CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Destaque, Lutas, Nacional, Teoria

Traduzindo o “pacote” da burguesia e do governo Bolsonaro: Matar os trabalhadores de coronavírus, de fome e de exploração!

Regina, Hebert e seus filhos, em Paraisópolis. Como muitas famílias trabalhadoras, eles tiveram sua renda brutalmente afetada com a pandemia. Leia o relato de sua luta diária.

Cem Flores
06.04.2020

Depois de uma histórica recessão (2014-2016), seguida de três anos de estagnação, o Brasil começa a cair em mais uma grave crise. A nova crise, agora mundial, tem como detonador a pandemia global do novo coronavírus e faz explodir as contradições do capitalismo numa nova recessão: queda nas bolsas de valores no mundo todo, paralisação da produção em muitos setores, inclusive nas cadeias produtivas globalizadas, redução do comércio internacional, radical restrição à circulação e realização de mercadorias e serviços, aumento violento do desemprego, etc.

No Brasil, assim como em todos os países, a reação imediata do “Comitê Central da Burguesia”[1], o Estado capitalista, foi agir prontamente em defesa dos patrões e suas empresas. Um trilionário pacote emergencial de salvação do capital, incluindo ainda outras inúmeras benesses, se construiu no decorrer de alguns dias. Viva e irretocável permanece a tese fundamental de Marx e Engels contida no Manifesto do Partido Comunista: “O Estado moderno não é nada mais que um comitê para gerenciar os negócios da burguesia”.

Apesar das disputas habituais sobre tamanho e formato do pacote, quanto cada setor do capital irá abocanhar do mesmo, e além das brigas palacianas e de palanque dos representantes políticos da burguesia e seus intelectuais, o fato é que estamos diante de mais uma ação de classe burguesa em defesa dos seus interesses mais fundamentais: a reprodução do sistema capitalista e a manutenção dos lucros.

Por ser uma ação da classe burguesa, uma ação que visa a sustentação da valorização e da acumulação do capital, ele se choca, de forma antagônica, com os interesses do proletariado e das massas trabalhadores e pobres do país. A reprodução do capitalismo, a acumulação ampliada dos capitais e a expropriação dos lucros se fazem, irremediavelmente, pela exploração e dominação da força de trabalho.

Temos mais uma prova concreta disso na crise atual. O pacote emergencial de salvação do capital é composto de duas partes: 1) suspensão de impostos e de obrigações trabalhistas, linhas de crédito baratas, etc., e 2) suspensão de contratos de trabalho e reduções dos salários. Uma parte beneficia o capital e a outra, também. Em suma, um pacote que agrava drasticamente as condições de vida e de trabalho das massas trabalhadoras – que já estavam em um patamar muito baixo

Esse conjunto de medidas do Estado capitalista e dos patrões, sua ofensiva de classe, se reveste do discurso ideológico de “proteção dos empregos”, de “renda básica”, quando não chega ao cômico de bradar que ninguém ficará para trás. Quanto cinismo! E quem colabora em fomentar essas ilusões, mais uma vez, é o reformismo e o oportunismo, festejando a onda de “intervenção estatal na economia” e alimentando a crença de um possível Estado em disputa, preocupado com “as pessoas” – para reforçar seus planos eleitorais de retorno à gerência do capital no Brasil.

Mas, como veremos através da breve análise de duas recentes medidas provisórias do governo federal (MP 927 e MP 936), na realidade, não se trata apenas de mais um violento ataque à classe operária e às demais classes dominadas. Trata-se de ataque em meio e indiferente à pandemia que a cada dia ceifa mais vidas e ameaça, sobretudo, as populações mais pobres e periféricas, sem condições sanitárias mínimas e à mercê de um sistema de saúde, na maioria dos lugares, já colapsado

Matar de corona, de fome e de exploração: eis a pacote de “salvação” da burguesia e seu governo para as massas trabalhadoras no Brasil!
Leia os outros textos do Cem Flores sobre o coronavírus e a crise atual:
– A Pandemia, a Recessão, as Medidas Burguesas e a Reação dos Trabalhadores no Mundo e no Brasil
– A Resistência das Favelas e Periferias em Tempos de Pandemia: solidariedade, reforço da organização popular e redes de ajuda mútua
– Lutar Contra o Vírus e a Exploração dos Patrões e dos Governos

Medidas de ataque às condições de trabalho que restaram: a MP 927

No dia 22 de março, o governo editou a Medida Provisória 927, que supostamente “dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública […], e da emergência de saúde pública”

Na realidade, a MP é o completo oposto: medidas patronais para facilitar demissão, reduzir salários, aumentar a exploração, atentar contra a saúde e segurança do trabalhador e da trabalhadora, gerando ainda mais calamidade em suas vidas. Aliás, eles já sabem muito bem o real significado de “proteção ao emprego”, ao menos desde o PPE de Dilma e a reforma trabalhista de Temer! (que analisamos aquiaquiaqui e aqui). 

