Aumento da repressão à população pobre e trabalhadora como necessidade do capital em crise: programa do governo Bolsonaro.
Cem Flores
Jair Bolsonaro sempre se caracterizou pela apologia da violência do opressor contra o oprimido, pela apologia da violência de Estado. Pela defesa da violência de Estado, em todas as suas formas(ditadura militar, assassinatos, torturas, agressões), seja mediante o aparelho repressor formal(Forças Armadas e polícias), seja pelo uso de sua “força auxiliar”, semiclandestina(esquadrões da morte, pistoleiros, milícias).
Nada a estranhar, portanto, quando a campanha eleitoral do ano passado resultou em recorde de violência, incluindo assassinatos, como o do mestre capoeirista Moa do Katendê. No governo, Bolsonaro busca concretizar seu programa, por meio do decreto legalizando e estimulando a posse de armas, em especial no campo; com o projeto “anticrime” do Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, na verdade, uma licença para matar para policiais; com o reforço do aparato repressivo contra manifestações populares; e com as reiteradas demonstrações de apoio à crescente e cada vez mais letal ação repressiva do Estado, inclusive a recente negação dos fatos– no caso do assassinato, pelo Exército Brasileiro, aos risos, do músico Evaldo Rosae do catador Luciano Moraes.
A base material na qual essa apologia da repressão se baseia – e que garante popularidade aos seus defensores (Bolsonaro e família, Wilson Witzel,governador do Rio de Janeiro, bancada da bala nos legislativos federal e estaduais, etc.) junto às classes dominantes a às camadas médias – é a extrema violência da sociedade brasileira e o medo dessas classes de que essa violência extrapole as favelas e periferias, chegue aos seus bairros elegantes e atinja os seus. Mas isso já aconteceu faz tempo… Daí o apoio entusiasmado dessas classes ao aumento da repressão, legal e ilegal, comprovado cotidianamente através de incontáveis exemplos.
A extrema violência do capitalismo brasileiro
O que já deve estar claro, mas ainda assim deve ser explicitado, é que “a extrema violência da sociedade brasileira”, na verdade, é a extrema violência do capitalismo brasileiro. Ou seja, a violência é causada, de um lado, pelas condições bárbaras de vida impostas às classes exploradas (desemprego, miséria, fome); de outro, tem um caráter de repressão de classe, pela resposta repressiva da classe dominante por meio de seu Estado, e de contínuo controle social. Essa repressão, portanto, é apoiada e estimulada pelas classes dominantes e por uma crescente maioria das camadas médias, e dirigida contra as classes dominadas.
Repressão de classe e reprodução do capitalismo
Essa violência/repressão do Estado cumpre, portanto, um papel na sociedade capitalista. Ela é responsável por garantir a reprodução dessa sociedade de classes, mantendo os dominantes e os dominados enquanto tais.
Como vamos ver mais à frente neste texto, o programa de governo de Bolsonaro não quer eliminar “a violência”, mas sim reforçar e aprimorar esse papel, essa função, da violência e da repressão, reforçá-lo em prol das classes dominantes. Para isso, suas propostas de reformas legais e parlamentares – entre elas, a licença para a polícia matar do projeto “anticrime” de Moro – se articulam ao apoio (implícito, porém entusiasmado!) a um programa informal, ilegal e semiclandestinodo governo, do Estado em seus diversos níveis (executivo federal e estaduais, judiciário, etc.), das forças armadas, das polícias de um modo geral, das milícias, com forte apoio das camadas médias e das classes dominantes. Esse programa é o dos abusos de autoridade, das chantagens e extorsões, da corrupção, da violência, das torturas e dos assassinatos que vivemos e sofremos cotidianamente. Portanto, Bolsonaro/Moro nem de longe apresentam soluções reais aos problemas concretos do povo trabalhador e pobre das periferias das grandes cidades e do campo, que vive, faz tempo, em estado de guerra civil, na qual são os alvos privilegiados.
Essa violência/repressão de Estado, além de garantir, em geral, a reprodução do capitalismo brasileiro, também contribui para garantir a reprodução das suas características específicas, tais como sua radical desigualdade (renda, trabalho, moradia, condições de vida), seu machismo, conservadorismo e preconceito (daí o racismo, os feminicídios, os crimes contra a população LGBT, etc.), e a própria herança de sua constituição histórica baseada na extrema violência, na exclusão (semi)absoluta da grande maioria da população e na repressão à organização e manifestação. Além de também ser uma necessidade na atual conjuntura de crise econômica, de até aqui frustradas tentativas de retomada da acumulação do capital, quando a burguesia precisa se lançar na violenta ofensiva contra as classes dominadas, em todas as frentes e sob todas as formas possíveis (não descartando, inclusive, estados de exceção).
