o estudo concreto de todas as formas do antagonismo econômico existentes na Rússia, para o estudo de sua conexão e de seu desenvolvimento consequente; deverá descobrir tal antagonismo sempre que estiver encoberto pela história política, pelas particularidades do regime jurídico, pelos preconceitos teóricos estabelecidos. Deverá fornecer um quadro completo de, nossa realidade, como um sistema determinado de relações de produção, apontar a necessidade da exploração e da expropriação dos trabalhadores sob este sistema, apontar a saída desta ordem de coisas indicada pelo desenvolvimento econômico.”
[…]
“A atividade política dos social-democratas consiste em contribuir para o desenvolvimento e para a organização do movimento operário na Rússia, em fazê-lo sair do estado atual de simples tentativas de protesto, ‘motins’ e greves, dispersos e privados de uma ideia diretriz, convertendo-o numa luta organizada DE TODA A CLASSE operária russa, dirigida contra o regime burguês e tendente à expropriação dos expropriadores, à destruição do regime social baseado na opressão do trabalhador.”
Será em meio a esse embate, de construção das bases teóricas e políticas da ação social-democrata, em oposição à tradição populista e suas mais recentes degenerações, que Lênin escreverá o panfleto “As tarefas dos social-democratas russos”, em 1897.
2. “As tarefas dos social-democratas russos”: principais posições e teses
Capa da segunda edição do panfleto, 1902.
O panfleto de 1897, escrito após a grande greve de São Petersburgo, foi escrito por Lênin para defender as posições da social-democracia contra os grupos populistas, no caso o Narodnaya Volya (A Vontade do Povo) e o Narodnoye Pravo (O Direito do Povo). As principais questões do documento giram em torno da relação entre a luta operária, contra o capital, e a luta democrática, contra a autocracia czarista, entre a luta econômica e a luta política, de forma mais geral. Mais precisamente, a ligação entre as duas lutas e o papel do proletariado no processo revolucionário russo.
No prefácio à segunda edição, Lênin afirma que o panfleto “reflete as particularidades da situação da época e as ‘tarefas’ correspondentes da social-democracia; defende aprofundar e estender o trabalho prático”. Trata-se de um balanço do período inicial de formação da social-democracia russa e de um texto que aborda o problema do trabalho prático e suas diretrizes. No entanto, importante destacar, o mesmo ainda não consegue aprofundar a questão da união da “luta política com a econômica”, como será feito na obra Que fazer? Questões candentes de nosso movimento (1902), quando o próprio avanço do movimento já colocara de forma mais concreta tal questão.
Lênin caracteriza a segunda metade da década de 1890 como um período rico da luta revolucionária russa. Com ampliação da literatura e organizações revolucionárias, importantes lutas, como a greve de 1896 etc. A discussão sobre um programa para a revolução russa estava, então, na ordem do dia.
Do ponto de vista da social-democracia, Lênin enfatiza que a questão mais urgente daquele período era a do trabalho prático. Isso porque, segundo ele:
“no lado teórico, o período mais crítico – o período de uma recusa teimosa dos seus oponentes em entendê-la, dos esforços extenuantes em suprimir a nova tendência no momento em que ela emergia, por um lado, e de uma defesa leal dos fundamentos da Social-democracia, por outro – ficou aparentemente para trás. Agora as características principais e básicas das visões teóricas dos social-democratas já foram suficientemente esclarecidas”.
Em primeiro lugar, nota-se a relevância dada por Lênin para a prática teórica dos revolucionários. Inclusive esse panfleto contém a famosa afirmação de Lênin: “sem uma teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário”. No caso concreto russo, sem a defesa, divulgação e desenvolvimento do marxismo, em oposição às teorias populistas hegemônicas no movimento, não poderia haver o avanço da posição proletária e do movimento operário. Uma organização revolucionária requer, portanto, a articulação tanto de atividades teóricas, quanto de atividades práticas; construção de fundamentos e análises científicas da realidade e imersão nos combates da luta de classes.
Essa questão, como vimos, já era destacada por Lênin na obra de 1894. Lá, o revolucionário russo também dizia: “quanto mais avançar a elaboração desta teoria [revolucionária], tanto mais rapidamente crescerá a social-democracia”. Ao mesmo tempo, a “importância e a grandiosidade do trabalho teórico dos social-democratas” não significa uma separação mecânica do trabalho prático. Ambos devem se fundir em um só trabalho: “não se pode ser dirigente ideológico sem levar a cabo tal trabalho teórico, como tampouco se pode sê-lo sem dirigir este trabalho de acordo com as exigências da causa, sem divulgar os resultados desta teoria entre os operários e ajudá-los em sua organização”.
Quando Lênin fala em trabalho prático, refere-se diretamente a um programa político, seus métodos e suas táticas. E esse é o foco do debate do texto de 1897, explicar as tarefas práticas da social-democracia e o seu programa, rebatendo os argumentos dos populistas. Para Lênin,
“o objeto das atividades práticas dos social-democratas é […] liderar a luta de classe do proletariado e organizar essa luta nas suas duas manifestações: a socialista (a luta contra a classe capitalista no rumo de destruir o sistema de classes e organizar a sociedade socialista) e a democrática (a luta contra o absolutismo rumo às liberdades políticas na Rússia e à democratização do sistema político e social da Rússia).”
Trata-se, portanto, de liderar uma luta de classes que se desenvolve em duas dimensões inseparáveis naquela difícil conjuntura: socialista e democrática. A dualidade da atividade prática da social-democracia era criticada e pouco entendida pelos grupos populistas, e por tal razão Lênin abordará a especificidade de cada uma e como estas se articulam.
Percebe-se nesse texto, diferentemente da obra de 1894, pouca análise do problema rural russo e do programa específico para o campesinato que, apesar da crescente proletarização, ainda tinha enorme peso na formação social russa. Essa questão será abordada por Lênin em outros momentos de forma mais aprofundada no decorrer da revolução. No panfleto de 1897 é nítida a defesa do operariado como classe dirigente do processo revolucionário, em aliança com as demais classes trabalhadoras daquela época. Para Lênin, o proletariado urbano russo era o “mais desenvolvido intelectual e politicamente e mais importante em virtude de sua quantidade e de sua concentração nos grandes centros políticos do país”, e por isso era o meio mais eficaz de propagar a posição revolucionária nas mais amplas massas exploradas. Assim, “a criação de uma organização revolucionária durável entre os trabalhadores urbanos fabris é […] a primeira e mais urgente tarefa a confrontar a social-democracia”, sem, é claro, ignorar “outras camadas do proletariado e da classe trabalhadora russos” que convivem cotidiana e diretamente com a classe operária.
Em relação à atividade socialista, Lênin considera as atividades de propaganda do socialismo científico e as de agitação entre os/as trabalhadores/as na luta contra o capital. Nesse último aspecto, Lênin ressalta:
“[…] os social-democratas participam em todas as manifestações espontâneas de luta da classe operária, em todos os conflitos entre os trabalhadores e os capitalistas sobre a jornada de trabalho, salários, condições de trabalho etc. etc. Nossa tarefa é misturar nossas atividades com as questões práticas, cotidianas, da vida da classe operária, ajudar os trabalhadores a entenderem essas questões, levar a atenção dos trabalhadores aos abusos mais importantes, ajudá-los a formular suas demandas para os patrões de forma mais precisa e prática, desenvolver entre os trabalhadores a consciência de sua solidariedade, de seus interesses comuns e da causa comum de todos os trabalhadores russos como uma classe trabalhadora unida que é parte de um exército internacional do proletariado.”
Nesse importante trecho, notamos que a atividade de agitação não é uma participação externa ao cotidiano dos/as trabalhadores/as, mas sim integrante do mesmo, estando o militante “misturado” junto à massa, em um trabalho sistemático de debate e organização. A elevação da consciência política das massas, de sua solidariedade, portanto, não é algo advindo apenas por discursos do agitador, mas de uma relação política muito mais profunda. Característica da direção comunista que, futuramente, Mao Tsé-Tung formulará lançando mão do conceito de linha de massas.
Essa linha de massas é fundamental pois, para Lênin, a revolução é um processo no qual as amplas massas estão envolvidas, diferenciando-se das perspectivas vanguardistas, blanquistas. Até mesmo o debate da estratégia revolucionária pela vanguarda se torna “doutrinarismo vazio” se estiver descolado do processo concreto de luta de massas. “Quando o exército do proletariado luta inabalavelmente e sob a liderança de uma forte organização social-democrata por sua emancipação econômica e política, esse exército vai por si mesmo indicar os métodos e meios de ação aos generais”.
Em relação à atividade democrática, Lênin a considera “inseparavelmente conectada” à atividade socialista. Isso porque, na conjuntura russa, as atividades de propaganda e agitação da social-democracia contra o capital exigem também propaganda e agitação contra a opressão czarista, seu caráter de classe, contra a repressão a qualquer luta dos trabalhadores. A mudança do regime político na Rússia, sua democratização, era uma necessidade concreta dos operários e demais trabalhadores. Além disso, “a agitação econômica e a política são igualmente necessárias para o desenvolvimento da consciência de classe do proletariado; ambas são igualmente necessárias para guiar a luta de classes dos trabalhadores russos, porque toda luta de classe é uma luta política”.
