CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

A Revolução Comunista e a restauração capitalista na China, Teoria

Charles Bettelheim: A Revolucionarização das Relações de Produção (1973)

“O período de transição ao Socialismo, portanto, constitui um longo processo de transformação concreta nas formas e relações de produção, na capacidade de organização e de direção que a classe operária consiga dar aos processos iniciados com a Revolução. A transição, portanto, configura uma revolucionarização das relações de produção, da estrutura de classes e de toda a superestrutura, em direção ao Comunismo”.

Cem Flores, Documento Base, pg. 42.

Reproduzimos abaixo o Capítulo IV do livro “Revolução Cultural e Organização Industrial na China”, de Charles Bettelheim. Esse livro foi redigido a partir de notas tomadas por estudantes de aulas proferidas pelo autor em 1971/1972. Como o Prefácio do livro indica, o objetivo desse trabalho foi “esboçar algumas conclusões teóricas referentes ao alcance das transformações ocorridas nas fábricas chinesas em decorrência da Revolução Cultural” (pg. 7).

Neste capítulo do livro, que reproduzimos nessa publicação, Bettelheim apresenta um “certo número de conclusões teóricas referentes à revolução das relações sociais de produção” (pg. 13). Seu estudo mostra que a Revolução Cultural Proletária na China representou “uma luta ideológica e política cujos efeitos se inscrevem na base econômica e na superestrutura, destruindo as antigas relações sociais e fazendo com que surjam novas” (pg. 9).

O autor chega a uma importante constatação, após uma série de trabalhos voltados para analisar os impactos políticos, ideológicos e econômicos da Revolução Cultural Proletária na China: a de que para o avanço da transição socialista não basta o desenvolvimento das forças produtivas, a estatização e a planificação da economia, mas é necessária uma verdadeira revolução nas Relações de Produção. Essa afirmação teórica é incontornável para o debate sobre o processo de transição do capitalismo para o comunismo e uma importante ferramenta para entender os limites da construção do socialismo na URSS e na China.

O Cem Flores já publicou outros textos de Charles Bettelheim envolvendo os desafios e lições das tentativas de transição socialista, dentre eles:

Após a derrota da linha política proletária na China e a vitória da linha revisionista burguesa (que se opunha ao avanço das transformações socialistas e defendia a manutenção das formas capitalistas da divisão do trabalho e da gestão das empresas), principalmente após a morte de Mao Tsé-Tung (18 de setembro de 1976) e o golpe de estado dos revisionistas chineses (6 de outubro de 1976), Bettelheim escreve o livro “A China Depois de Mao” (1978), uma continuação de sua análise onde já afirma o início do processo de restauração capitalista naquele país. O tema da Revolução Chinesa também está presente em um conjunto de publicações no site.

*   *   *

Revolução Cultural e Organização Industrial na China – Charles Bettelheim

Capítulo IV

A Revolucionarização das Relações de Produção

A experiência histórica da União Soviética e da China obriga a indagar sobre os efeitos sociais dos diferentes “métodos de gestão”. Estes correspondem na verdade a condições sociais de emprego dos meios de produção e de repartições de tarefas. Conforme a forma social da gestão, os que determinam a utilização dos meios de produção, a repartição das tarefas e a natureza da produção constituem ora uma minoria afastada da produção material e auferindo um poder econômico e político, ora uma maioria, a dos produtores imediatos. O que está em questão são as relações de produção e as relações de classe.

Não obstante, as relações de produção que se reproduzem no interior de uma fábrica estão fundamentalmente ligadas à natureza das relações sociais que se reproduzem no conjunto da formação social e à luta de classes em escala da sociedade inteira. Assim, a transformação socialista das relações de produção resulta sempre da luta de classes e, antes de tudo, da luta ideológica e política de classes encetada a nível da formação social.