Essa maioria de excluídos é constituída pelas classes dominadas no país, pelos trabalhadores do campo e da cidade, pelos indígenas, pelos moradores das periferias das (grandes) cidades. E essa maioria tem cor, são…
… mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
… são quase todos pretos
Ou quase pretos
Ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
E todos sabem como se tratam os pretos.
(Gilberto Gil e Caetano Veloso)
A tarefa obrigatória dos comunistas, de seguir os passos de Lênin e fazer “o que é a própria essência, a alma viva do marxismo: a análise concreta de uma situação concreta” nos leva a buscar esboçar as relações e interligações dessa estrutura dual de violência/repressão no Brasil (formal/informal, legal/semiclandestina), que o governo Bolsonaro pretende reforçar no contexto atual de profunda e prolongada crise econômica e crise política no país desde, pelo menos, 2013.
Esta análise se soma às anteriores publicadas pelo Cem Flores para traçar um panorama do início do governo Bolsonaro e seu programa – mostrando seu caráter de classe, de governo burguês, de extrema-direita, inimigo da classe operária e das demais classes dominadas– e buscar contribuir para construir um programa e uma organização de resistência e de luta da classe operária e dos trabalhadores do campo e da cidade; da mulher trabalhadora, duplamente explorada; da juventude sem escola nem emprego; dos negros pobres sobre os quais recai com vigor redobrado o peso da exploração; da comunidade LGBT das periferias; em suma, de todas as classes e camadas exploradas e oprimidas de nosso país. Esses textos anteriores são:
– As eleições de 2018 e a necessidade de continuar e aprofundar a resistência das classes dominadas, de 30.10.2018;
– O hipócrita patriotismo burguês de Bolsonaro e seus objetivos, de 08.02.2019;
– A Reforma da Previdência faz parte do programa de classe da burguesia, de opressão e exploração dos trabalhadores, de 24.02.2019;
– O governo Bolsonaro e a ofensiva reacionária na educação, de 17.03.2019; e
– Aumentar a informalidade para aumentar a exploração do trabalho: a reforma trabalhista e sindical de Bolsonaro, de 19.04.2019.
O aparelho repressor de estado (ARE) capitalista
Um aspecto central da teoria marxista é a tese de que as sociedades divididas em classes produzem Estados a serviço das classes dominantes, para perpetuar sua dominação, para oprimir as classes dominadas. Daí Marx definir Estado, em geral, como “um órgão de dominação de classe, um órgão de opressão de uma classe por outra”, responsável pela “criação da ‘ordem’ que legaliza e garante essa opressão”. Da mesma forma, Lênin: “O Estado é uma organização especial da força, uma organização da violência para reprimir a outra classe”. Ao tratar do capitalismo, Engels especifica essas classes na atuação do Estado moderno: “o moderno Estado representativo é o instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado”[1].
É a luta entre as classes antagônicas, inerente a todas as sociedades de classe, que torna necessário o Estado como órgão de dominação de uma classe (dominante) sobre outras (dominadas), luta de classes que ocorre em todos os níveis (na produção, ou seja, no nível econômico, mas também nos níveis político, ideológico). Para que essa dominação seja perpetuada, é necessário garantir a contínua reprodução do sistema (capitalista), reprodução de suas classes enquanto tais (dominantes/dominadas) e de seus respectivos lugares nas relações de produção/exploração (burguesia/proletariado). O aparelho de Estado tem, portanto, outro papel fundamental, o de “garantir a perpetuação da exploração dos proletários e outros trabalhadores assalariados, isto é, garantir a perpetuação, portanto, a reprodução, das relações de produção que, ao mesmo tempo, são relações de exploração”[2].
Para garantir essa “perpetuação da exploração”, os aparelhos de Estado atuam nos diversos níveis em que ocorre a luta de classes e podem ser divididos em dois tipos, conforme sua forma predominante (mas não exclusiva) de atuação: os aparelhos ideológicos de Estado (AIE)– buscamos discutir as modificações que o governo Bolsonaro propõe para um dos mais importantes, o AIE escolar, aqui– e o aparelho repressor de Estado (ARE), que é o que buscamos analisar neste texto.
O papel da ideologia no ARE
Essa dualidade ideologia/repressão é importante pois, embora o garantidor final do sistema de opressão de classes seja a violência de classe, a repressão estatal, a manutenção cotidiana do sistema ocorre principalmente pela dominação ideológica, inculcação da ideologia dominante, ideologia das classes dominantes, em toda a sociedade, inclusive as classes dominadas[3]. Dessa forma, mesmo o ARE busca, sempre, legitimar ideologicamente sua violência, seja pela “defesa da lei e da ordem” (mesmo em suas ações ilegais), seja pelo “combate ao crime organizado” (ainda quando combate trabalhadores) ou no “combate à violência” (ampliando-a). É essa mesma ideologia – e sua base material na violência cotidiana – que gera na população pobre das periferias a demanda por mais ações da polícia que a reprime, e que vai gerar seus protestos e suas manifestações posteriores.
