CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Nacional, Teoria

Contra Bolsonaro: Frentes Amplas de Classes ou Resistência e Luta Operária e Popular?

(1ª Parte)

Manifestação em Porto Alegre, 31 de maio: unir lutas antifascistas, antirracistas, contra a opressão à mulher e contra Bolsonaro e mostrar que todas elas devem ser lutas anticapitalistas! 

Cem Flores
10.07.2020

Desde o início do ano, o mundo e o Brasil vivem uma grave crise sanitária em função da pandemia de Covid-19, que detonou uma grave crise econômica – que já estava a caminho após anos de baixo e minguante crescimento e agravamento das contradições do capital –, e que se soma, em países como os EUA e o Brasil, com uma também grave crise política

Leia a análise do Cem Flores sobre essas crises no nosso último livro digital:
A Luta de Classes no Brasil em Contexto de Crise e Pandemia.

Crises Conjuntas: Sanitária e Econômica

No dia 8 de julho, o total mundial de casos de coronavírus superava 12,2 milhões, com 4,6 milhões de casos ativos, 7,1 milhões de recuperados e mais de 550 mil mortes. Os EUA, com 26% do total mundial, e o Brasil, com 14%, lideram essa estatística macabra. De acordo com os dados oficiais do governo brasileiro, o país já conta com 1,7 milhão de casos desde o começo de março e uma média de mais de 37 mil novos casos por dia nos últimos sete dias – ou seja, mais de 1 milhão de casos por mês. A Covid-19 já matou mais de 68 mil pessoas no Brasil. Enterrando mais de mil mortos por dia, em 8 de agosto já teremos 100 mil mortos. As mais vitimadas são as massas trabalhadoras, negras e das periferias, cujas condições de vida e de acesso à saúde são precárias

A pandemia e as medidas de distanciamento social para tentar contê-la na maioria dos países, se somaram às graves contradições do sistema imperialista mundial, que não cessaram de se avolumar desde a grande crise do capital iniciada em 2008/9. Uma análise detalhada do estado da crise mundial do capital está no artigo de Michael RobertsVoltando ao Normal?, que publicamos no dia 12 de junho. 

É importante destacar dois números dessa verdadeira depressão mundial e brasileira. 

Primeiro, o explosivo aumento no desemprego. Nos EUA, os pedidos de auxílio-desemprego somaram 41,9 milhões nos três meses de meados de março a meados de junho, dos quais 17,7 milhões são contínuos. Com isso, a taxa de desemprego passou de 3,5%, em fevereiro, para um pico de 14,7%, em abril, e está em 11,1% em junho. 

No Brasil, os números da última pesquisa do IBGE são estarrecedores: 

  • 12,7 milhões de trabalhadores/as desempregados/as; 
  • 32,3 milhões de trabalhadores/as informais; 
  • 30,4 milhões de trabalhadores/as “subutilizados/as”, número recorde; 
  • 5,4 milhões de trabalhadores/as desalentados, também recorde; e 
  • 2,5 milhões de perdas de postos de trabalho com carteira assinada. 
  • 12,9% é a taxa de desemprego oficial, que só não é maior pois a taxa de ocupação caiu para menos da metade da população apta a trabalhar. Sem esse efeito de desempregados/as pararem de procurar emprego, a taxa de desemprego oficial poderia ter batido a casa dos 20%. 
  • 27,5% é a taxa de subutilização (medida mais abrangente usada pelo IBGE), também um novo recorde.

Além disso, a catástrofe sobre os/as trabalhadores/as se completa com 12 milhões com contratos suspensos ou salários/jornada reduzidos e os beneficiários do auxílio emergencial de R$600, que já chegam a 53,9 milhões.  

Segundo, a inédita magnitude da recessão, medida pela queda do PIB. De acordo com o último relatório da OCDE sobre a economia mundial, o PIB mundial deve cair entre 6% e 7,6% neste ano – com a recessão atingindo, em diversos graus, praticamente todos os países, incluindo a China. Para fins de comparação, na grande recessão de 2009, esse percentual foi -0,1%.

Para o Brasil, a OCDE prevê recessão de 7,4% a 9,1% em 2020 – a maior, de longe, desde o início da série do PIB brasileiro, em 1900 – que pode superar o efeito acumulado da última recessão, de 2014 a 2016, por volta de -8%. 

