Meu Nome é Mahmoud Khalil e Eu Sou um Prisioneiro Político
Manifestação pela libertação de Mahmoud Khalil na Universidade Columbia, em Nova Iorque, em 10 de março.
Cem Flores
28.03.2025
Na noite de 8 de março, uma patrulha do aparelho repressivo do estado capitalista dos EUA sequestrou Mahmoud Khalil de sua casa, na moradia estudantil da Universidade Columbia, em Nova Iorque. Sem nenhuma acusação criminal ou de qualquer outro tipo e sem mandato judicial, Khalil foi algemado e desapareceu. Posteriormente se soube da sua transferência para uma prisão na Louisiana, mais de 2.000 quilômetros de distância de casa. Sua deportação dos EUA está temporariamente suspensa por uma decisão judicial, baseada em pedido de habeas corpus (não concedido) feito por seus advogados.
Mahmoud Khalil é um estudante Palestino de 30 anos, nascido em um campo de refugiados Palestinos em Damasco, capital da Síria, e posteriormente refugiado em Beirute, capital do Líbano, fugindo da guerra civil na Síria. Formado em ciências da computação pela Escola Libanesa Americana de Beirute, ele imigrou para os EUA em 2022, com visto de estudante, para cursar mestrado na Universidade Columbia. Em 2023, ele se casou com Noor Abdalla, uma dentista cidadã dos EUA, que atualmente está no último mês de gravidez. Em 2024, Khalil obteve a residência permanente nos EUA (o chamado green card) e sua formatura está prevista para maio deste ano.
O ativista palestino Mahmoud Khalil.
A razão para essa prisão política – feita diretamente sob o discurso de extrema-direita, fascista e pró-sionista, de Trump, e sob as ordens do seu secretário de estado, o gusano Marco Rubio – é a militância de Khalil em defesa do povo Palestino e contra o genocídio que o governo de Israel está realizando na Faixa de Gaza há mais de um ano.
Khalil se destacou como negociador entre os estudantes mobilizados no acampamento em defesa da Palestina e a Universidade Columbia, que foi uma das principais ocupações de dezenas de universidades nos EUA e ao redor do mundo, a partir de abril de 2024. Esses protestos foram duramente reprimidos pela polícia, gerando mais de 3 mil presos, e também pelas universidades, com proibições de acampamentos e de manifestações, suspensões, demissões e expulsões. A própria Universidade Columbia passou a classificar “o uso do termo ‘sionista’ para se referir a israelenses ou judeus como uma forma de assédio”!
A Universidade Columbia também atacou diversas vezes o próprio Khalil, tentando justificativas para revogar seu visto de estudante e para impedi-lo de se formar, mas acabou tendo que recuar em todas elas. A esses processos se somaram campanhas da extrema-direita sionista por sua deportação, que se intensificaram na véspera de sua prisão e serviram de apoio para as ações do governo.
A prisão de Mahmoud Khalil faz parte do avanço da onda repressiva de extrema-direita, fascista, do governo Trump. Mas essa também é uma tendência geral da atual ofensiva burguesa ao redor do mundo contra as classes trabalhadoras, os manifestantes e os protestos e a luta de classes contra o capitalismo, o imperialismo, e seus estados, governos, políticas e polícias. O aumento da exploração e da desigualdade, da pobreza e da fome, e a deterioração das condições de vida (nos EUA, salários reais estagnados há décadas, aumento da população sem teto, redução da expectativa de vida, epidemia de drogas etc.), característicos de um capitalismo em estado depressivo, exigem da burguesia, em luta contra o proletariado, duas coisas: 1) a ampliação de sua ofensiva de classe, buscando retomar suas taxas de lucro, e 2) o aumento da repressão, consistente com o aumento da exploração.
A prisão de Mahmoud Khalil foi “justificada” juridicamente por uma lei de 1952, em plena era macarthista dos EUA, de ampla, indiscriminada e brutal perseguição aos comunistas. Essa lei, com sérias acusações de inconstitucionalidade, permite que o secretário de estado, de maneira totalmente arbitrária, sem a necessidade de processo legal, decisão judicial e nem mesmo qualquer prova ou evidência, determine a deportação de residentes nos EUA apenas com base na crença pessoal em sérias ameaças potenciais à política externa do país. Trump pessoalmente comemorou a prisão.
Essa prisão é parte da ofensiva do governo Trump contra as universidades, os estudantes e os professores. Essa ofensiva inclui a repressão a protestos e mesmo a tentativa de sua proibição e criminalização (sob o pretexto de os mesmos serem “anti-americanos”), ameaças de prisão e deportação de manifestantes imigrantes e de prisão e expulsão de manifestantes nacionais, além do corte de verbas do governo federal. Só para ficar na Universidade Columbia, ela está sob ameaça de corte de mais de R$ 2 bilhões por ano.
