As greves no primeiro semestre de 2022: um começo de reação das classes trabalhadoras?
Trabalhadoras e trabalhadores da rede estadual de educação de Minas Gerais em greve por reajuste salarial e cumprimento do piso da categoria, em março de 2022. Essa foi uma típica luta sindical do primeiro semestre deste ano.
Cem Flores
06.12.2022
Após atingirem o fundo do poço em 2020, ano de imenso desemprego e fortes impactos da pandemia, as greves e as paralisações de trabalhadores/as no Brasil tiveram uma pequena elevação em 2021. Com a explosão da carestia, várias categorias foram à luta em defesa de seus salários no ano passado, enfrentando as direções pelegas que ainda controlam quase todo o aparelho sindical. Foi o caso dos/as operários/as da GM em São Caetano do Sul, que enfrentaram por quase 15 dias uma multinacional, o aparelho de estado capitalista e um sindicato pelego, fazendo o ataque patronal recuar em vários pontos. Ou da mobilização dos/as entregadores/as de aplicativos, que por várias vezes, em diversas cidades, paralisaram por mais de um dia, com piquetes em centros de distribuição e outras ações autônomas.
Veja a análise completa do Cem Flores sobre as greves de 2020 e 2021:
Panorama das greves no Brasil: a necessidade de ampliar a resistência das classes trabalhadoras, de 10.09.2022
Segundo relatório divulgado recentemente pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), essa elevação continuou no primeiro semestre de 2022. Nesse período, as categorias do setor público foram as responsáveis pela maior atividade sindical, depois de vários anos bastante recuadas. Mas outros importantes exemplos devem ser destacados como a luta contra a carestia de vida, a perda de conquistas e a ofensiva patronal. Basta lembrar do levante dos operários/as da CSN, em abril deste ano.
O atual crescimento das greves das classes trabalhadoras no Brasil ainda não reverte sua posição de defensiva na luta de classes. O contexto geral continua muito duro, de inúmeras derrotas. Mas será a partir desse limitado patamar, desses exemplos recentes de reação, de suas lições, que a luta proletária pode e deve avançar em nosso país. Luta que é o nosso único caminho para conquistar melhorias e um dia alcançar o fim dessa vida de exploração e opressão.
Com esta publicação atualizamos nossa análise da luta grevista no Brasil. Aprofundar-se sobre as características e os efeitos dessas greves é uma tarefa fundamental para conduzir a luta das massas trabalhadoras no próximo período.
As greves no primeiro semestre de 2022
Após o encerramento do forte ciclo de greves iniciado em 2013, desde 2017 há uma queda expressiva do número de greves no país, cujo momento de maior recuo ocorreu em 2020, ano da pandemia. Comparado com aquele ano, houve crescimento em 2021 (principalmente nas horas paradas) e, novamente, no primeiro semestre de 2022.
Houve 663 greves no primeiro semestre de 2022, contabilizando 37 mil horas paradas. Desde 2018 não havia um primeiro semestre com tamanha atividade sindical no país. Considerando o fundo do poço em 2020, ocorreram aumentos de 84% no número de greves e de 228% nas horas paradas. Apesar de ainda bem longe do pico em 2016, último ciclo de greves do país, ao menos o primeiro semestre de 2022 marcou a saída de um momento de baixa sindical.
O funcionalismo público foi o principal responsável pela elevação das greves nesse semestre. Como informa o DIEESE, comparado com o mesmo período em 2021, “o número de horas paradas [do funcionalismo] foi multiplicado por três e o número de greves, por cinco”. Nos últimos anos, era o setor privado que estava puxando mais greves, situação que se inverteu nesse momento. O setor público como um todo, somando o funcionalismo público de todas as esferas e as empresas públicas, representaram 66% das greves e quase 80% das horas paradas.
Isso é explicado sobretudo pelo “importante papel dos profissionais da educação na deflagração das greves nesse primeiro semestre – em especial aqueles que, pelos municípios do país adentro, ocupam-se dos primeiros anos da infância”. Tais greves ocorreram principalmente para garantir o pagamento, por parte dos governos locais, do piso salarial nacional, reajustado no início do ano. Além disso, outras categorias públicas lutaram contra o congelamento de salários nos quatro anos de governo Bolsonaro (quase 30% de perda de poder de compra real), contra o aumento dos descontos previdenciários (que representam reduções de salários), contra as privatizações e contra as pioras nos acordos coletivos.
No setor privado, onde a quantidade de greves teve um pequeno aumento, mas com queda nas horas paradas, as categorias de transportes continuam sua luta, de caráter mais defensivo, contra atrasos de salários. Realidade muito comum em várias empresas do setor privado.
Em relação ao caráter, houve uma pequena redução de pautas defensivas e uma elevação considerável de pautas propositivas, comparadas ao ano anterior. Além disso, uma pequena elevação das greves de protesto. Essas greves, em sua maioria, atingiram uma categoria toda (59%) e foram deflagradas por tempo indeterminado (52%), indicando que as greves foram menos pontuais. Reajuste (48%) e piso salarial (31%) foram as reivindicações mais presentes nessas greves. Pagamento de vencimentos atrasados, uma pauta muito presente nos últimos anos, e altamente defensiva, perdeu relevância e esteve presente em apenas 16% das greves totais. Esses parecem ser sinais indicando um movimento dos/as trabalhadores/as com mais força e maior capacidade reivindicativa.