Composição do ARE
O ARE é a constituição, no Estado, de uma “força especial de repressão” (Engels) – são inseparáveis, um (Estado) não pode existir sem a outra (repressão e sua força específica). Daí a afirmação de Lênin de que “o exército permanente e a polícia são os instrumentos principais da força do poder estatal”. Mas essa força pública, a ação repressiva do Estado, no entanto, “não está formada apenas por homens armados, mas também por acessórios materiais, as prisões e as instituições coercitivas de todo gênero” (Engels). Na época do imperialismo, com o fortalecimento ainda maior do Estado burguês, Lênin o qualifica de “presídios militares para os operários”, dada a “monstruosa opressão das massas trabalhadoras pelo Estado”.
Na nossa conjuntura, o ARE capitalista é o aparelho centralizado – mas não sem contradições internas![4]– composto pelo governo (Poder Executivo) e sua burocracia, as três forças armadas, as polícias (federal, militar, civil, etc.), incluindo a força nacional, os tribunais (Poder Judiciário, Ministério Público), e o sistema prisional, com o objetivo principal de reprimir pela violência que for necessária (direta/física, indireta, legal, ilegal)[5]as ameaças à dominação burguesa.
O sistema prisional desempenha seu papel direto na violência estatal mediante o encarceramento e a ameaça de encarceramento. Esse papel – que, de acordo com a ideologia jurídica, está dirigido indiscriminadamente para toda a sociedade – está voltado, na prática, principalmente para as camadas proletárias, para os demais trabalhadores assalariados, para os desempregados e a população pobre e marginalizada. Daí que as condições concretas dos presídios e demais instituições carcerárias sejam definidas, em geral, de modo a ficarem ainda piores que as condições de vida e de reprodução das parcelas mais miseráveis dos trabalhadores. Isso torna efetiva a violência estatal (no seu objetivo de garantir a reprodução do capitalismo) ao contribuir para a regulação/contenção do mercado de trabalho mediante a dupla função de “manter o trabalhador na linha” e fazê-lo aceitar mesmo as piores condições de exploração existentes. As prisões podem mesmo funcionar como unidades produtivas, de forma que nem preso o trabalhador se livre do tormento e da opressão do trabalho.
Por fim, cabe ressaltar que a grave e prolongada crise do capital – econômica e política – em que vivemos, entre outros aspectos, gera uma enorme pressão por parte das classes dominantes para a necessidade de reforço, ampliação e reorganização da atuação do ARE. De forma simplificada, a piora das condições objetivas de vida das classes dominadas (aumento do desemprego, substituição do emprego formal pelo informal, aumento da pobreza e da miséria), gera tanto mais revolta e protestos, quanto uma maior criminalidade. O reforço, a ampliação e a reorganização do ARE é uma resposta das classes dominantes a essas tendências.
O aparelho repressor de estado (ARE) capitalista no Brasil
A violência/repressão das classes dominantes no Brasil é constitutiva da nossa formação econômico-social. Sociedade formalmente escravocrata por quase quatro séculos (ou três quartos da nossa história desde 1500), o Brasil foi constituído, além dessa “infâmia e cobardia” (Castro Alves), também pelo virtual extermínio de sua população indígena. Herdeira dessa cruel epopeia de colonização, escravidão e genocídio (e resistência!), nossa população negra segue, após cinco séculos, constituindo grande parte da massa trabalhadora, explorada, reprimida e, também, da população encarcerada.
No período mais recente dessa história, foi sob a última ditadura (1964-1985) que se deu a configuração atual, no essencial inalterada, do ARE brasileiro, fortemente militarizado, com o comando centralizado da repressão nas mãos das Forças Armadas, contando com as polícias como forças auxiliares. A dualidade legal/semiclandestino estava presente tanto na repressão à resistência à ditadura (prisões, torturas e assassinatos), quanto na atividade de agentes da repressão compondo os “esquadrões da morte”, para posteriormente passarem à associação com a contravenção (jogo do bicho, entre outros) e o crime (incluindo o tráfico de drogas e as atuais milícias). O ARE, com praticamente a mesma configuração (tendo significativamente reforçada a ação do seu braço judiciário, especialmente o Ministério Público, após a Constituição de 1988) e mantendo sua dualidade, passou incólume pelo período da chamada “redemocratização”.