Um segundo aspecto, mais específico, da prisão de Mahmoud Khalil é que ela integra a política concretamente racista do governo Trump de aprofundamento e generalização da repressão à população imigrante dos EUA. A política de deportação em massa e de desrespeito aos “direitos” constitucionais, a ampla perseguição policial e as prisões arbitrárias, criaram um ambiente de medo em todos os imigrantes, e são um dos pilares da política autoritária da extrema-direita dos EUA.
Mahmoud Khalil, portanto, é um entre centenas de milhares de imigrantes tratados como criminosos, que tiveram sua documentação cancelada, foram perseguidos, presos e deportados. Embora os números não sejam muito precisos, o governo Trump afirma já ter deportado quase 40 mil imigrantes e ter prendido outros mais de 30 mil. Além desses, outros 530 mil imigrantes da Venezuela, Cuba, Nicarágua e Haiti tiveram seu status legal de residentes arbitrariamente cancelados por Trump.
Por fim, a prisão de Mahmoud Khalil também representa um ataque a uma parte da população imigrante, árabe e muçulmana, e, dentre esses, especificamente os defensores da causa Palestina e os lutadores antissionistas. O apoio a Israel (econômico-financeiro, militar, político-diplomático), mais propriamente aos seus governos militaristas e expansionistas, é uma política de estado dos EUA, seguida religiosamente por democratas e republicanos. O apoio ao governo de extrema-direita de Netanyahu também é pauta que unificou Biden e Trump.
Em função das circunstâncias histórias de sua prisão, portanto, a luta pela libertação de Mahmoud Khalil significa a união de diversas lutas, dos estudantes, dos trabalhadores, dos imigrantes e do povo Palestino. Sobre esta última, Khalil deixa clara sua posição ao afirmar que “como um estudante Palestino, eu acredito que a libertação do povo Palestino e do povo Judeu estão interligadas e andam de mãos dadas, e não conseguiremos conquistar uma sem a outra”.
A posição dos comunistas deve ser, portanto, a de prestar todo o apoio às manifestações, aos protestos e às lutas pela imediata libertação de Mahmoud Khalil!
Da mesma forma, os comunistas devem prestar seu apoio militante a todas as lutas dos trabalhadores e de massas nos EUA, nacionais e imigrantes unidos, contra os patrões, a polícia e o governo dos EUA e suas políticas fascistas, racistas e xenófobas!
E é uma das principais tarefas do internacionalismo proletário dos dias de hoje o apoio militante à luta Palestina e a solidariedade internacional ao povo Palestino!
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A carta de Mahmoud Khalil, abaixo publicada na íntegra, foi traduzida diretamente da sua publicação original, em inglês, no site In These Times. Os colchetes, negritos e links são do Cem Flores.
O site A Terra É Redonda publicou uma tradução, modificando seu título para Carta do Cárcere, erroneamente identificando seu autor como norte-americano e incluindo numeração e separação de parágrafos inexistentes no original.
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Meu Nome é Mahmoud Khalil e Eu Sou um Prisioneiro Político
Uma carta ditada por Mahmoud Khalil pelo telefone a partir de uma prisão da ICE [U.S. Immigration and Customs Enforcement, o serviço de imigração e alfândega dos EUA] em Louisiana
18 de março de 2025
O conteúdo desta carta não foi editado.
Meu nome é Mahmoud Khalil e eu sou um prisioneiro político. Eu estou escrevendo para você de um centro de detenção na Louisiana, onde eu acordo em manhãs frias e passo longos dias testemunhando as injustiças silenciosas em andamento contra muitas pessoas impedidas das proteções da lei.
Quem tem o direito de ter direitos? Certamente não são os humanos amontoados nas celas aqui. Não é o senegalês que eu conheci, que foi privado de sua liberdade por um ano, [com] sua situação legal no limbo e sua família a um oceano de distância. Não é o detento de 21 anos que eu conheci, que pisou neste país aos nove anos, apenas para ser deportado sem nem mesmo uma audiência.
A justiça não está presente nas instalações de imigração desta nação.
Em 8 de março, eu fui levado por agentes do DHS [U.S. Department of Homeland Security, o departamento de segurança interna dos EUA], que se recusaram a fornecer um mandado e abordaram minha esposa e eu quando voltávamos do jantar. Agora, as filmagens daquela noite foram tornadas públicas. Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, agentes me algemaram e me forçaram a entrar em um carro sem identificação. Naquele momento, minha única preocupação era com a segurança de Noor. Eu não sabia se ela seria levada também, já que os agentes ameaçaram prendê-la por não sair do meu lado. O DHS não me disse nada por horas — eu não sabia a causa da minha prisão ou se eu estaria enfrentando deportação imediata. No Federal Plaza nº 26 [endereço da corte de imigração de Nova Iorque], eu dormi no chão frio. Nas primeiras horas da manhã, os agentes me transportaram para outra instalação em Elizabeth, Nova Jersey. Lá, eu dormi no chão e me recusaram um cobertor, apesar do meu pedido.
