O início do governo Lula-Alckmin: a consolidação da ofensiva burguesa e a volta da política de cooptação
À esquerda, o ministro da economia Haddad e seu braço direito, o banqueiro Gabriel Galípolo, na Fiesp, prometendo a continuidade “intensiva” das reformas para a burguesia. À direita, o presidente Lula enrolando “lideranças” de movimentos populares, que retomam seu papel de subordinadas ao governo e às instituições burguesas.
Cem Flores
27.03.2023
O novo governo Lula-Alckmin está completando três meses. Considerando tanto o “governo de transição”, nos dois meses entre a eleição e a posse, quanto o governo já em funcionamento, tomando suas primeiras medidas e fazendo seus primeiros conchavos, se torna possível fazer uma avaliação de seu caráter e de suas tendências iniciais. Aos/às trabalhadores/as e aos/às comunistas isso significa analisar concretamente a quais interesses de classe o novo governo serve e de que forma podemos/devemos dar continuidade e avançar na nossa luta nesse novo cenário político-econômico.
Como afirmamos em nosso livro recém-lançado, na atual conjuntura, é preciso responder de forma clara às seguintes perguntas marxistas-leninistas fundamentais: Quem são nossos inimigos? Quem são nossos amigos? Ou, perguntando de outra forma: Contra quem devemos combater? Com quem podemos contar, de fato, em nossa luta?
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O novo governo Lula-Alckmin, encabeçado pela esquerda reformista, oportunista e eleitoreira, e com certo apoio da direita, é um governo burguês, dos e para os patrões. Assim como foram os governos anteriores do PT, mas agora com características ainda mais à direita, com um “programa” ainda mais rebaixado. Não só Lula-Alckmin se comprometem a não mexer nos ganhos da ofensiva de classe patronal dos últimos anos, como também têm se comprometido com sua continuidade. Esse caráter fundamental de classe do governo, Lula e seus aliados tentam esconder com arroubos do presidente, discursos na mídia, medidas ilusórias, enrolações e migalhas – igual ao que foi feito pelo petismo nos anos em que esteve na gestão do estado capitalista anteriormente. É, portanto, de extrema importância para a luta das massas exploradas quebrar essas ilusões e afirmar com todas as letras: esse governo é um governo de nosso inimigo de classe, portanto, também nosso inimigo!
Como ficou claro no “capitólio bolsonarista” do dia 8 de janeiro, esse governo também não significou o fim da ameaça de extrema-direita, fascista. Sua postura com a extrema-direita tem sido de tentativas fracassadas de pacificação (panos quentes e financiamento para os militares, após punições formais a um ou outro; acordos com os governadores bolsonaristas; relação parlamentar com a base bolsonarista; e convivência com o crescimento das células neonazistas pelo país e com as organizações da extrema-direita) ou de “isolamento”, com a construção de frentes amplíssimas com a própria direita (Alckmin, MDB, PSD, União Brasil; grande imprensa; Fiesp) e que inclusive conciliam com figuras importantes no apoio ao próprio bolsonarismo (Artur Lira e seu partido).
Esse não combate à extrema-direita por parte do governo e do reformismo, assim como sua política eleitoreira, meramente institucional, de “conciliação” de classe antagônicas, como já vimos há décadas, são também, ao mesmo tempo, limites à luta proletária (com o governo e as organizações sindicais e populares reformistas buscando rebaixar e canalizar as demandas da classe para os meios institucionais, estatais e governamentais; buscando cooptar e controlar todas as tentativas de organização e luta independente da classe; ou mesmo buscando sabotar essas organização e luta) e fermentos para a extrema-direita e o processo de fascistização em curso. Portanto, esses reformistas e oportunistas também não são e nem podem ser os dirigentes na necessária luta contra o fascismo e a ameaça permanente de golpe.