Nesta década, principalmente após o início da crise política e da crise econômica em 2013/2014, observam-se claramente ações para o reforço do ARE, seja na sua base legal, seja na sua maior centralização operacional, seja na sua atuação prática e, ainda, no discurso ideológico para defendê-lo e justificá-lo.
Aumento da violência e ampliação do ARE
Um fator objetivo indispensável para entender a atuação do ARE, seu reforço recente e a ideologia que o sustenta é a extrema violência do capitalismo brasileiro, que pode ser “resumida” na brutal estatística dos mais de 60 mil homicídios por ano no país. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram 63,9 mil homicídios em 2017, último dado disponível. O gráfico[6]abaixo mostra a trajetória de crescimento constante dos homicídios nos últimos dez anos, acumulando aumento de 26% nesse período.
A taxa de homicídios por 100 mil habitantes também aumentou, superando 30, bastante acima de dez anos atrás. Com os dados do Atlas da Violência 2018, do Ipea, pode-se decompor essa taxa pela cor do assassinado. Os estados com a maior taxa foram Sergipe, Alagoas, Rio Grande do Norte e Pará, todos com taxas acima de 50. A taxa de homicídio da população negra, 40,2, é mais que o dobro da branca (“não negros” para o Atlas), 16. Se contarmos apenas jovens de 15 a 29 anos, a taxa mais que dobra, para 65,5. Ou seja, é um fato evidente que a extrema violência do capitalismo brasileiro faz distinção de cor e de classe.
O FBSP, junto com o Núcleo de Violência da USP e o site G1, publica outra estatística – o Monitor da Violência – de homicídios (os números são menores e não comparáveis com os do Atlas. Não incluem, por exemplo, mortes por “intervenção policial”), que já apresenta dados atualizados até 2018. Por essa (outra) série, houve redução do número de homicídios em 2018, para 51,6 mil, queda de 12,8% em relação a 2017. Segundo a especialista em segurança pública, convidada e desconvidada por Sérgio Moro, uma das razões para a queda de 2018 foi a consolidação do poder do Primeiro Comando da Capital (PCC) sobre as facções rivais após as disputas de 2017 e o aumento de homicídios que essa disputa de facções havia causado naquele ano.
É sobre essa base material que o reforço do ARE ganha justificação ideológica e apoio da população, inclusive das classes dominadas, que sofrem com a ação desse mesmo aparelho repressor. Só que a diretriz com a qual o ARE opera no nosso país é a de mais violência e mais repressão, atingindo os mesmos de sempre. Ainda que submersos na ideologia dominante que justifica essa ação repressiva – e sem o contraponto da posição proletária organizada e com influência nas massas – a juventude das periferias sabe, instintivamente, quem é o inimigo: mais da metade dos jovens, negros e de baixa renda tem medo da polícia.
O reforço do ARE no Brasil na década de 2010
Sob a ótica do reforço e da ampliação do ARE, podemos dizer que esta década começou com a política das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), no Rio de Janeiro – tema que tratamos no texto Cadê o(s) Amarildo(s)?, de setembro de 2013 –, e com a invasão do Morro do Alemão por tropas do Exército, treinadas no Haiti, e da Polícia Militar do Rio, com apoio da Marinha e da Aeronáutica, em novembro de 2010. Essa ação caracterizou a primeira vez, após o fim da ditadura, que as Forças Armadas voltaram a atuar nas ruas com poder de polícia (patrulhamento, revista, flagrante). Para isso, Lula autorizou a revisão da diretriz de atuação do Exércitoe a criação de uma “Força de Pacificação”, explicitando a subordinação da PM às Forças Armadas. Essa ação ocorreu na sequência do reforço e da centralização da ação das Forças Armadas, com a nova lei da defesa, também sancionada por Lula, em agosto de 2010.
A partir de 2013, com o agravamento das crises política e econômica, houve reforços adicionais na atuação dos ARE, processo iniciado nos governos petistas, ratificado no de Temer e que Bolsonaro quer reforçar ainda mais. Só para ficarmos nos marcos principais desse processo, temos as sucessivas decretações de “estado de exceção” com as “operações de garantia da lei e da ordem” (GLOs) – ou seja, a determinação para atuação do Exército nas ruas – e a sanção da Lei Antiterrorismo, no governo Dilma. Na sequência, já no governo Temer, a continuidade das GLOs e a radicalização do “estado de exceção” com a decretação da Intervenção Militar no Rio de Janeiro.