Certamente, o crescimento de greves no funcionalismo público tende a distorcer o quadro geral, pois suas pautas tendem a ser mais ofensivas, em contexto de luta bem menos adverso (estabilidade de emprego, maior sindicalização etc.). Mas a redução de pautas defensivas e o aumento de pautas propositivas também foi notado no setor privado nesse período, apesar da luta contra vencimentos atrasados continuar a mais relevante neste setor.
A base de dados do DIEESE continua com poucos registros de resultados das greves no país. No primeiro semestre do ano, há apenas informações sobre 32% das greves realizadas e uma relativa piora dos seus resultados, o que demonstra um cenário de resistência dos trabalhadores/as ainda frágil e oscilante – não obstante o crescimento do número de greves e de horas paradas. O atendimento, ao menos parcial, das reivindicações ocorreu em dois terços das greves avaliadas pelo Dieese. No ano passado, esse indicador ficou em 73%. A rejeição completa das reivindicações grevistas subiu de 8% para 14%.
Em relação aos reajustes salariais, o resultado foi um pouco melhor em relação a 2021. A inflação continuou alta neste ano, apesar da queda na comparação com o ano passado – o que só aconteceu em função do pacotão eleitoral de Bolsonaro, com a redução dos impostos sobre gasolina e energia. A carestia dos alimentos continuou acima de 10% ao ano. Com percentuais elevados para alcançar uma reposição salarial, mais de 40% dos reajustes no primeiro semestre ficaram abaixo da inflação, ou seja, representaram uma perda real de poder de compra. 20% conseguiu aumento real, 5 pontos percentuais acima em relação a 2021, melhoria puxada sobretudo pelas categorias da indústria.
Em relação aos acordos coletivos, como falamos em publicação anterior, no primeiro semestre deste ano:
benefícios e conquistas têm diminuído nos acordos e convenções coletivos. Como diz um pesquisador da FIPE: “A presença dos adicionais diminuiu em 2022. Houve uma redução generalizada não no valor, mas na presença [desses benefícios] […] Como o poder de barganha dos trabalhadores não está forte, porque a inflação ainda é muito alta, não tem como pressionar. Para garantir a inflação, tem que abrir mão de alguma coisa”. Ou seja, está ocorrendo em várias categorias uma “troca” de benefícios e conquistas por reajuste nos salários – o que significa, na realidade, uma perda nas condições de vida da massa trabalhadora.
Nosso único caminho: elevar a organização e a resistência!
O arrefecimento geral da pandemia e o mercado de trabalho menos deteriorado, diante de uma retomada do crescimento econômico entre 2021 e 2022, geraram um cenário menos adverso às classes trabalhadoras e favoreceram algum nível de luta operária e sindical menos defensiva. Porém, como vimos, essa reação ainda é frágil e ambígua em alguns aspectos. Também não está sendo acompanhada por uma expressão política em sua luta, seja nos locais de trabalho e moradia ou nas ruas e em manifestações, território hoje dominado pelas hordas fascistas de Bolsonaro. Importantes e fundamentais avanços do inimigo de classe não foram derrotados e revertidos.
As atuais perspectivas econômicas para o próximo ano apontam para uma recessão no mundo e o retorno à estagnação no Brasil, o que pode impactar negativamente na atividade sindical e nas condições de vida das massas. Os patrões e o seu novo governo, Lula-Alckimin, como fica cada dia mais claro, continuarão sua marcha contra trabalhadores/as, seja consolidando as derrotas impostas no último período, como a reforma trabalhista, seja buscando novas frentes de ataques. O cenário continua difícil e incerto para as massas exploradas.
Não podemos nos enganar e cair nas ilusões eleitoreiras nas quais a grande parte do movimento sindical mergulhou. A saída de Bolsonaro não garante um cenário mais propício às reivindicações das classes trabalhadoras. Não é um governo nosso! O objetivo do próximo governo será o de garantir os lucros dos patrões, usando a repressão se preciso for. A presença de “representantes dos/as trabalhadores/as” (sic) nada mais é do que o retorno da velha máquina petista de enrolações (conselhos consultivos, cargos simbólicos para a burocracia sindical, encontros e mesas de “negociações” etc.), que em nada somam para ampliar a força das categorias. Pelo contrário, foram fundamentais nos governos petistas para descrédito e desmonte do movimento sindical nas bases.
Para sairmos de fato da defensiva, retomarmos nossas conquistas, melhorarmos nossos salários e a vida de nossas famílias, dependemos exclusivamente de nossa força e nossa organização de base.
Fazer crescer as greves e os protestos é nossa arma contra o patronato, contra o fascismo que continua a ameaçar e contra o novo-velho governo burguês apoiado pelos pelegos. O caminho da luta continua a ser o nosso único caminho!
Avançar nas lutas contra as demissões, por melhores salários e condições de trabalho!