Nessa manifestação específica da luta de classes, diferentemente da luta socialista mais direta, o proletariado encontrava ao seu lado outras classes e grupos políticos que também se chocavam com o czarismo. E assim Lênin coloca os seguintes questionamentos: “não deviam eles [os social-democratas], combinar-se com todos os elementos na oposição política para lutar contra a autocracia, deixando o socialismo de lado durante esse tempo? Isso não é essencial para fortalecer a luta contra a autocracia?”.
Seguindo as diretrizes do Manifesto Comunista (“por toda a parte os comunistas apoiam todo o movimento revolucionário contra as situações sociais e políticas existentes”), Lênin afirma que a social-democracia, naquele processo de transição ao capitalismo, apoia “as classes sociais progressistas contra as classes reacionárias”. Mas esse “apoio” a frações de classes, inclusive dominantes em ascensão, que se opõem de forma revolucionária ao czarismo e aos resquícios feudais russo,
“não pressupõe […] nenhum compromisso com programas e princípios que não sejam social-democratas – é um apoio dado a um aliado contra um inimigo particular”; “[os social-democratas] não esperam nada para eles mesmos desses aliados temporários e não concedem nada a eles”.
Ou seja, trata-se um possível apoio pontual que não afeta a independência política do proletariado nem bloqueia a luta socialista combinada à democrática.
Para Lênin, tal posição não enfraquecia a luta contra o regime czarista, pelo contrário. A luta democrática passa pela luta de classes e só se resolveria com uma luta de massas. Assim, “só são fortes aqueles lutadores que contam com os interesses reais de certas classes, conscientemente reconhecidos, e qualquer tentativa de obscurecer esses interesses de classe, que já tem um papel predominante da sociedade contemporânea, vai enfraquecer esses lutadores”. Além disso, o proletariado russo é o lutador de vanguarda também pela liberdade política e um regime democrático no país. Diferentemente das outras classes, só ele não possui vínculo algum com o czarismo nem teme uma forte democratização do sistema político. Mais um motivo para suas alianças com frações burguesas e pequeno-burguesas serem pontuais e temporárias, sem ceder qualquer aspecto de sua política, mantendo assim, sua independência.
Aos populistas que acusavam a linha social-democrata de enfraquecer a luta contra o czarismo com tal postura, Lênin responde: “fundir as atividades democráticas da classe operária com as aspirações democráticas de outros grupos e classes enfraqueceria o movimento democrático, enfraqueceria a luta política, faria a classe operária menos determinada, menos consistente, mais suscetível ao compromisso.”
Lênin ainda apresenta no texto de 1897 importantes considerações, embora breves, sobre a necessidade de um partido social-democrata russo. Considerando que a luta revolucionária precisa de um corte de classe e de ter um caráter de massas, há a necessidade de um “partido revolucionário baseado no movimento da classe operária”. Um único partido, unificando os círculos de revolucionários ainda esparsos, que consiga realizar de forma sistemática e profissionalizada as tarefas teóricas e práticas de “educar, disciplinar e organizar o proletariado”, combinando a luta socialista e a democrática no movimento de massas. Eis o instrumento fundamental para o desenvolvimento e a vitória da revolução russa, contra o capital e o regime czarista. A curta mas impactante experiência da União de Luta para a Emancipação da Classe Operária demonstrava a justeza dessa tese.
Por fim, o texto traz ainda uma carta aos operários e revolucionários de São Petersburgo, que enfrentavam uma forte ofensiva repressiva por parte do governo. Lênin demonstra a necessidade de resistir às investidas do inimigo e suportar os sacrifícios comuns a toda luta. As condições ditatoriais da Rússia exigiam ainda mais preparo e dedicação das organizações revolucionárias, caso contrário, a atividade revolucionária não encontraria êxito.
3. Lições para a reconstrução comunista hoje
No atual contexto de crise do movimento comunista, as formulações de Lênin do período de construção da social-democracia na Rússia ganham uma importância particular. Isso porque a dimensão da crise nos coloca o desafio de reconstrução do movimento quase do zero, trazendo significativos paralelos entre as tarefas de hoje e dos revolucionários russos daquele período, mesmo considerando as conjunturas díspares em muitos outros pontos.
Um exemplo da proximidade entre hoje e o texto de 1897 é a necessidade urgente de (re)construção de um partido proletário no país, instrumento capaz de unificar os grupos e organizações revolucionárias e efetivar uma inserção na classe operária. Tal instrumento de combate fundamental está ausente em nossa luta de classes há décadas, sendo um dos fatores inclusive a possibilitar a atual ofensiva de classe burguesa sem uma resistência à altura do proletariado.
Lênin afirma que a construção da corrente comunista não se faz apenas no plano prático, mas também no plano teórico. Essa tarefa hoje nos parece também muito atual: a retomada e o desenvolvimento do marxismo-leninismo na e para a atual conjuntura brasileira, vinculdada ao trabalho junto ao proletariado e demais classes trabalhadoras. No nosso caso, não só há um histórico do movimento comunista nacional de baixo e deturpado desenvolvimento teórico, com um largo passado reformista e de colaboração/subordinação à burguesia, como também um presente com pouca produção marxista nas organizações revolucionárias restantes. A análise concreta da atual realidade concreta brasileira está bastante aquém das necessidades das lutas das massas exploradas; a formação das novas gerações de militantes no marxismo-leninismo é bastante deficiente; várias outras teorias se fazem presentes no seio do movimento de massas sem uma consequente resposta e polêmica por parte do marxismo-leninismo. Nem mesmo um balanço consequente das experiências revolucionárias do século passado possuímos.
Diferentemente do que diz Lênin em 1897, as tarefas teóricas não parecem ter ficado para trás, mas possuem uma relevância muito significativa hoje. Ela precisa ser realizada e articulada com as tarefas práticas que também, não por acaso, encontram-se em estágio inicial, muito recuado.
Outra lição fundamental desse texto de Lênin é a necessidade do trabalho planejado com o proletariado e demais massas trabalhadoras seguindo uma justa linha de massas. A atuação dos/as comunistas no seio das massas, suas atividades de propaganda, agitação e organização, precisam ser pensadas de forma séria pelo movimento comunista e avaliadas constantemente. Trata-se de uma fusão orgânica com o cotidiano das massas, uma construção de uma liderança política sólida, com métodos organizacionais específicos. A postura deslocada, demagógica, típica do eleitoralismo burguês, é extremamente comum na militância da “esquerda” hoje, sendo necessário ao movimento comunista resgatar seus próprios princípios de direção e linha de massas.
A questão das alianças políticas do proletariado para combate de um inimigo comum, sem abandonar sua independência de classe é outra lição do texto de 1897. Mesmo em contexto de uma autocracia altamente reacionária, com a presença de classes e grupos feudais, Lênin combate todos as pressões dos populistas para a classe operária e os/as comunistas se dissolverem em uma luta e organização comum, abandonando temporariamente a luta contra o capital e a burguesia. Tal postura não só é uma afronta aos princípios básicos do comunismo como também era prejudicial à própria luta contra o regime ditatorial em questão. Qualquer aliança deve se subordinar aos interesses do proletariado, servir para o fortalecimento de sua posição e luta, nunca o contrário.
Ora, o que vivemos na conjuntura recente brasileira, nas frentes de combate ao bolsonarismo foi exatamente o contrário: a defesa da subordinação e da paralisia da classe operária à burguesia para a manutenção da ditadura de classe sob sua forma “democrática”; o reforço das ilusões com a democracia burguesa e suas instituições; o enfraquecimento do campo revolucionário, das frentes de lutas concretas, para o reforço das alianças com a direita.
Tais temas e lições serão retomadas em próximos textos de Lênin de forma mais madura e tendo como “escola” a luta revolucionária das massas na Rússia.
* * *
As Tarefas dos Social-Democratas Russos
Vladimir Ilitch Lênin
1897
A segunda metade dos anos 90 [década de 1890] testemunhou um aumento notável no trabalho sendo feito em apresentar e solucionar os problemas da revolução russa. O surgimento de um novo partido revolucionário, o Narodnoye Pravo(1), a influência e os sucessos crescentes dos social-democratas, a evolução dentro do Narodnaya Volya(2) – tudo isso promoveu uma discussão viva sobre as questões de programa tanto em círculos de estudo de intelectuais e trabalhadores socialistas quanto na literatura ilegal. Nessa última esfera, deve-se fazer referência ao “Uma questão urgente” e ao “Manifesto” (1894), do Partido Narodnoye Pravo, ao Panfleto do Grupo Narodnaya Volya, ao Rabotnik publicado no exterior pela Liga dos Social-Democratas Russos(3), à distribuição ascendente de panfletos revolucionários na Rússia, principalmente para trabalhadores, e à agitação conduzida pela social-democrata União de Luta para a Emancipação da Classe Operária em São Petersburgo durante as importantes greves de 1896 etc.