Na combinação forças produtivas-relações de produção, estas últimas desempenham a função dominante ao impor às forças produtivas as condições de sua reprodução. Inversamente, o desenvolvimento das forças produtivas não determina jamais diretamente a transformação das relações de produção; esta transformação se processa sempre pela intervenção das classes existentes, isto é, pela luta de classes. A luta pela transformação social de relações de produção não seria conduzida em nome do “desenvolvimento das forças produtivas”, porque as formas desse desenvolvimento estão ligadas às relações de classes e são determinadas pelos interesses de classe, representações, aspirações e ideias que são aquelas das classes existentes. Marx insiste mais de uma vez sobre esse ponto, particularmente quando acentua que é preciso distinguir entre a mudança na base econômica e a alteração da superestrutura, e quando acrescenta que é através da sua superestrutura jurídica e política, “à qual correspondem as formas de consciência sociais determinadas”, que os homens se engajam na luta e – levam-na até o fim. (1)

Posto que a transformação das relações de produção depende da luta de classes, disso resulta que mesmo quando se der fim à dominação política da burguesia, as relações de produção capitalista podem continuar a se reproduzir, pois sua existência está inscrita num processo de produção que não é imediatamente transformado. Antes que um novo sistema de relações sociais seja inteiramente desenvolvido e que um novo modo de produção esteja inteiramente instaurado, a formação social passa necessariamente por um período de transição. Ao longo desse período, o conjunto de relações sociais deve ser revolucionarizado.

A novidade e a complexidade do socialismo, que é uma transição do capitalismo para o comunismo, tem sua própria natureza: a de ser uma passagem, sem precedente na história, de uma sociedade de classes para uma sociedade sem classes.

Ao longo da transição socialista, as novas relações de produção não são ainda plenamente dominantes; de acordo com uma fórmula frequentemente utilizada na China, elas são ainda “imperfeitas”. São relações de produção comunistas em germinação e seu desenvolvimento se choca com a existência de relações mercantis e relações capitalistas.

O caráter inevitável desta “imperfeição” fora enfatizado por Marx quando declarou que, “sob todas as relações, econômicas, morais, intelectuais (a sociedade socialista) traz ainda os estigmas da antiga sociedade de cujos flancos ela se originou”. Mao Tsé-Tung acentuou esta ideia mais de uma vez, notadamente quando declara em 1957: “O novo regime social acaba de se estabelecer e necessita de certo tempo para que seja consolidado. Não vamos acreditar que esteja perfeitamente consolidado; isso é impossível. Só pode ser consolidado progressivamente. Para que o seja definitivamente, é preciso realizar a industrialização socialista do país, perseguir com perseverança a revolução socialista na frente econômica, e, além disso, concentrar nas frentes política e ideológica esforços árduos constantes em prol da revolução e da educação socialistas. Por outro lado, é necessário que diferentes condições internacionais contribuam para isso. (2)”

O desenvolvimento incompleto ou imperfeito de relações de produção socialistas têm por contrapartida a reprodução parcial, mesmo sob a ditadura do proletariado, de antigas relações de produção; estas só podem desaparecer, isto é, ser destruídas, na medida em que forem completamente substituídas por relações socialistas.

Lênin já tinha mostrado claramente esta especificidade do socialismo: “Teoricamente, não há dúvida de que um certo período de transição se situa entre o capitalismo e o comunismo. Deve forçosamente reunir os traços ou particularidades próprias a essas duas estruturas econômicas da sociedade. Este período transitório não pode deixar de constituir uma fase de luta entre a agonia do capitalismo e o nascimento do comunismo, ou, em outros termos, entre o capitalismo derrotado mas não aniquilado, e o comunismo já nascido porém ainda muito débil.” (3)

O caráter “imperfeito” do socialismo, transição entre o modo de produção capitalista e o modo de produção comunista, constitui uma das bases objetivas da luta entre as duas vias.

Surgiu uma grande confusão sobre esta questão ao longo dos anos 30 na URSS, onde se considerava a construção do socialismo como “acabada”. Em decorrência disso, o socialismo não era mais pensado como uma transição, mas como um modo de produção estabilizado (4), cuja transformação ulterior não estaria ligada à luta de classes, mas dependendo do processo de reprodução excessiva de relações existentes. Ora, durante a transição socialista as classes continuam a existir, e a transformação do processo social de produção continua a depender da luta de classe, principalmente da luta ideológica de classe: trata-se de destruir as relações sociais capitalistas que subsistem, de uma posição dominante para uma posição dominada, e isso em toda a formação social e em todos os níveis.