Cabe às classes trabalhadoras tomar as lições desses períodos de governos da extrema-direita e do reformismo/oportunismo e reforçar sua organização própria e independente, nas frentes concretas de sua luta. Será das suas próprias mãos que virá a resistência necessária e urgente contra a ofensiva burguesa, inclusive em sua face mais radical, golpista e de tendência fascista.
Aos/às comunistas, fora os atalhos ilusórios, só há um caminho: o esforço de reconstrução da posição independente do proletariado, trazendo de volta a perspectiva revolucionária, para quebrar os ciclos cada vez mais reacionários da política burguesa. Fazer frente à mais uma rodada de enrolação criada pelo reformismo – como nos governos petistas anteriores – que nos trouxe até essa situação dramática.
Governo Lula-Alckmin enquanto consolidação da ofensiva burguesa e de seu programa hegemônico
No atual estado depressivo do sistema imperialista, o Brasil vive um quadro de estagnação desde a recessão de 2014-2016. A economia apresenta um “crescimento” médio de menos de 1% do PIB per capita nessa década. Esse cenário de crise da acumulação capitalista impulsionou, também seguindo tendências internacionais, uma forte ofensiva de classe burguesa em nosso país, nas mais diversas frentes (econômica, política, repressiva, ideológica). A ampliação dos seus ataques de classe contra o proletariado e as demais classes trabalhadoras visa, de forma clara e até agora bem-sucedida, a recuperação das taxas de lucro da burguesia e um novo patamar de exploração e dominação.
Concretamente, no Brasil, essa ofensiva de classe tem se efetivado principalmente através de um conjunto de pautas de amplo consenso nas frações burguesas e seus aliados e representantes políticos. Temos chamado essa agenda dos patrões de “programa hegemônico da burguesia”, cujo núcleo fundamental é um conjunto de “reformas” (previdenciária, trabalhista-sindical, tributária, administrativa) e as privatizações, concessões e parcerias púbico-privadas (PPP). Também fazem parte dessa agenda burguesa as chamadas “reformas microeconômicas” (como a lei de “liberdade econômica”, marco legal do saneamento etc.) e a gestão macroeconômica (juros altos, “responsabilidade fiscal”). Todas elas ajustes necessários à burguesia para o avanço da acumulação de capital no país. Todas elas ataques patronais na luta de classes, utilizando-se de seu estado e seus governos para ratificarem seus interesses.
Mesmo em meio a intensas disputas entre facções políticas burguesas, todos os recentes governos buscaram avançar esse programa, sendo, assim, instrumentos da ofensiva de classe burguesa contra as massas exploradas. No terreno econômico, os primeiros governos Lula reforçaram a inserção dominada do país na divisão internacional do trabalho do sistema imperialista mundial (fornecedor de commodities para o consumo e industrialização da China), consolidaram a gestão macroeconômica iniciada por FHC, aumentaram a internacionalização da economia brasileira, fizeram reforma da previdência. Já os governos Dilma fizeram mais uma reforma da previdência, tentaram fazer a reforma trabalhista e buscaram radicalizar a política de ajuste fiscal com Joaquim Levy (o que acabou agravando a recessão histórica de 2014-16). Como resultado da continuidade da ofensiva burguesa, os governos do PT registraram em 2007, 2008, 2010 e 2011 as maiores taxas de lucro deste século para os patrões!
Em seguida, o governo do vice de Dilma, Temer, conseguiu implementar a reforma trabalhista de 2017 e aprovou o novo regime fiscal, com o teto de gastos públicos, em 2016. Bolsonaro pegou a reforma da previdência, proposta por Temer, e a aprovou em 2019, realizou inúmeras privatizações e reformas como a da “liberdade econômica”, assim como tentou avançar ainda mais na reforma trabalhista, com medidas emergenciais na pandemia e com a proposta de uma “carteira verde amarela”. Outras reformas, não concluídas, continuam na mesa à espera de novas rodadas de ataques lideradas pelo governo de plantão e com apoio do congresso, do judiciário e de toda a mídia.