Minha prisão foi uma consequência direta do exercício do meu direito à liberdade de expressão, pois eu defendi uma Palestina livre e um fim ao genocídio em Gaza, que recomeçou com força total na segunda-feira à noite [referência aos ataques de Israel, violando o acordo de cessar fogo, que assassinaram pelo menos 400 pessoas e feriram outras centenas em Gaza]. Com o cessar-fogo de janeiro agora quebrado, os pais em Gaza estão mais uma vez embalando pequenas mortalhas, e as famílias são forçadas a passar fome e deslocamento contra as bombas. É nosso imperativo moral persistir na luta por sua liberdade completa.
Desde outubro de 2023, mais de 50 mil palestinos foram mortos, 110 mil feridos e 2 milhões deslocados pelo fascismo israelense.
Eu nasci em um campo de refugiados palestinos na Síria, em uma família que foi deslocada de suas terras desde a Nakba de 1948. Eu passei minha juventude próximo, mas distante, da minha terra natal. Mas ser palestino é uma experiência que transcende fronteiras. Eu vejo em minhas circunstâncias semelhanças com o uso de detenção administrativa por Israel — prisão sem julgamento ou acusação — para privar os palestinos de seus direitos. Eu penso em nosso amigo Omar Khatib, que foi encarcerado sem acusação ou julgamento por Israel ao retornar para casa de uma viagem. Eu penso no diretor do hospital de Gaza e pediatra Dr. Hussam Abu Safiya, que foi capturado pelos militares israelenses em 27 de dezembro e permanece em um campo de tortura israelense até hoje. Para os palestinos, a prisão sem o devido processo é um lugar comum.
Eu sempre acreditei que o meu dever não é apenas me libertar do opressor, mas também libertar meus opressores de seu ódio e medo. Minha detenção injusta é indicativa do racismo antipalestino que tanto o governo Biden quanto o governo Trump demonstraram nos últimos 16 meses, enquanto os EUA continuaram a fornecer armas para Israel matar palestinos e impediram a intervenção internacional. Por décadas, o racismo antipalestino impulsionou esforços para expandir as leis e práticas dos EUA que são usadas para reprimir violentamente palestinos, árabes-americanos e outras comunidades. É exatamente por isso que eu estou sendo alvo.
Enquanto eu aguardo decisões judiciais que mantêm o futuro da minha esposa e filho em suspenso, aqueles que permitiram que eu virasse alvo permanecem confortavelmente na Universidade Columbia. Os presidentes Shafik, Armstrong e a reitora Yarhi-Milo estabeleceram as bases para o governo dos EUA me atacar, disciplinando arbitrariamente estudantes pró-palestinos e permitindo que o doxing [exposição de dados pessoais privados na internet com intenção de intimidação] viral — baseado em racismo e desinformação — não fosse controlado.
A [Universidade] Columbia me escolheu como alvo por meu ativismo, criando um novo escritório disciplinar autoritário para contornar o devido processo e silenciar os alunos que criticavam Israel. A [Universidade] Columbia se rendeu à pressão do governo federal ao divulgar os registros dos alunos ao Congresso e cedendo às últimas ameaças do governo Trump. Minha prisão, a expulsão ou suspensão de pelo menos 22 alunos da [Universidade] Columbia — alguns destituídos de seus diplomas de bacharelado poucas semanas antes da formatura — e a expulsão do presidente do SWC [Students Workers of Columbia, associação de estudantes de graduação e pós-graduação], Grant Miner, na véspera das negociações do contrato, são exemplos claros.
No mínimo, minha detenção é uma prova da força do movimento estudantil em mudar a opinião pública em direção à libertação Palestina. Os estudantes estão há muito tempo na linha de frente da mudança — liderando as manifestações contra a Guerra do Vietnã, estando na linha de frente do Movimento pelos Direitos Civis e impulsionando a luta contra o apartheid na África do Sul. Hoje, também, mesmo que o público ainda não tenha compreendido completamente, são os estudantes que nos conduzem em direção à verdade e à justiça.
O governo Trump está me alvejando como parte de uma estratégia mais ampla para suprimir a dissidência. Portadores de visto, portadores de green card [autorização para residência permanente nos EUA] e cidadãos, todos serão alvos por suas opiniões políticas. Nas próximas semanas, estudantes, defensores e autoridades eleitas devem se unir para defender o direito de protestar pela Palestina. Em jogo não estão apenas nossas vozes, mas as liberdades civis fundamentais de todos.
Sabendo plenamente que este momento transcende minhas circunstâncias individuais, espero, no entanto, ser livre para testemunhar o nascimento do meu primeiro filho.