A substituição do aspecto principal entre as relações sociais capitalistas e as relações sociais comunistas efetua-se de maneira desigual. A instauração da ditadura do proletariado leva a um deslocamento do aspecto principal da contradição em favor do proletariado no plano político e parcialmente no plano ideológico; contudo, numa primeira fase, enquanto não domina no seio de cada unidade de produção, esse deslocamento não se efetua, ou efetua-se apenas parcialmente na base econômica, ou seja, a nível de relações de produção.

A reprodução parcial de antigas relações de produção que se manifesta particularmente sob a forma de uma “gestão” capitalista de empresas industriais, constitui precisamente uma das bases objetivas da existência da burguesia.

A luta ideológica e política de classe pretendida durante toda a transição repousa ao mesmo tempo sobre esta base objetiva e sobre a reprodução, através dos aparelhos ideológicos e políticos; de relações sociais burguesas. É unicamente a luta do proletariado nas frentes política e ideológica que permite destruir as antigas relações sociais capitalistas, inclusive as relações de produção, e desenvolver, portanto, plenamente as relações de produção socialistas. O avanço para a via socialista depende da luta do proletariado, não sendo jamais, o produto direto do simples “desenvolvimento das forças produtivas”.

É por isso que a transição passa por etapas escondidas pela luta ideológica e política de classe. É esta luta que domina a via pela qual evolui cada formação social em transição para o socialismo.

A maneira pela qual se desenvolve a luta de classe sob a ditadura do proletariado depende principalmente da linha política seguida pelo partido dirigente. É esta linha, na verdade, que permite concentrar mais ou menos efetivamente as justas ideias das massas e assim lhe oferecer a possibilidade de tirar as lições de sua própria existência e da história passada das lutas proletárias.

É também a linha política que constitui o fator dominante que permite rejeitar mais ou menos completamente as formas de gestão capitalistas. A transformação da gestão de empresas é uma coisa inteiramente diferente de uma simples modificação nas “técnicas de gestão”. Concerne às próprias relações de produção, que se sabe que só podem ser revolucionarizadas mediante a luta de classes. São as diferentes etapas desta luta que, quando o proletariado toma a iniciativa, conduzem à apropriação pelas massas da ideologia proletária e à efetiva apropriação social dos meios de produção.

A apropriação social dos meios de produção, ou seja, a dominação real exercida coletivamente sobre esses últimos pelos produtores imediatos, implica que a unidade da classe operária tenha sobrepujado a divisão e que, em consequência, a unidade dos produtores imediatos com seus meios de produção domina sobre a separação (5).

Enquanto um grau suficiente de unidade não tiver sido atingido, os produtores imediatos não podem exercer em ampla escala sua dominação social direta; só podem exercer sua dominação por intermédio do partido proletário dirigente, instrumento da unidade ideológica e política da classe operária e das massas populares, e, portanto, instrumento necessário à ditadura do proletariado. Esse partido só pode ser o instrumento da ditadura do proletariado sob a condição de ser ele mesmo portador da ideologia proletária e de assegurar a apropriação progressiva desta ideologia pelas massas, através de uma prática social que pode se desenvolver unicamente na medida em que o partido não é exterior às massas, mas entretém com elas uma relação de interioridade.

O fato é que a classe operária e as massas populares sustentem a ação do Partido do proletariado não significa, no entanto, necessariamente, que a ideologia proletária tenha sido apropriada pelas massas e que a ideologia burguesa tenha deixado de exercer sobre elas uma influência dominante a nível de sua prática efetiva, notadamente a nível da luta pela produção. Ora, enquanto esta influência dominante não for quebrada, a classe operária e as massas populares continuam divididas, e podem ser induzidas a dar o primado a interesses parciais ou individuais em detrimento dos interesses do conjunto da revolução. Até um certo ponto, foi essa a situação na China popular nos anos seguintes à libertação, o que explica que Mao Tsé-Tung tenha escrito então:

“Nos organismos econômicos e financeiros, a falta de unidade, o espírito de “independência”, a autonomia e outros fenômenos deploráveis devem ser eliminados em favor de um sistema de trabalho unificado, maneável, que garanta a aplicação integral de nossa política e de nossos regulamentos (6)”.

Ao longo da Revolução Cultural, foi franqueada uma etapa muito importante em prol da apropriação pelos trabalhadores da ideologia proletária. Isso ensejou a possibilidade de desenvolver uma atividade de massa relativamente unificada. A linha política adotada pelo P.C.C. permitiu assim unificar, num grau nunca antes alcançado, os pontos de vista, as medidas políticas, os planos, a condução e a ação. Em consequência disso, cada empresa leva em consideração, muito mais que antes, os interesses do conjunto do país antes dos seus próprios.