Lula-Alckmin, desde o início da campanha eleitoral em 2022, candidataram-se para o papel de consolidadores dessa ofensiva de classe. Em nenhum momento se comprometeram com a reversão de nenhum dos recentes ganhos da burguesia (previdenciária, trabalhista, privatizações etc.). Pelo contrário, os próprios governos estaduais petistas replicaram a reforma previdenciária de Bolsonaro. Ou seja, apesar de toda embromação, de todos os discursos para a “esquerda” reformista ouvir, Lula-Alckmin sempre se mostraram parte integrante da atual ofensiva de classe da burguesia no país, visando atender as demandas concretas e mais emergentes da burguesia na luta de classes hoje. Esse sempre foi o papel dos reformistas e dos oportunistas: assumir governos semeando ilusões e, na prática, servir ao que o capital precisa! Afirmar-se em prol da mudança, mas dar continuidades aos ataques anteriores!
Não ver o papel dos reformistas e oportunistas tem sido um “erro comum” (ou, mais precisamente, uma conciliação) de parte da “esquerda” incluindo a que se considera mais crítica ao Lula. Acham que o presidente poderia, se quisesse, fazer uma política distinta dos interesses das classes dominantes. Não enxergam (ou não querem ver) que é o capital que determina, em última instância, as políticas públicas e a ação do estado. Imaginam um processo ilusório de avanço pacífico e tranquilo para revolução baseado nas limitadas vantagens possíveis na democracia burguesa.
Os exemplos concretos da atual consolidação/continuidade da ofensiva de classe por parte de Lula-Alckmin são vários. O primeiro deles, o próprio gesto de colocar um dos maiores e mais conservadores (e “golpistas”) tucanos como vice, e depois como o coordenador da transição de governo, é mais um exemplo da velha genuflexão do PT frente à burguesia – lembremos do industrial José de Alencar como vice, ou a entrega do ministério da fazenda ao Bradesco, no Dilma 2.
A campanha de Lula-Alckmin foi marcada por uma busca constante de acordo com a grande burguesia do país, de todas as frações. Nas rodadas de promessas à burguesia, em eventos e jantares refinados, a chapa deixou claro a qual classe iria servir (o que também significa dizer quais classes combateria). Para os latifundiários, Lula avisou: “se o cidadão invadir uma terra produtiva, pode ficar certo de que a Justiça vai tirá-lo … O país precisa de ordem e de tranquilidade para poder seguir em frente”. O país, no caso, é a burguesia, cujo dever da presidência é servir.
Na montagem do governo, a nomeação dos principais cargos mostrou o papel da burguesia, da direita e de seus representantes. Alckmin acumulou a vice-presidência, a coordenação da transição, e o ministério desenvolvimento, indústria, comércio e serviços – não sem antes oferecer o cargo ao presidente da FIESP, Josué Gomes. O ministério da fazenda ficou com o mais tucano dos petistas, Haddad, cujo braço direito é um banqueiro, Gabriel Galípolo. A equipe econômica na transição contou também com o auxílio de Pérsio Arida, presidente do banco central de FHC. Já o planejamento ficou com a ruralista Simone Tebet, cujo braço direito é um ex-secretário de Guedes/Bolsonaro. Eis o núcleo da equipe econômica de mais um governo do “partido dos trabalhadores” (sic)! Completam a equipe de Lula-Alckmin, Rui Costa como ministro da casa civil, que no governo da Bahia defendeu militarização da educação e implantou a reforma da previdência; Wellington Dias, no desenvolvimento social, também responsável pela reforma da previdência no Piauí; Camilo Santana na educação, com sua equipe defensora de fundações privadas e do novo ensino médio de Temer-Bolsonaro; José Múcio, o ministro da defesa indicado pelos militares; Carlos Fávaro, da Aprosoja, para a agricultura; os filhos dos caciques regionais do MDB Renan Calheiros (Alagoas, transportes) e Jáder Barbalho (Pará, cidades); pela União Brasil o corrupto Juscelino Filho (comunicações) e a aliada de milicianos Daniela do Waguinho (turismo).