Por falar em reforma trabalhista, logo no segundo artigo da MP há uma radicalização desta reforma. “Durante o estado de calamidade pública […], o empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição.”. Ou seja, o patrão agora tem ainda maior proteção legal para coagir o trabalhador e a trabalhadora a abrirem mão dos direitos trabalhistas que lhes restam, de seu acordo coletivo de trabalho e suas conquistas. Em um simples artigo, com validade imediata, o governo atingiu seu objetivo previsto para a tão sonhada carteira de trabalho verde amarela: fazer o emprego formal beirar à informalidade (que nem os direitos constitucionais possui)!

Além de deixar o negociado individual (nome requintado para coação patronal) acima de tudo e de todos, a MP também trata dos seguintes pontos: teletrabalho, antecipação de férias individuais, concessão de férias coletivas, aproveitamento e antecipação de feriados, banco de horas, suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, direcionamento do trabalhador para qualificação e diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

O “direcionamento do trabalhador para qualificação” na prática permitia a demissão do trabalhador e da trabalhadora por 4 meses para participação em curso de qualificação profissional a distância (sic), sem previsão de nenhum pagamentoEis como se garante o emprego, segundo o governo dos patrões!

No entanto, esse ponto foi retirado da MP após forte reação contrária, sobretudo nas redes sociais. Lá também ganhou o singelo nome de MP da Morte.

A MP também permite ao patrão várias medidas para antecipar descansos legais da força de trabalho e oferece maior liberdade ao patrão para usar essa força quando o período de pandemia e restrições tenha passado.

Agora é possível ao patrão alterar unilateralmente o regime de trabalho presencial e antecipar férias do trabalhador e da trabalhadora, apenas os notificando 48 horas antes e por meio eletrônico. Assim como é prevista a antecipação do gozo de feriados não religiosos. E, em caso de férias coletivas, ficam dispensadas as comunicações ao Ministério da Economia e aos sindicatos.

É dada ainda a liberdade ao patrão para adiar para o mês seguinte das férias seu respectivo pagamento e o adicional de um terço de férias para até o final do ano. Além de ficar suspenso o recolhimento do FGTS pelos patrões, em março, abril e maio de 2020, e o acordo coletivo poder ficar congelado caso eles assim preferirem. Essa é a forma de garantir a renda ao trabalhador, segundo o governo dos patrões! 

A exploração não realizada nesse período de paralisação da produção em muitos ramos, promete voltar com toda a força depois. Isso através de um “regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas” para a “compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública” das atividades interrompidas no período. Essa compensação poderá ser feita independente de acordo, até mesmo o individual, e será permitida a jornada de trabalho de 10 horas diárias durante a mesma.

Quanto à proteção da saúde do trabalhador e da trabalhadora, a MP livra o patrão de responsabilidade caso eles sejam infectados, restringe a fiscalização do trabalho e suspende a obrigatoriedade de treinamentos e exames médicos previstos normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho. Resumindo: que os trabalhadores e as trabalhadoras dos serviços essenciais sejam explorados ao máximo, e, se for o caso, morram.

E, para completar, se os patrões já tomaram tais medidas nos 30 dias anteriores à MP, o Comitê Geral da Burguesia os torna válidos a partir do art. 36!

Programa emergencial de destruição dos empregos e dos salários: a MP 936

No dia 1º de abril, logo após várias declarações fajutas de preocupação do governo federal em relação aos trabalhadores e trabalhadoras, eis que surge um programa com medidas complementares à MP vista anteriormente. O “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda” (sic!), que, mais uma vez, nada mais é do que seu oposto.