Se a revolucionarização ideológica, no sentido de uma crescente apropriação pelas massas da ideologia proletária, é uma das condições da revolucionarização das relações de produção, é precisamente por isso que o socialismo só pode se desenvolver mediante a apropriação social dos meios de produção. Esta última, na verdade, se assenta necessariamente sobre um processo realmente coletivo de apropriação da natureza e das forças produtivas, logo sobre uma ação coletiva real. Um tal processo coletivo de apropriação efetuando-se em escala social só pode desenvolver-se plenamente com base na unidade real dos produtores imediatos, na sua unidade de ação e confecção, na sua unidade em relação aos objetivos a atingir e em relação aos meios para torná-los efetivos. Uma tal unidade real não pode ser imposta de fora aos produtores imediatos; é necessariamente uma unidade de práticas, de ideias e de representações, uma unidade política e ideológica. Esta unidade implica o primado dos interesses coletivos sobre os interesses individuais ou particulares. Enquanto não for assim, a apropriação social dos meios de produção e dos produtos continua imperfeita, e portanto, em parte, formal.

Engels já destacara esse fato quando indicava que a propriedade do Estado dos meios de produção não é mais que o modo formal de resolver a contradição entre o caráter social das forças produtivas e o caráter privado da apropriação. A propriedade do Estado dos meios de produção, mesmo quando o Estado é o da ditadura do proletariado, não é ainda uma apropriação social real; designa uma relação jurídica e não uma transformação do conjunto das relações de produção.

Como disse Engels, o Estado tornado proprietário dos meios de produção se apropria deles “em nome da sociedade”, o que indica claramente que não se trata ainda de uma apropriação social (de uma apropriação “pela sociedade”). Isso implica igualmente que os produtores imediatos não se apropriam ainda direta e coletivamente dos meios de produção. Efetivamente o Estado só existe por uma separação dos produtores imediatos; e por isso que a unidade completa dos meios de produção e dos produtores imediatos exige o desaparecimento do Estado. E sabe-se que isso só é possível mediante um longo processo histórico.

A supressão da propriedade jurídica privada dos meios de produção e a execução de um plano econômico são condições necessárias mas não suficientes para uma apropriação social efetiva dos meios de produção. Esta última exige uma transformação radical do processo social de produção, transformação que não se pode impor aos produtores imediatos, mas que deve ser o resultado de uma ação coletiva unificada. Esta unidade só é possível se as massas rejeitarem as ideologias não proletárias que as dividem e permitem a reprodução de relações de exploração.

A Revolução Cultural proletária constitui uma das formas da luta de classes que permite a apropriação da ideologia proletária pelas massas, mas é apenas uma etapa num processo de apropriação mais amplo que corresponde a uma exigência objetiva da edificação do socialismo. Enquanto essa exigência não for satisfeita, ou mesmo que o seja parcialmente, ainda subsistirão concepções provenientes da ideologia das classes exploradoras. Essas concepções acarretam a divisão dos trabalhadores e sua subordinação a relações de exploração. Elas, portanto, permitem igualmente a reprodução dessas relações e a apropriação privada dos meios de produção e dos produtos por uma classe de exploradores. Esta possibilidade subsiste qualquer que seja a forma jurídica que a revista a apropriação privada: esta forma pode ser a de uma “propriedade de Estado” ou de uma “propriedade coletiva” (essas formas são as que dissimulam melhor as relações de exploração, pois representam a apropriação privada sob a forma de seu contrário).

Se a apropriação da ideologia proletária pelas massas é essencial, é porque essa ideologia permite às massas populares a possibilidade de unificarem-se ao efetuar a análise das contradições e resolverem assim essas contradições através da luta de classe. A apropriação da ideologia proletária pelos produtores diretos lhes permite compreender que o processo social de produção não é uma simples “justaposição” de “atos individuais”, mas uma atividade coletiva que, para ser dominada, deve ser tratada como tal.