O gráfico abaixo, tirado do mencionado relatório da OCDE, mostra a generalização da recessão mundial na atual crise do sistema capitalista mundial, o sistema imperialista, em contexto prolongado e imprevisível de pandemia. 

Projeção para o PIB de 2020 (mundo). Vermelho claro: cenário com apenas uma onda de contágio. Vermelho escuro: queda adicional em cenário de duas ondas de contágio.

O novo relatório do FMI – “Uma Crise Como Nenhuma Outra, uma Recuperação Incerta” – também aponta para uma histórica recessão mundial, com a nova projeção para o Brasil igualando o pior cenário da OCDE: queda de 9,1% no PIB deste ano. 

As Distintas Reações das Classes Antagônicas Nesta Crise

Os capitalistas usam as condições criadas pela crise para buscar avançar na sua ofensiva em todas as frentes contra as classes dominadas. No Brasil atual, identificamos ao menos quatro aspectos dessa ofensiva burguesa: 

proletariado e as demais classes dominadas, por sua vez: 

A Terceira Crise – Crise Política – no Brasil

No Brasil, as contradições capitalistas agravadas e mais visíveis são acentuadas pela grave crise política. A conjunção dessas três graves crises (sanitária, econômica e política) têm aumentado a oposição a Bolsonaro e o seu isolamento. Um aspecto desse isolamento político são os conflitos institucionais generalizados, com: 1) governadores e prefeitos em relação às estratégias de combate ao coronavírus e ao repasse de recursos; 2) câmara: ameaça de derrubar o veto de Bolsonaro às desonerações fiscais e de rejeitar a nova CPMF de Guedes, além dos mais de 35 pedidos de impeachmentpendentes; 3) senado: devolução da Medida Provisória que dava poderes ao Ministro da Educação para nomear reitores de universidades federais e ação no STF contra preparação da privatização da Petrobrás;  4) judiciário: inquérito das fake news próximo de Carlos Bolsonaro,  busca, apreensão e prisão na base bolsonaristarachadinhas de Flávio Bolsonaro. Outro aspecto é o crescente das manifestações antifascistas, antirracistas e contra o governo em todo o país. 

O isolamento político reflete também perdas de apoio ao centro e à direita (maioria do PSL, governadores, MBLlavajatistas, entre outros), inclusive setores das camadas médias como têm atestado pesquisas recentes. 

As crises e o isolamento político têm levado à maior radicalização do presidente e de sua corja fascista – que, com o maior isolamento político, se tornou mais depurada e coesa à extrema-direita – na defesa de mais poderes para Bolsonaro e do consequente fechamento do Congresso e do STF, de intervenção e/ou golpe militar, e perseguição à esquerda e aos/às comunistas

Quanto à maior radicalização do bolsonarismo, sua desavergonhada característica autoritária, podem ser citados inúmeros marcos. Elencamos sete, cronologicamente: 1) manifestação de 19 de abril de Bolsonaro sob faixas pedindo a intervenção militar no quartel-general do exército, em Brasília; 2) artigo de 14 de maio do vice-presidente general Mourão no Estadão, falando em “usurpação das prerrogativas do poder executivo” e ameaçando uma crise de segurança em função do “caos”; 3) nota de 22 de maio do general Heleno, ministro do “SNI”, ameaçando o STF de “afronta à autoridade máxima do Poder Executivo” com “consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional”; 4) declaração de 28 de maio de Eduardo Bolsonaro de que “não é mais uma opção de se, mas, sim, de quando” a ruptura institucional vai ocorrer; 5) novo artigo de 3 de junho de Mourão no Estadão, chamando as manifestações anti-governo de antidemocráticas, ilegítimas e criminosas, e os manifestantes de delinquentes e baderneiros, ameaçando-os com a polícia; 6) entrevista de 12 de junho de Luiz Eduardo Ramos, general da ativa e ministro da negociata com o centrão, ameaçando a oposição para não esticar a corda; e 7) nota de 12 de junho de Bolsonaro, Mourão e do ministro da defesa, general Azevedo, afirmando que as “FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas” e não aceitam “julgamentos políticos”. 