Nos dias de hoje (final de 1897), a questão mais urgente, em nossa opinião, é a das atividades práticas dos social-democratas. Nós enfatizamos o lado prático da social-democracia, porque, no lado teórico, o período mais crítico – o período de uma recusa teimosa dos seus oponentes em entendê-la, dos esforços extenuantes em suprimir a nova tendência no momento em que ela emergia, por um lado, e de uma defesa leal dos fundamentos da social-democracia, por outro – ficou aparentemente para trás. Agora as características principais e básicas das visões teóricas dos social-democratas já foram suficientemente esclarecidas. O mesmo não se pode dizer do lado prático da social-democracia, sobre seu programa político, seus métodos, suas táticas. Nessa esfera, pensamos, a apreensão equivocada e o desentendimento mútuo têm majoritariamente prevalecido, prevenindo uma reaproximação completa entre a social-democracia e aqueles revolucionários que em teoria renunciaram completamente aos princípios do Narodnaya Volya e na prática ou são levados pela força das circunstâncias a continuar a propaganda e a agitação entre os trabalhadores – mais do que isso: a conduzir suas atividades entre os trabalhadores embasados pela luta de classes – ou se esforçam por basear todo seu programa e suas atividades revolucionárias em tarefas democráticas. Se não estivermos errados, a última descrição se encaixa em dois grupos revolucionários que operam hoje na Rússia, paralelamente aos social-democratas, nomeadamente, o Narodnaya Volya e o Narodnoye Pravo.
Nós pensamos, portanto, que é particularmente oportuno tentar explicar as tarefas práticas dos social-democratas e estabelecer a base sobre a qual nós consideramos seu programa [o dos social-democratas] o mais racional dos três que hoje existem e também que os argumentos contra ele são baseados em grande medida em desentendimentos.
O objeto das atividades práticas dos social-democratas é, como é bem conhecido, liderar a luta de classe do proletariado e organizar essa luta nas suas duas manifestações: a socialista (a luta contra a classe capitalista no rumo de destruir o sistema de classes e organizar a sociedade socialista) e a democrática (a luta contra o absolutismo rumo às liberdades políticas na Rússia e à democratização do sistema político e social da Rússia). Dissemos como é bem conhecido. E de fato, desde o momento em que apareceram como uma tendência social-revolucionária separada, os social-democratas Russos sempre indicaram de forma suficiente definida o objeto de suas atividades, sempre enfatizaram a manifestação e o conteúdo duais da luta de classe do proletariado e sempre insistiram na inseparável conexão entre as tarefas socialistas e democráticas – uma conexão claramente expressa no nome que adotaram. Apesar disso, até hoje se encontram com frequência socialistas que têm as mais distorcidas noções sobre os social-democratas e os acusam de ignorar a luta política etc. Alonguemo-nos, portanto, um pouquinho na descrição de ambos aspectos das atividades práticas da social-democracia russa.
Comecemos pela atividade socialista. Alguns poderiam pensar que o caráter da atividade social-democrata a esse respeito já ficou bastante claro desde a social-democrata União de Luta para a Emancipação da Classe Operária em São Petersburgo começou suas atividades entre os operários petersburgueses. As atividades socialistas dos social-democratas russos consiste em espalhar por meio da propaganda os ensinamentos do socialismo científico, em espalhar entre os operários um entendimento apropriado do sistema social e econômico atual, suas bases e seu desenvolvimento, um entendimento das várias classes que há na sociedade russa, suas inter-relações, da luta entre essas classes, do papel da classe operária nessa luta, da sua atitude [da classe operária] frente às classes em declínio e em desenvolvimento, frente ao passado e ao futuro do capitalismo, um entendimento da tarefa histórica da social-democracia internacional e da classe operária russa. Inseparavelmente conectada com a propaganda está a agitação entre os operários, que naturalmente é a vanguarda nas condições políticas atuais da Rússia e no atual nível de desenvolvimento das massas de trabalhadores. A agitação entre os operários significa que os social-democratas participam em todas as manifestações espontâneas de luta da classe operária, em todos os conflitos entre os trabalhadores e os capitalistas sobre a jornada de trabalho, salários, condições de trabalho etc. etc. Nossa tarefa é misturar nossas atividades com as questões práticas, cotidianas, da vida da classe operária, ajudar os trabalhadores a entenderem essas questões, levar a atenção dos trabalhadores aos abusos mais importantes, ajudá-los a formular suas demandas para os patrões de forma mais precisa e prática, desenvolver entre os trabalhadores a consciência de sua solidariedade, de seus interesses comuns e da causa comum de todos os trabalhadores russos como uma classe trabalhadora unida que é parte de um exército internacional do proletariado. Organizar círculos de estudo entre os trabalhadores, estabelecer conexões secretas e apropriadas entre eles e o grupo central dos social-democratas, publicar e distribuir literatura da classe operária, organizar o recebimento de correspondência de todos os centros do movimento da classe operária, publicar panfletos agitativos e manifestos e distribui-los e treinar um corpo de agitadores experientes – essas são, em linhas gerais, as manifestações das atividades socialistas da social-democracia russa.
Nosso trabalho é primeira e principalmente dirigido aos trabalhadores urbanos fabris. A social-democracia russa não pode dissipar suas forças; ela precisa concentrar suas atividades no proletariado industrial, que é mais suscetível às ideias social-democratas, mais desenvolvido intelectual e politicamente e mais importante em virtude de sua quantidade e de sua concentração nos grandes centros políticos do país. A criação de uma organização revolucionária durável entre os trabalhadores urbanos fabris é portanto a primeira e mais urgente tarefa a confrontar a social-democracia, uma tarefa da qual não seria sábio nós nos afastarmos no momento atual. Mas, mesmo reconhecendo a necessidade de concentrar nossas forças nos trabalhadores fabris e nos opondo à dissipação de nossas forças, nós não queremos de maneira alguma sugerir que a social-democracia russa ignore outras camadas do proletariado e da classe trabalhadora russos. Nada desse tipo. As próprias condições de vida dos trabalhadores fabris russos muitas vezes os levam a entrar em relações mais próximas com os artesãos, o proletariado industrial disperso fora das fábricas em cidades e vilas, e cujas condições são infinitamente piores. O trabalhador fabril russo também entra em contato direto com a população rural (muitas vezes a família do trabalhador fabril mora no interior) e, consequentemente, ele não pode senão ter um contato próximo com o proletariado rural, com os muitos milhões de trabalhadores rurais regulares e trabalhadores diaristas, e também com os camponeses arruinados que, enquanto se agarram a seus miseráveis pedaços de terra, precisam quitar suas dívidas e aceitar todo tipo de “trabalho casual”, ou seja, também são trabalhadores assalariados. Os social-democratas russos pensam que é inoportuno enviar suas forças para o meio dos artesãos e trabalhadores rurais, mas de forma alguma pretendem ignorá-los; eles tentaram iluminar os trabalhadores avançados também nas questões que afetam as vidas dos artesãos e dos trabalhadores rurais, de modo que quando aqueles trabalhadores entrarem em contato com as camadas mais atrasadas do proletariado, eles vão imbui-los das ideias da luta de classes, do socialismo e das tarefas da democracia russa em geral e do proletariado russo em particular. É pouco prático enviar agitadores para o meio de artesãos e trabalhadores rurais quando há ainda tanto trabalho a ser feito entre os trabalhadores urbanos fabris, mas em muitos casos o trabalhador socialista entra, querendo ou não, em contato com essas pessoas e precisa saber tirar vantagem dessas oportunidades e entender as tarefas gerais da social-democracia na Rússia. Dessa forma, aqueles que acusam os social-democratas russos de terem uma visão estreita, de tentarem focar nos trabalhadores fabris em detrimento da massa da população trabalhadora, estão profundamente equivocados. Ao contrário, a agitação entre os setores avançados do proletariado é o mais certeiro e único jeito de insurgir (quando da expansão do movimento) o proletariado russo inteiro. A disseminação do socialismo e da ideia da luta de classes entre os trabalhadores urbanos vai inevitavelmente fazer com que essas ideias circulem pelos canais menores e mais dispersos. Isso requer que essas ideias criem raízes profundas entre os elementos melhor preparados e se espalhem pela vanguarda do movimento da classe operária russa e da revolução russa. Mesmo concentrando todas as suas forças em atividades entre os trabalhadores fabris, a social-democracia russa está pronta para apoiar todos aqueles revolucionários russos que, na prática, baseiam suas atividades socialistas na luta de classe do proletariado; mas ela não esconde nem um pouco a questão de que nenhuma aliança prática com outros grupos de revolucionários pode, ou deve, levar a compromissos ou concessões em matéria de teoria, programa ou bandeira. Convencidos de que a doutrina do socialismo científico e a luta de classes é a única teoria revolucionária que pode hoje servir como bandeira do movimento revolucionário, os social-democratas russos se empenharão nos maiores esforços para espalhar essa doutrina, para resguardá-la ante qualquer falsa interpretação e para combater toda tentativa de impor doutrinas mais vagas no ainda jovem movimento da classe operária na Rússia. As razões teóricas provam e as atividades práticas dos social-democratas mostram que todos os socialistas da Rússia deveriam se tornar social-democratas.