Antes mesmo de tomarem posse, Lula-Alckmin selaram de imediato apoio aos presidentes da câmara e do senado de Bolsonaro, Lira e Pacheco. Como se sabe, o aperto de mão com o “centrão” não funciona sem (muitos) cargos e (cada vez mais) verbas. E, assim, o nem empossado governo já começou a lotear ainda mais espaço para a direita e entregar ainda mais verba à corrupção aberta dos congressistas. União Brasil (ex-DEM, ex-PFL, ex-ARENA e ex-PSL de Bolsonaro) e PSD (de Kassab, homem forte do governador bolsonarista de São Paulo, Tarcísio de Freitas) ficaram com 6 ministérios. O grupo de Lira manteve o antro de corrupção que é a Codevasf. Além disso, driblando o STF, o novo governo e o centrão ajustaram e aumentaram a corrupção do orçamento secreto de Bolsonaro. Ou nas palavras do então candidato Lula, a “maior bandidagem já feita em 200 anos de República”. Esse ano as emendas parlamentares totais devem fechar com valor recorde de R$ 46 bilhões.
Mesmo assim, o governo ainda não tem garantida sua base congressual, nem na câmara, nem no senado, conforme informou Lira – sob efusivos aplausos de Zeca Dirceu, atual líder do PT, para quem o PT deve dividir o poder com Lira. No senado, é bom lembrar, a oposição bolsonarista teve 40% dos votos, o limite para virtualmente impedir qualquer emenda constitucional. O presidente da União Brasil saiu à público dizendo que não é base do governo, e exigindo ainda mais cargos e dinheiro. Sem dúvida, o governo continuará se esforçando ao máximo nesse esgoto a céu aberto que é a política burguesa e suas “frentes”.
Apesar de ter fugido ao máximo do detalhamento de seu “programa”, diante da tática do “jogar parado” que adotou, as declarações e diretrizes públicas de Lula-Alckmin afirmavam aos patrões que não haveria revogação de reforma alguma, nem reversão de privatizações. Caso eleita, a chapa defenderia um “ambiente de estabilidade política, econômica e institucional que proporcione confiança e segurança aos investimentos que interessam ao desenvolvimento do país”, o que inclui a permanência dos ganhos recentes da burguesia.
Um exemplo é o tema muito em voga da autonomia do banco central e dos juros altos. Na campanha, o PT deixou claro que manteria as coisas como estão, com a permanência do bolsonarista Campos Neto na presidência do banco. De acordo com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann: “se houve o Meirelles haverá o Roberto Campos Neto”. Para o ex-ministro da fazenda, Guido Mantega: “Roberto Campos é melhor do que o Meirelles”. Aliás, a autonomia do banco central é uma pauta antiga de Lula. Só se enganou quem quis – no caso, o PSOL (como sempre) e o resto da laia reformista. Já empossado, Lula e sua claque começaram uma campanha contra os juros altos, a autonomia do BC e o bolsonarista Campos Neto. Só que, além dos discursos, não foi feito nada. Demitir Campos Neto tem base legal (Lei Complementar nº 179/2021, art. 5º, IV, § 1º), por iniciativa do conselho monetário nacional – no qual Lula tem maioria. Esse mesmo conselho também pode alterar as metas para a inflação, possível caminho para a redução dos juros pelo banco central. Mas é melhor não pagar para ver quais seriam os votos de Haddad e Tebet a esse respeito…
Nesses primeiros meses de governo, qualquer proposta de passos atrás nas reformas foi barrada de imediato. O caso exemplar foi de Lupi, ministro da previdência, que comentou sobre construir uma “antirreforma” da previdência e logo foi desmentido por seu chefe, Rui Costa, petista da casa civil: “não há nenhuma proposta sendo analisada ou pensada neste momento para a revisão de reforma, seja previdenciária ou outra”. O mesmo Lupi, acreditando no discurso de Lula, quis diminuir os juros do consignado para os aposentados. Resultado: os bancos privados puxaram um boicote, Banco do Brasil e Caixa também anunciaram sua adesão ao boicote da Febraban, Haddad saiu dizendo que há “outros problemas que até inspiram mais cuidados” do que os juros, e Rui Costa confirmou que os juros ficarão mais altos do que o definido por Lupi, sancionando o valor proposto pelos bancos.