Enquanto o processo social de produção não pode ser tratado como um processo único pelos produtores imediatos, é dividido em processos elementares mais ou menos separados; a unidade do processo social se encontra então garantida pela intervenção de agentes exteriores à produção que, por serem pelo menos mantidos sob a direção política do proletariado graças à ditadura do proletariado, constituem uma classe dominante e exploradora.

As relações através das quais se efetua a unidade dos processos de produção consideradas como “necessárias”, a ideologia da classe que domina o processo social de produção representa este último como uma simples soma de processos individuais ou particulares que só podem ser levados a cabo, coordenados e “aperfeiçoados” mediante a intervenção de agentes privilegiados, colocados acima dos produtores imediatos. A ideologia burguesa assim como a ideologia das outras classes comportam assim uma “justificação” ilusória para modos de produção que implicam uma divisão social fundamental: a divisão em classes. Além do mais, esta ideologia, ao produzir a ilusão de que os explorados poderiam se “libertar” quer individualmente, quer por ações isoladas, leva a uma divisão no próprio seio da classe dominada, o que permite a manutenção da exploração pela classe dominante e a reprodução de condições sociais e materiais indispensáveis a esta exploração.

Por outro lado, se a política proletária não está no posto de comando na gestão de empresas, estas são divididas entre si, da mesma maneira que os produtores imediatos são divididos entre si. Daí então o que domina, ora são as relações mercantis e monetárias, ora um plano de produção imposto do exterior aos produtores imediatos. No primeiro caso, é o lucro que está no posto de comando, no segundo caso, é a produção. Na verdade, nos dois casos, a atividade dos produtores imediatos está submetida a interesses particulares e não aos interesses do conjunto da revolução.

Quando a política proletária não está no posto de comando, cada empresa tende, de fato – quer seja para obter um lucro maior ou para fazer funcionar “seu plano” – a colocar seu próprio interesse antes do interesse do conjunto. As empresas, em lugar de cooperarem realmente entre si e cumprirem eventualmente as tarefas mais difíceis ou menos “lucrativas”, se empenham, cada uma delas, em conseguir o plano mais fácil ou os encargos mais “rendosos”. Para deter tal ou qual encargo, este ou aquele plano, para obter mais facilidades de produção ou para fazer passar uma produção de fraca qualidade para uma produção aceitável, recorrem a intrigas. Simultaneamente, os trabalhadores, em lugar de efetivar a revolucionarização das relações de produção, são convocados a produzir ao máximo em nome de seu interesse pessoal, os estimulantes materiais ocupam um lugar preponderante e sua repartição demanda controle, vigilância e organização hierárquica. Esta última assegura a reprodução de relações capitalistas no seio das empresas, ao fazer retroceder a ideologia proletária. O dinheiro é então o fator que domina a produção e o próprio plano.

Em tais condições, a iniciativa das massas e seu entusiasmo só podem se desenvolver, e a produção aumentar, graças à acumulação de meios de produção suplementares e a transformações técnicas vindas de cima. A acumulação, motor da reprodução ampliada capitalista, domina então o desenvolvimento socialista das forças produtivas. O lugar ocupado pela acumulação dá ao plano econômico um conteúdo específico: este deve considerar como predominante as exigências de formação de um excedente da produção sobre o consumo das massas, e as necessidades destas são negligenciadas: isso só pode reduzir as iniciativas dos produtores imediatos e sua vontade de trabalhar. Nessas condições, a efetivação do plano deve igualmente ser imposta aos produtores mediante o desenvolvimento de um sistema de recompensas materiais individuais e de um sistema de repressão. A existência de um tal sistema permite a uma classe estranha aos produtores diretos restabelecer ou estender sua dominação sobre os trabalhadores e logo, também, explorá-los.

É preciso destacar que, contrariamente ao que afirma a ideologia revisionista, não é possível conseguir, mediante a procura do lucro, resultados “análogos” aos que são obtidos quando se dá o primado à política proletária. A nível ideológico, a procura de lucros e o primado de interesses individuais e particulares não é conciliável com a ideologia proletária. A nível político, a predominância do interesse individual acarreta necessariamente o reforço do controle, da desconfiança e da repressão. A nível econômico, há sempre contradição entre os interesses particulares e os interesses do conjunto de trabalhadores e da revolução.