Lidemos agora com as tarefas democráticas e com o trabalho democrático dos social-democratas. Repitamos, mais uma vez, que esse trabalho é inseparavelmente conectado à atividade socialista. Ao conduzir a propaganda junto aos trabalhadores, os social-democratas não podem evitar problemas políticos, e sequer devem desviar de qualquer tentativa de evitá-los, ou mesmo de empurrá-los para o lado, como um erro profundo e um desvio dos princípios básicos da social-democracia internacional. Simultaneamente à disseminação do socialismo científico, os social-democratas russos se deram a tarefa de propagar ideias democráticas entre as massas da classe trabalhadora; eles se esforçam para espalhar um entendimento do absolutismo em todas as suas manifestações, de seu conteúdo de classe, da necessidade de derrubá-lo, da impossibilidade de levar a cabo uma luta bem-sucedida pela causa dos trabalhadores sem conquistarmos a liberdade política e a democratização do sistema político e social da Rússia. Ao conduzir agitação entre os operários sobre suas demandas econômicas imediatas, os social-democratas inseparavelmente ligam isso com a agitação das necessidades políticas imediatas, com a angústia e com as demandas da classe operária, com a agitação contra a tirania policial, manifestada em cada greve, em cada conflito entre trabalhadores e capitalistas, com a agitação contra a restrição de direitos de trabalhadores como cidadãos russos em geral e como a classe que sofre a pior opressão e que tem os menores direitos em particular, com a agitação contra todo proeminente representante e lacaio do absolutismo que entre em contato direto com os trabalhadores e que claramente revela à classe operária sua condição de escravidão política. Assim como não há nenhum problema que afeta a vida dos trabalhadores no campo econômica que possa ser deixado sem uso para a agitação econômica, nenhum problema no campo político deixa de servir como matéria para agitação política. Esses dois tipos de agitação estão inseparavelmente conectados nas atividades dos social-democratas como dois lados da mesma moeda. A agitação econômica e a política são igualmente necessárias para o desenvolvimento da consciência de classe do proletariado; ambas são igualmente necessárias para guiar a luta de classes dos trabalhadores russos, porque toda luta de classe é uma luta política. Ao despertar a consciência de classe dos trabalhadores, ao organizar, disciplinar e treiná-los para a ação unificada e para a luta pelos ideais da social-democracia, ambos os tipos de agitação vão capacitar os trabalhadores para testar sua força em problemas imediatos e necessidades imediatas, para espremer concessões parciais dos seus inimigos e assim melhorar sua condição econômica, para obrigar os capitalistas a considerar a força dos trabalhadores organizados, para obrigar o governo a aumentar os direitos dos trabalhadores, prestar atenção em suas demandas e manter o governo em constante medo da hostilidade das massas de trabalhadores guiadas por uma forte organização social-democrata.
Apontamos para a íntima e inseparável conexão entre a propaganda e a agitação socialista e democrática, para o completo paralelismo da atividade revolucionária em ambas esferas. Mesmo assim, há uma grande diferença entre esses dois tipos de atividade e luta. A diferença é que na luta econômica o proletariado ergue-se absolutamente sozinho tanto contra a nobreza dona de terras, quanto contra a burguesia, excetuando, talvez, pela ajuda que recebe (e de jeito nenhum isso acontece sempre) daqueles elementos da pequena burguesia que gravitam na direção do proletariado. Na luta democrática, política, no entanto, a classe operária russa não está sozinha; ao seu lado estão todos os elementos, camadas e classes de oposição política, desde que sejam hostis ao absolutismo e estejam lutando contra ele de uma forma ou outra. Aqui ombro a ombro com o proletariado, estão os elementos opositores da burguesia, ou das classes educadas, ou da pequena burguesia, ou das nacionalidades, religiões e seitas etc. etc. perseguidas pelo governo autocrático. A questão naturalmente surge sobre qual deve ser a atitude da classe operária em relação a esses elementos. Além disso, ela deveria se combinar a eles na luta comum contra a autocracia? Afinal, todos os social-democratas admitem que a revolução política na Rússia deve vir antes da revolução socialista; não deviam eles, assim, combinar-se com todos os elementos na oposição política para lutar contra a autocracia, deixando o socialismo de lado durante esse tempo? Isso não é essencial para fortalecer a luta contra a autocracia?
Examinemos essas duas questões.
A atitude da classe operária, como lutadora contra a autocracia, frente a todos os outros grupos e classes na oposição política é muito precisamente determinada pelos princípios básicos da social-democracia expostos no famoso Manifesto Comunista. A social-democracia apoia as classes sociais progressistas contra as classes reacionárias, a burguesia contra os representantes dos latifundiários privilegiados e contra a burocracia, a grande burguesia contra os esforços reacionários da pequena burguesia. Esse apoio não pressupõe, nem deve ser chamado a isso, nenhum compromisso com programas e princípios que não sejam social-democratas – é um apoio dado a um aliado contra um inimigo particular. Além disso, os social-democratas dão esse apoio para acelerar a queda do inimigo comum, mas não esperam nada para eles mesmos desses aliados temporários e não concedem nada a eles. Os social-democratas apoiam todo movimento revolucionário contra o sistema social atual, eles apoiam todas as nacionalidades oprimidas, religiões perseguidas, propriedades sociais massacradas etc., em sua luta pelos direitos iguais.
O apoio a todos os elementos da oposição política será expresso na propaganda dos social-democratas pelo fato de que, para mostrar que a autocracia é hostil à causa dos trabalhadores, eles também apontarão para a sua hostilidade [da autocracia] a vários outros grupos sociais; apontarão para a solidariedade da classe operária para com esses grupos em um problema particular, em uma tarefa particular etc. Na agitação, esse apoio será expresso pelos social-democratas aproveitarem cada manifestação de tirania policial da autocracia para apontar aos trabalhadores como essa tirania afeta todos os cidadãos russos em geral, e os representantes excepcionalmente oprimidos das propriedades sociais, nacionalidades, religiões, seitas etc., em particular; e como a tirania afeta especialmente a classe operária. Finalmente, na prática, esse apoio é expresso pela prontidão da social-democracia russa para entrar em alianças com revolucionários de outras tendências com o propósito de conquistar certos objetivos particulares, e essa prontidão já foi mostrada na prática em mais de uma ocasião.
Isso nos leva à segunda questão. Enquanto apontam para a solidariedade de um ou outro dos vários grupos de oposição para com os trabalhadores, os social-democratas vão sempre destacar os trabalhadores dos demais, vão sempre apontar que essa solidariedade é temporária e condicional, vão sempre enfatizar a identidade de classe independente do proletariado, que amanhã pode se encontrar em oposição aos aliados de hoje. A nós dirão que “tais ações vão enfraquecer todos os lutadores pela liberdade política de hoje”. Deveremos responder que tais ações vão fortalecer todos os lutadores pela liberdade política. Só são fortes aqueles lutadores que contam com os interesses reais de certas classes, conscientemente reconhecidos, e qualquer tentativa de obscurecer esses interesses de classe, que já tem um papel predominante da sociedade contemporânea, vai enfraquecer esses lutadores. Esse é o primeiro ponto. O segundo ponto é que, na luta contra a autocracia, a classe operária precisa destacar a si mesma, por ser o único inimigo completamente consistente e sem reservas da autocracia, somente entre a autocracia e a classe operária não pode haver nenhum compromisso, somente na classe operária pode democraticamente encontrar um defensor que não faça reservas, que não seja mal resolvido e que não olhe para trás. A hostilidade de todos os outros grupos, classes e camadas da população à autocracia não é desqualificada; sua democracia sempre olha para trás. A burguesia não pode senão perceber que o desenvolvimento social e industrial está sendo retardado pela autocracia, mas ela teme a democratização completa do sistema político e social e pode a qualquer momento se aliar à autocracia contra o proletariado. A pequena burguesia é duas-caras por sua própria natureza e enquanto ela orbita, por um lado, o proletariado e a democracia, por outro lado, orbita as classes revolucionárias, tenta segurar a marcha da história, está apta a ser seduzida pelos experimentos e lisonjas da autocracia (por exemplo, a “política do povo”(4) de Alexandre III), é capaz de se aliar com as classes dominantes contra o proletariado em prol do fortalecimento de sua própria posição de pequena proprietária. As pessoas educadas, e a intelligentsia em geral, não podem senão se revoltar contra a selvagem tirania policial da autocracia, que caça o pensamento e o conhecimento; mas os interesses materiais dessa intelligentsia prendem-na à autocracia e à burguesia, a obrigam a ser inconsistente, a se comprometer, a vender seu ardor oposicionista e revolucionário por um salário de oficial ou por uma parcela de lucros ou dividendos. Quanto aos elementos democráticos das nacionalidades oprimidas e das religiões perseguidas, todo mundo sabe e vê que os antagonismos de classe dentro dessas categorias da população vão muito mais fundo e mais forte que qualquer solidariedade que prenda todas as classes dentro de uma categoria contra a autocracia e a favor das instituições democráticas. Só o proletariado pode ser – e por causa de sua posição de classe, deve ser – um inimigo determinado do absolutismo, consistentemente democrático, incapaz de fazer concessões ou compromissos. Só o proletariado pode ser o lutador de vanguarda pela liberdade política e pelas instituições democráticas. Primeiramente, isso se dá porque a tirania política recai com mais peso sobre o proletariado, cuja posição não lhe dá oportunidade para assegurar uma mudança nessa tirania – ele não tem acesso a autoridades maiores, nem mesmo aos oficiais, e não tem influência na opinião pública. Segundo: só o proletariado é capaz de fazer acontecer a completa democratização do sistema político e social, uma vez que isso poria o sistema na mão dos trabalhadores. É por isso que fundir as atividades democráticas da classe operária com as aspirações democráticas de outros grupos e classes enfraqueceria o movimento democrático, enfraqueceria a luta política, faria a classe operária menos determinada, menos consistente, mais suscetível ao compromisso. Por outro lado, se a classe operária se posta como a lutadora de vanguarda pelas instituições democráticas, isso fortalecerá o movimento democrático, fortalecerá a luta pela liberdade política, porque a classe operária vai estimular todos os outros elementos democráticos e politicamente oposicionistas, vai empurrar os liberais na direção dos radicais, vai empurrar os radicais para uma irrevogável ruptura com toda a estrutura política e social da sociedade atual. Já dissemos que todos os socialistas da Rússia deveriam se tornar social-democratas. Acrescentamos agora: todos os verdadeiros e consistentes democratas da Rússia deveriam se tornar social-democratas.