No nosso texto A nova intervenção militar no Rio de Janeiro: reforço da repressão burguesa no Brasil, de fevereiro de 2018, analisamos esses fatos e buscamos mostrar o sentido da atuação repressiva desses sucessivos governos do país:
“A tese que queremos levantar é que vem se constituindo nos últimos anos, qualquer que seja o governo, um reforço da presença do aparelho repressivo (Forças Armadas, Polícias Federal e Estaduais, Militares e Civis, Poder Judiciário, Ministérios Públicos, etc.) do estado capitalista no Brasil. Esse reforço se dá pela ampliação da legislação repressiva e pela ação conjunta e coordenada dessas diversas instâncias. O “exercício” que está sendo realizado no Rio de Janeiro atualmente – intervenção federal mais GLO, ou seja, poderes administrativos mais policiais nas mãos do Exército – é mais um passo adiante nessa trajetória.”
Sobre a extrema violência do capitalismo brasileiro e sua lógica de repressão, de exclusão e de controle sobre as classes dominadas, afirmamos naquele texto do ano passado:
“A resposta do capitalismo brasileiro à barbárie e à banalização da violência só pode ser mais violência. Solucionar os problemas das classes dominadas que alimentam a violência urbana exige a própria derrota da posição e do poder dos dominantes.
Logo, mais repressão, por mais irracional que pareça aos especialistas, é a única solução da burguesia em tal cenário e em última instância. Não só para retomada de regiões e populações “fora do controle”, mas também como salvaguarda para qualquer tentativa de revide político dos dominados, cuja situação de crise econômica só tende a acirrar tal tendência”
Além do reforço do arcabouço legal e de suas operações, a ampliação do ARE também pode ser vista, por um lado, pelos seus gastos, pelo efetivo policial e pelo crescimento de sua letalidade e, por outro, no aumento da população carcerária.
O aparato policial e sua letalidade
Parecem não existir estatísticas recentes que englobem todo o efetivo engajado em atividades policiais no Brasil. De acordo com o Perfil dos Estados e dos Municípios Brasileiros 2014, do IBGE, o total do efetivo das polícias militares (425,2 mil) e civis (117,6 mil) estaduais ultrapassava meio milhão no final de 2013. Esse total é dois terços maior que os estimados 334,5 milefetivos das Forças Armadas.
Os gastos com segurança pública, também de acordo com o FBSP, atingiram R$84,7 bilhões em 2017. Apenas para comparação, as despesas previstas no Orçamento Geral da União para 2017foram de R$110,7 bilhões para a área da Educação e de R$107,3 bilhões para a da Saúde.
A letalidade policial tem aumentando nos últimos anos em ritmo superior ao do total de homicídios. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, do FBSP, mostra esse aumento, apresentado no gráfico abaixo. Em 2017, os casos de “homicídios em intervenções policiais” somaram 5,2 mil em todo o país, mais do que o dobro de apenas quatro anos atrás. No mesmo período, o total de homicídios no país subiu 11%, fazendo com que os homicídios por policiais passassem a representar 8,1% do total, em 2017, quando eram 3,9%, em 2013.
De acordo com o Monitor da Violência, o número de homicídios por policiais aumentou novamente em 2018, atingindo 6,2 mil, um aumento de 18%em um ano apenas (de acordo com essa outra fonte). Ou seja, enquanto o número de homicídios totais teria diminuído em 2018, o de assassinatos por policiais aumentou. Em relação ao tamanho da população, o Rio de Janeiro lidera a taxa de letalidade policial, seguido de Pará, Sergipe, Goiás e Bahia.
Essa estatística já nos permite um primeiro vislumbre da dualidade legal/semiclandestino do ARE no Brasil. De acordo com Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, essa estatística indica que “uma parte do efetivo aproveita essa licença para matar para defender seus próprios interesses pessoais e financeiros”, a “carta branca para matar permite ao policial usar esse poder em defesa de seus lucros e de seus interesses no crime”, ou seja, “desta polícia violenta nasceram as milícias”.
O sistema prisional brasileiro
O sistema prisional brasileiro aumentou significativamente seu papel no ARE nos últimos dez a quinze anos. Esse aumento decorre do próprio crescimento da violência e do fortalecimento do crime organizado, da revisão da legislação sobre drogas(praticamente um em cada três presos atualmente está vinculado às drogas), do reforço da atuação repressiva das polícias. Paradoxalmente, a ampliação do sistema prisional serve para, num círculo vicioso, reforçar as principais facções do crime organizado, absolutamente dominantes dentro das cadeias, tornadas seus centros de comando para sua atuação externa. Por outro lado, é a permanente ameaça à população jovem, negra e de periferia, sempre à mercê da arbitrariedade policial e, portanto, orientada à passividade “para não ter problemas”.
Os números oficiais comprovam cabalmente esse caso.