Quanto aos ditos ajustes à reforma trabalhista, trata-se de enrolação do ministério da pelegagem (do trabalho) para justificar rodadas infinitas de reuniões em Brasília com o movimento sindical, que voltou a frequentar os palácios. A tendência é que andem apenas propostas de mudanças em pontos mínimos (que não afetem a exploração do/a trabalhador/a), como as relativas à representação e financiamento sindical, demanda principal das centrais pelegas. Há também debates em torno de uma regulação mínima dos/as trabalhadores/as de aplicativo, processo já em curso no país, após intensas lutas desta categoria. O fundamental, dessa vez, disse Lira: “Nós deveremos discutir avanços e não retrocessos com relação a reforma trabalhista”. Avanços, no caso, sobre o couro do/a trabalhador/a.
A ofensiva burguesa dos últimos anos em outras áreas também parece que vai ser mantida por Lula-Alckmin. Um exemplo é a reforma no ensino médio, realizada por Temer, mantida por Bolsonaro, e que iniciou recentemente sua implementação no país, piorando ainda mais a qualidade de ensino recebida pelos estudantes mais pobres e voltando sua formação para as necessidades diretas dos patrões. Até agora, o governo apenas abriu consulta pública para debater (e enrolar) sobre prováveis ajustes nessa reforma, apoiada pelas grandes fundações empresariais da educação.
O foco do novo governo de fato não está no passado da ofensiva de classe. Mas em seu futuro, em entregar à burguesia as novas reformas! Sejam as que ficaram no meio do caminho e não foram aprovadas, como a reforma tributária; sejam as que não existiam mais de fato, como o teto de gastos (cujos “furos” anuais se tornaram de praxe). Essas duas pautas foram as prioridades elencadas por Haddad para esse primeiro ano de governo, desde a transição. No caso da tributária, trata-se fundamentalmente de uma simplificação na cobrança de tributos aos empresários, cujo objetivo é reduzir custos dos negócios, e, assim, ampliar os lucros. Segundo não o atual ministro da fazenda, mas o anterior, Guedes: “você pergunta qual a mais importante, eu considero a tributária”. No caso do novo regime fiscal, trata-se de um novo teto de gastos, construído com auxílio do FMI. A proposta já se encontra nas mãos de Lula, que tem tentado se distanciar ao máximo do próprio filho que gerou – pois sabe bem que se trata, mais uma vez, de “estelionato eleitoral” para parte de seus apoiadores. Não é à toa que Guedes tem elogiado Haddad…
Além disso, há as perspectivas de novas privatizações – que o PT prefere nomear de “concessões”. Em fevereiro, o porto de Paranaguá (PR) foi leiloado. Segundo o ministério de portos e aeroportos, vários leilões estão programados para os próximos meses, como os dos portos de Maceió e de Mucuripe no Ceará. E existem reuniões do governo com o bolsonarista Tarcísio de Freitas sobre avançar na privatização do porto de Santos.
Mesmo com uma política fundamentalmente em prol da burguesia, o apoio desta ao governo, assim como sua própria sobrevivência e sucesso, não são garantidos de antemão. Várias são as razões para a dificuldade dessa nova gestão do capital encabeçada pelo PT. A começar pela existência, no mercado eleitoral, de outros exímios servos no aumento da exploração e dos lucros. O bolsonarismo, que perdeu por margem mínima de votos, mas levou os principais governos estaduais, garantiu uma bancada parlamentar grande e se mantém vivo enquanto força política, continua como instrumento ainda útil para a burguesia. Como demonstramos em outra publicação, as perspectivas econômicas deste início de governo também não são boas, com desaceleração já em curso e reforço do quadro de estagnação. Os lucros tendem a cair e retrocessos, paralisias e/ou desvios do governo (para firmar minimamente sua base social), nesse cenário, tendem a ser duramente criticados – alguns representantes da burguesia já estão nesse caminho.