Vamos ilustrar o que queremos dizer citando o seguinte exemplo. Pegue o serviço civil, a burocracia, como representante de uma categoria especial de pessoas que se especializam no trabalho de administração e ocupam uma posição privilegiada em comparação ao povo. Vemos essa instituição em todo lugar, da Rússia autocrática e semi-asiática até a Inglaterra culta, livre e civilizada, como um órgão essencial da sociedade burguesa. A completa falta de direitos do povo em relação aos oficiais do governo e a completa ausência de controle sobre a burocracia privilegiada corresponde ao atraso da Rússia e ao seu absolutismo. Na Inglaterra, um controle popular poderoso é exercido sobre a administração, mas mesmo lá esse controle está longe de ser completo, mesmo lá a burocracia retém não poucos privilégios e com frequência é mestra, e não serva, do povo. Mesmo na Inglaterra, vemos que os grupos sociais poderosos apoiam a posição privilegiada da burocracia e dificultam a democratização completa dessa instituição. Por quê? Porque é de interesse só do proletariado democratizá-la completamente; as camadas mais progressistas da burguesia defendem certas prerrogativas da burocracia e se opõem à eleição de todos os oficiais, se opõem à completa abolição de qualificações eleitorais, se opõem a fazer os oficiais terem que responder diretamente ao povo etc., porque essas camadas compreendem que o proletariado aproveitaria de tal democratização completa para usá-la contra a burguesia. Esse é o caso da Rússia, também. Muitas e as mais diversas camadas do povo russo se opõem à burocracia onipotente, irresponsável, corrupta, selvagem, ignorante e parasita da Rússia. Mas à exceção do proletariado, nenhuma dessas camadas concordaria com a completa democratização da burocracia, porque todas essas camadas (burguesia, pequena burguesia, a intelligentsia em geral) tem alguns laços com a burocracia, porque todas essas camadas têm parentes e amigos na burocracia russa. Quem não sabe o quão fácil é na Santa Rússia para um intelectual radical, ou intelectual socialista, virar um oficial do Governo Imperial, um oficial que se conforte com o pensamento de que faz “o bem” dentro dos limites da rotina de escritório, um oficial que alega esse “bem” para justificar sua indiferença política, sua servidão frente ao governo do chicote e da chibata? Só o proletariado é hostil sem reservas à autocracia e à burocracia russa, só o proletariado não tem laços com esses órgãos da sociedade burguesa aristocrática e só o proletariado é capaz de uma hostilidade inconciliável para com eles e de se engajar em uma luta determinada contra eles.
Quando mostramos que o proletariado, guiado em sua luta de classe pela social-democracia, é o lutador de vanguarda da democracia russa, encontramos a opinião, muito disseminada e muito estranha, de que a social-democracia russa relega as tarefas políticas e a luta política para o plano de fundo. A nosso ver, essa opinião é o exato contrário da verdade. Como explicaremos esse surpreendente fracasso em entender os princípios da social-democracia que foram frequentemente expostos e foram expostos desde as primeiras publicações social-democratas russas, nos panfletos e livros publicados no exterior pelo grupo Emancipação do Trabalho?(5) A nosso ver, a explicação desse fato assombroso está nas seguintes três circunstâncias.
Primeiro, está no fracasso geral dos representantes das velhas teorias revolucionárias em entender os princípios da social-democracia, acostumados como são em basear seus programas e planos de atividade em ideias abstratas e não na avaliação exata das classes atualmente em ação no país, classes que foram colocadas em certas relações pela história. Essa falta da discussão realista dos interesses que apoiam a democracia russa só pode fazer surgir a opinião de que a social-democracia russa deixa as tarefas democráticas dos revolucionários russos só como plano de fundo.
Segundo, está no fracasso em entender que quando problemas econômicos e políticos, e as atividades socialistas e democráticas, estão unidas em um todo, unicamente na luta de classe do proletariado, isso não enfraquece, mas fortalece o movimento democrático e a luta política, aproximando-os dos reais interesses da massa do povo, arrastando os problemas políticos de dentro dos “estudos abafados da intelligentsia” e os levando às ruas, para o meio dos operários e das classes laboriosas, e substituindo ideias abstratas pelas manifestações reais da opressão política da qual os grandes sofredores são o proletariado e na base da qual os social-democratas conduzem sua agitação. Parece frequentemente para o radical russo que, em vez de franca e diretamente convocar os trabalhadores avançados para se juntarem à luta política, a social-democracia aponta para a tarefa de desenvolver o movimento da classe operária, de organizar a luta de classe do proletariado, e a partir daí recuar de sua democracia, relegar a luta política só ao plano de fundo. Mas se isso é recuar, é o tipo de recuo que está no provérbio francês: Il faut reculer pour mieux sauter! (Um passo atrás para saltar mais à frente!)
Terceiro, o desentendimento surge do fato de que o próprio termo “luta política” significa coisas diferentes para os Narodovoltsi e os Narodopravtsi, de um lado, e para os social-democratas, de outro. Os social-democratas entendem a luta política de uma maneira diferente, entendem-na de forma muito mais ampla do que o fazem os representantes das velhas teorias revolucionárias. Uma clara ilustração desse aparente paradoxo nos é dada pelo Panfleto do Grupo Narodnaya Volya, nº 4, de 9 de dezembro de 1895. Mesmo acolhendo de coração essa publicação, que testemunha o profundo e frutífero pensar que nos Narodovoltsi de hoje, não podemos nos furtar a mencionar o artigo de P.L. Lavrov, “Questões de programa” (p. 19-22), que vividamente revela a concepção diferente de luta política recebida pelos Narodovoltsi da velha guarda(6). “Aqui”, escreve P.L. Lavrov, falando da relação do programa do Narodnaya Volya com o programa social-democrata, “só uma coisa é material, ou seja, é possível organizar um forte partido de operários sob a autocracia e fazê-lo em separado da organização de um partido revolucionário dirigido contra a autocracia?” (p. 21, col. 2); e também um pouco antes disso (na col. 1): “[…] organizar um partido de operários russos enquanto a autocracia reina sem ao mesmo tempo organizar um partido revolucionário contra essa autocracia”. Nós não conseguimos mesmo entender essas distinções que parecem ser de absoluta importância para P.L. Lavrov. Qual é o significado de “um partido de operários em separado de um partido revolucionário contra a autocracia”? Um partido de operários não é por si mesmo um partido revolucionário? Ele não é diretamente contra a autocracia? Essa ideia esquisita é explicada na seguinte passagem no artigo de P.L. Lavrov: “Um partido de operários russos terá que ser organizado sob o mando da autocracia com todos os seus sortilégios. Se os social-democratas tiverem sucesso fazendo isso sem ao mesmo tempo organizar uma conspiração política contra a autocracia, com tudo que vai junto com essa conspiração, aí, é claro, o seu programa político seria um programa apropriado para os socialistas russos, uma vez que a emancipação dos trabalhadores pelos esforços dos trabalhadores eles mesmos estaria completa. Mas isso é muito duvidável, para não dizer impossível” (p. 21, col. 1) [grifos de Lênin]. Então aí está a questão! Para os Narodovoltsi, o termo luta política é sinônimo do termo conspiração política! Precisamos confessar que nessas palavras P.L. Lavrov conseguiu trazer um alívio ousado para a diferença fundamental entre as táticas para a luta política adotada pelos Narodovoltsi e pelos social-democratas. Tradições blanquistas(7), conspiracionistas, são assustadoramente fortes entre aqueles [os Narodovoltsi], tanto que nem conseguem conceber a luta política a não ser na forma de conspiração política. Os social-democratas, no entanto, não são culpados de uma visão tão estreita; eles não acreditam em conspirações; eles pensam que o período de conspirações já ficou muito para trás, que tentar reduzir a luta política às conspirações significa, de um lado, restringir imensamente seu escopo e, de outro lado, escolher os métodos de luta menos adequados. Todos vão entender que a observação de P.L. Lavrov de que “os social-democratas russos aceitam as atividades do Oeste como um modelo infalível” (p. 21, col. 1) não passa de uma manobra polêmica, e que na verdade os social-democratas russos nunca se esqueceram das condições políticas aqui, nunca sonharam serem capazes de formar um partido de operários na Rússia legalmente, nunca separaram a tarefa de lutar pelo socialismo da [tarefa] de lutar pela liberdade política. Mas eles sempre pensaram, e continuam a pensar, que essa luta precisa ser levada a cabo não por conspiradores, mas por um partido revolucionário baseado no movimento da classe operária. Eles pensam que a luta contra a autocracia precisa consistir não de conspirações organizadas, mas em educar, disciplinar e organizar o proletariado, em agitação política entre os operários que denuncie toda manifestação do absolutismo, que exponha todos os cavaleiros do governo policial e obrigue esse governo a fazer concessões. Não é precisamente esse tipo de atividade que está sendo conduzida pela União de Luta pela Emancipação da Classe Operária de São Petersburgo? Essa organização não representa o embrião de um partido revolucionário baseado no movimento da classe operária, que dirige a luta de classe do proletariado contra o capital e contra o governo autocrático sem gestar nenhuma conspiração, mas tirando suas forças da combinação da luta socialista e democrática, na única, indivisível, luta de classe do proletariado de São Petersburgo? Mesmo com sua brevidade, as atividades da União não já mostraram que o proletariado, liderado