A repressão do estado capitalista continua a chacinar a população trabalhadora, negra e pobre
Protesto em rodovia de Umbaúba (SE) após a tortura e o assassinato de Genivaldo pela polícia rodoviária federal.
Cem Flores
03.06.2022
Em 25 de maio, o assassinato brutal de mais um trabalhador negro pela polícia foi noticiado em todo o país. Genivaldo foi abordado pela polícia rodoviária federal, na cidade de Umbaúba, em Sergipe, por supostamente estar dirigindo uma moto sem capacete. Logo em seguida, na frente de seu sobrinho e da população, ele foi imobilizado e torturado até a morte no camburão, asfixiado com gás lacrimogêneo. A tortura e o assassinato pelos policiais ocorreram em plena luz do dia e enquanto os assassinos eram filmados pela população local. No dia seguinte ao ato bárbaro, essa mesma população se revoltou e colocou para correr a repressão.
Umbaúba não foi a única cidade a registrar protestos contra o assassinato. Várias manifestações foram convocadas pelas redes sociais, nas quais a indignação também foi grande. O país, que há 4 meses via a gravação do espancamento e morte do trabalhador negro e imigrante Moïse, por forças milicianas do Rio de Janeiro, assistia mais um martírio a céu aberto, agora por “qualificados” agentes federais. Ambas as vidas covardemente tiradas. Ambas as vidas da mesma classe trabalhadora e da mesma cor.
Mas essa não foi a única repetição macabra no final de maio. Um ano após a maior chacina do Rio de Janeiro, a do Jacarezinho, quando uma operação da Polícia Civil assassinou 28 pessoas, eis que o BOPE, a polícia federal e a mesma polícia rodoviária federal realizaram uma nova chacina, agora na Vila Cruzeiro, no dia 24 de maio. Em mais uma disputa por controle territorial e econômico nas favelas cariocas, entre milicianos e traficantes, 25 pessoas morreram, a maioria sem nenhum mandado de prisão. Segundo o fascista Cláudio Castro, governador do Rio, apenas 25 “efeitos colaterais”, assim como as outras 153 mortes em operações policiais em apenas um ano de seu governo.
Esse é o cenário de guerra de classe no qual as massas exploradas e de periferia, sobretudo negras, vivem no país. Essa é a face real da democracia burguesa para as classes trabalhadoras – que os pelegos reformistas tanto se empenham em esconder.
Muitos outros exemplos sangrentos recentes devem ser resgatados – e os temos denunciado no Cem Flores. O assassinato do músico Evaldo, pelos fuzis do Exército, em 2019; da pequena Ágatha e do jovem João Pedro, no mesmo ano; de João Alberto por seguranças privados, em 2020. Todos da mesma classe, da mesma cor. Como também divulgamos e apoiamos os protestos que surgiram dessas covardes execuções, contra a opressão cotidiana vivida pelas classes dominadas em nosso país. Diante da violência do Estado sobre nós, trabalhadores e trabalhadoras, não temos nenhuma ilusão: será nossa luta e nossa organização que imporá um basta nesse massacre sem fim de Genivaldos, Moïses, Evaldos, Ágathas, Joãos Pedros e Albertos.
As razões do massacre praticado pelo estado burguês brasileiro
Os corpos que o estado brasileiro repetidamente colhe da multidão não são aleatórios. Possuem a mesma classe social e frequentemente a mesma cor. Em sua imensa maioria são trabalhadores negros, pobres, moradores de periferia. Essas chacinas são fruto do sadismo dos agentes de repressão do estado, do seu racismo e do seu arraigado ódio de classe contra os/as trabalhadores/as. Mas sobretudo as chacinas decorrem da função de classe que esses agentes cumprem, enquanto braço repressivo do estado capitalista em uma sociedade como a brasileira.
Nossa sociedade, formada por séculos de colonização, extermínio de povos indígenas e escravidão dos povos negros trazidos para cá, é profundamente desigual, violenta e racista. Essas características hoje se somam e se articulam com as atuais necessidades e formas do capitalismo em nosso país. Um capitalismo em um país dominado, em regressão econômica, com elevadas taxas de desemprego, informalidade e miséria.