Pelos dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a população carcerária no país sobe sem parar, chegando a mais de 700 mil pessoas “privadas de liberdade” em 2016. Com as imagens que todos conhecemos, esses presos são amontoados em celas nas quais só caberiam a metade deles. 40% do total de presos, ou 292,5 mil, são presos provisórios, sem condenação – ou seja, à mercê da arbitrariedade policial. 400 mil presos (55%) tem menos de 30 anos, 465 mil (64%) são negros, e 545 mil (75%) tem, no máximo, o ensino fundamental. O ARE no Brasil identifica a idade, a cor, o local de moradia e a classe social dos seus alvos.
O Monitor da Violênciaatualizou o número da população carcerária para este começo de 2019. Sem novidades, houve aumento para 754,2 mil.
O aparelho repressor de estado (ARE) capitalista no Brasil sob Bolsonaro – reforço de sua dualidade legal/semiclandestino
Como vimos no início deste texto, o “armamentista” Bolsonaro sempre se caracterizou pela apologia da violência da classe dominante contra as classes dominadas. A sua campanha e eleição, entre outras características, contou com forte mobilização de expressivos setores das camadas médias prestando entusiasmado apoio à violência e à repressão, sobre o pretexto de retomada da “ordem”. Essa ideologia de extrema-direita se volta, por um lado, contra a corrupção (associada aos governos do PT), e, por outro, contra qualquer coisa que possa ser vista como ligada à esquerda, aos trabalhadores, aos pobres ou a alguma forma de protesto e manifestação popular. Não à toa, uma das imagens mais marcantes da campanha de 2018 foi a quebra de uma placa em homenagem à Marielle Franco, vista como símbolo de todos esses aspectos (esquerda, trabalhadora, pobre, militante).
A esse grupo se juntariam a burguesia e parcela representativa do próprio ARE (centralizada ao redor de Moro e da Lava-Jato). A Lava-Jato, com seu programa de endurecimento penal (como o habeas-corpus e a legalização de provas ilícitas no pacote das 10 Medidas contra a Corrupção). A burguesia, pela necessidade de reforço do ARE em contexto de violenta e prolongada crise econômica e desemprego em massa e diante das medidas que o capital se vê necessitado de adotar que agravam ainda mais as condições de vida dos dominados (reforma da previdênciae trabalhista, por exemplo).
O reforço do ARE legal
O somatório desses três grupos, e ainda as Forças Armadas, resulta em forte tendência de utilização do ARE para um “controle social”: repressão a movimentos e militantes das cidades e do campo, manutenção da população trabalhadora/pobre “nos seus lugares”, restrição da violência crônica, endêmica, às periferias/favelas e maior proteção ao dia a dia dos ricos e das camadas médias.
Em relação às manifestações, desde 2013 acumulam-se um sem número de leis, regulamentos, projetos e decisões voltadas a cercear a liberdade de manifestação pública. Matéria do El País do ano passadoindicava pelo menos 70 projetos de lei de criminalização de manifestantes. A mesma matéria também indica melhorias táticas e de armamentos para as polícias pós-2013, tais como: “canhões sônicos, blindados israelenses, trajes Robocop, veículos com canhões de água, além do uso contínuo e indiscriminado de balas de borracha, bombas de efeito moral, cassetetes e spray de pimenta”, “acompanhar manifestações sem estarem identificados” e “infiltração de policiais, filmagem de manifestantes, investigação nas redes sociais, quebra de sigilo das comunicações”.
As principais ações do governo Bolsonaro para reforçar o ARE formal nesses primeiros quatro meses foram: o encaminhamento ao Congresso Nacional do pacote Moro de “licença para matar” para policiais e a autorização para a utilização da Força Nacional na repressão aos protestos indígenas em Brasília.
O pacote Moro de “licença para matar” para policiais é encomenda expressa de Bolsonaro, que nunca escondeu sua posição de “dar carta branca para PM matar em serviço”. Dessa forma, fecha-se o círculo das ações legais/semiclandestinas do ARE: a licença para matar já existe na prática, tanto para a polícia quanto para as milícias. Ela agora pode se tornar formal – por exemplo, com a diretriz explícita do governador do Rio de Janeiro para atirar na “cabecinha”– e, também, legal, caso o projeto de lei de Moro seja aprovado.
Da mesma forma que no pacote das 10 Medidas contra a Corrupção, o projeto atual de Moronão vê qualquer problema de entrar em conflito com a institucionalidade e com as leis vigentese com a jurisprudência estabelecida. São exemplos disso as propostas para ampliar ainda mais a população carcerária, tais como vedação de progressão de pena e a impossibilidade de concessão de liberdade provisória, além do flagrante induzido e da própria “licença para matar” para policiais.