É uma ilusão “economicista” (análoga à do “liberalismo”) acreditar que possa existir um “sistema” capaz de fazer coincidir em todos os pontos e a todos os momentos a busca do interesse individual com as exigências da satisfação de interesses de conjunto. Constantemente ocorrem casos em que o que é mais “satisfatório” para uma empresa particular não o é para o conjunto dos trabalhadores, para a revolucionarização das relações de produção e para a revolução mundial. Constantemente há casos em que o sacrifício consentido por um indivíduo ou uma empresa é o único meio de satisfazer os interesses do conjunto. Como dizem os chineses: “Nós não devemos esquecer que nós mesmos e nossa empresa somos apenas uma parte de um conjunto, ainda que devamos sempre procurar, ao cumprir nossa tarefa particular, fazê-la levando em conta o conjunto.”

Quando dão prioridade à política proletária, os trabalhadores chineses transformam as empresas, que não se tornam então apenas em simples “unidades de produção”: tornam-se unidades políticas ligadas umas às outras, lugares onde se exerce o poder dos produtores, e unidades ideológicas. Tanto é assim que Mao Tsé-Tung pode dizer que, quando o primado é dado à política proletária, “a gestão faz parte do movimento de educação socialista”. (7)

Colocar no posto de comando a política proletária é, portanto, necessário para a gestão socialista das empresas, para o desenvolvimento das forças produtivas socialistas, para o desenvolvimento do espírito de luta e para a transformação socialista dos produtores.

A Revolução Cultural Proletária representa uma etapa muito importante e sem precedentes em prol do desenvolvimento socialista, mas é apenas uma etapa. A luta de classe está longe de estar acabada, e a luta entre as duas linhas continua. Também as atividades de crítica são sempre e constantemente necessárias, assim como as campanhas de retificação do estilo de trabalho de novos organismos. Sem essas críticas e essas campanhas não se poderia evitar o risco de ver essas organizações ou alguns de seus membros afastarem-se da via socialista.

Como Mao Tsé-Tung destacou, várias revoluções culturais serão necessárias:

“A grande Revolução Cultural é somente a primeira no gênero. No futuro, tais revoluções acontecerão inevitavelmente numerosas vezes. O resultado da revolução – o que será afinal decisivo – requer um período histórico muito longo para ser definido. Se não a conduzirmos com sucesso, a qualquer momento será possível a restauração do capitalismo.” (Citação publicada em agosto de 1967.)


(1) Cf. o prefácio à “Critique de l’économie politique”, em “Contribuition à la critique de l’économie politique”, Editions Sociales, 1957, pg. 4 e 5.

(2) Cf. a intervenção na Conferência Nacional do Partido Comunista Chinês sobre o trabalho de propaganda, 12 de março de 1957, citado em “Citações do presidente Mao Tsé-tung”, Pequim, 1966, pg. 31.

(3) Lênin. Obras completas, t 30, pg. 103.

(4) Cf, o “Manual de economia política da Academia de Ciências da URSS” e os textos de Stalin de 1935.

(5) O modo de produção capitalista anima as formações sociais no seio das quais desenvolve-se uma transformação do processo de trabalho. Um dos aspectos desta transformação é o maquinismo; com este aparece o trabalhador coletivo. A antiga relação individual do trabalhador com sua ferramenta de trabalho desapareceu, e os trabalhadores inseridos nas relações de produção capitalistas e dominados por elas intervêm coletivamente frente às máquinas, estando divididos hierarquicamente e organizados em unidades de produção separadas.

O conceito de “trabalhador coletivo” deve distinguir-se do de “trabalhador associado”: este conceito designa o que Marx chama os trabalhadores “livremente associados” participando de relações fundamentalmente diferentes daquelas que os submetem ao capital. Aqui intervém o desaparecimento da divisão burguesa do trabalho, já que o “trabalhador associado” plenamente desenvolvido supõe o fim da divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre trabalho de direção e trabalho de execução, entre cidade e campo, entre “unidades de produção” organicamente separadas. Através da Revolução Cultural Proletária observa-se o começo da destruição do antigo trabalhador coletivo, e o nascimento do trabalhador associado, isto é, o nascimento de um trabalho unido na escala social.

(6) Citado em Pekin-informa de 20 de abril de 1970, pg. 9.

(7) Citado em Pekin-informa de 20 de abril de 1970, pg. 10.

Compartilhe
- 29/09/2023