O estado brasileiro, como qualquer estado capitalista, seus órgãos, aparelhos e funcionários, serve a uma classe: a burguesia, os patrões, os capitalistas. Sua função principal é manter a dominação dessa classe, a continuidade da exploração das classes trabalhadoras, nas condições concretamente existentes. Para isso, usa diversos aparelhos de repressão, sejam os oficiais ou os extraoficiais, com maior ou menor intensidade.
A violência do estado brasileiro e o massacre da população negra são explicados, fundamentalmente, pelas raízes históricas e pelo caráter de classe desse estado. É a partir de uma guerra contínua, de um uso intensivo do aparelho repressivo do estado, sobretudo contra a maioria da população trabalhadora, pobre e negra, que a dominação de classe burguesa se exerce no país. Apenas assim tem se conseguido historicamente manter o mínimo de ordem social burguesa em um país como o nosso, além de um nível de exploração necessário ao capital.
A crise do capital tem elevado tal massacre
As alterações conjunturais também são importantes fatores para explicar a dinâmica repressiva do estado. No Brasil, há um claro crescimento da repressão e da violência estatal nos últimos anos, marcados por uma profunda crise econômica. Esse crescimento demonstra um aspecto fundamental da atual ofensiva de classe, que, também através da violência nua e crua, busca conter qualquer revolta e alcançar um novo patamar de exploração.
Um indicador desse crescimento é o número de pessoas mortas por policiais. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2013, foram 2.212 mortes, considerando apenas aquelas decorrentes de intervenções policiais. A cada ano que passa, a letalidade policial só aumenta. Segundo o Monitor da Violência do G1, o ano de 2021 apresentou uma pequena queda no número de pessoas mortas por policiais (em serviço e fora dele). Mas tal queda não altera o novo e elevado patamar da letalidade policial hoje em dia. Desde 2018, o número dessas mortes ultrapassa 6.000 por ano. Mais de 16 mortes provocadas pelas “forças de segurança” (sic!) por dia no país! O massacre não parou nem com a pandemia.
Apesar de 11 estados não divulgarem a raça dos mortos por policiais, não é difícil imaginar qual a raça (e a classe) majoritária desses assassinados. A partir dos dados disponíveis, o mesmo Monitor da Violência do G1, mostra que, em 2021, 81,5% dos mortos com raça informada pelo estado eram negros.
Diante da crise, dos riscos de convulsões sociais e da necessidade de manter uma imensa massa trabalhadora na miséria e na exploração, as classes dominantes elevam sua repressão, desde a vigilância, a ameaça, a censura, até à violência física, a tortura e o assassinato. Nesse processo, têm modificado seu aparelho de estado legal, aprimorando e reforçando suas polícias e forças armadas, suas forças auxiliares, grupos paramilitares e fascistas, milícias etc. As brutais mortes por policiais que vieram a público nos últimos anos são exemplos desse avanço da violência burguesa.
Resistir às chacinas e à crescente violência do estado brasileiro
Mas onde há opressão, há luta, resistência. Os protestos e os gritos por justiça contra o sangue derramado pelo estado brasileiro têm sido constantes em vários lugares do país. Fortalecer tal luta, unificá-la com a luta contra a carestia, contra a exploração, é o único caminho para resistir à crescente violência desse estado. A canalha de “esquerda” que promete o fim dessa guerra pelo caminho institucional, participando do governo desse estado assassino, nada mais quer do que iludir e dissipar essa luta. Aliás, essa mesma canalha que ajudou a forjar as armas que hoje nos matam cada vez mais – e não hesitarão em usar toda máquina repressiva se as massas ameaçarem sua “governabilidade” com os patrões.
Seremos nós, com nossas mãos, que colocaremos fim a essa vida de violência e exploração!
População de Umbaúba fazendo recuar o carro da polícia.