Esse conjunto de propostas legislativas contrárias ao sistema jurídico atual é parte da ofensiva burguesa por maior repressão em contexto de sua crise política e econômica. Uma das tendências identificadas por Poulantzas de transformações do Estado no contexto de sua crise é exatamente essa: “a derrubada do sistema legal e da ideologia jurídica correspondente ao ‘estado de direito’ tradicional a fim de dar conta das transformações institucionais”[7].
O reforço do ARE semiclandestino e suas ligações com o ARE legal
Os integrantes do ARE encarregados de sua linha de frente de combate, quase que por definição, transitam entre três zonas contíguas: a das estritas atribuições legais, a zona cinzenta de práticas ilegais “toleradas” pela ideologia dominante numa determinada conjuntura, e a ilegalidade aberta. No Brasil atual é comum ver as duas primeiras como área de atuação das polícias. A terceira há tempos vem sendo dominada pelo que se pode chamar, de maneira ampla, de milícias.
Em relação à “zona cinzenta”, trata-se da atuação policial arbitrária, sem as (pseudo)-amarras dos controles e prestações de contas que estariam envolvidos na sua atuação estritamente legal (o que não significa deixar de ser repressora). Nessa zona cinzenta incluem-se desde as ações cotidianas para controlar e intimidar a população trabalhadora das periferias (batidas, invasões, detenções de curto prazo, extorsões, etc.) como as ações mais explicitamente violentas, chegando às execuções.
Por que chamar execuções por policiais de “zona cinzenta” na atuação do ARE? Porque, nesses casos, a polícia sempre busca “legalizar” sua atuação mediante a formalização de autos de resistência e construção de narrativas de morte em confronto com policiais. Essas “fake news” geralmente se caracterizam “na ausência de testemunhas, na baixa qualidade ou ausência de laudos periciais, nas idas e vindas dos autos entre a polícia e o Ministério Público, assim como na alegada impossibilidade de individualização da conduta dos policiais”[8].
Os efeitos práticos e ideológicos desse procedimento são: construir a narrativa do morto como criminoso, e ele é quase sempre negro; evitar qualquer punição para os policiais, com o arquivamento de até 96% dos casos; e manter a narrativa ideológica de cumprimento do dever por parte do ARE, buscando o apoio da população. Esse efeito ideológico pode ser visto nos elogios do governador de São Paulo à Rotae nos do governador do Rio de Janeiro às 15 mortes após a ação da PM no Morro do Fallet-Fogueteiro.
A inovação do governo Bolsonaro, como já mencionado é buscar ampliar o verniz de legalidade a essa atuação do ARE na “zona cinzenta”, mediante a proteção legal aos “excessos” (sic!).
A atuação abertamente ilegal do ARE está associada à mistura polícia/milícia. Embora essa história pareça recente e confinada ao Rio de Janeiro, trata-se de algo constitutivo do ARE brasileiro, cuja história está vinculada à figura do “pistoleiro”, tanto nas cidades como, e talvez principalmente, no campo, na atuação dos verdadeiros “exércitos particulares” dos latifundiários e dos “coronéis” para o controle e obediência de seus empregados e contra a massa camponesa sem-terra.
Desde os anos 1960, a periferia das grandes cidades vem sendo infestada pelos “esquadrões da morte”, organizados seja para a vingança das mortes de policiais, seja para vender segurança aos pequenos proprietários e população de suas áreas de atuação. A partir dos anos 2000, essa atuação violenta/repressora das milícias vem se ampliando para uma atuação mais orgânica e profissional, emulando a atividade empresarial e buscando diversificar suas fontes de rendimento mediante controle de território e de todo o tipo de produtos e serviços nessa área (do “gatonet” às drogas, passando pela construção civil). Um pressuposto desse controle é a eliminação violenta e imediata de qualquer ameaça à sua atuação, como foi caso exemplar o assassinato da juíza Patrícia Acioli. E, é claro, nesse processo reforçando seus laços com as polícias e com as demais autoridades, inclusive políticos eleitos, que se tornam cada vez mais dependentes das milícias para suas eleições.
Para reforçar que não se trata apenas de um caso carioca, transcrevemos trecho de artigo do Monitor da Violência do último dia 19 de abril: “No Pará, o segundo colocado no ranking da violência policial, a força das milícias já vem sendo investigada e denunciada. Lá, esses grupos cresceram principalmente por associação com os traficantes do estado. As milícias rurais também agem em defesa de grandes proprietários de terra e de grileiros, seguindo a tradição dos matadores de aluguel e da pistolagem, que há anos vigora na região”
Jair Bolsonaro e seus familiares nunca esconderam suas ligações íntimas com milicianos. Pelo contrário, sempre fizeram questão de explicitá-las. Foram homenagens a milicianos feitas pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro, emprego de parentes de milicianos, e mesmo propostas de legalizar sua atuação(!). Ou como no discurso de Bolsonaro pai: “Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio”. Essa afirmação consta de matéria do Interceptsobre as ligações dos Bolsonaros com as milícias a respeito dos casos Queiróz e Marielle Franco-Anderson Gomes.