A volta da política de cooptação do petismo: a velha e falida subordinação e “institucionalização” dos movimentos populares
A cooptação das centrais sindicais ao governo Lula-Alckmin segue a todo vapor e sem qualquer resistência (pelo contrário!). No dia 18 de janeiro se alinharam ao governo as duas Intersindicais, NCST, UGT, CUT, Força Sindical, CTB, CSB, Pública e Conlutas.
Em toda a história do proletariado e das classes dominadas em sua luta contra a exploração capitalista, sempre houve grupos e forças políticas cujo objetivo é iludir os/as trabalhadores/as em luta, dificultar o avanço de sua organização e do enfrentamento contra os patrões. Fazem isso apostando na “conciliação” entre trabalhador/a e patrão, em fajutas soluções para o proletariado via eleições e instituições burguesas. Esses grupos, que fingem estar do lado do proletariado, na verdade atuam como verdadeiros representantes dos capitalistas em suas fileiras. Ajudam a manter o sistema de exploração capitalista, legitimam a democracia burguesa e as instituições do estado capitalista, atam o proletariado à burguesia e seus representantes políticos, enfim, emperram o caminho da nossa verdadeira emancipação.
Esses grupos reformistas e oportunistas são a verdadeira “esquerda” do capital. Bastante influentes nas camadas médias e na aristocracia operária, querem mesmo é a manutenção do capitalismo, com a miséria minimamente sob controle, assim como a luta dos/as trabalhadores/as (como se isso fosse possível no capitalismo!). De preferência com eles em cargos dirigentes e de liderança no estado capitalista, ou seja, com influência na política burguesa – e todas as mordomias que isso significa.
Desde sempre também os/as comunistas buscam independência de tal gente, assim como combatê-las e denunciá-las aos olhos das massas. No Manifesto Comunista, contra aqueles que buscavam “atenuar a luta de classes e conciliar os antagonismos”, Marx e Engels afirmavam: “nunca, em nenhum momento, esse partido se descuida de despertar nos operários uma consciência clara e nítida do violento antagonismo que existe entre a burguesia e o proletariado”. Lênin, no Estado e Revolução, denunciou abertamente os oportunistas que viam no estado capitalista um órgão de uma fajuta “conciliação de classes”. Acusou aqueles que se desligavam da massa e “se ‘arranjam’ bastante bem sob o capitalismo”, vendendo sua independência por cargos nesse estado.
Como expressão maior do reformismo e do oportunismo no Brasil, o petismo desde seu início defende a sujeição do proletariado à burguesia, com um projeto de desenvolvimento capitalista “inclusivo” e “democrático”, buscando a ocupação dos espaços no aparelho de estado burguês e alianças com a burguesia – mesmo sob certa verborragia “socialista” em seu surgimento. Na prática, se construiu ao longo dos anos, de sua atuação sindical nos anos 1980 à presidência da república, como um fator fundamental na desorganização e bloqueio da luta proletária no país, a partir da “conciliação” com os patrões e da “institucionalização” dos enfrentamentos, ou seja, na subordinação das massas aos interesses burgueses.
Nos governos do PT, o proletariado e as demais classes trabalhadoras não tiveram avanços em sua organização e instrumentos de luta. Pelo contrário. Como já afirmamos, tais governos cumpriram um papel “desorganizador dessas massas trabalhadoras, iludindo-as com a institucionalidade do estado burguês e rebaixando-as politicamente a meros apêndices do aparelho sindical pelego ou à passividade eleitoral e, assim, enfraquecendo-as para a luta de classes, desarmando-as de sua posição política própria e independente”.