pela social-democracia, é uma grande força política com quem o governo já foi obrigado a reconhecer, e com quem ele [o governo] se apressa em fazer concessões? Tanto a pressa com que a Lei de 2 de Junho de 1897 passou quanto o conteúdo da lei claramente revelam seu significado como uma concessão espremida pelo proletariado, como uma posição vencida contra o inimigo do povo russo. Essa concessão é bem diminuta, a posição ganha é bem pequena, mas a organização da classe operária, que conseguiu forçar essa concessão também não se distingue por largura, estabilidade, duração ou riqueza de experiências ou recursos. Como se sabe, a União de Luta foi formada só em 1895-96 e seus apelos aos trabalhadores ficaram presos a panfletos hectografados ou litografados. Podemos negar que uma organização como essa, se unisse, pelo menos, os maiores centros do movimento da classe operária na Rússia (São Petersburgo, Moscou-Vladimir, e as áreas do sul, e também as cidades mais importantes como Odessa, Kiev, Saratov etc.), se tivesse um órgão revolucionário ao seu dispor e gozasse de tanto prestígio entre os trabalhadores russos em geral quanto a União de Luta no seio dos operários petersburgueses – podemos negar que tal organização seria um tremendo fator político na Rússia contemporânea, um fator que o governo teria que considerar em toda a sua política interna e exterior. Ao guiar a luta de classe do proletariado, desenvolvendo organização e disciplina entre os operários, ajudando-os a lutar por suas necessidades econômicas imediatas e a ganhar posição atrás de posição do capital, ao educar politicamente os trabalhadores, atacar sistemática e inabalavelmente a autocracia e fazer um tormento da vida de todo bashi-bazouk [soldado] czarista que faz o proletariado sentir a pesada pata do governo policial – uma organização como essa seria ao mesmo tempo um partido de operários adaptada às nossas condições e um partido revolucionário poderoso dirigido contra a autocracia. Discutir antecipadamente quais métodos essa organização vai usar para dar um golpe violento na autocracia, se, por exemplo, vai preferir a insurreição, uma greve política massiva, ou alguma outra forma de ataque, discutir essas coisas antecipadamente e decidir essa questão agora seria um doutrinarismo vazio. Seria como generais chamarem um conselho de guerra antes de terem reunido as tropas, as mobilizado e feito uma campanha contra o inimigo. Quando o exército do proletariado luta inabalavelmente e sob a liderança de uma forte organização social-democrata por sua emancipação econômica e política, esse exército vai por si mesmo indicar os métodos e meios de ação aos generais. Nesse momento, e só a partir daí, será possível decidir a questão de dar o golpe final na autocracia; porque a solução do problema depende do estado do movimento da classe operária, em sua amplitude, nos métodos de luta desenvolvidos pelo movimento, nas qualidades da organização revolucionária liderando o movimento, na atitude de outros elementos sociais para com o proletariado e a autocracia, nas condições que influenciam na política interna e externa – em uma palavra, depende de mil e uma coisas que não podem ser adivinhadas e que seria inútil tentar adivinhar antecipadamente.
É por isso que o seguinte argumento de P.L. Lavrov é extremamente injusto:
“Se, no entanto, eles” (os social-democratas) “tem que, de um jeito ou de outro, não só agrupar as forças dos trabalhadores pela luta contra o capital, mas também reunir os indivíduos revolucionários e os grupos pela luta contra a autocracia, os social-democratas russos vão na verdade adotar o programa de seus adversários, o Narodnaya Volya, não importa como eles se chamem. As diferenças de opinião sobre a comunidade da vila, o destino do capitalismo na Rússia e o materialismo econômico são detalhes de pequena importância para a causa real, facilitando ou dificultando a solução de problemas particulares, métodos particulares de preparar os pontos principais, mas nada mais do que isso” (p. 21, col. 1).
É estranho ter que contestar essa última afirmação – que as diferenças de opinião sobre as questões fundamentais da vida russa e do desenvolvimento da sociedade russa, sobre os problemas fundamentais da concepção de história são apenas “detalhes”! Foi dito há muito tempo que sem uma teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário e quase não é necessário provar isso hoje em dia. A teoria da luta de classe, a concepção materialista da história da Rússia e a avaliação materialista da atual situação econômica e política na Rússia, o reconhecimento da necessidade de relacionar a luta revolucionária estritamente com os interesses definidos de uma classe definida e analisar a sua relação com outras classes – chamar essas grandes questões revolucionárias de “detalhes” é tão colossalmente errado e inesperado, vindo de um veterano da teoria revolucionária, que nós estamos inclinados a ver essa passagem como um lapso. Quanto à primeira parte da citação, sua injustiça é ainda mais desnorteadora. Se pôr a escrever que os social-democratas russos só agrupam as forças dos trabalhadores para a luta contra o capital (ou seja, só para a luta econômica!) e não reúnem indivíduos e grupos revolucionários para a luta contra a autocracia significa que o autor ou não sabe ou não quer saber fatos amplamente conhecidos sobre as atividades dos social-democratas russos. Ou, talvez, P.L. Lavrov não considere os social-democratas que estão engajados no trabalho prático na Rússia como “indivíduos revolucionários” e “grupos revolucionários”?! Ou (e essa, talvez, seja a mais provável) por “luta” contra a autocracia, ele queira dizer só conspirações contra ela? (Cf. p. 21, col. 2: “[…] é uma questão de […] organizar uma conspiração revolucionária”; itálicos nossos). Talvez, na opinião de P.L. Lavrov, aqueles que não organizam conspirações políticas não estão engajados na luta política? Repetimos mais uma vez: opiniões como essa correspondem fielmente às velhas tradições do velho Narodnaya Volya, mas não correspondem em nada nem às concepções contemporâneas de luta política nem às condições contemporâneas.
Ainda temos umas poucas palavras sobre os Narodopravtsi. P.L. Lavrov está bastante certo, em nossa opinião, quando diz que os social-democratas “recomendam aos Narodopravtsi ser mais francos, e estarem prontos a lhes darem apoio, sem, contudo, se fundir com eles” (p. 19, col. 2); ele deveria só ter acrescentado: como democratas mais francos e chegando ao grau de os Narodopravtsi agirem como democratas consistentes. Infelizmente, essa condição é mais uma questão de um futuro desejado do que do presente. Os Narodopravtsi expressaram um desejo de livrar as tarefas democráticas do Narodismo e das formas obsoletas de “socialismo russo” em geral; mas eles mesmos estavam tão distantes de ficarem livres de velhos preconceitos, e estavam longe de serem consistentes quando eles descreveram seu partido, exclusivamente um partido para reformas políticas, como um partido “social (??!)-revolucionário” (vejam seu “Manifesto” de 19 de fevereiro de 1894) e declararam em seu “Manifesto” que “o termo direitos do povo inclui a organização da indústria do povo” (somos obrigados a citar de memória) e assim introduziram preconceitos Narodnik sub rosa. Dessa forma, P.L. Lavrov não estava, talvez, de todo errado quando os descreveu como “políticos mascarados” (p. 20, col. 2). Mas talvez fosse mais justo considerar a doutrina do Narodnoye Pravo como transicional, ao que devemos o crédito de dizer que que ela [a doutrina] estava envergonhada do caráter original das doutrinas Narodnik e abertamente começaram uma batalha contra aqueles abomináveis reacionários Narodnik, que, apesar da existência de um mando absoluto da polícia e das classes superiores, têm a audácia de falar do quão desejáveis são as reformas econômicas e não as políticas (vejam “Uma questão urgente”, publicada pelo Partido Narodnoye Pravo). Se o Partido Narodnoye Pravo realmente não tem ninguém que não seja ex-socialistas escondendo suas bandeiras socialistas por considerações práticas e que meramente vestem a máscara de políticos não socialistas (como P.L. Lavrov assume, p. 20, col. 2), então, é claro, o partido não tem nenhum futuro. Se, no entanto, o partido contém políticos não mascarados, mas realmente não socialistas, democratas não socialistas, então esse partido pode fazer não pouca coisa ao esforçar-se para puxar para perto a oposição política no seio da burguesia, ao esforçar-se para despertar a consciência política da pequena burguesia, pequenos lojistas, pequenos artesãos etc. – a classe que, em todo lugar na Europa Ocidental, teve um papel no movimento democrático e, na Rússia, teve um progresso excepcionalmente rápido em questões culturais e outras também no período pós-Reforma, e que não pode evitar sentir a opressão do governo policial que dá seu apoio cínico aos grandes donos de fábricas, aos magnatas das finanças e ao monopólio industrial. Para isso acontecer, tudo o que é preciso é que os Narodopravtsi devem tomar como sua tarefa se aproximar de várias camadas da população e não se confinarem eles mesmos à mesma “intelligentsia” cuja impotência, devida ao seu isolamento dos reais interesses das massas, é admitida até mesmo no “Uma questão urgente”. É preciso que os Narodopravtsi abandonem qualquer ideia de se fundir diferentes elementos sociais e de empurrar o socialismo para o lado em prol de tarefas políticas, [é preciso que] abandonem a falsa vergonha que os previne de se aproximar às camadas burguesas da população, ou seja, que eles não só falem de um programa para políticos não socialistas, mas ajam de acordo com esse programa, despertando e desenvolvendo a consciência de classe desses grupos e classes sociais para quem o socialismo é bastante desnecessário, mas quem, com o passar do tempo, cada vez mais sente a opressão da autocracia e a necessidade da liberdade política.