O reforço dessa atuação semiclandestina do ARE no Brasil se dá, portanto, tanto pelo apoio explícito das classes dominantes e seus representantes políticos, quanto pelo seu apoio implícito, porém não menos relevante, traduzido na não punição de suas atividades, resultando na ampliação de sua área de atuação e “negócios”.
O problema da violência para as classes dominadas
O crescimento da violência e da repressão no capitalismo brasileiro, magnificados pelas crises política e econômica nas quais nos encontramos faz tempo, e sem perspectivas de resolução, parecem ser tendências de mais longo prazo, que indicam trajetória de maior autoritarismo burguês e estatal.
Diante delas, não há quaisquer perspectivas de melhoria das condições de vida da classe operária e demais classes dominadas que não seja fruto de sua ação coletiva, de sua luta conjunta, de seus protestos de classe. Essas melhorias das condições de vida devem ser arrancadas aos dominantes. Como dissemos no texto Os Limites da Dominação Capitalista no Brasil, de 16 de junho de 2018
“A vida proletária não precisa ser um calvário sem fim. As lutas são o caminho para sua superação. A solidariedade entre os explorados fortalece essas lutas e lhes dá um caráter mais diretamente político. A posição proletária na luta de classes reaparecerá a partir dos ensinamentos das lutas concretas e da visão política dos trabalhadores.
Como dizia o aniversariante de 200 anos: os proletários não têm nada a perder, a não ser os grilhões que os acorrentam à exploração capitalista. Eles têm um mundo a ganhar!”
[1]Essas citações e as seguintes (quando não houver atribuição específica), mesmo quando referentes a Marx e a Engels, constam do livro O Estado e a Revolução, de Lênin (1917), e foram traduzidas do espanhol: El Estado y la Revolución. La Doctrina Marxista del Estado y las Tareas del Proletariado em la Revoluciíon. Obras Completas, tomo 33. Moscou: Editorial Progresso, 1986. Disponível em português em https://www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/index.htm.
[2]ALTHUSSER, Louis. (Março-Abril de 1969). Sobre a Reprodução. Petrópolis: Vozes, 1999, pg. 225.
[3]“As classes dominantes não podem dominar as classes exploradas exclusivamente pelo uso da violência; a dominação deve sempre ser apresentada como legítima pela manipulação estatal da ideologia dominante, a qual provoca um certo consenso em certas classes e frações das classes dominadas”. POULANTZAS. Nicos. (1976). The Political Crisis and the Crisis of the State. In: MARTIN, James (editor). The Poulantzas Reader: Marxism, Law and the State. Londres: Verso, 2008, pg. 301.
[4]A imprensa diária nos informa sem parar dessas contradições entre as diferentes facções do governo (militares x olavetes), do poder judiciário (STF x Lava-Jato), entre outros. Mais além dos conflitos entre personalidades, trata-se de disputas de poder entre essas facções, travadas sobre os rumos das políticas de Estado, ou seja, sobre as melhores formas de dominação burguesa em cada conjuntura.
Nas palavras de Althusser: “Mas o fato é que o conjunto desses membros faz parte de um único e mesmo corpo de executantes repressores às ordens dos detentores do poder de Estado que são os representantes políticos da classe dominante …, aplicando sua política de classe. É a razão pela qual podemos dizer que o Aparelho repressor de Estado constitui um todo orgânico porque organizado-unificado sob uma direção única: a dos representantes políticos da classe no poder” (op. cit., pg. 160).
[5]Ainda Althusser: “desde a mais brutal força física até às simples ordens e proibições administrativas, à censura aberta ou tácita, etc.” (op. cit., pg. 164).
[6]No gráfico, os números de 2008 a 2016 têm como fonte o Atlas da Violência 2018, do Ipea/FBSP, disponível em http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/. Para 2017, a fonte é o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2018, do FBSP, disponível em http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/08/Apresenta%C3%A7%C3%A3o_Anu%C3%A1rio.pdf.
[7]POULANTZAS. Op. cit., pg. 322.
[8]PASSOS, Aline e OLIVEIRA, Henrique. O Pretexto da Legítima Defesa. Revista Cult, ano 22, nº 244, abril de 2019, pg. 28.