Essa é apenas uma pequena amostra dos últimos três meses. Antes disso, o bolsonarismo já tivera as declarações de Mourão em defesa do golpe militar, em 2017, pela qual foi recompensado com a vice-presidência; de Eduardo Bolsonaro pelo fechamento do STF, durante a campanha de 2018; do ministro da Economia, Guedes, ameaçando com o AI-5 em 2019 e muitos outros etc. 

burguesia permanece em bloco apoiando o governo, na perspectiva de que este consiga implementar seu programa hegemônico. E outras facções burguesas tem dificuldade de se firmar enquanto alternativa política a curto prazo, mesmo que todas elas representem o mesmo programa hegemônico a ser aplicado. 

Esse cenário em nada se altera com a (pseudo) “autocontenção” de Bolsonaro nas últimas semanas, tão propagandeada pela imprensa, após a prisão do seu amigo miliciano Fabrício Queiróz e do avanço dos processos contra a chapa Bolsonaro-Mourão no TSE, das fake news no STF e dos pedidos de investigação da PGR. 

Resistência e oposição ao Bolsonaro

Do ponto de vista das classes e das frações de classe, dos partidos, organizações e personalidades que se opõem ao governo Bolsonaro, essas crises conjuntas e a radicalização do bolsonarismo têm levado a duas reações opostas

Em primeiro lugar – conforme já mencionado e analisado no nosso texto “É justo se rebelar: a revolta popular nos EUA e o retorno dos protestos no Brasil” – a juventude voltou às ruas, em manifestações ainda pequenas (em parte por causa da pandemia), porém politicamente muito significativas, tanto pelo seu caráter nacional, quanto por sua postura mais ofensiva e pela participação efetiva da juventude trabalhadora e da periferia – dando um passo a mais nas lutas que já estavam acontecendo nos locais de trabalho e moradia. 

A outra reação é a dos manifestos das chamadas frentes amplas multiclassistas – que, pelo menos até aqui, se opõem explicitamente às manifestações e aos protestos populares nas ruas, apesar de alguns de seus membros terem participado de algumas delas, com sua pauta específica e sua linha política institucional-eleitoreira. Organizadas quase que integralmente por camadas médias (artistas, intelectuais, funcionários públicos, profissionais liberais, jornalistas etc.), as atuais propostas de “frentes” têm, na nossa avaliação, pelo menos as seguintes características comuns: 

  • expressar uma ideologia pequeno-burguesa, reformista, de conciliação de classes, em busca do “bem comum” entre exploradores e explorados, manifestado na “vida”, na “democracia”, na “nação”, na “pátria” e no seu estado (capitalista, o que “esquecem” de dizer); 
  • apelar para a participação da burguesia, do centro e da direita, dos conservadores e dos liberais, das instituições do estado capitalista, como precondição de seu “sucesso”; e 
  • não assumir nenhum programa próprio (apenas os manifestos como fim em si mesmos) ou, no máximo, listar como “programa” apenas enunciados genéricos e amplos, na medida certa para não contrariar nenhum dos seus imaginários e/ou potenciais participantes – exceto no caso das eleições municipais. 

Do ponto de vista do proletariado na sua luta de classes contra a burguesia e seu governo, essas propostas significam, concretamente

  • formulação política e ideológica do reformismo como anulação das diferenças inconciliáveis de classes sob o capitalismo, com a consequente manutenção da subordinação e da submissão das classes dominadas aos interesses das classes dominantes; 
  • distanciamento e até recusa das lutas concretas de classe – contra as demissões, por salários, condições de trabalho, saúde, contra a violência policial etc. que têm como inimigos os patrões e seus governos; e 
  • negação da tarefa primordial de reconstrução do partido revolucionário, comunista, na luta de classes da classe operária e demais classes dominadas – tarefa teórica, ideológica, política e prática militante.

Na segunda parte desse texto, realizaremos uma crítica aprofundada a essas frentes amplas de classe. No entanto, desde já, fica claro, que para a classe operária, para todos/as os/as trabalhadores/as da cidade e do campo, para os/as camponeses/as, para a massa desempregada e informal, para a população pobre das periferias e das favelas, para a juventude estudantil e trabalhadora, para as mulheres, o povo negro, indígena, a comunidade LGBT explorados pelo capitalismo patriarcal e racista, a opção é a resistência e a luta, contando fundamentalmente com suas próprias forças. A resistência e a luta contra o governo Bolsonaro e sua corja de fascistas é parte integrante, indissociável, da luta contra o capitalismo. A derrubada de um deve ser parte da luta pela derrubada do outro

Leia a 2ª parte desse texto aqui. Leia a versão completa em pdf aqui.

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- 10/07/2020