* * *
A social-democracia Russa é ainda muito nova. Está apenas emergindo de seu estado embrionário no qual as questões teóricas predominaram. Está só começando a desenvolver sua atividade prática. No lugar de criticar os programas e teorias da social-democracia, os revolucionários de outros partidos tiveram sua necessidade movida para a crítica da atividade prática dos social-democratas russos. E é preciso admitir que essa mais recente crítica difere de maneira muito aguda da crítica teórica, difere tanto, de fato, que foi possível fazer circular o boato cômico de que a União de Luta de São Petersburgo não é uma organização social-democrata. O próprio fato de que esse boato apareceu mostra quão infundadas são as acusações agora postas que os social-democratas ignoram a luta política. O próprio fato de que esse boato apareceu mostra que muitos revolucionários que não foram convencidos pela teoria social-democrata agora estão começando a ser convencidos por suas práticas.
A social-democracia russa ainda está defrontada com um enorme, quase intocado campo de trabalho. O despertar da classe operária russa, seu despertar espontâneo para o conhecimento, a organização, o socialismo, para a luta contra seus exploradores e opressores se tornou mais disseminada, mais fortemente aparente a cada dia. O enorme progresso feito pelo capitalismo russo nos últimos tempos é uma garantia de que o movimento da classe operária vai crescer ininterruptamente em largura e profundidade. Aparentemente estamos passando pelo período do ciclo capitalista quando a indústria está “prosperando”, quando os negócios estão vivos, quando as fábricas estão trabalhando com capacidade total e quando inúmeras novas fábricas, novas empresas, companhias de capital social, empresas ferroviárias etc. etc. estão crescendo como cogumelos. Ninguém precisa ser profeta para prever a inevitável e bem aguda quebra que sucederá a esse período de “prosperidade” industrial. Essa quebra vai arruinar massas de pequenos proprietários, vai jogar massas de trabalhadores nas fileiras do desemprego e vai, portanto, confrontar todos os trabalhadores de forma aguda com os problemas do socialismo e da democracia com que já há tempos cada trabalhador pensante, com consciência de classe, se defronta. Os social-democratas russos precisam fazer com que, quando essa quebra vier, o proletariado russo esteja mais consciente, mais unido, capaz de entender as tarefas da classe operária russa, capaz de impor uma resistência à classe capitalista – que agora está conseguindo imensos lucros e sempre desperta para jogar aos trabalhadores as perdas – e capaz de liderar a democracia russa em uma luta decidida contra a autocracia policial, que prende e trancafia os operários russos e todo o povo russo.
Então, ao trabalho, camaradas! Não percamos nosso precioso tempo! Os social-democratas russos têm muito a fazer para atingir os requisitos do proletariado que desperta, para organizar o movimento da classe operária, para fortalecer os grupos revolucionários e seus laços mútuos, para suprir os operários com literatura de agitação e propaganda e para unir os círculos de operários e os grupos social-democratas por toda a Rússia em um único Partido Operário Social-Democrata!
Aos Operários e Socialistas de São Petersburgo da União de Luta
Os revolucionários de São Petersburgo estão vivendo tempos difíceis. Parece que o governo concentrou todas as suas forças para esmagar o recém-nascido movimento da classe operária, que já deu uma grande demonstração de força. Detenções são feitas em uma escala sem precedentes e as prisões estão superlotadas. Intelectuais, homens e mulheres, e as massas de trabalhadores estão sendo arrastados e exilados. Quase todo dia vemos notícias de novas vítimas do governo policial, que se jogou em fúria sobre seus inimigos. O governo deu a si mesmo o objetivo de prevenir a nova tendência no movimento revolucionário russo de ganhar força e levantar-se sobre seus pés. Os promotores públicos e os gendarmes já estão ostentando que esmagaram a União de Luta.
A ostentação é uma mentira. A União de Luta está intacta, apesar de toda a perseguição. Com satisfação profunda, declaramos que as prisões por atacado estão fazendo seu trabalho – elas são uma arma poderosa de agitação entre os operários e os intelectuais socialistas, que os lugares dos revolucionários caídos estão sendo tomados por novas pessoas que estão prontas, com energia fresca, para se juntarem às fileiras dos defensores do proletariado russo e de todo o povo da Rússia. Não há luta sem sacrifício e à brutal perseguição dos bashi-bazouks [soldados] czaristas, nós calmamente respondemos: Revolucionários pereceram – Vida longa à Revolução!
Até agora, a perseguição intensificada só foi capaz de causar um enfraquecimento temporário em certas funções da União de Luta, uma escassez temporária de agentes e agitadores. É essa escassez que nós agora sentimos e que nos move a convocar todos os trabalhadores com consciência de classe e todos os intelectuais desejosos de devotar suas energias à causa revolucionária. A União de Luta precisa de agentes. Que todos os círculos de estudos e todos os indivíduos desejosos por trabalhar em qualquer esfera da atividade revolucionária, até as mais restritas, informem aqueles em contato com a União de Luta. (Se algum grupo estiver impossibilitado de contatar tais indivíduos – isso é bastante improvável – eles podem fazê-lo por meio da Liga dos Social-Democratas Russos no Estrangeiro). Pessoas são necessárias para todos os tipos de trabalho e, quanto mais estritamente os revolucionários se especializarem nos vários aspectos da atividade revolucionária, mais estritamente eles refletem sobre seus métodos de trabalho clandestino e formas de ocultá-lo, mais abnegadamente eles se concentram nos trabalhos menores, fora da vista e particulares, mais seguro será todo o trabalho e mais difícil será para os gendarmes e espiões descobrirem os revolucionários. Antecipadamente o governo enredou não só os centros existentes de elementos antigoverno, mas também os possíveis e prováveis, em uma rede de agentes. O governo está constantemente desenvolvendo o tamanho e alcança das atividades daqueles lacaios que caçam revolucionários, está planejando novos métodos, introduzindo mais provocadores, tentando impor pressão nos presos através da intimidação, confrontação com falsos testemunhos, assinaturas forjadas, cartas falsas plantas etc. etc. Sem o fortalecimento e o desenvolvimento da disciplina, da organização e da atividade clandestina revolucionária, a luta contra o governo será impossível. E a atividade clandestina demanda acima de tudo que os grupos e indivíduos se especializem em diferentes aspectos de trabalho e que o trabalho de coordenação seja atribuído ao grupo central da União de Luta, com o mínimo possível de membros. Os aspectos do trabalho revolucionário são extremamente variados. Agitadores legais são necessários, para falar com os trabalhadores de uma maneira que não lhes exponha à perseguição e possam apenas dizer a, deixando b e c para outros. Distribuidores de panfletos e literatura são necessários. Organizadores de círculos de estudos e grupos de trabalhadores são necessários. Correspondentes são necessários, para dar um quadro completo dos eventos em todas as fábricas. Pessoas são necessárias para ficar de olho nos espiões e provocadores. Pessoas são necessárias para organizar lugares clandestinos para reuniões. Pessoas são necessárias para distribuir literatura, transmitir instruções e organizar todo tipo de contato. Coletores de fundo são necessários. Agentes são necessários para trabalhar entre a intelligentsia e o governo, pessoas em contato com os operários e a vida fabril, com a administração (com a política, inspetores de fábrica etc.). Pessoas são necessárias para contatar as diferentes cidades da Rússia e outros países. Pessoas são necessárias para organizar várias formas de contrabandear todas as formas de literatura. Pessoas são necessárias para cuidar da literatura e outras coisas etc. etc. Quando menor e mais específico for o trabalho pego por uma pessoa individual ou um grupo individual, maior será a chance de que eles examinem bem as coisas, façam o trabalho adequadamente e garantam seu melhor contra qualquer fracasso, que eles considerem todos os detalhes do trabalho clandestino e usem todos os meios possíveis para despistar e confundir os gendarmes, mais o sucesso estará garantido, mais difícil será para a polícia e os gendarmes acompanharem os revolucionários e suas ligações com suas organizações, e mais fácil será para o partido revolucionário substituir, sem prejuízo para a causa como um todo, agentes e membros que caíram. Sabemos que a uma especialização assim é uma questão muito difícil, difícil porque demanda do indivíduo a maior resistência e abnegação, demanda colocar todas as forças em um trabalho que é imperceptível, monótono, que o priva de contato com camaradas e subordina a vida inteira do revolucionário a uma rotina sombria e rígida. Mas foi só em condições como essa que os maiores homens da prática revolucionária na Rússia tiveram sucesso em levar a cabo os empreendimentos mais ousados, passando anos em uma preparação total, e nós estamos profundamente convencidos de que os social-democratas não vão demonstrar menos autossacrifício do que os revolucionários das gerações passadas. Estamos também cientes de que o tempo preliminar previsto pelo nosso sistema, durante o qual a União de Luta vai coletar a informação necessária sobre indivíduos ou grupos que ofereçam seus serviços e vai dar a eles algo a fazer como teste, será um tempo muito difícil para muitas pessoas ansiosas por devotar suas energias ao trabalho revolucionário. Mas sem esse teste preliminar, a atividade revolucionária na Rússia de hoje é impossível.