O único fortalecimento que o petismo proporcionou foi o fortalecimento do pelego e de “lideranças”, que começaram a ganhar cargos que nunca antes ocuparam e a gerenciar volumes de dinheiro inéditos. Enquanto o petismo catapultava um Jair Meneguelli de sindicalista a milionário que negocia cavalos de luxo, juntava a burguesia e representantes de operários para discutirem o “futuro da nação”, em harmoniosas reuniões nos palácios de Brasília, a taxa de sindicalização caia de 20% para 16%; a exploração aumentava a passos largos e os salários reais dos operários das indústrias de origem do PT ficavam estagnados.
E quando a massa resolveu lutar fora dessas correias de transmissão, o PT demonstrou também seu lado abertamente repressivo: só ver as greves nas grandes construções (Jiaru, Santo Antônio, Belo Monte) e nos estádios da copa, nas alianças entre CUT e guarda nacional, ou na aliança Haddad-Alckmin para reprimir os manifestantes de SP em 2013, dez anos atrás.
O novo governo Lula-Alckmin, desde a transição governamental no final do ano passado, tem mostrado interesse e prioridade em dar continuidade a essa história nas condições concretas de hoje. Está reconstruindo no coração do estado capitalista toda a máquina de cooptação de movimentos sindicais e populares e suas lideranças, todo seu aparato de desmobilização e sabotagem da luta independente de classe.
Até por saber dessa possibilidade, diversos grupos e movimentos da “esquerda” do capital apoiaram sem críticas a chapa Lula-Alckmin e seu programa de consolidação e continuidade da recente ofensiva burguesa. Como o caso do PSOL, que fingiu inicialmente impor “compromissos programáticos” para seu apoio nas eleições – compromissos que não foram, nem nunca serão, praticados por Lula-Alckmin, sabidamente. Após a encenação, tal partido hoje compõe o governo, ocupando um ministério e indicando cargos, inclusive no ministério de Jader Barbalho Filho, até ontem “golpista” MDB.
Grupos de discussão e espaços consultivos, envolvendo “representantes” de trabalhadores/as e patrões foram usados amplamente nos governos petistas anteriores. E agora voltam a funcionar. O gabinete de transição, dirigido pelo “companheiro” Alckmin, contou com um tamanho impressionante: cerca de 5 mil participantes! O ministério do trabalho já está com grupos de trabalho junto às centrais sindicais pelegas. Um conselho de “participação popular” já foi criado, e um novo “conselhão”, que reúne também diversos nomes da burguesia, está em construção.
A pelegagem defende tais espaços como “democráticos”, “participativos”, “de diálogo”. Mas na prática, trata-se de uma tática de enrolação e de cooptação do governo, feita para empregar essa pelegagem, desviar o foco das lutas e mobilizações para reuniões em Brasília e amarrar todos os movimentos à política de subordinação aos interesses da burguesia. No período em que esses espaços estavam em funcionamento, a organização das massas não avançou e nenhuma conquista tivemos nessas rodas de conversa e nos inúmeros relatórios gerados!
Esses mesmos pelegos e movimentos populares reformistas, também como nos governos anteriores do PT, estão ganhando cargos e tendo novas perspectivas de financiamento. Não à toa se mantêm como correia de transmissão desse governo, tutelados pela agenda governamental. Ex-presidentes da CUT ganharam seus assentos no ministério do trabalho, Marinho e Vagner, mas esse último já saiu para ganhar bem mais no Sesi… O MST, depois de muito chiar, tem conseguido mais cargos e controlará, por exemplo, uma pasta bilionária no ministério do desenvolvimento agrário e agricultura familiar.