A MP autoriza o pagamento de Benefício Emergencial, a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários, e a suspensão temporária do contrato de trabalho. Ou seja, enquanto durar a calamidade pública, o trabalhador e a trabalhadora que ainda estejam empregados no setor formal poderão, a partir da coação do patrão:

– ter seu contrato “suspenso” (demitido) por até 60 dias, podendo ser fracionado em dois períodos de 30 dias; 

– ter sua jornada e seus salários reduzidos por até 90 dias. Essa redução pode ser de 25%, 50% ou 70%. Lembrando que pela CLT já é possível redução de até 25% em razão de “força maior”.

A esses trabalhadores e trabalhadoras que serão demitidos temporária ou parcialmente, será garantido um “benefício emergencial”, uma indenização temporária, que não pode ser acumulado com outro da mesma espécie. Pago mensalmente pela União, tal benefício não terá como base o respectivo salário, mas “o valor mensal do seguro-desemprego a que o empregado teria direito! Seguro hoje varia entre R$ 1.045 e R$ 1.813,03.

Apesar de algumas especificidades em relação ao tamanho da empresa e faixa salarial em questão, a intenção da MP é uma: dar liberdade máxima ao patrão, reduzir o trabalhador e a trabalhadora à fome.

Apenas a título de comparação, vejamos rapidamente outro Programa Emergencial, o de “Suporte ao Emprego”, MP 944. Esse Programa, feito de e para patrões, é um conjunto enorme de benesses. Em vez de cortar no (gordo) bolso dos patrões, como faz no (magro) bolso do trabalhador e da trabalhadora, o Estado se propõe bancar 85% das folhas de pagamento das empresas, através de empréstimos com baixa taxa de juros (3,75%). O prazo para o pagamento desses empréstimos é a perder de vista: trinta e seis meses! Ou seja, como dizia Maiakóvski, “para uns – a rosca, para outros – o buraquinho dela / A república democrática é por aí que se revela”.

Lutar contra o pacote de morte da burguesia para as massas trabalhadoras!

Todo esse imenso retrocesso nas conquistas da classe operária e demais classes trabalhadoras no Brasil, esse aprofundamento da deterioração das condições de vida e trabalho das massas acontece em meio a uma imensa incapacidade de resistência. Seja pela grave situação sanitária atual, ou por problemas antigos e agravados agora, como o imenso desemprego.

Outro grande desafio para essa resistência é a presença de posições burguesas, reformistas e oportunistas, de forma majoritária nas direções do movimento sindical. Em relação à MP 936, por exemplo, o atual pelego-presidente da CUT, Sérgio Nobre, teve o desaforo de falar que se trata de uma proposta apenas “insuficiente”(!). Isso porque, segundo o burocrata, a MP contempla mudanças que prejudicam a “retomada da economia” e não “protegem o setor produtivo”. Assim como, a Medida descarta as direções sindicais nas “negociações” entre empresas e trabalhadores(as). Ou seja, a CUT faz sua crítica não em nome dos trabalhadores e das trabalhadoras, mas, sobretudo, em nome dos próprios capitalistas e em defesa de sua própria corporação, fortemente atingida desde o fim do imposto sindical. A proposta dos pelegos não é lutar contra esse ataque às massas trabalhadoras, até porque a MP foi fruto de “cobrança” das centrais, mas meramente buscar modificar, no Congresso, entre os representantes dos patronais, os tais “pontos insuficientes”.

Frente ao duro cenário só nos resta aprofundar nossa solidariedade e organização autônoma de classe para e pela luta concreta. Esse é o fator decisivo diante desses ataques, e será também na ofensiva burguesa que certamente se desencadeará com o aprofundamento da recessão. Como dissemos recentemente: 

LUTAR CONTRA O VÍRUS E A EXPLORAÇÃO DOS PATRÕES E DOS GOVERNOS!


[1] Em meados de 2012 – outro governo e outra crise – analisamos detalhadamente como funcionou, na prática, o Comitê Central da Burguesia. Como as propostas do programa burguês eram “apropriadas” pelo governo de plantão e depois transformadas em “políticas públicas”. Como essas políticas públicas, revestidas de “interesse nacional”, eram medidas pró-patrões e anti-trabalhadores. O artigo está disponível aqui

As mesmas conclusões gerais são válidas para o governo atual e a crise atual: o governo oficializa as medidas impostas pela burguesia como medidas de interesse nacional, geral. Portanto, mais uma vez, está colocado o aumento da exploração da classe operária como sendo do interesse da própria classe”.  

Afinal de contas, como dizia Marx, “Mutato nomine, de te fabula narratur!” (trocando o nome, a fábula fala de ti!). 

Compartilhe
- 06/04/2020