Ao sugerir esse sistema de trabalho aos nossos novos camaradas, expressamos uma visão trazida depois de uma longa experiência, estando profundamente convencidos de que ela, mais do que qualquer outra, garante um trabalho revolucionário bem-sucedido.
Notas de rodapé:
(1) Narodnoye Pravo (O Direito do Povo) – uma organização ilegal de intelectuais democratas russos fundada no verão de 1893, seus iniciadores incluíam O. V. Aptekman, A. I. Bogdanovich A. V. Gedeonovsky, M. A. Natanson, e N. S. Tyutchev, que anteriormente tinham pertencido ao Narodnaya Volya. Os Narodopravtsi, como eram chamados os membros do partido, se colocaram o objetivo de unir todas as forças de oposição para lutar por reformas políticas. A organização lançou dois documentos programáticos, Manifesto e Uma questão urgente. Na primavera de 1894, o grupo foi desmantelado pelo governo czarista. As considerações de Lenin sobre o Narodnoye Pravo como um partido político podem ser encontradas nos seus textos Quem são os “amigos do povo” e como lutam contra os Social-democratas [na edição referenciada, Vol. 1] e na página 344 [da edição referenciada]. A maioria dos Narodopravtsi subsequente entraram no Partido Socialista-Revolucionário.
(2) O grupo Narodnaya Volya (A Vontade do Povo) [cujos membros eram conhecidos como Narodovoltsi] foi fundado em São Petersburgo no outono de 1891 com seu próprio programa. Seus membros originais incluíam M. S. Olminsky (Alexandrov), N . L. Meshcheryakov, Y. M. Alexandrova, A. A. Fedulov e A. A. Yergin. Panfletos e o Rabochy Sbornik (Coletânea dos Trabalhadores) e dois números do Letuchy Listok (O Panfleto) foram publicados ilegalmente pela imprensa do grupo. Em abril de 1894, o grupo foi desmantelado pela polícia, mas logo retomou suas atividades. Nessa época, estavam no processo de abandonar as visões do Narodnaya Volya para aderir à social-democracia. O último número do Letuchy Listok, o número 4, que apareceu em dezembro de 1895, tinha claros traços de influência social-democrata. O grupo estabeleceu contato com a social-democrata União de Luta para a Emancipação da Classe Operária em São Petersburgo e usou sua imprensa para lançar várias publicações da União, por exemplo, o texto de Lênin Explanação sobre a Lei de Multas Impostas aos Trabalhadores Fabris [páginas 29-72 da obra referenciada] e negociou com a União sobre publicações conjuntas do jornal Rabocheye Dyelo. Pretendiam usar a imprensa do grupo para lançar o panfleto de Lênin Sobre as greves, que tinha sido contrabandeado da prisão em maio de 1896. Mas a sugestão foi descoberta pela polícia, que destruiu a imprensa e prendeu todos os membros do grupo em junho de 1896. O grupo então parou de existir e alguns de seus membros(P. F. Kudelli, N. L. Meshcheryakov, M. S. Olminsky e outros) posteriormente viraram figuras ativas no Partido Operário Social-Democrata Russo, ainda que a maioria tenha se juntado ao Partido Socialista-Revolucionário.
(3) A Liga dos Social-Democratas Russos no Exterior foi fundada em 1894 em Genebra, como iniciativa do grupo Emancipação do Trabalho e tinha sua própria imprensa, em que imprimia literatura revolucionária. De início, o grupo Emancipação do Trabalho guiou a Liga e editou suas publicações. A Liga lançou as coletâneas de Rabotnik e o Litski “Rabotnika” e publicou o texto de Lênin Explanação sobre a Lei de Multas Impostas aos Trabalhadores Fabris (1897), o texto de Plekhanov Nova Movimentação Contra a Social-democracia Russa (1897 etc. O Primeiro Congresso do POSDR, feito em março de 1898, reconheceu a Liga como o representante do Partido no exterior. Com o passar do tempo, os elementos oportunistas – os “economistas” ou também chamados grupo “jovem” – garantiram controle sobre a Liga. No Primeiro Congresso da Liga, realizado em Zurique em novembro de 1898, o grupo Emancipação do Trabalho anunciou sua recusa em editar as publicações da Liga, com a exceção dos números 5 e 6 do Rabotnik e os panfletos de Lênin As tarefas dos social-democratas russos e A Nova Lei Fabril, que o grupo aceitou publicar. A partir daí, a Liga publicou o Rabocheye Dyelo, uma revista dos “economistas”. O grupo Emancipação do Trabalho finalmente rompe com a Liga e deixa suas fileiras em abril de 1900, no Segundo Congresso da Liga, realizado em Genebra, quando o grupo Emancipação do Trabalho e seus apoiadores deixaram o Congresso e estabeleceram uma organização social-democrata independente. Em 1903, o Segundo Congresso do POSDR adotou uma decisão de expulsar a Liga.
(4) Essa passagem se refere à política aplicada por N. P. Ignatyev, Ministro do Interior, em 1881-1882, que pretendia, como Lênin aponta, “enganar” os liberais; ao acenar para a democracia, esperava esconder o fato de que o governo de Alexandre III já havia passado totalmente para o lado da reação. Parte dessa política foi convocar conferências do “povo bem informado”, que incluía Marechais da Nobreza, representantes das Administrações dos Zemstvos e pessoas similares para discutir problemas relacionados à redução dos pagamentos por distribuição das terras, a organização adequada da migração e a reforma dos governos locais. Uma sugestão foi feita para convocar o chamado Zemsky Sobor para ser recebido por uma multidão de mais de três mil. Todo esse aparato, no entanto, terminou na renúncia de Ignatyev, seguida de um período de “reação descontrolada, incrivelmente sem sentido e brutal” (Ver Quem são os “amigos do povo” e como lutam contra os social-democratas [na edição referenciada, Vol. 1]).
(5) O grupo Emancipação do Trabalho foi o primeiro grupo marxista russo. Foi fundado em Genebra por G. V. Plehkhánov em 1883 e incluía P. B. Axelrod, L. G. Deutsch, Vera Zasulich e V. N. Ignatov.
O grupo fez muito para disseminar o marxismo na Rússia. Traduziu trabalhos marxistas como o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, Trabalho assalariado e Capital, de Marx, e Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, de Engels etc., publicando-os no exterior e organizando sua distribuição na Rússia. Plekhánov e seu grupo derrubaram o Narodismo. Em 1893, Plekhánov esboçou o programa para os Social-democratas Russos e em 1885 fez outro esboço. Os dois esboços foram publicados pelo grupo Emancipação do Trabalho e marcaram um importante passo para o estabelecimento de um Partido Social-Democrata na Rússia. Os textos de Plekhánov Socialismo e a Luta Política (1883), Nossas Diferenças (1885), O Desenvolvimento da Visão Monista da História (1895) tiveram uma importância considerável em disseminar as visões marxistas. O grupo, no entanto, cometeu alguns erros sérios. Ele se apegou aos restos das visões Narodnik, subestimaram o papel revolucionário do campesinato e superestimaram o papel da burguesia liberal. Esses erros foram embriões das futuras visões mencheviques sustentadas por Plekhánov e outros membros do grupo. O grupo teve um importante papel em imbuir a classe operária russa com consciência de classe revolucionária mas não tinha ligações práticas com o movimento da classe operária. Lênin apontou que o grupo Emancipação do Trabalho “só teoricamente fundou a social-democracia e deram o primeiro passo na direção do movimento da classe operária”. O grupo estabeleceu ligações com o movimento operário internacional e representou a social-democracia Russa em todos os congressos da Segunda Internacional desde o primeiro realizado em Paris em 1889.
No Segundo Congresso do POSDR, realizado em agosto de 1903, o grupo Emancipação do Trabalho anunciou sua dissolução.
(6) NA: O artigo de P.L. Lavrov no número 4 é, de fato, só um “excerto” de uma longa carta escrita por ele para o Material*. Nós ouvimos falar que o texto completo da carta e uma resposta de Plekhánov também foram publicados no exterior nesse verão (1897) mas nós não vimos nem um nem outro. Nem sabemos se o Panfleto do Grupo Narodnaya Volya, número 5, no qual os editores prometeram publicar um artigo editorial sobre a carta de P.L. Lavrov, já apareceu. Ver o número 4, p. 22, col. 1, nota de rodapé.
*[Lênin se refere a uma coleção de artigos nomeados Material para uma História do Movimento Social-Revolucionário Russo, publicado em Genebra nos anos de 1893-96 pelo Grupo dos Membros do Antigo Narodnaya Volya (P.L. Lavrov, N.S. Rusanov e outros). No todo, quatro coleções foram publicadas em cinco volumes (dezessete era o plano original)].
(7) Blanquismo – uma tendência no movimento socialista francês encabeçada pelo excepcional revolucionário e proeminente representante do comunismo utópico francês, Louis-Auguste Blanqui (1805-81).