Aos/Às trabalhadores/as é preciso ficar bastante claro que acreditar e se integrar à máquina estatal é concomitante o abandono da luta e da organização das massas exploradas. Ao se tornarem ainda mais agentes do governo e da ordem, essas “lideranças” pelegas agem diretamente para sabotar qualquer mobilização que choque os interesses da burguesia e seu governo. Um exemplo recente foi a desmarcação de uma paralisação dos entregadores por parte de lideranças que foram recebidas na mesa de enrolação do ministério do trabalho. Por sua vez, o ministro do desenvolvimento agrário do PT se reúne com empresa dona de terra, diz que a invasão do MST foi caso isolado e defende a desocupação da terra. Enquanto isso, fazendeiros, extrema-direita e PM expulsam violentamente militantes do MST na Bahia…
Somando-se a essa política de cooptação de lideranças e movimentos, há também por parte do governo a distribuição de migalhas para bases eleitorais nas classes populares e camadas médias, cujo objetivo é evitar explosões de revoltas e manter índices de popularidade. Com o espaço fiscal garantido com a PEC do ano passado, o governo iniciou o ano com várias medidas “populares”, como aumento real do salário mínimo, ampliação do bolsa família e reajustes em bolsas de estudos. Devemos sim exigir melhorias nos salários, nas bolsas e mais rendas emergenciais diante do imenso desemprego, sem, no entanto, entrarmos no jogo deste governo que, como vimos, é um governo dos patrões.
Todos esses eventos precisam ser analisados concretamente, longe dos discursos ilusionistas do governo e da “esquerda”. Devemos perguntar com Lênin: “esta política representa as massas, serve as massas, isto é, a libertação das massas do capitalismo, ou representa os interesses de uma minoria, a sua conciliação com o capitalismo?”.
Ora, a política de “conciliação” e todos os mecanismos de cooptação, antes e agora, servem no fundamental para a continuidade da escravidão assalariada e da dominação burguesa. As migalhas e os espaços abertos nesse processo seguem uma determinada linha política oportunista, cujo objetivo é renovar a legitimidade e aperfeiçoar as instituições burguesas e sua capacidade de desmobilização das massas. Tal política pode até significar mudanças reais para uma minoria de “lideranças” pelegas, que ganham cargos e destaque, mas para as bases, as grandes massas, em nada altera a vida dura, as condições cada vez piores de trabalho.
Enfim, o objetivo de todos esses reformistas e desse novo governo não é fazer avançar a luta contra a burguesia e seu estado. Não são solução para nós! E quando essa luta de fato avançar, a postura supostamente democrática vai ser substituída pela repressão e pela violência, como já visto anos atrás.
Na conjuntura atual, a política de “conciliação” também não fará recuar a ofensiva burguesa. Essa é uma ilusão de certa ala da “esquerda”, que vive nesses espaços em eternas disputas pontuais de um governo que já se mostrou burguês da cabeça aos pés. O governo seguirá seu rumo de atender sobretudo aos interesses da burguesia – e os espaços consultivos e simbólicos aos movimentos continuarão sem nenhuma influência ou poderes reais. Essa política também não auxiliará no combate ao fascismo, para o que é indispensável uma ampliação da organização independente das massas. A postura do governo nesse ponto também tem sido “conciliação” e desmobilização.
A posição comunista frente à atual conjuntura política
Frente a um governo dos patrões, que continua a ofensiva burguesa, não se mostra uma alternativa de combate à fascistização e, além de tudo, permanece semeando ilusões entre as classes trabalhadoras, aos/às comunistas não cabe outra posição a não ser de luta contra esse inimigo das massas exploradas. Firmar-se no lado proletário da luta de classes, compartilhar com tais massas suas condições de vida e trabalho deterioradas e mobilizar por suas pautas concretas, com independência de classe. Seguindo tal caminho que aponta nossa única saída: somar forças para derrubar a burguesia, tomar o poder político de fato e varrer todo o entulho do estado burguês.
Resistir à ofensiva de classe e combater à fascistização continuam palavras de ordem fundamentais, mesmo com a mudança no governo. A ofensiva e o fascismo continuam aí! E as frentes de nossas tarefas principais também continuam sendo os locais de trabalho e de moradia, as greves, como a de Canoas/RS, e os protestos de rua, como o dos secundaristas – bem longe das mesas de enrolação dos pelegos.